PAUL LENI NO CINEMA AMERICANO

março 7, 2023

Embora seja uma figura hoje negligenciada, ele foi um dos estilistas mais exuberantes dos últimos anos do cinema mudo. Sua maneira de filmar fortemente visual e plasticamente cativante sofreu influência do expressionismo alemão e, sob o aspecto do contéudo, inspirou-se nos primeiros seriados francêses de Louis Feuillade como Fantômas (1913-14) e Les Vampires (1916). Seu formalismo, assim como o de F. W. Murnau, deixou marcas profundas no cinema de Hollywood.

Paul Josef Levi (1885-1929) nascido em Stuttgart, Alemanha, filho de Moses Hirsch Levi e Rosa Mayer Levi, trabalhou ainda bem jovem como aprendiz de uma firma de ferragens ornamentais. Por volta de 1902 mudou-se para Berlim e se matriculou na Academia de Belas Artes para uma licenciatura em pintura. Em 1910, desenhou o cabeçalho art nouveau usado na capa do jornal especializado em cinema Lichtbild-Bühne e, depois disso, forneceu ilustrações para numerosos posters de filmes, além de servir como decorador dos interiores de um dos primeiros palácios do cinema de Berlim, o Lichtspielhaus Wittelsbach.

Paul Leni

Em 1913, começou uma longa associação com o produtor e diretor Joe May na Continental Kunstfilm, trabalhando como diretor de arte em filmes de detetive (Ein Ausgestossener / 1913 e Das Panzergewölbe / 1914). Convocado durante a guerra, dirigiu o drama documentário Der Feldarzt / Das Tagebuch des Dr. Hart / 1917. Continuando a servir como desenhista de produção para Ernst Lubitsch e Joe May, P. Leni também dirigiu seus próprios filmes, inclusive uma aventura exótica, Das Rätsel Von Bangalor / 1917, o conto de fadas Dornröschen / 1917 e o drama expressionista Patience / 1920.

Na Gloria-Film entre 1919 e 1921, seus desenhos incluíram as humildes habitações dos fazendeiros em Die Geier-Wally / 1921 de E. A. Dupont e os interiores resplandecentes de épicos históricos como Die Verschwörung Zu Genua / 1920-21, dirigido por ele mesmo e Lady Hamilton / 1921 de Richard Oswald. No drama de câmara Hintertreppe / 1921, seu pictorialismo hábil destacou-se do simbolismo um tanto pesado do codiretor Leopold Jessner.

Após fundar a companhia de produção Paul Leni- Film em 1922, ele e o compositor Hans May abriram o teatro de cabaré “Die Gondel”, financiado por emigrantes russos. Estes mesmos emigrantes eram donos da Neptun-Film, que produziu Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, dirigido por P. Leni, composto por três episódios distintos, estrelados por Emil Jannings como Harun al-Rashid, Conrad Veidt como Ivã, o Terrível, e Werner Krauss como Jack, o Estripador.

Leni continuou a demonstrar extrema versatilidade nos dois anos seguintes, desenhando cenários; colaborando com Guido Seeber em uma série de curtas-metragens de animação, que eram jogos de palavras cruzadas filmados; criando prólogos para estréias de filmes em cinemas de Berlim tais como Paraíso Proibido / Forbidden Paradise de Ernst Lubitsch, Peter Pan / Peter Pan de Herbert Brenon e Varieté / Varieté de E. A. Dupont.

Contratado por Carl Laemmle para ser diretor na Universal em Hollywood, P. Leni realizou O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1926-27, adaptação de uma peça da Broadway de John Willard que chamou atenção por sua iluminação extraordinária e seus efeitos pictóricos e o tornou conhecido como um mestre em filmes de mistério atmosférico. Subsequentemente dirigiu: O Papagaio Chinês / The Chinese Parrot / 1927; O Homem Que Rí / The Man Who Laughs / 1927-28 e O Último Aviso / The Last Warning / 1929. Contraindo uma sepse em decorrência de uma infecção dentária não tratada, P. Leni faleceu aos 44 anos de idade. Seus filmes exerceram uma influência profunda sobre a série de horror da Universal dos anos 30 e 40.

 

O GATO E O CANÁRIO.

Exatamente vinte anos após a morte do milionário recluso e excêntrico, Cyrus West, um grupo de parentes do falecido (Arthur Edmund Carewe, Forrest Stanley, Creighton Hale, Flora Finch, Gertrude Astor) chega à sua velha e assustadora mansão para a leitura do seu testamento ao bater da meia-noite. Porque não gostava das atitudes gananciosas de seus parentes – que estavam de olho na sua fortuna como um gato em torno de um canário -, West deixou todos os seus bens para o parente mais distante com o nome West – a inocente Annabelle (Laura La Plante). A única condição imposta é que ela deve ser declarada sã por um médico para herdar. Se Annabelle não for declarada em plena posse de suas faculdades mentais a fortuna passará para a pessoa nomeada em um segundo envelope guardado no cofre de West. Mas o advogado, Roger Crosby (Tully Marshal, responsável pela guarda do testamento, é encontrado morto. Logo depois, chega o guarda de um asilo próximo (George Siegmann) em perseguição a um louco fugitivo conhecido como The Cat (O Gato) assim chamado porque “rasga suas vítimas como o gato faz com os canários”. Enquanto os herdeiros passam à noite na mansão, Annabella é ameaçada pelo Gato e várias ocorrências inexplicadas levam a família a duvidar de sua sanidade. Até que o verdadeiro “monstro” é capturado pela polícia e vem a ser a pessoa indicada no segundo envelope.

Leni não procura disfarçar a origem teatral do argumento, mantendo uma unidade de lugar (o castelo), de tempo (a noite) e de ação (as consequências do testamento), mas narra a história de um modo visualmente estimulante, criando sequências nas quais o mistério se mistura com a comédia e o horror enquanto uma intriga policial prende nossa atenção do início ao fim do filme.

 

O PAPAGAIO CHINÊS.

Sally Randall (Marian Nixon), filha de um rico plantador havaiano, casa-se com Phillimore, o homem escolhido por seu pai, apesar de ter jurado seu amor a Philip Madden (Hobart Bosworth); arrancando de sua garganta as pérolas caras que lhe foram dadas por seu pai, Madden declara que um dia ele vai comprá-la pelo mesmo preço. Vinte anos mais tarde, agora uma viúva em dificuldades financeiras, Sally (agora interpretada por Florence Turner) põe as jóias à venda em San Francisco. Acompanhada por sua filha, Sally, ela fica surpresa ao descobrir que Madden negociava as pérolas que ela confiou a Charlie Chan (K. Sojin) um detetive chinês, e a venda foi condicionada à entrega das jóias na sua casa no deserto. Madden é feito prisioneiro por criminosos e personificado por um imitador, Jerry Delane (Hobart Bosworth), que acolhe Sally e Robert Eden (Edward Burns), o filho do joalheiro. Enquanto Chan está secretamente investigando, as jóias são roubadas por várias pessoas, mas sucede que um papagaio chinês, que testemunhou o sequestro, consegue contar tudo em inglês para o detetive.

Esta adaptação cinematográfica do romance de Earl Der Biggers de 1926 é considerada um filme perdido. Reproduzo um trecho sobre a realização publicado no jornal Correio da Manhã na época de seu lançamento no Cinema Pathé do Rio de Janeiro: “Pode-se sem receio afirmar que o conhecido diretor alemão Paul Leni revolucionou a arte cinematográfica, realizando uma admirável inovação na respetiva técnica. Essa técnica é inconfundivelmente sua, muito sua”.

O HOMEM QUE RI.

Por ordem do rei James II, inimigo político de seu pai, Gwynplaine (Conrad Veidt), ainda menino, teve seu rosto desfigurado, ficando com um perpétuo sorriso macabro. Ele se torna um palhaço famoso e na companhia de Dea (Mary Philbin), uma moça cega, viaja na carroça de Ursus (Cesare Cravina), um artista saltimbanco de coração generoso. Um romance se desenvolve entre Gwynplaine e Dea até que ele descobre que é herdeiro de um título de nobreza. Barkilphedro (Brandon Hurst), bobo da corte da rainha Anne (Josephine Crowell,) fica sabendo da reivindicação de Gwymplaine ao título. A rainha, vendo uma oportunidade de disciplinar sua meia-irmã, Duquesa Josiana (Olga Baclanova), restaura Gwynplane no seu título de nobreza e decreta que ele deverá se casar com Josiana; porém Gwinplane renuncia ao título, recusa o matrimônio com a duquesa e segue Dea e Ursus, que haviam sido banidos da Inglaterra. Na sua fuga, é perseguido pelos soldados da rainha e Barkilphedro. Escapando ileso, encontra Dea e Ursus no momento exato em que o barco que os conduz está partindo.

Apesar de ter um final feliz diferente do romance de Victor Hugo (no qual Gwynplaine chega demasiado tarde ao barco, encontra Dea afogada e se suicida por desespêro), P. Leni apresenta um resumo aceitável e inspirado da obra literária, misturando melodrama romântico, comédia, sátira, ingredientes do filme de capa-e-espada com  a magnificência dos cenários, um esplendor plástico e uma montagem trepidante, beneficiando-se sobretudo da magnífica interpretação de Conrad Veidt  que, apesar de seu sorriso estático, foi capaz de fazer transparecer suas emoções através de um olhar tão eloquente.

O ÚLTIMO AVISO

Em um grande teatro da Broadway, o ator John Woodford morre assassinado em plena representação, eletrocutado quando sua mão acabou de tocar um candelabro. Os principais suspeitos são a atriz principal feminina, Doris Terry (Laura La Plante), o substituto de Woodford, Richard Quayle (John Boles) e o parceiro de Woodford, Harvey Carleton (Roy d’ Arcy), apaixonado, como Quayle, pela jovem Doris. Quando o legista chega, o cadáver desapareceu. Cinco anos mais tarde, por iniciativa do um dramaturgo, Arthur McHugh (Montagu Love), que é na verdade um policial visando expor o assassino, o teatro é reaberto com a peça fatídica, usando artistas do elenco original ainda disponíveis. Os ensaios começam e com eles acontecimentos estranhos (cenário que desaba, vozes estranhas) supostamente calculados para amendrontar os componentes da companhia. Estes recebem uma série de bilhetes anônimos do morto, com terríveis advertências do que lhes acontecerá, se mantiverem o teatro aberto.  O “fantasma” de Woodford aparece e emite um último aviso. Finalmente, após vários acontecimentos, descobre-se o assassino e o motivo do crime.

Baseado na peça de Thomas F. Fallon, por sua vez inspirada na história “The House of Fear”, escrita por Wadsworth Camp, foi o último filme de P. Leni antes de sua morte prematura. Trata-se de um drama criminal de mistério contendo os ingredientes clássicos do gênero com alguns elementos de horror (perspectivas distorcidas, ângulos inclinados, câmera baixa, jogo de sombras, sustos com teias de aranha ou rajadas de morcegos). A câmera desliza por todos os lugares e maior parte dos planos ainda hoje suscita espanto e admiração por causa de seu brilhantismo, notando-se o emprego pioneiro de truque visuais como, por exemplo, a cena em que vemos o assassino mascarado balançando em uma corda nas vigas do teatro. P. Leni coloca a câmera na própria corda e a empurra para lá e para cá, a fim de captar do ponto de vista do perseguido a reação de seus perseguidores. Merece destaque ainda o desenho de produção de Charles D. Hall (colaborador do diretor também em O Gato e o Canário e O Homem Que Ri), notadamente o balcão barroco do teatro.

One Response to “PAUL LENI NO CINEMA AMERICANO”

  1. Os filmes de Leni são realmente impressionantes. Várias cenas de seu clássico O Homem que Ri permanecem na memória, como uma logo do início, quando o jovem Gwynplaine caminha pela neve e encontra uma floresta de pessoas enforcadas. Um sendo visual único e que bom que a Universal o permitiu usá-lo.

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