Bela, alta, de olhos escuros e cabelos ruivos, com voz grave e quente, esta diva da canção de fossa foi uma das maiores estrelas femininas durante o Terceiro Reich e subsequentemente se tornou um ícone contracultural para os gays e drag queens alemães. No começo da Segunda Guerra Mundial, Zarah estava ganhando 150 mil RM por filme, mais do que qualquer outro ator daquela época (Emil Jannings recebia 125 mil RM; Hans Albers, 120 mil RM; Gustaf Gründgens, 80 mil RM). Mais tarde, chegou a perceber 400 mil RM. Seu rosto aparecia em toda parte, seus discos vendiam-se aos milhares e eram ouvidos constantemente no rádio. Os críticos descreviam sua voz como o canto de uma sereia ou um chamado do céu. No Brasil, as revistas de cinema A Scena Muda e Cinearte estampavam constantemente suas fotos e publicavam matérias extensas a respeito dela. Os anúncios de seus filmes nos jornais apelidavam-na de … a esfinge nórdica. Seus fãs aqui em nosso país eram numerosos. Com a partida de Marlene Dietrich para Hollywood e a recusa de Greta Garbo de trabalhar em filmes alemães, Goebbels encontrou uma substituta ideal para elas na pessoa de Zarah Leander, que havia chamado a atenção do departamento de elenco da UFA por causa de sua voz parecida com a de Marlene e um rosto luminosamente belo reminiscente de Garbo.
Sara Stina Hedberg (1907 – 1981), nasceu em Karlsbad, condado de Varmlândia, Suécia, filha do pastor Lorentz Heberg e de Mathilda Wikstroem. Desde cedo atraída pelas artes, estudou piano e violino, apresentando-se como cantora primeiramente na igreja onde seu pai oficiava, acompanhando-se ao órgão. Quando adolescente, morou dois anos em Riga, na Letônia, onde aprendeu o idioma alemão e trabalhou como secretária em uma empresa de publicidade. Seguiram-se aparições em revistas, operetas e comédias nos teatros entre 1929 e 1935.
Sua primeira chance surgiu quando ela substituiu a atriz principal no papel de Hanna Glawari, “A Viúva Alegre” na opereta famosa de Franz Lehar. Isto se passou em Estocolmo e seu parceiro era Gösta Eckman, glória das cenas nórdicas. O que deveria ter durado o espaço de algumas representações, iria, dado o sucesso, continuar, igualmente em Copenhagen, um ano inteiro. Zarah estava definitivamente lançada no meio artístico.
As tournês (constituídas não somente por operetas, mas também por comédias e revistas) se seguiram, notadamente em Viena. Após algumas tentativas (Dantes Mysterier, Falska Millionären, ambos de 1931, Äktenskapsleken, de 1935), na verdade pouco convincentes, nos estúdios de cinema de seu país natal, Zarah havia mesmo jurado não repetir jamais a experiência. Mas, trabalhando em outra opereta, “Axel an der Himmelstür” em Viena, Geza von Bolvary conseguiu persuadí-la a tentar sua chance novamente nas telas. E foi assim que ela fez o papel de uma artista do teatro de revista em Première / Premiere / 1937, musical com aspectos de filme policial, produzido pela Gloria-Films que, apesar de uma qualidade mais do que discutível, obteve grande sucesso.
Seguiu-se um contrato com a UFA, onde Detlef Sierk (depois conhecido em Hollywood como Douglas Sirk) firmou sua persona típica de mulher sofredora em dois melodramas Recomeça a Vida / Zu Neuen Ufern / 1937 e La Habanera / La Habanera / 1937. Os filmes de Sierk também propiciaram a Zarah muita oportunidade de cantar suas típicas baladas melancólicas. Em Recomeça a Vida ela é uma cantora inglesa, Gloria Vane, que assume a culpa pela fraude cometida por seu amante (Willy Birgel) e é deportada para uma prisão de mulheres em Paramatta na Austrália. Em La Habanera ela é uma jovem sueca, Astrée Sternjhelm, que chega a Porto Rico, fica seduzida pelo ambiente tropical e por uma melodia popular (La Habanera) e se casa com Do Pedro de Avila (Ferdinand Marian), o homem mais influente da ilha, ciumento e autoritário. Dos cinco filmes de Zarah que pude adquirir em dvd, gostei mais destes pela imaginação visual de Sierck e pelas belas canções respectivamente de Ralph Benatzky (“Ich hab’ eine Tiefe Sehnsucht in mir” / Eu tenho uma saudade profunda em mim; “Yes, Sir!”/ Sim, Senhor!; “Ich Steh’ im Regen und warfe auf Dich”/ Eu estou na chuva a esperar por você. ) e Lothat Brühne (“Der Wind hat mir ein Lieden erzählt” / O Vento contou-me uma história; “Du kannst es nichwissen”/ Você não pode sabê-lo; “A-B-C … Kinderlied”./ A-B-C … Cantigas Infantís) interpretadas pela atriz com aquela “voz feita de trevas e mistério” como diziam pitorescamente os jornalistas da época. Os outros que ví, Minha Terra, Noite de Baile e Der Grosse Liebe, não me agradaram tanto, mas a presença de Zarah é sempre fascinante.
Depois da partida de Sierk para o exílio por causa de sua orientação política e sua mulher judia, outros diretores deram prosseguimento à fórmula, especialmente Carl Froelich, que dirigiu Zarah em Minha Terra / Heimat / 1938, Noite de Baile / Es War Eine Rauschende Ballnacht / 1939, Coração de Rainha / Das Herz Der Königin / 1940, no qual ela fez o papel da Mary Stuart, Rainha da Escócia.
A UFA lançou uma grande campanha publicitária em torno de sua estrela em um estilo que só ela poderia ter conseguido, comercializando Zarah vigorosamente. Cada mínimo detalhe de suas aparições era cuidadosamente planejado. Quando Zarah partia em grandes viagens de publicidade no exterior, não ela, mas o departamento de figurinos da UFA, decidia o que deveria vestir, onde e como. Para ter certeza de que a atriz não cometesse nenhum erro, os costureiros lhe davam longas listas, que prescreviam com grande detalhe a composição de suas roupas e os acessórios apropriados para cada ocasião.
A pessoa mais importante neste trabalho foi o diretor de fotografia Franz Weihmayr, cujo currículo incluía principalmente os documentários de Leni Riefenstahl, O Triunfo da Vontade / Triumph des Willens / 1934 e Olympíadas e Mocidade Olympica/ Olympia, Fest der Volker, Fest der Schönheit / 1936. Weihmayr passava horas iluminando um close-up daquele rosto com ossos fortes e olhos langorosos para que pudesse revelar o mistério e a melancolia que se tornaram a encarnação de sua indescritível tristeza. Nos anos do pré-guerra e ainda mais durante a guerra, os alemães sob o Estado Nazista encontraram nesta tristeza o romantismo que lhes fôra negado na sua vida cotidiana e a força da qual eles desesperadamente necessitavam.
Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as personagens de Zarah serviram como exemplo propagandístico para as mulheres que ficaram sozinhas na frente doméstica, particularmente em Abnegação / Der Weg Ins Freie / 1941 e Die Grosse Liebe / 1941, um dos filmes de maior sucesso do período nazista. Lançado em 12 de junho de 1942, conta uma história de amor entre um piloto alemão (Viktor Staal) de licença e uma cantora dinamarquesa do teatro de revista, Hanna Holberg (Zarah Leander) e seus problemas contínuos quando a guerra interrompe sua relação. Foi a maior contribuição da UFA para estabilizar o desmoronamento moral da frente doméstica da Alemanha. Apenas duas semanas antes, o primeiro grande ataque aéreo britânico havia reduzido a escombros o distrito central de Colônia em noventa minutos.
Nas décadas de trinta e quarenta, Zarah ainda fez: Raposa Azul / Der Blaufuchs / 1939; Canção do Deserto / Das Lied Der Wuste / 1939 e Damals / 1943. Entretanto, depois de ter sido orientada a adotar a nacionalidade germânica e a Ufa não querer mais respeitar a cláusula de seu contrato, segundo a qual ela deveria receber parte de seus honorários em moeda sueca, Zarah rescindiu seu contrato com a empresa alemã em 1943 e decidiu retornar para sua terra natal. A destruição de sua vila em Berlin- Grunewald durante um bombardeio, também contribuiu para a tomada desta decisão. Levando dois tapetes persas – tudo o que lhe restou – ela embarcou no primeiro avião para a Suécia.
As autoridades de lá proibiram-na de trabalhar, e outras proibições neste sentido foram estendidas na Alemanha e na Austria no final da guerra. Todavia, em 1949, Zarah foi capaz de reiniciar sua carreira de cantora e atriz. Embora seus filmes do pós-guerra nunca igualaram o êxito dos seus anos na Alemanha, o filme que marcou seu primeiro retôrno, Gabriela / 1950, dirigido por Géza von Cziffra, ainda foi a terceira produção cinematográfica de maior bilheteria na Alemanha Ocidental, seguindo-se, nos anos cinquenta: Destino de uma Mulher / Ave-Maria; Cubacabana / 1957 e Meu Filho é Inocente / Der Blaue Nachtfalter / 1959.
Zarah casou-se primeiro como o ator Nils Leander, com quem teve dois filhos, Göran e Böel. A união durou pouco por causa da diferença de idade e, sobretudo, por uma incompatibilidade de temperamento flagrante. Ela então conheceu o jornalista Vidar Forsell, união que se desfez em 1945. Em 1956, desposou seu compatriota, o pianista e chefe de orquestra Arne Hülphers, matrimônio que perdurou até a morte de Hülphers em 1978.
Em 1965, Zarah foi vista em uma comédia musical cujo assunto foi tomado emprestado de Oscar Wilde, no qual ela cantava “Ich Bin Eine Frau mit Vergangenheit” (Eu sou uma mulher que tem um passado). Em 1973 a biografia de Leander foi publicada (Es war so wunderbar – Mein Leben (Ela foi maravilhosa – Minha Vida). Ela fez sua última aparição em Estocolmo em 1978.