São dois filmes britânicos, realizados nos anos cinquenta, abordando temas semelhantes e baseados em fatos reais:
O Homem Que Nunca Existiu / The Man That Never Was / 1956.
Produzido por André Hakim, distribuído pela 20thCentury-Fox e dirigido por Ronald Neame, com roteiro de Nigel Balcon baseado no livro do mesmo nome de autoria de Ewen Montagu e narra a Operação Mincemeat (Operação Carne Moída), um plano elaborado em 1943 pelo Serviço de Inteligência Britânico para enganar as Potências do Eixo, fazendo-as crer que a invasão aliada da Sicília ocorreria em outro lugar do Mediterrâneo.
Inspirado numa história fascinante da vida real, relatada por meio de um roteiro sóbrio e bem engendrado, o filme combina realidade e ficção com uma direção eficiente e simples, conquistando o espectador durante todo o desenrolar da projeção. Resulta um excelente thriller de espionagem oferecendo uma cena bastante original: o espião oferecendo a própria vida para descobrir os planos do inimigo. Por ter sido de um escocês o corpo que iludiu o inimigo, ouvímos no prólogo e no epílogo (na cena comovente em que Montagu deposita no túmulo do Major William Martin a condecoração que recebeu pelo êxito de sua missão) os belos versos escoceses que falam de um sonho na ilha de Skye, onde “I saw a dead man win a battle and I found that that man was I”.
O Homem Que Enganou o Mundo / I Was Monty´s Double / 1958.
Produzido por Maxwell Setton para a Associated British-Pathé e dirigido por John Guillermin, com roteiro de Bryan Forbes baseado na autobiografia do ator M. E. Clifton James e narra outra operação do Serviço de Inteligência Britânico para ludibriar os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
Na trama, pouco antes dos desembarques do Dia D, o governo britânico lança uma campanha de desinformação espalhando rumores de que os desembarques ocorreriam em um local diferente da Normandia. Os detalhes da operação (intitulada Operação Copperhead) são confiados a dois oficiais da inteligência, Coronel Logan (Cecil Parker) e Major Harvey (John Mills). Eles são inicialmente incapazes de conceber um plano, mas uma noite Harvey vê um ator em um teatro de Londres fazendo uma imitação convincente do Marechal de-Campo Bernard Montgomery. O ator chama-se M. E. Clifton James, tenente estacionado em Leicester com a Royal Army Pay Corps e artista profissional durante os tempos de paz. Clifton James é convocado para Londres, supostamente a fim de fazer um teste para um filme, e um plano é elaborado pelo qual ele fará uma tournée pelo Norte da África personificando Montgomery. James duvida que possa se passar por Montgomery com sucesso, mas concorda em tentar. Disfarçado de cabo, ele transita algum tempo pelo quartel general de Montgomery e aprende a copiar os maneirismos e o estilo do general. Após uma entrevista com o general, James é enviado para uma tourné pelo Norte da África. Acompanhado por Harvey, que está interpretando o papel de brigadeiro e ajudante-de-campo de Montgomery, James chega a Gibraltar, onde o governador, que conhecia Montgomery há anos, fica espantado com a semelhança. Para promover o engano, um empresário local sueco e conhecido agente alemão, Karl Nielson (Marius Goring), é convidado para jantar, para que fique sabendo da presença de Montgomery e espalhe a informação. James e Harvey viajam pelo Norte da África e inspecionam as tropas. Faltando apenas alguns dias para os desembarques, ficam sabendo que os alemães foram sem dúvida enganados e mantiveram muitas tropas no Sul, distante da Normandia. Com seu trabalho terminado, James se esconde em uma vila fortemente vigiada na costa. Entretanto, os alemães foram mais enganados do que Harvey imaginava. Uma equipe de comandos germânicos é transportada por um submarino para sequestrar Montgomery. Eles matam seus guardas e estão prontos para embarcar com James, porém Harvey fica sabendo do sequestro e frustra a operação no último momento.
Em alguns momentos o filme afasta-se um pouco da verdade como esta tentativa inteiramente fictícia de sequestro de Montgomery e também deixa de mencionar que foi o ator David Niven que levou Clifton James à atenção da Inteligência Britânica enquanto estava servindo no Ministério da Guerra; mas isto não tira o sabor de documento histórico do espetáculo. O próprio Clifton James revive na tela as peripécias por que passou na vida real, que são apresentadas com a habitual sobriedade britânica. A câmera acompanha passo por passo a execução do audacioso plano militar, mostrando na primeira parte o treinamento do ator para que pudesse viver o ilustre personagem e na segunda parte, mais emocionante, a sua trajetória como o Marechal Montgomery. Bryan Forbes inseriu lances cômico-satíricos no relato, explorou com eficiência a classe de John Mills e Cecil Parker, conseguiu construir cenas inspiradas como, por exemplo, o discurso de Monty para os oficiais americanos. E fez com que este semi-documentário prendesse a atenção do público do começo ao fim, graças sobretudo à atuação de Clifton James. Sua humildade e charme discreto o tornam uma pessoa instantânemante simpática e a facilidade com que se transforma no líder militar famoso demonstra sua grande habilidade como ator.
Os Personagens Reais
Meyrick Edward Clifton James (1898-1963) era um ator e soldado com uma semelhança com o Marechal-de-Campo Bernard Law Montgomery. Ele nasceu em Perth na Austrália. Após servir no Royal Fusiliers durante a Primeira Guerra Mundial e entrar em combate na Batalha do Somme, Clifton James começou uma carreira de ator. Na eclosão da Segunda Guerra Mundial apresentou-se como voluntário ao Exército Britânico como artista. Em vez de ser designado para a ENSA (Entertainment National Service Association – organização formada para proporcionar entretenimento para o pessoal das Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial) como esperava, em julho de 1940 ele foi incorporado como segundo tenente na Royal Army Pay Corps (corpo do exército britânico responsável por todos os assuntos financeiros) e eventualmente enviado para Leicester. Em 1944, sua semelhança com o Marechal Montgomery foi percebida e ele passou a integrar a Operação Copperhead. Após ser desmobilizado em junho de 1946, Clifton James publicou suas façanhas em um livro, “I Was Monty ´s Double”, que serviria de base ao filme. Ele também fez uma breve aparição como o Marechal Montgomery em um filme de 1957, Audácia a Jato / High Flight, estrelado por Ray Milland e dirigido por John Gilling.
Ewen Edward Samuel Montagu (1901-1985) era um juiz de direito britânico, oficial da Inteligência Naval e escritor. Ele nasceu em Londres, filho de Gladys, Baronesa Swaythling (nascida Goldsmid) e de Louis Montagu, 2º Barão Swaythling. Ele foi educado na Westminster School antes de se tornar um instrutor de metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial em uma Estação Aérea Naval dos Estados Unidos. Após a guerra, ele estudou no Trinity College, em Cambridge e na Universidade de Harvard. Montagu era um grande velejador e se alistou na Royal Navy Volunteer Reserve em 1938. Por causa de sua formação jurídica ele foi transferido para estudos especializados. De lá, foi designado para o Quartel-General da Marinha Real em East Yorkshire, em Hull, como oficial assistente da Inteligência. Montagu serviu na Divisão de Inteligência Naval do Almirantado Britânico, chegando ao posto de Tenente Comandante RNVR. De 1945ª 1973 Montagu ocupou o cargo de Juiz Advogado da Marinha e de 1954 a 1962 Presidente da United Synagogue. Seu irmão, Ivor Montagu era cineasta. Ele foi retratado também, em 2021 no filme Operation Mincemeat por Colin Firth. Durante o filme, o verdadeiro Montagu faz uma breve aparição como um vice-marechal da Royal Air Force, que tem dúvidas sobre a viabilidade do plano proposto, dirigindo-se ao falso Montagu, interpretado por Clifton Webb. Como curiosidade, no elenco consta o nome de Peter Sellers (emprestando sua voz para Winston Churchill) e do ator francês François Périer como um funcionário da Embaixada Britânica.
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