Arquivo mensais:março 2023

DOIS FILMES DE GUERRA IMPERDÍVEIS

 

São dois filmes britânicos, realizados nos anos cinquenta, abordando temas semelhantes e baseados em fatos reais:

O Homem Que Nunca Existiu / The Man That Never Was / 1956.

Produzido por André Hakim, distribuído pela 20thCentury-Fox e dirigido por Ronald Neame, com roteiro de Nigel Balcon baseado no livro do mesmo nome de autoria de Ewen Montagu e narra a Operação Mincemeat (Operação Carne Moída), um plano elaborado em 1943 pelo Serviço de Inteligência Britânico para enganar as Potências do Eixo, fazendo-as crer que a invasão aliada da Sicília ocorreria em outro lugar do Mediterrâneo.

Na trama, o capitão-tenente da Marinha, Ewen Montagu (Clifton Webb), concebe o esquema de lançar um corpo com uma identidade fictícia na costa da Espanha, onde fortes correntes marinhas o conduziriam até uma praia, onde um conhecido agente germânico operava. O inexistente Major William Martin seria a vítima de um desastre aéreo carregando documentos sobre uma próxima invasão aliada na Grécia ocupada pelos alemães, em vez da Sicília, o alvo mais óbvio. Superando a relutância de altas patentes, Montagu recebe finalmente a aprovação de Winston Churchill para executar a Operação Carne Moída. Acolhendo um conselho de um médico especialista, Montagu tem que usar o corpo de um homem que morreu de pneumonia, para dar a aparência de que se afogara. Com a permissão de um pai que perdeu o filho nesta condição, ele coloca o defunto em um recipiente cheio de gelo sêco e o transfere para um submarino. O cadáver é lançado no mar e levado à terra como planejado. As autoridades locais, observadas pelo pessoal do consulado germânico e britânico, identificam o corpo e conduzem a autópsia. Depois que a pasta contendo os documentos enganosos é devolvida a Londres, um perito forense confirma que a carta que descreve a invasão aliada da Grécia, foi habilmente aberta, fotografada e selada novamente. Hitler fica convencido de que os documentos são verdadeiros, mas o Almirante Canaris, chefe da Abwer (Wolf Freers), permanece cético. Os alemães enviam para Londres um espião irlandês, Patrick O´Reilly (Stephen Boyd) para investigar. O´Reilly procura a “noiva” americana de Martin, Lucy Sherwood (Gloria Grahame), que divide um apartamento com a assistente de Montagu, Pam (Josephine Griffin). O´Reilly chega ao apartamento delas, apresentando-se como um velho amigo de Martin, no mesmo dia em que Lucy está recebendo a notícia de que seu noivo foi morto em combate. Sua dor genuína quase convence O´Reilly. Como teste final, ele fornece seu endereço no norte de Londres para Lucy, dizendo-lhe que ela pode procurá-lo caso necessite de algo. O´Reilly então passa uma mensagem de rádio para seus contatos germânicos dizendo que, se ele não mandar outra mensagem dentro de uma hora, é porque foi preso. Enquanto Montagu, o General Cockburn (Michael Hordern) da Scotland Yard e policiais estão a caminho do apartamento de O´Reilly, Montagu percebe por que o irlandês deixou seu endereço com Lucy e convence um Cockburn relutante a deixar O´Reilly livre. Quando ninguém aparece para prendê-lo, O´Reilly envia uma mensagem de rádio, dizendo: “Martin genuíno!” Os alemães então transferem suas forças estacionadas na Sicilia para a Grécia, o que faz com que a invasão aliada na Sicília seja bem-sucedida.

Inspirado numa história fascinante da vida real, relatada por meio de um roteiro sóbrio e bem engendrado, o filme combina realidade e ficção com uma direção eficiente e simples, conquistando o espectador durante todo o desenrolar da projeção. Resulta um excelente thriller de espionagem oferecendo uma cena bastante original: o espião oferecendo a própria vida para descobrir os planos do inimigo. Por ter sido de um escocês o corpo que iludiu o inimigo, ouvímos no prólogo e no epílogo (na cena comovente em que Montagu deposita no túmulo do Major William Martin a condecoração que recebeu pelo êxito  de sua missão) os belos versos escoceses que falam de um sonho na ilha de Skye, onde “I saw a dead man win a battle and I found that that man was I”.

O Homem Que Enganou o Mundo / I Was Monty´s Double / 1958.

Produzido por Maxwell Setton para a Associated British-Pathé e dirigido por John Guillermin, com roteiro de Bryan Forbes baseado na autobiografia do ator M. E. Clifton James e narra outra operação do Serviço de Inteligência Britânico para ludibriar os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

Na trama, pouco antes dos desembarques do Dia D, o governo britânico lança uma campanha de desinformação espalhando rumores de que os desembarques ocorreriam em um local diferente da Normandia. Os detalhes da operação (intitulada Operação Copperhead) são confiados a dois oficiais da inteligência, Coronel Logan (Cecil Parker) e Major Harvey (John Mills). Eles são inicialmente incapazes de conceber um plano, mas uma noite Harvey vê um ator em um teatro de Londres fazendo uma imitação convincente do Marechal de-Campo Bernard Montgomery. O ator chama-se M. E. Clifton James, tenente estacionado em Leicester com a Royal Army Pay Corps e artista profissional durante os tempos de paz. Clifton James é convocado para Londres, supostamente a fim de fazer um teste para um filme, e um plano é elaborado pelo qual ele fará uma tournée pelo Norte da África personificando Montgomery. James duvida que possa se passar por Montgomery com sucesso, mas concorda em tentar.  Disfarçado de cabo, ele transita algum tempo pelo quartel general de Montgomery e aprende a copiar os maneirismos e o estilo do general. Após uma entrevista com o general, James é enviado para uma tourné pelo Norte da África. Acompanhado por Harvey, que está interpretando o papel de brigadeiro e ajudante-de-campo de Montgomery, James chega a Gibraltar, onde o governador, que conhecia Montgomery há anos, fica espantado com a semelhança. Para promover o engano, um empresário local sueco e conhecido agente alemão, Karl Nielson (Marius Goring), é convidado para jantar, para que fique sabendo da presença de Montgomery e espalhe a informação. James e Harvey viajam pelo Norte da África e inspecionam as tropas. Faltando apenas alguns dias para os desembarques, ficam sabendo que os alemães foram sem dúvida enganados e mantiveram muitas tropas no Sul, distante da Normandia. Com seu trabalho terminado, James se esconde em uma vila fortemente vigiada na costa. Entretanto, os alemães foram mais enganados do que Harvey imaginava. Uma equipe de comandos germânicos é transportada por um submarino para sequestrar Montgomery. Eles matam seus guardas e estão prontos para embarcar com James, porém Harvey fica sabendo do sequestro e frustra a operação no último momento.

Em alguns momentos o filme afasta-se um pouco da verdade como esta tentativa inteiramente fictícia de sequestro de Montgomery e também deixa de mencionar que foi o ator David Niven que levou Clifton James à atenção da Inteligência Britânica enquanto estava servindo no Ministério da Guerra; mas isto não tira o sabor de documento histórico do espetáculo. O próprio Clifton James revive na tela as peripécias por que passou na vida real, que são apresentadas com a habitual sobriedade britânica. A câmera acompanha passo por passo a execução do audacioso plano militar, mostrando na primeira parte o treinamento do ator para que pudesse viver o ilustre personagem e na segunda parte, mais emocionante, a sua trajetória como o Marechal Montgomery.  Bryan Forbes inseriu lances cômico-satíricos no relato, explorou com eficiência a classe de John Mills e Cecil Parker, conseguiu construir cenas inspiradas como, por exemplo, o discurso de Monty para os oficiais americanos. E fez com que este semi-documentário prendesse a atenção do público do começo ao fim, graças sobretudo à atuação de Clifton James. Sua humildade e charme discreto o tornam uma pessoa instantânemante simpática e a facilidade com que se transforma no líder militar famoso demonstra sua grande habilidade como ator.

Os Personagens Reais

O Verdadeiro Marechal Montgomery

Meyrick Edward Clifton James (1898-1963) era um ator e soldado com uma semelhança com o Marechal-de-Campo Bernard Law Montgomery. Ele nasceu em Perth na Austrália. Após servir no Royal Fusiliers durante a Primeira Guerra Mundial e entrar em combate na Batalha do Somme, Clifton James começou uma carreira de ator. Na eclosão da Segunda Guerra Mundial apresentou-se como voluntário ao Exército Britânico como artista. Em vez de ser designado para a ENSA (Entertainment National Service Association – organização formada para proporcionar entretenimento para o pessoal das Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial) como esperava, em julho de 1940 ele foi incorporado como segundo tenente na Royal Army Pay Corps (corpo do exército britânico responsável por todos os assuntos financeiros) e eventualmente enviado para Leicester. Em 1944, sua semelhança com o Marechal Montgomery foi percebida e ele passou a integrar a Operação Copperhead. Após ser desmobilizado em junho de 1946, Clifton James publicou suas façanhas em um livro, “I Was Monty ´s Double”, que serviria de base ao filme. Ele também fez uma breve aparição como o Marechal Montgomery em um filme de 1957, Audácia a Jato / High Flight, estrelado por Ray Milland e dirigido por John Gilling.

O verdadeiro Ewin Montagu

Ewen Edward Samuel Montagu (1901-1985) era um juiz de direito britânico, oficial da Inteligência Naval e escritor. Ele nasceu em Londres, filho de Gladys, Baronesa Swaythling (nascida Goldsmid) e de Louis Montagu, 2º Barão Swaythling. Ele foi educado na Westminster School antes de se tornar um instrutor de metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial em uma Estação Aérea Naval dos Estados Unidos. Após a guerra, ele estudou no Trinity College, em Cambridge e na Universidade de Harvard. Montagu era um grande velejador e se alistou na Royal Navy Volunteer Reserve em 1938. Por causa de sua formação jurídica ele foi transferido para estudos especializados. De lá, foi designado para o Quartel-General da Marinha Real em East Yorkshire, em Hull, como oficial assistente da Inteligência. Montagu serviu na Divisão de Inteligência Naval do Almirantado Britânico, chegando ao posto de Tenente Comandante RNVR. De 1945ª 1973 Montagu ocupou o cargo de Juiz Advogado da Marinha e de 1954 a 1962 Presidente da United Synagogue. Seu irmão, Ivor Montagu era cineasta. Ele foi retratado também, em 2021 no filme Operation Mincemeat por Colin Firth. Durante o filme, o verdadeiro Montagu faz uma breve aparição como um vice-marechal da Royal Air Force, que tem dúvidas sobre a viabilidade do plano proposto, dirigindo-se ao falso Montagu, interpretado por Clifton Webb. Como curiosidade, no elenco consta o nome de Peter Sellers (emprestando sua voz para Winston Churchill) e do ator francês François Périer como um funcionário da Embaixada Britânica.

DESENHOS ANIMADOS NA TELEVISÃO

Quem gosta de ver desenhos animados na televisão?  Não se acanhem de responder afirmativamente, pois é engano pensar que só podem interessar às crianças. Curtí-los não tem nada de infantil, porque hoje são considerados como uma forma de arte peculiar.

Ela começou com os fantoches ingenuamente rabiscados por Emile Cohl, lá por volta de 1906, evoluindo incessantemente graças a alguns gênios como Walt Disney e Max Fleischer (criador da Betty Boop e do marinheiro Popeye) até chegar aos modernos cartoons onde se nota o máximo de aperfeiçoamento e… permissividade.

É claro que seu reino continua sendo basicamente o do conto de fadas, no qual tudo acontece facilmente, e o da fábula, com os animais falando, pensando e agindo igualzinho aos seres humanos.

Todavia, neste mundo mágico e irreal percebe-se a capacidade inventiva e a técnica extremamente laboriosa de artistas que dão vida e mesmo certa coerência ao absurdo, fazendo, às vezes, poesia.

Daí podermos falar numa arte da animação tão respeitável quanto as outras e que merece ser apreciada com seriedade.

Neste artigo recordamos alguns desenhos animados, hoje já praticamente esquecidos, que foram exibidos na nossa TV há alguns anos, sobre os quais escreví, quando assinava a coluna Por Dentro dos Seriados no encarte Amigão da revista Amiga.

Entre os desenhos animados que a Rede Globo exibia nos domingos nos anos 70 no programa Brucutu e sua Turma, encontramos Os Sobrinhos do Capitão / Captain and the Kids, baseado na história em quadrinhos de extraordinária longevidade. Seus personagens foram criados em 1897 por Rudolf Dirks e viveram suas primeiras aventuras sob o nome de Katzenjammer Kids, no Suplemento Dominical de um dos jornais de William Randolph Hearst, inspirando-se nas figuras dos traquinas Juca e Chico (Max und Moritz) inventados por Wilhelm Busch. DIrks contava as diabruras de uma dupla de garotos, Hans e Fritz, numa colônia alemã da África; era uma verdadeira guerrilha conduzida pelos moleques contra todas as formas de autoridade; mas, por vezes, eles sofriam as consequências de suas artimanhas. Em 1912, Dirks desentendeu-se com Hearst, passando a colaborar para o “World”, um jornal concorrente. O magnata da imprensa tentou impedí-lo na Justiça e o processo se encerrou com uma decisão salomônica: Dirks ficou com o direito de usar seus personagens e Hearst com o título. A historieta de Katzenjammer Kids reapareceu então no jornal de Hearst, desenhada por Harold Kneer, enquanto Dirks publicava suas próprias tiras no “World”, primeiramente denominadas Hans e Fritz e, mais tarde, The Captain and the Kids”. No cinema foram feitos dois filmes com os personagens em 1903 e, em 1917, o estúdio do gripo Hearst, International Film Service, sob a direção de Gregory La Cava, realizou “cartoons” em alguns dos quais participaram como animadores Walter Lantz e John Foster. Em 1938, a Metro produziu nova série de desenhos sob a supervisão de Robert Allen e William Hanna.

Nos anos 70, a Rede Globo jogou no ar, na Sessão Aventura, um desenho animado que girava em torno de um dos mais originais personagens das historietas em quadrinhos. Trata-se de O Homem Elástico (Plastic Man) que tinha o nome de Homem Borracha quando aparecia nas páginas da revista Lobinho nos anos 40.  A tira, criada por Jack Cole, autor também do Cometa e do Meia-Noite, era uma paródia de todos os super-heróis das comic strips existentes na época.

O Homem Borracha surgiu quando um bandido chamado O´Brien foi atirado num tanque contendo um ácido desconhecido que lhe deu o poder de se elastecer; desde então passa a combater o crime auxiliado depois por Balão (Woozy), um ex-presidiário que também se regenerara.

Eles formavam uma dupla realmente diferente no gênero e em suas aventuras (algumas escritas por Mickey Spillane) havia um equilíbrio entre a simples palhaçada e o humor sofisticado, além da própria excentricidade das mil e uma formas que o herói elástico assumia para enfrentar os bandidos. No cartoon exibido pela Globo, substituíram o Bolão por um tal de Hula-Hula e introduziram a figura feminina de Penny, a jovem que pilota o jato supersônico, no qual o trio parte sempre para novas missões, cumprindo ordens de um chefe tão absurdo como eles.

Muitos leitores já devem ter assistido a alguns desenhos animados da série Mr. Magoo que, além de terem sido exibidos nas telas dos cinemas, apareceram na Rede Tupi nos anos 60 e 70, mas talvez não saibam que eles fizeram parte de um movimento renovador no campo da animação cinematográfica, tendo inclusive sido contemplados com o Oscar da Academia em 1954 e 1956. Sua criação tem origem no início dos anos 40, quando irrompeu uma greve nos estúdios de Walt Disney e, em consequência, vários artistas foram buscar emprego nas demais companhias, que se beneficiaram bastante com transferência de talentos. Um outro grupo, liderado por Stephen Bosustow, resolve fundar a UPA (United Productions of America) com o propósito de revolucionar o gênero desenvolvendo um estilo bem diverso de tudo que vinha sendo feito neste campo artístico, procurando usar o som e a cor com mais flexibilidade imaginação, identificando-se com as tendências da arte moderna.

Stephen Bosustow

Na verdade, seus primeiros desenhos buscaram inspiração em alguns mestres da pintura do século 20, tais como Picasso ou Braque, tentando dar um tratamento virtualmente abstrato às histórias. Estas, por sua vez, baseavam-se em obras sérias, como o conto The Tell Tale Heart de Edgar Allan Poe ou Unicorn in the Garden de James Thurber, sendo o primeiro narrado por um ator de prestígio como James Mason.

Mas, como estes dois títulos de inegável significação não despertaram o interesse do grande público, a UPA decidiu então escolher personagens mais populares e enredos acessíveis, surgindo daí o Mr. Magoo (idéia do produtor John Hubley, criação de Millard Kaufman, direção principalmente de Pete Burness), um velhote míope, vestido com capotão, chapéu e cachecol, de bengala e fumando charuto, típico exemplar da classe média abastada. O personagem Mr. Magoo fo realmente derivado de várias figuras da vida real, entre elas, um tio de Hubley e W. C. Fields, entre outros.

Em 1997, Leslie Nielsen assumiu o papel de Mr. Magoo em um filme de ação ao vivo em longa-metragem, Mr. Magoo / Mr. Magoo (Dir: Stanley Tong), fracasso de bilheteria e malhado pelos críticos.

Magoo, por causa de sua precária visão, nunca percebe o perigo que está correndo, sacando, em face de cada situação, as mais incorretas suposições, sempre imperturbável e posudo. Esta atitude era sublinhada na versão original exibida nos cinemas não só pela fisionomia carrancuda e ventre avantajado da figurinha, como também pela voz característica, fornecida pelo comediante Jim Backus, que a dublagem não conseguia reproduzir. Mas podem notar que, ao invés daquelas criaturas redondinhas que os colaboradores de Disney faziam com tanta habilidade, os desenhistas de Mr. Magoo riscam formas plana, estilizadas, traços mais econômicos, não naturalistas, em cores frescas e audaciosas. Também os problemas são os de um ser humano e não mais peripécias de bichinhos; mas não se perdeu o eterno fascínio do desenho animado, ou seja, a possibilidade de acontecerem as coisas mais absurdas.

Tex Avery

Na década de setenta, os telespectadores ainda viram os desenhos animados de um dos mais talentosos artistas que os criaram: Tex Avery, texano gorducho, cego da vista esquerda, descendente em linha reta do legendário juiz Roy Bean. Ele começou nos anos 30, usando seu verdadeiro nome, Fred, como desenhista de Walter Lantz, passando logo após para a companhia de Leon Schlesinger, produtor independente dos cartoons distribuídos pela Warner., onde ajudou a desenvolver a figura do coelho Pernalonga (Bugs Bunny), do Patolino (Daffy Duck) e do Gaguinho (Porky), entre outros. Em 1942, transferiu-se para a Metro, tornando-se responsável por praticamente todos os desenhos, com exceção dos de Tom e Jerry; no estúdio da marca do leão criou o Droopy, espécie de Buster Keaton canino, o Screwy Squirrel e a dupla George e Junior, estes últimos inspirados nos protagonistas do filme Carícia Fatal / Of Mice and Men, baseado na novela de John Steinbeck e dirigido por Lewis MIlestone em 1939.

Pernalonga

Patolino

Gaguinho

Em 1954, voltou a colaborar com Lantz, inventando então o pinguim Picolino (Chilly Willy) e, um ano depois, resolveu dedicar-se exclusivamente aos comerciais para TV, tendo recebido vários prêmios. Com notável senso cômico e habilidade técnica ele dirigiu centenas de cartoons, entre os quais avultam algumas obras-primas como, por exemplo, Quem foi o Assassino / Who Killed Who / 1943, paródia dos romances policiais, empregando muitos clichês do gênero para fins de humor. Nos desenhos animados de Tex Avery estão presentes a fantasia anárquica e o universo absurdo que levou alguém a chamar Tex de … “O Walt Disney que leu Kafka”.

PAUL LENI NO CINEMA AMERICANO

Embora seja uma figura hoje negligenciada, ele foi um dos estilistas mais exuberantes dos últimos anos do cinema mudo. Sua maneira de filmar fortemente visual e plasticamente cativante sofreu influência do expressionismo alemão e, sob o aspecto do contéudo, inspirou-se nos primeiros seriados francêses de Louis Feuillade como Fantômas (1913-14) e Les Vampires (1916). Seu formalismo, assim como o de F. W. Murnau, deixou marcas profundas no cinema de Hollywood.

Paul Josef Levi (1885-1929) nascido em Stuttgart, Alemanha, filho de Moses Hirsch Levi e Rosa Mayer Levi, trabalhou ainda bem jovem como aprendiz de uma firma de ferragens ornamentais. Por volta de 1902 mudou-se para Berlim e se matriculou na Academia de Belas Artes para uma licenciatura em pintura. Em 1910, desenhou o cabeçalho art nouveau usado na capa do jornal especializado em cinema Lichtbild-Bühne e, depois disso, forneceu ilustrações para numerosos posters de filmes, além de servir como decorador dos interiores de um dos primeiros palácios do cinema de Berlim, o Lichtspielhaus Wittelsbach.

Paul Leni

Em 1913, começou uma longa associação com o produtor e diretor Joe May na Continental Kunstfilm, trabalhando como diretor de arte em filmes de detetive (Ein Ausgestossener / 1913 e Das Panzergewölbe / 1914). Convocado durante a guerra, dirigiu o drama documentário Der Feldarzt / Das Tagebuch des Dr. Hart / 1917. Continuando a servir como desenhista de produção para Ernst Lubitsch e Joe May, P. Leni também dirigiu seus próprios filmes, inclusive uma aventura exótica, Das Rätsel Von Bangalor / 1917, o conto de fadas Dornröschen / 1917 e o drama expressionista Patience / 1920.

Na Gloria-Film entre 1919 e 1921, seus desenhos incluíram as humildes habitações dos fazendeiros em Die Geier-Wally / 1921 de E. A. Dupont e os interiores resplandecentes de épicos históricos como Die Verschwörung Zu Genua / 1920-21, dirigido por ele mesmo e Lady Hamilton / 1921 de Richard Oswald. No drama de câmara Hintertreppe / 1921, seu pictorialismo hábil destacou-se do simbolismo um tanto pesado do codiretor Leopold Jessner.

Após fundar a companhia de produção Paul Leni- Film em 1922, ele e o compositor Hans May abriram o teatro de cabaré “Die Gondel”, financiado por emigrantes russos. Estes mesmos emigrantes eram donos da Neptun-Film, que produziu Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1923, dirigido por P. Leni, composto por três episódios distintos, estrelados por Emil Jannings como Harun al-Rashid, Conrad Veidt como Ivã, o Terrível, e Werner Krauss como Jack, o Estripador.

Leni continuou a demonstrar extrema versatilidade nos dois anos seguintes, desenhando cenários; colaborando com Guido Seeber em uma série de curtas-metragens de animação, que eram jogos de palavras cruzadas filmados; criando prólogos para estréias de filmes em cinemas de Berlim tais como Paraíso Proibido / Forbidden Paradise de Ernst Lubitsch, Peter Pan / Peter Pan de Herbert Brenon e Varieté / Varieté de E. A. Dupont.

Contratado por Carl Laemmle para ser diretor na Universal em Hollywood, P. Leni realizou O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1926-27, adaptação de uma peça da Broadway de John Willard que chamou atenção por sua iluminação extraordinária e seus efeitos pictóricos e o tornou conhecido como um mestre em filmes de mistério atmosférico. Subsequentemente dirigiu: O Papagaio Chinês / The Chinese Parrot / 1927; O Homem Que Rí / The Man Who Laughs / 1927-28 e O Último Aviso / The Last Warning / 1929. Contraindo uma sepse em decorrência de uma infecção dentária não tratada, P. Leni faleceu aos 44 anos de idade. Seus filmes exerceram uma influência profunda sobre a série de horror da Universal dos anos 30 e 40.

 

O GATO E O CANÁRIO.

Exatamente vinte anos após a morte do milionário recluso e excêntrico, Cyrus West, um grupo de parentes do falecido (Arthur Edmund Carewe, Forrest Stanley, Creighton Hale, Flora Finch, Gertrude Astor) chega à sua velha e assustadora mansão para a leitura do seu testamento ao bater da meia-noite. Porque não gostava das atitudes gananciosas de seus parentes – que estavam de olho na sua fortuna como um gato em torno de um canário -, West deixou todos os seus bens para o parente mais distante com o nome West – a inocente Annabelle (Laura La Plante). A única condição imposta é que ela deve ser declarada sã por um médico para herdar. Se Annabelle não for declarada em plena posse de suas faculdades mentais a fortuna passará para a pessoa nomeada em um segundo envelope guardado no cofre de West. Mas o advogado, Roger Crosby (Tully Marshal, responsável pela guarda do testamento, é encontrado morto. Logo depois, chega o guarda de um asilo próximo (George Siegmann) em perseguição a um louco fugitivo conhecido como The Cat (O Gato) assim chamado porque “rasga suas vítimas como o gato faz com os canários”. Enquanto os herdeiros passam à noite na mansão, Annabella é ameaçada pelo Gato e várias ocorrências inexplicadas levam a família a duvidar de sua sanidade. Até que o verdadeiro “monstro” é capturado pela polícia e vem a ser a pessoa indicada no segundo envelope.

Leni não procura disfarçar a origem teatral do argumento, mantendo uma unidade de lugar (o castelo), de tempo (a noite) e de ação (as consequências do testamento), mas narra a história de um modo visualmente estimulante, criando sequências nas quais o mistério se mistura com a comédia e o horror enquanto uma intriga policial prende nossa atenção do início ao fim do filme.

 

O PAPAGAIO CHINÊS.

Sally Randall (Marian Nixon), filha de um rico plantador havaiano, casa-se com Phillimore, o homem escolhido por seu pai, apesar de ter jurado seu amor a Philip Madden (Hobart Bosworth); arrancando de sua garganta as pérolas caras que lhe foram dadas por seu pai, Madden declara que um dia ele vai comprá-la pelo mesmo preço. Vinte anos mais tarde, agora uma viúva em dificuldades financeiras, Sally (agora interpretada por Florence Turner) põe as jóias à venda em San Francisco. Acompanhada por sua filha, Sally, ela fica surpresa ao descobrir que Madden negociava as pérolas que ela confiou a Charlie Chan (K. Sojin) um detetive chinês, e a venda foi condicionada à entrega das jóias na sua casa no deserto. Madden é feito prisioneiro por criminosos e personificado por um imitador, Jerry Delane (Hobart Bosworth), que acolhe Sally e Robert Eden (Edward Burns), o filho do joalheiro. Enquanto Chan está secretamente investigando, as jóias são roubadas por várias pessoas, mas sucede que um papagaio chinês, que testemunhou o sequestro, consegue contar tudo em inglês para o detetive.

Esta adaptação cinematográfica do romance de Earl Der Biggers de 1926 é considerada um filme perdido. Reproduzo um trecho sobre a realização publicado no jornal Correio da Manhã na época de seu lançamento no Cinema Pathé do Rio de Janeiro: “Pode-se sem receio afirmar que o conhecido diretor alemão Paul Leni revolucionou a arte cinematográfica, realizando uma admirável inovação na respetiva técnica. Essa técnica é inconfundivelmente sua, muito sua”.

O HOMEM QUE RI.

Por ordem do rei James II, inimigo político de seu pai, Gwynplaine (Conrad Veidt), ainda menino, teve seu rosto desfigurado, ficando com um perpétuo sorriso macabro. Ele se torna um palhaço famoso e na companhia de Dea (Mary Philbin), uma moça cega, viaja na carroça de Ursus (Cesare Cravina), um artista saltimbanco de coração generoso. Um romance se desenvolve entre Gwynplaine e Dea até que ele descobre que é herdeiro de um título de nobreza. Barkilphedro (Brandon Hurst), bobo da corte da rainha Anne (Josephine Crowell,) fica sabendo da reivindicação de Gwymplaine ao título. A rainha, vendo uma oportunidade de disciplinar sua meia-irmã, Duquesa Josiana (Olga Baclanova), restaura Gwynplane no seu título de nobreza e decreta que ele deverá se casar com Josiana; porém Gwinplane renuncia ao título, recusa o matrimônio com a duquesa e segue Dea e Ursus, que haviam sido banidos da Inglaterra. Na sua fuga, é perseguido pelos soldados da rainha e Barkilphedro. Escapando ileso, encontra Dea e Ursus no momento exato em que o barco que os conduz está partindo.

Apesar de ter um final feliz diferente do romance de Victor Hugo (no qual Gwynplaine chega demasiado tarde ao barco, encontra Dea afogada e se suicida por desespêro), P. Leni apresenta um resumo aceitável e inspirado da obra literária, misturando melodrama romântico, comédia, sátira, ingredientes do filme de capa-e-espada com  a magnificência dos cenários, um esplendor plástico e uma montagem trepidante, beneficiando-se sobretudo da magnífica interpretação de Conrad Veidt  que, apesar de seu sorriso estático, foi capaz de fazer transparecer suas emoções através de um olhar tão eloquente.

O ÚLTIMO AVISO

Em um grande teatro da Broadway, o ator John Woodford morre assassinado em plena representação, eletrocutado quando sua mão acabou de tocar um candelabro. Os principais suspeitos são a atriz principal feminina, Doris Terry (Laura La Plante), o substituto de Woodford, Richard Quayle (John Boles) e o parceiro de Woodford, Harvey Carleton (Roy d’ Arcy), apaixonado, como Quayle, pela jovem Doris. Quando o legista chega, o cadáver desapareceu. Cinco anos mais tarde, por iniciativa do um dramaturgo, Arthur McHugh (Montagu Love), que é na verdade um policial visando expor o assassino, o teatro é reaberto com a peça fatídica, usando artistas do elenco original ainda disponíveis. Os ensaios começam e com eles acontecimentos estranhos (cenário que desaba, vozes estranhas) supostamente calculados para amendrontar os componentes da companhia. Estes recebem uma série de bilhetes anônimos do morto, com terríveis advertências do que lhes acontecerá, se mantiverem o teatro aberto.  O “fantasma” de Woodford aparece e emite um último aviso. Finalmente, após vários acontecimentos, descobre-se o assassino e o motivo do crime.

Baseado na peça de Thomas F. Fallon, por sua vez inspirada na história “The House of Fear”, escrita por Wadsworth Camp, foi o último filme de P. Leni antes de sua morte prematura. Trata-se de um drama criminal de mistério contendo os ingredientes clássicos do gênero com alguns elementos de horror (perspectivas distorcidas, ângulos inclinados, câmera baixa, jogo de sombras, sustos com teias de aranha ou rajadas de morcegos). A câmera desliza por todos os lugares e maior parte dos planos ainda hoje suscita espanto e admiração por causa de seu brilhantismo, notando-se o emprego pioneiro de truque visuais como, por exemplo, a cena em que vemos o assassino mascarado balançando em uma corda nas vigas do teatro. P. Leni coloca a câmera na própria corda e a empurra para lá e para cá, a fim de captar do ponto de vista do perseguido a reação de seus perseguidores. Merece destaque ainda o desenho de produção de Charles D. Hall (colaborador do diretor também em O Gato e o Canário e O Homem Que Ri), notadamente o balcão barroco do teatro.