Um fato curioso pouco conhecido dos fãs de cinema: em 1941, a Columbia Pictures firmou um contrato com a companhia Lumiton, de Buenos Aires, para distribuição no Brasil do filme Embrujo, cujo argumento versava sobre os amores de D. Pedro I com Domitila de Castro Canto e Melo e que foi exibido entre nós como o título de A Marquesa de Santos.
O filme foi dirigido por Enrique Telémaco Susini, autor do roteiro de parceria com o poeta, professor, ensaista e conferencista Pedro Miguel Obligado. Susini (1891-1972) foi um empresário argentino e pioneiro da mídia. Em 1920, liderou o esforço para a primeira transmissão radiofônica na Argentina e subsequentemente fundou uma das primeiras estações de rádio regulares do mundo. Durante os anos vinte e trinta ele se tornou um empresário de sucesso na indústria nascente do rádio e do cinema. Além de seus interesses comerciais, Susini era um artista talentoso. Trabalhou como diretor de teatro na Argentina e Itália e dirigiu 5 filmes, um italiano (Noites do Danúbio / Finisce Sempre Cosi / 1939) e 4 argentinos (Los Tres Berretines, / 1933; Ayer y Hoy / 1934; La Chismosa / 1938; A Marquesa de Santos / Embrujo / 1941, produzidos pela Lumiton, que ele fundou em 1932 no início da Idade de Ouro do Cinema Argentino com outros sócios e na qual trabalhou o famoso diretor de fotografia John Alton.
Entre os intérpretes de A Marquesa de Santos destacavam-se Alice Barrié (Domitila), Ernesto Vilches (José Bonifácio), Pepita Serrador (Imperatriz Leopoldina), Carlos Tajes (Chalaça) e Georges Rigaud, no papel de D. Pedro.
Pedro Jorge Rigato Delissetche, mais conhecido pelos seus nomes artísticos George Rigaud ou Jorge Rigaud nasceu em Buenos Aires e, entre 1932 e 1981, construiu uma carreira internacional extensa, compreendendo o cinema francês, americano, italiano, britânico, alemão, espanhol e argentino. Ele morreu em um acidente em Leganés (município localizado na província de Madrid), atropelado por uma motocicleta.
Colhí na revista A Scena Muda estas informações sobre a filmagem de Embrujo, que reproduzo tal como está escrito: “O Sr. Susini, não somente levou fotos destinadas a autenticar ambientes do filme, como contratou quatro pessoas do Rio como integrantes do ‘cast’. Uma dessas era a artista do teatro popular, Celeste Aida, que iria fazer o papel de macumbeira numa cena de bruxaria (embrujo, feitiço), tendo-se submetido a provas e sido contratada. Infelizmente certas demoras vieram perturbar a viagem de Celeste não podendo ela tomar parte no filme. Dos outros brasileiros, peritos em capoeiragem, somente dois. Puderam ir a Buenos Aires para filmar as cenas de lutas entre capoeiras e outros arruaceiros. Eram três os contratados pelo Sr. Susini, mas apenas dois chegaram a Buenos Aires, após inúmeros contratempos … O filme para o Brasil é falado em português, cuja dublagem foi realizada em Buenos Aires. A cinematografia argentina presta, desta maneira, fidalga homenagem ao Brasil, trazendo para a tela uma página de nossa história política, celebrizada pela galantaria de Pedro I e as angústias da Imperatriz, mártir dos amores levianos do seu augusto e estouvado esposo”.
A Marquesa de Santos foi lançado no Rio de Janeiro no Cinema Plaza em conjunto com as salas Astoria, Olinda, Ritz e Parisiense, pertencentes ao Circuito Vital Ramos de Castro. Em São Paulo, a produção argentina foi apresentada no Cinema Rosário, situado na parte inferior do Edifício Martinelli no Anhangabaú, em avant-première de caridade.
Interessante, personagens da nossa história serem retratados por artistas portenhos numa produção caríssima para a época, filmada com muito luxo e esplendor, tanto no vestuário quanto na cenografia, tendo ainda canções e quadros coreográficos afro-cubanos como atrativo. Porém, infelizmente, segundo o crítico Domingo de Nubila, o romance entre o nosso monarca e Domitila de Castro Canto e Melo foi narrado numa linguagem pouco cinematográfica, sem o menor poder de sugestão.
Convém acrescentar que Rigaud não tinha a menor semelhança física como o nosso galante imperador, mas isso costuma acontecer com frequência no mundo imprevisível do cinema.
Histórias de Cinema não para de nos surpreender com os temas abordados. Este artigo é sublime, jamais imaginaria que o libertador do Brasil houvesse sido retratado pelos nossos hermanos, cujo cinema, ainda hoje, é um dos melhores da América Latina. Bravo maestro AC que merece um prêmio por tudo que nos brinda.
Muita bondade sua