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A BREVE TRAJETÓRIA ARTÍSTICA DE RUDOLPH VALENTINO

Ele não foi um grande ator, mas se tornou um grande astro, o ídolo romântico mais bem definido que o cinema criou, primeiro latin lover adorado pelas fãs, que não davam a mínima para o que os críticos diziam sobre ele. Neste artigo exponho sumariamente seu percurso artístico, omitindo vários episódios de sua vida particular e questionamentos sobre sua masculinidade.

Rudolph Valentino

Rodolfo Pietro Filiberto Raffaelle (1895 – 1926) nasceu em Castellaneta, comuna italiana da região de Apúlia, província de Taranto, filho de Giovanni e Gabriella Guglielmi. Sua mãe era francesa, nascida na Lorena com o sobrenome de Barbin e seu pai exercia a profissão de veterinário, muito conceituado na sua área.  Quando jovem, Rodolfo insistia que era descendente de aristocratas e acrescentava os nomes adicionais di Valentina d’ Antonguolla antes do sobrenome Guglielmi. Mas eles não constam de sua certidão de nascimento ou de batismo.

Quando Rodolfo tinha nove anos de idade, sua família se mudou de Castellaneta para Taranto, porque Giovanni queria progredir na carreira devotando mais tempo à sua pesquisa sobre a malária. Um ano depois ele faleceu quando, no curso de uma de suas experiências, contraiu a doença que esperava ajudar a erradicar.

Enquanto viveu, o prudente Giovanni havia contribuído para um fundo que qualificaria seu filho para estudar em uma escola especial em caso de sua morte. Assim, aos doze anos de idade, Rodolfo partiu para Perugia, capital da província de Umbria ao norte de Roma, onde havia sido fundado o Collegio Convitto per gli Orfani dei Santari Italiani (Colégio para Orfãos dos Profissionais de Saúde Italianos), escola técnica que preparava jovens para trabalhar como mecânicos, engenheiros ou contadores. Entretanto, seus tempos de estudante em Perugia terminaram desastrosamente por causa de sua indisciplina.

Ao saber que Rodolfo ia ser expulso, sua mãe retirou-o do internato e, como ele gostava de barcos e porque havia demonstrado habilidade em consertar motores e máquinas na escola de Perúgia, decidiu que seu filho iria prestar exame de admissão para uma escola técnica naval em Veneza.  Rodolfo passou no exame escrito, mas não no físico. Foi um golpe devastador para aquele rapaz de quinze anos de idade.

Animado pela mãe, ele se inscreveu e foi aceito pelo Istituto di Agraria di Sant’Ilario Ligure em Nervi, pequena cidade de Gênova. Rodolfo conseguiu se formar nesta escola de agricultura, porém não conseguiu emprego e passou a dormir tarde e a perambular de dia pelas praças e pelo cais de Taranto. À noite, procurava a companhia dos artistas da companhia de operetas, que se apresentava na cidade. Sua distração predileta, além dos carros, era a dança. Ele se movia pela pista de dança com uma graça rítmica elegante e, aos dezessete anos de idade, percebeu que sua habilidade como dançarino impressionava as mulheres. Outra qualidade sua era a cortesia, mas em Taranto começou a sentir cada vez mais que tal delicadeza nunca seria reconhecida plenamente e, usando o dinheiro herdado do pai, partiu de trem para Paris em 1912. Na Cidade-Luz frequentou cafés onde predominavam a dança apache e o tango argentino, apaixonando-se por este estilo musical à primeira vista.

Quando o dinheiro acabou, Rodolfo telegrafou para sua mãe pedindo refôrço financeiro e, ao receber o numerário, partiu para Monte Carlo, onde perdeu tudo no jôgo. De retorno à terra natal, voltou à vida ociosa e inútil de antes. Seus familiares então o convenceram de que devia se afastar de Taranto o mais longe possível e foi assim que ele chegou em Nova York aos dezoito anos de idade a bordo do vapor S. S. Cleveland.

Depois que o dinheiro que trouxe acabou, ele se sustentou fazendo biscates, trabalhando como garçom, lavador de carros etc. e acabou encontrando emprego como taxi dancer (dançarino de aluguel) no Maxim´s Restaurant – Cabaret do suíço Julius Keller, encontrando ainda tempo para dar lições de dança particulares em um quarto no andar de cima do restaurante. Rodolfo ganhou tantos aplausos na pista de dança que logo teve a chance de subir para uma posição mais visível e respeitável como dançarino de exibição.

Ao longo do caminho, ele começou a conhecer pessoas no teatro e fez uma primeira e tímida incursão no mundo do cinema como movie “dress” extra (figurante que fornece seu próprio guarda-roupa, ganhando cinco dólares por cada dia de filmagem), tendo oportunidade de ver como os filmes eram feitos e conhecer alguns atores e diretores. Não se sabe exatamente quando estreou na tela. O mais provável é que seu primeiro trabalho como figurante foi como um cossaco russo no filme da Vitagraph de 1914, My Official Wife (Dir: James Young) estrelado por Clara Kimball Young. Ele trabalharia ainda como extra em: 1916 – Através da Vida / The Quest of Life (Dir: Ashley Miller); Seventeen (Dir: Robert G. Vignola); The Foolish Virgin (Dir: Albert Capellani). 1917 – Patria / Patria (seriado Dir: Leopoldo e Theodore Wharton); Alimony (Dir: Emmet J. Flynn). Todos, salvo Patria, eram de 5 ou 6 rolos.

Valentino e Mae Murray

Além de figurar nos filmes, Rodolfo continuou dançando à noite em vários restaurantes além do Maxim’s e no Knickerbocker Hotel (onde teve por parceira Mae Murray, futura estrela de A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 de Erich von Stroheim), formando depois dupla com uma próspera dançarina de salão, Bonnie Glass, depois que o parceiro desta, Clifton Webb, lhe deu aviso prévio. Ele dançou com Bonnie nos clubes que ela abriu, Café Montmartre e depois Chez Fysher e, quando Bonnie se aposentou, formou par com outra rainha da dança de exibição, Joan Sawyer, excursionando por várias cidades e finalmente se apresentando diante do Presidente Wilson em Washington.

Rodolfo conheceu uma socialite chilena muito rica, Bianca de Saulles, que estava infeliz no seu casamento com um empresário, John de Saulles. Não se sabe se tiveram uma relação romântica, mas quando John de Saulles pediu o divórcio, Rodolfo prestou depoimento a favor dela. Após o divórcio, John de Saulles usou suas conexões políticas para que Rodolfo fosse preso juntamente com uma cafetina, Mrs. Thyme, acusados de serem sócios de um bordel e terem subornado um policial por proteção. As provas eram frágeis, Rodolfo pagou fiança, e foi libertado. Depois deste escândalo muito divulgado, ele não conseguiu emprego. Pouco depois do julgamento, Bianca matou seu ex-marido durante uma disputa pela guarda do filho do casal. Com medo de ser chamado para depor em outro julgamento sensacional, Rodolfo saiu da cidade e se juntou a um musical itinerante, The Masked Model, que o levou para a Califórnia. Como tinha pouca experiência teatral, começou de baixo, serviu também como substituto do ator principal. A certa altura, por razões desconhecidas, deixou o elenco e ficou em San Francisco.

Novamente desempregado, não teve outro recurso senão voltar ao seu passado de taxi dancer e professor de dança. Depois, tentou ganhar a vida como vendedor de títulos de crédito; porém, em 5 de junho de 1917 o alistamento militar começou e as pessoas só queriam comprar bônus de guerra. Como tinha tido aulas de vôo em Nova York, Rodolfo pensou em ser aceito no Royal Canadian Flying Corps; mas eles o rejeitaram como fisicamente desqualificado.

Na ocasião em que um dos filmes de propaganda de Mary Pickford, A Intrépida Americana / The Little American / 1917, estava sendo parcialmente filmado em San Francisco, Rodolfo reencontrou seu antigo colega na escola de aviação em Nova York, Norman Kerry, que lhe prestou ajuda financeira e o apresentou a pessoas importantes nos estúdios, mas os papéis na tela demoraram a se materializar e ele voltou a se apresentar como dançarino de exibição. Quando Fanchon, da dupla Fanchon e Marco (seus verdadeiros nomes eram Fanny e Mike Wolff) perdeu seu parceiro para o exército, Rudy substituiu-o nas suas apresentações no Tait´s Café em Los Angeles.

Posteriormente formou um par com outras dançarinas como Marjorie Tain e Kitty Phelps e por fim voltou aos estúdios, agora já fazendo ora figuração, ora pequenos papéis nos filmes: 1918 – A Sensação Social / Society Sensation (Dir: Paul Powell); Uma Idéia Feliz ou Uma Noite Como Poucas / All Night (Dir: Paul Powell); The Married Virgin (Dir: Joseph Maxwell). 1919 – Irresistível Helena ou Nos Cabarés de Nova York / Delicious Little Devil (Dir: Robert Z. Leonard); Virtuous Sinners (Dir: Emett J. Flynn); Repudiada / The Big Little Person (Dir: Robert Z. Leonard); Amores de um Ladrão ou Romance de um Apache / A Rogue’s Romance (Dir: James Young); Pacto Astucioso / The Homebreaker (Dir: Victor Schertzinger); Negra Profecia / Out of Luck / Nobody Home (Dir: Elmer Clifton); Olhos da Juventude / Eyes of Youth (Dir: Albert Parker). 1920 – Ilha dos Amores / An Adventuress, originariamente intitulado Over the Rhine, estrelado pelo travesti Julien Eltinge em papel duplo masculino-feminino como Jack Perry e Elsa Von Bohm (Dir: Fred J. Balshofer); Paixões Indomáveis / Passion´s Playground (Dir: J. A. Barry); A Embusteira / The Cheater (Dir: Henry Otto); Ambição / Once to Every Woman (Dir: Allen Holubar); The Wonderful Chance (Dir: George Archainbaud); Stolen Moments (Dir: James Bennet). Todos de 5 ou 6 rolos. Neles, Rodolfo começou a constar nos créditos sob vários nomes: Rodolpho De Valentina, Rodolfo di Valentina, Rodolfo De Valentini, Rudolpho De Valintine, Rodolphe De Valentina, Rudolph Valentino, Rodolph Valentine, Rudolfo Valentino, Rodolpho de Valentina, Rudolphe Valentine, Rodolfo di Valentino, Rudolph de Valentino, Rudolph Valentine.

Jean Acker e Valentino

Outros acontecimentos neste período de sua vida foram uma aparição no palco como dançarino ao lado de Carol Dempster em um prólogo para o filme de D. W. Griffith, O Tambor da Vitória / The Greatest Thing in Life e seu primeiro encontro com Jean Acker, jovem atriz da Metro. O casamento misterioso deles foi objeto de muito mexerico (Jean teria batido a. porta no nariz de seu noivo na noite de núpcias, dizendo que tudo fôra um erro horrível). Confuso e infeliz com o fracasso de seu matrimônio Valentino continuou trabalhando e tentando se tornar mais conhecido.

Valentino e Clara Kimball Young em Olhos da Juventude

O papel que o tirou de seu aprendizado e o colocou em primeiro plano foi o de um parasita frequentador de cabaré chamado Clarence Morgan, contratado por um marido a armar uma cilada a fim de colocar sua virtuosa esposa em uma situação comprometedora. Foi apenas uma breve intervenção em Olhos da Juventude, mas ele convenceu a roteirista June Mathis de que poderia interpretar um papel importante em uma próxima grande produção da Metro Pictures Corporation.

Alice Terry e Valentino em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Quando Valentino leu em um dos jornais especializados que a Metro havia adquirido os direitos de filmagem do best seller de Vicente Blasco Ibanez The Four Horsemen of the Apocalypse e contratado June Mathis para cuidar da adaptação do romance para a tela, pensou que poderia haver um papel para ele no segmento passado na Argentina, porque o tango figurava com destaque na trama. Ao chegar no estúdio, ficou surpreso ao saber que Mathis estava à procura dele para desempenhar o papel principal do libertino Julio Desnoyers, neto favorito de Madariaga, o Centauro (Pommeroy Cannon), dono de várias fazendas na Argentina. O filme de 1921, com título brasileiro de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, tornou-se um empreendimento monumental: um milhão de dólares gastos, seis meses de filmagem, doze assistentes de diretores, quatorze cinegrafistas, milhares de figurantes. A intuição de June Mathis de colocar um ator desconhecido no papel principal (ao lado de Alice Terry) resultou em um dos filmes mais bem sucedidos de sua época, que deu um lucro de quatro milhões de dólares e lançou Rodolfo Valentino como “The Great Lover”, transformando-o em um grande ídolo da tela.

Outra Cena de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

A direção de Ingram, um dos grandes pictorialistas do cinema mudo – que soube descrever com sensibilidade pictórica as ruas de Paris, a entrada dos alemães na aldeia destruída de Villebranche, a histeria e o terrores da guerra, os horrores do campo de batalha, o meio social, as visões do místico Tchernoff (Nigel De Brulier) quando ele tem a visão apocalíptica e a cena final impressionante no cemitério de guerra militar com suas fileiras de cruzes brancas – complementada pela pungência das cenas de guerra e pela fotografia sutil de John F. Seitz no mesmo nível das produções germânicas muito apreciadas na América, deu ao filme uma qualidade extraordinária.

Ainda em 1921, Valentino fez na Metro: Corações Cegos / Uncharted Seas (Dir: Wesley Rugles) com Alice Lake; Dama das Camélias / Camille (Dir: Ray C. Smallwood), adaptação do romance La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas com Alla Nazimova (produtora do filme), agora definitivamente creditado como Rudolph Valentino; Eugenia Grandet / The Conquering Power (Dir: Rex Ingram), adaptação do romance Eugénie Grandet de Honoré de Balzac com Alice Terry.

Valentino e Alice Terry em Eugenia Grandet

Cena de Eugenia Grandet

O melhor destes foi Eugenia Grandet. Contando novamente com a colaboração de June Mathis, John F. Seitz e do par romântico Rudoph Valentino e Alice Terry, Ingram realizou outro filme plasticamente impecável e com belas cenas de amor. Porém é uma história intimista bem distante da linha espetacular do filme anterior. A velha casa decadente e claustrofóbica de Grandet com suas entradas e corredores escuros, quartos escuros e tristes, sótãos e porões empoeirados (com o detalhe da aranha andando sobre as cartas roubadas) espelha a atmosfera deprimente e grotesca do lugar e o estado d´alma dos personagens. Uma das cenas mais intensas da narrativa é a da alucinação do Père Grandet (Ralph Lewis), na qual dele vê mãos esqueléticas saindo das paredes e o fantasma da sua falecida esposa, até ser esmagado pelo cofre.  Gosto muito da cena em que Charles Grandet chega à casa dos Grandet. As famílias de Grandet e os pretendentes estão vestidos com roupas simples, a porta se abre, e surge Valentino com um terno muito bem cortado e um chapéu de coco suave, fumando um cigarro, carregando uma bengala magnífica e, na outra mão, segurando um pequeno poodle com uma correia. A tomada dura um certo tempo, para que o público possa contemplá-lo de alto a baixo e apreciar suas vestimentas e a sua postura elegante.

Valentino e Natacha Rambova

Durante a filmagem de Dama das Camélias, Valentino conheceu e se apaixonou pela exótica Natacha Rambova, que criou os figurinos e cenários bizarros e expressionistas e desta versão curiosa e estática do romance de Dumas. Embora fosse uma talentosa diretora de arte e estilista (além de bailarina), Rambova, segunda esposa de Valentino, é mais lembrada pelo efeito destrutivo que teve sobre sua carreira, fazendo exigências tão impossíveis aos estúdios e distorcendo seu julgamento pessoal a tal ponto, que foi depois – por fôrça do contrato – obrigada a cessar tal interferência. Eles se divorciaram em 1925.

Descontente com seu contrato com a Metro, Valentino transferiu-se para a Famous Players – Lasky (futura Paramount), atuando em: 1921 – Paixão de Bárbaro ou O Sheik / The Sheik (Dir: George Melford) com Agnes Ayres. 1922 – De Marujo a Comandante ou A Ferro e Fogo / Moran of the Lady Letty (Dir: George Melford) com Dorothy Dalton; Esposa Mártir / Beyond the Rocks (Dir: Sam Wood) com Gloria Swanson; Sangue e Areia / Blood and Sand (Dir: Fred Niblo) com Lila Lee, Nita Naldi; O Jovem Rajá / The Young Rajah (Dir: Philip Rosen) com Wanda Hawley. 1924 – Monsieur Beaucaire / Monsieur Beaucaire (Dir: Sidney Olcott) com Bebe Daniels, Lois Wilson, Doris Kenyon; O Pecador Divino / A Sainted Devil (Dir: Joseph Henaberry) com Nita Naldi.

Valentino e Agnes Ayres em Paixão de Bárbaro

Valentino estreou na Famous Players em Paixão de Bárbaro como o Sheik Ahmed Ben Hassan, que sequestra uma inglesa, Lady Diana (Agnes Ayres), mulher supostamente moderna e independente, e depois de tratá-la barbaramente, se apaixona por ela. Baseado em um romance de Edith M. Hull, este drama romântico passado no deserto do Sahara, continha cenas ridículas e uma interpretação falsa e exagerada de Valentino, mas foi o filme mais famoso e o papel mais memorável do ator, com o qual, graças a seu enorme carisma e sensualidade, ele atingiu um status legendário.

Valentino e Nita Naldi em Sangue e Areia

Tal como Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Sangue e Areia foi baseado em um romance de Vicente Blasco Ibanez. Na trama, Valentino é o toureiro impetuoso Juan Gallardo, indeciso entre a devoção à sua santa esposa Carmen (Lila Lee) e o desejo por Doña Sol (Nita Naldi) uma mulher fatal, que encontra um fim trágico na arena. O filme foi outro grande sucesso, ainda mais lucrativo do que Paixão de Bárbaro, sendo muito lembrada a magnífica pantomima na cena da sedução entre Valentino e Nita Naldi.

Seu filme seguinte, O Jovem Rajá, foi um fracasso e Valentino começou a se voltar contra o estúdio, culpando-o pela produção de segunda classe e exigindo maior controle artístico sobre a realização de seus filmes. Ele entrou de greve e processou a Famous Players na Justiça. Precisamente porque seu astro valia muito dinheiro para empresa, ela contestou a ação e decidiu reunir toda a sua força para manter Valentino sob contrato enquanto outros estúdios o cortejavam. Joseph Schenck queria colocá-lo ao lado de sua esposa Norma Talmadge em uma versão de Romeu e Julieta e June Mathis, agora na Goldwyn Pictures e encarregada do projeto de Ben-Hur, desejava incluí-lo no elenco no papel principal depois concedido a Ramon Novarro.  Entretanto, a Famous Players exerceu judicialmente seu direito contratual que impedia Valentino de trabalhar para qualquer outro. Ele recorreu e seu recurso foi provido em parte: o tribunal decidiu que, embora não pudesse trabalhar como ator, poderia aceitar quaisquer outros tipos de emprego.

Em 1922, Valentino conheceu George Ullman, diretor de uma campanha de publicidade para uma companhia de cosméticos, Mineralava Beauty Clay Company. Ullman convenceu Valentino e Natasha a participar como dançarinos de uma tournée nos Estados Unidos e Canadá para promover os produtos e atuarem como juízes nos concursos de beleza patrocinados pela firma. Um destes concursos foi filmado por um jovem David O. Selznick, que o intitulou Rudolph Valentino and his 88 Beauties. Ullman tornou-se administrador financeiro de Valentino e começou a articular uma reaproximação com a Famous Players através de uma nova companhia formada por J. D. Williams, chamada Ritz-Carlton Pictures, resultando um acordo pelo qual Valentino cumpriria o resto de seu contrato estrelando mais dois filmes produzidos pela Famous Players e depois celebraria um contrato com a Ritz-Carlton. Os dois filmes da Famous Players, Monsieur Beaucaire e O Pecador Divino e o filme da Ritz-Carlton, Cobra (Dir: Josef Henabery), decepcionaram, porém os dois últimos filmes de Valentino, A Águia / The Eagle / 1925 (Dir: Clarence Brown) e O Filho do Sheik / The Son of the Sheik / 1926 (Dir: George Fitzmaurice), ambos produzidos por John Considine Jr. / Art Finance Corp. e distribuídos pela United Artists) foram os melhores de sua carreira ao lado de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse e Eugenia Grandet, principalmente A Águia, certamente porque tinham melhores diretores.

Valentino em A Águia

Na trama de A Águia, Vladimir Dubrovski (R. Valentino), jovem tenente cossaco, rejeita os avanços amorosos da Czarina Catarina II (Louise Dresser), torna-se “A Águia Negra”, defensor dos pobres e oprimidos e jura vingança contra Kyrilla Troekourov (James Marcus), que se apoderou dos bens de sua família. Disfarçando-se como o professor particular francês da filha de Kyrilla, Masha (Vilma Banky), apaixona-se pela moça. Aprisionado pelas tropas do govêrno, é sentenciado à morte, casa-se com Masha na prisão e no último momento ele e Masha são salvos graças à Czarina.

O script de Hans Kraly tomou emprestado a máscara negra do Zorro, a audácia física e o tema da dupla identidade; mas foi além, dando ao herói não duas, mas três personas: o tenente cossaco da Guarda Imperial Vladmir Dubrovski, o bandido mascarado tártaro Águia Negra, e o professor particular francês Marcel le Blanc de cartola e colete. Kraly e Brown temperam o romantismo da história com um leve humor satírico (Valentino zomba de sua imagem fílmica – tentando um anel que ficou tirar com dificuldade um anel que ficou emperrado no seu dedo ou quando põe pimenta demais na sua sopa porque está olhando estupidamente para a sua deslumbrante pupila etc.) William Cameron Menzies caprichou na decoração de interiores, Adrian fez o mesmo com o vestuário, o astro encarnou um herói de ação em movimento perpétuo (perseguindo uma carruagem conduzida por os cavalos desembestados, escapando por uma janela, lutando contra um urso ameaçador), e Vilma Banky formou com ele uma dupla romântica ideal.

Valentino e Vilma Banky em O Filho do Sheik

Logo após a estréia de O Filho do Sheik, Valentino, aos 31 anos de idade, morreu subitamente de peritonite depois de ter sofrido uma ruptura de úlcera. Sua morte causou uma histeria mundial, vários suicídios (uma mulher de Nova York, Agatha Hearn, mãe de família, atirou em si mesma enquanto segurava um maço de fotografias de Valentino; em Londres, uma atriz de 27 anos deprimida chamada Peggy Scott tomou veneno cercada por fotografias dele) e tumultos no seu velório, que atraiu uma multidão que se estendia por onze quarteirões. Segundo relatos, mais de 80 mil fãs compareceram ao seu funeral. Cada ano após sua morte e até os meados dos anos 50 uma misteriosa “Mulher Vestida de Preto”, algumas vezes “Mulheres Vestidas de Preto”, apareceram diante de sua sepultura.

WILLIAM DIETERLE NA AMÉRICA

Depois de atuar como ator de teatro (dirigido várias vezes por Max Reinhardt) e cinema (v. g. como Valentin, o soldado impetuoso que, manipulado por Mefistófeles, apunhala Fausto no célebre filme de Murnau baseado na obra de Goethe) e como diretor de cinema alemão (v. g. Die Heilige und ihr Narr / 1928, grande sucesso popular no seu país), Wilhelm Dieterle (1893 – 1972) nascido em Ludwigshafen am Rhein na Renânia-Palatinado, fez carreira no cinema americano.

William Dieterle

Com o advento do cinema sonoro, como o mercado estrangeiro representava 45% das receitas totais, Hollywood resolveu rodar diretamente na língua do país os filmes destinados às telas de além-mar e importou um punhado de atores, diretores e roteiristas europeus para realizar estas versões em idioma estrangeiro. Em julho de 1930, Wilhelm e sua esposa Charlotte, também atriz, embarcaram para os Estados Unidos, convidados para atuar em quatro versões alemãs de filmes americanos produzidos pela First National Pictures, que fôra comprada pela Warner Bros. em outubro de 1928, mas manteve seu logotipo e seus próprios estúdios em Burbank, onde iriam trabalhar as equipes européias.

As quatro versões foram: 1930 – O Baile da Morte / Der Tanz geht weiter (versão alemã de Those Who Dance (Dir: William Beaudine); Die Maske fällt (versão alemã de The Way for All Men (Dir: Frank Lloyd); Kismet (versão alemã de Kismet (Dir: John Francis Dillon). 1931 – Die heilige Flamme (versão alemã de The Sacred Flame (Dir: Archie Mayo). Charlotte atuou em Die Maske fällt e Die heilige Flamme. Dieterle interpretou o papel do Capitão Ahab em Moby Dick / Dämon des Meeres (versão alemã de Moby Dick (Dir: Lloyd Bacon) dirigido por Michael Curtiz e o substituiu na filmagem de algumas cenas.

Quando o processo de dublagem foi desenvolvido, a produção das onerosas versões estrangeiras foi interrompida e os artistas europeus dispensados. Entretanto, satisfeito com o trabalho de Dieterle, Blanke recomendou-o entusiasticamente a seu superior, o chefe de produção Hal B. Wallis e este, surpreso com a celeridade do trabalho do jovem realizador, lhe ofereceu um contrato de sete anos com a Warner Bros-First National.

Wilhelm mudou o nome para William, passou a usar sempre luvas brancas durante a filmagem e, à sua estatura imponente (1.94m de altura), acrescentou um comportamento autoritário e uma voz que podia se tornar estrondosa. Além das luvas brancas, outra peculiaridade de Dieterle foi sua crença absoluta na astrologia e na numerologia, compartilhada com sua esposa, que era astróloga. Ele mantinha um contato permanente com Charlotte e cuidava para que o primeiro dia de filmagem ocorresse sempre em um dia astrologicamente favorável. Quando testava um ator ou atriz para um papel, não deixava de estudar seu horóscopo e o levava em conta na sua decisão final.

Dieterle tinha confiança absoluta na sua mulher, que ia ao estúdio todos os dias. Como relatou Don Siegel, então estagiário do departamento de montagem da Warner (A Siegel Film – An Autobiography, Faber and Faber, London, 1993), ao fim de cada tomada, “ele olhava para Charlotte para ver se ela estava de acordo”.

De 1931 a 1935 Dieterle dirigiu 17 filmes, sobressaindo os marcados em negrito: 1931 – O Último Vôo / The Last Flight; Her Majesty Love, comédia romântica musical com Marilyn Miller, Ben Lyon, W.C. Fields. 1932 – Precisa-se de um Homem / Man Wanted, comédia romântica com Kay Francis, David Manners, Uma Merkel; Ladrão Romântico / Jewel Robbery; A Derrocada / The Crash, drama com Ruth Chatterton, George Brent, Lois Wilson; Seis Horas de Vida / Six Hours to Live, drama político misturado com ficção científica com Warner Baxter, Miriam Jordan, John Boles; Alvorada Rubra / Scarlet Dawn, drama histórico com Douglas Fairbanks Jr., Nancy Carroll, Lilyan Tashman; O Direito de Errar / Lawyer Man, drama com William Powell, Joan Blondell, Helen Vinson; 1933 – Grand Slam, comédia satírica com Paul Lukas, Loretta Young, Frank McHugh; Adorável / Adorable, comédia romântica musical com Janet Gaynor, Henri Garat, C. Aubrey Smith; Vidas sem Rumo / The Devil´s in Love, drama com Victor Jory, Loretta Young, Vivienne Osborne; O Rastro Invisível / From Headquarters, drama criminal de mistério com George Brent, Margaret Lindsay, Eugene Pallettte. 1934. – Modas de 1934. / Fashions of 1934; Névoa de Mistério / Fog Over Frisco, drama criminal de mistério; Madame du Barry / Madame du Barry, drama histórico com Dolores del Rio, Reginald Owen, Victor Jory; Ave de Fogo / The Firebird, drama criminal de mistério com Verree Teasdale, Ricardo Cortez, Lionel Artwill; Casados em Segredo / The Secret Bride, drama criminal com Barbara Stanwyck, Warren William, Glenda Farrell. Neste período, Dieterle prestou algum serviço, sem ser creditado, em Tu és Mulher / Female e Monica / Doctor Monica, dirigidos respectivamente por Michael Curtiz e William Keighley.

Cena de O Último Vôo

O Último Vôo, é um drama psicológico, baseado no romance de John Monk Saunders, adaptado por ele mesmo, que se constituiu em uma das produções mais originais de Hollywood no início dos anos 30. Após o armistício da guerra 1914-1918, quatro pilotos (Richard Barthelmess, Johnny Mack Brown (creditado como John), David Manners, Elliott Nugent), física ou mentalmente enfermos, desiludidos com o porvir, preferem ficar em Paris, em um clima daquela “geração perdida” descrita por Fitzgerald e Hemingway. Essa atmosfera é perfeitamente traduzida em termos fílmicos por Dieterle na sua estréia no cinema americano. A relação entre os ex-pilotos e o pivô feminino, Nikki (Helen Chandler), é explorada de forma pouco convencional e avançada para a época.

William Powell e Kay Francis em Ladrão Romântico

Ladrão Romântico, é uma comédia romântica excelente, baseada em uma peça de Ladislaus Fodor, sobre uma dama da alta sociedade, Baronesa Teri (Kay Francis), esposa adúltera de um milionário que percebeu o vazio de sua vida e se curou de seu tédio com um ladrão de jóias audacioso, elegante e requintado (William Powell) – parecido com Arsène Lupin de Maurice Leblanc. Dotado de uma técnica incomparável para esvaziar as joalherias da Ringstrasse de Viena nas barbas das autoridades, ele ridiculariza os representantes da lei e até o prefeito sucumbe aos cigarros de marijuana oferecidos pelo charmoso larápio. Outra dose parecida de amoralidade – pois trata-se de um filme anterior ao Código Hays – é o decote escandalosamente ousado nas costas de Teri e, no final, o oferecimento de seu marido para uma cura de descanso em Nice, onde a espera o irresistível gatuno.

Bette Davis e William Powell em Modas de 1934

Modas de 1934 é uma comédia musical interessante, com um argumento original para ligar os números musicais coreografados por Busby Berkeley. Sherwood Nash (William Powell), vigarista do mundo da moda, chega com seus cúmplices Lynn Mason e Snap (Bette Davis e Frank McHugh) a Paris, onde encontram um jovem compositor (Philip Reed), um comerciante da Califórnia (Hugh Herbert) que está tentando induzir os costureiros a usarem mais plumas em suas criações, e uma velha conhecida (Verree Teasdale), disfarçada de condessa russa. Esta está de amores com um costureiro famoso (Reginald Owen), cujos modelos o vigarista pretende roubar. No final vem o número “Spin a Little Web of Dreams”, que é um desfile suntuoso de garotas – formando uma decoração de harpas humanas e em seguida carregando leques de plumas de avestruz, até formarem uma grande rosa – fotografadas com a fluência característica de Busby.

De 1935 a 1939 Dieterle, impulsionado pelo seu antigo diretor de teatro Max Reinhardt, Dieterle fez 13 filmes, todos de classe A, entre os quais estão os melhores de sua carreira: 1935 – Sonho de uma Noite de Verão / A Midsummer Night´s Dream; Dr. Sócrates / Dr. Socrates, drama criminal com Paul Muni, Ann Dvorak, Barton MacLane; A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur. 1936 – Satan Met a Lady, drama criminal com Bette Davis, Warren William, Alison Skipworth; Anjo de Piedade / The White Angel, drama biográfico com Kay Francis, Ian Hunter, Donald Woods. 1937 – O Grande O´Malley / The Great O´Malley, drama com Pat O´Brien, Humphrey Bogart, Ann Sheridan; Outra Aurora / Another Dawn, drama com Kay Francis, Errol Flynn, Ian Hunter; Émile Zola / The Life of Emile Zola. 1938 – Bloqueio / Blockade (Prod: Walter Wanger/ UA), drama de guerra com Madeleine Carroll, Henry Fonda, Leo Carrillo. 1939 – Juarez / Juarez; O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame (Prod: RKO Radio). Em 1937 Dieterle prestou serviço momentaneamente nas filmagens de O Príncipe e o Mendigo / The Prince and the Pauper (substituindo William Keighley) e As Aventuras de Robin Hood /The Adventures of Robin Hood, (ocupando o lugar de Keighley antes de Michael Curtiz assumir a direção).

James Cagney e Anita Louise em Sonho de uma Noite de Verão

Sonho de uma Noite de Verão é uma adaptação da peça de William Shakespeare, realizada por Max Reinhardt com a ajuda de Dieterle, seu antigo discípulo dos palcos da Alemanha. Sobressai a fotografia deslumbrante de Hal Mohr, que entrou no lugar de Ernest Haller e deu um jeito de iluminar a imensa floresta erguida no estúdio pelo diretor de arte Anton Grot. Ele alterou os sets de Grot, pintou as folhas das árvores com tinta alumínio e resolveu usar apenas uma fonte de luzem vez de várias como ia fazer Haller. Mohr arrebatou o Oscar sem ter sido indicado, caso único na história da Academia, em virtude da aplicação do write-in vote, prática então vigente, que permitia ao votante incluir na cédula de votação um candidato próprio. Reinhardt trouxe o compositor austríaco Erich Wolfgang Korngold para providenciar o arranjo da música de Mendelsohn. O filme foi indicado para o Oscar.

Paul Muni em A História de Louis Pasteur

A História de Louis Pasteur é a cinebiografia do célebre químico francês, narrada de maneira direta e acessível, incorporando alguns acontecimentos fictícios aos fatos históricos para dramatizar o confronto entre a sociedade tradicional e as mudanças engendradas pelo progresso científico. O filme apresenta a luta entre Pasteur e seu rival poderoso, o arrogante Dr. Charbonnet (Fritz Leiber), eminente membro da área médica, que deseja desacreditar o grande cientista. Paul Muni personificou soberbamente o biografado, conquistando o Oscar, também entregue a Pierre Collings e Sheridan Gibney pelo Melhor Roteiro e História Original. O filme, conciso e emocionante, foi indicado para o troféu da Academia Agradou aos críticos e ao público, convencendo Jack Warner e o produtor Hal Wallis de que novas cinebiografias com o ator seriam do agrado popular.

 

Paul Muni em Émile Zola

Émile Zola é a cinebiografia do combativo escritor francês. Concorrente ao Oscar em várias categorias, ganhou como Melhor Filme e deu também estatuetas aos roteiristas Norman Reily Raine, Heinz Herald e Geza Herczeg e ao ator coadjuvante Joseph Schildkraut, que faz o papel de Alfred Dreyfus.  A cena mais contundente é a do julgamento de Dreyfus, na qual Paul Muni, no papel de Zola, brilha intensamente, discursando em favor do oficial judeu injustamente acusado. Graças ao extraordinário talento do ator, bastou um único take para que Dieterle se desse por satisfeito. Muni leu tudo o que encontrou a respeito de Zola, cada palavra das transcrições do julgamento de Dreyfus e muitos romances do escritor em traduções. Na sua pesquisa descobriu alguns gestos famosos e idiosincrasias de Zola: seu andar com os ombros caídos, uma risada excêntrica, o modo como o qual ele enfiava seu guardanapo sob seu colarinho, como colocava suas mãos para a frente e dava uma batidinha no seu estômago pensativamente. Seu esforço foi compensado com mais uma indicação para o Oscar de Melhor Ator.

Paul Muni em Juarez

Juarez é um drama histórico, sóbrio e majestoso, com a colaboração de John Huston no roteiro, dando igual importância às figuras do líder revolucionário mexicano e do Imperador Maximiliano. Brian Aherne quase consegue ofuscar Paul Muni – responsável pelo papel de Juarez -, personificando com muita propriedade o trágico Príncipe austríaco que Napoleão III colocou no trono do México, obtendo indicação para o Oscar. O cenógrafo Anton Grot e o fotógrafo Tony Gaudio também contribuem notavelmente para o espetáculo, o último dando um show de iluminação em muitas cenas, entre ela, aquela quando a louca Carlota (Bette Davis) sente que está próxima a execução do marido.

Charles Laugthon e Maureen O´Hara em O Corcunda de Notre Dame

O Corcunda de Notre Dame é refilmagem do célebre romance de Victor Hugo, que tem como centro das atenções o grotesco Quasimodo e a bela cigana Esmeralda. A Paris do tempo de Louis XI é reconstituída com autenticidade pelos sets de Van Nest Polglase, que evocam de modo fascinante o clima de superstição, horror e miséria do romance de V. Hugo. Charles Laughton impressiona tanto como o corcunda quanto Lon Chaney na versão muda e Maureen O´Hara, fotografada por Joseph August, é a própria beleza em pleno êxtase. Há, porém, um final feliz insustentável.

Em 1940, Dieterle fez mais dois filmes na Warner (A Vida do Dr. Ehrlich / Dr. Ehrlich’s Magic Bullet e Uma Mensagem de Reuter / A Dispatch from Reuters,    drama biográfico com Edward G. Robinson, Edna Best, Eddie Albert) e nos dois anos seguintes tentou se tornar independente, criando sua própria companhia de produção, Wiliam Dieterle Productions, firmando primeiramente uma parceria com a RKO Radio Pictures em dois filmes: O Homem Que Vendeu sua  Alma / The Devil and Daniel Webster e Cavalgada de Melodias / Syncopation, comédia musical histórica com Adolphe Menjou, Jackie Cooper e Bonita Granville.

Edward G. Robinson em A

A Vida do Dr. Ehrlich é a cinebiografia do Dr. Paul Ehrlich, o bacteriologista que descobriu a cura para a sífilis, tema audacioso para ser levado à tela sob a vigência do Código Hays que Dieterle tratou, focalizando mais os fatos, sem preocupação de criar mais dramaticidade. Contando com a colaboração de John Huston como coautor do roteiro, a música de Max Steiner e a fotografia de James Wong Howe, o diretor conduziu a narrativa de maneira ao mesmo tempo sólida e sensível e Edward G. Robinson dominou o espetáculo com uma de suas melhores interpretações no cinema.

Walter Huston e James Craig em O Homem Que Vendeu Sua Alma

O Homem Que Vendeu Sua Alma é um drama fantástico e faustiano baseado no conto de Stephen Vincent Benet. A história gira em torno de Jabez Stone (James Craig), fazendeiro endividado do século XIX, que vende sua alma ao Diabo, Mr. Scratch (Walter Huston), em troca de sete anos de prosperidade. À medida em que sua situação financeira melhora, Jabez se torna impiedoso e cruel, caindo sob o feitiço de uma jovem fascinante, Belle (Simone Simon), enviada por Mr. Scratch para desencaminhá-lo. Quando os sete anos estão quase terminando quem vem em socorro do rapaz é o famoso político e orador Daniel Webster (Edward Arnold) que, no julgamento de sua alma por um júri de fantasmas de vilões famosos da História, consegue salvá-lo das garras de Satanás. Adotando, com o auxílio do fotógrafo Joseph August, um estilo cinematograficamente parecido com o cinema alemão expressionista e contando ainda com a música estridente de Bernard Hermann (premiada com o Oscar), os efeitos especiais de Vernon L. Walker e a performance deliciosa de Walter Huston (que lhe valeu uma indicação para o prêmio da Academia), Dieterle realizou um espetáculo estranho, que muitos consideram sua obra-prima. E tem aquele final inesperado com Mr. Scratch, consultando seu caderninho de notas e nos apontando como sua próxima vítima.

Antes de encerrar suas atividades na América em 1957, Dieterle fez, para várias companhias: 1942 – Campeão de Liberdade / Tennessee Johnson, drama biográfico com Van Heflin, Lionel Barrymore, Ruth Hussey (MGM). 1944 – Kismet / Kismet, aventura com Ronald Colman, Marlene Dietrich, James Craig; (MGM); Ver-te-ei Outra Vez / I´ll Be Seing You (Selznick), drama romântico com Ginger Rogers, Joseph Cotten, Shirley Temple (Selznick). 1945 – Um Amor em Cada Vida / Love Letters (Paramount); Sublime Indulgência / This Love of Ours (Universal), drama romântico com Merle Oberon, Charles Korvin, Claude Rains (Universal). 1946 – Duelo ao Sol / Duel in the Sun (Selznick). Obs. Dieterle refez 20% do filme após a saída de King Vidor; A Esperança não Morre / The Searching Wind, drama de guerra com Robert Young, Sylvia Sidney, Ann Richards (Paramount). 1948 – Jennie / Portrait of Jennie, drama de mistério e fantasia com Jennifer Jones, Joseph Cotten, Ethel Barrmore (Selznick). 1949 – Acusada / The Accused (Paramount); Zona Proibida / Rope of Sand, aventura com Burt Lancaster, Paul Henreid, Claude Rains (Paramount). 1950 – Amei Até Morrer / Paid in Full, drama com Robert Cummings, Lizabeth Scott, Diana Lynn (Paramount); Vulcano / Volcano (filme italiano); Paraíso Proibido / September Affair, drama romântico com Joan Fontaine, Joseph Cotten, Françoise Rosay (Paramount); Cidade Negra / Dark City, drama criminal noir com Charlton Heston, Lizabeth Scott, Viveca LIndfors (Paramount). 1951 – O Expresso de Pequim / Peking Express, drama político com Joseph Cotten, Corinne Calvert, Edmund Gwenn (Paramount); O Último Caudilho / Red Mountain, western com Alan Ladd, Lizabeth Scott, Arthur Kennedy (Paramount). 1952 – O Trapaceiro / Boots Malone, drama esportivo com William Holden, Stanley Clements, Basyl Ruysdael; (Columbia); Tributo de Sangue / The Turning Point (Paramount). 1953 – Salomé / Salome, drama histórico com Rita Hayworth, Carles Laughton, Stewart |Granger (Columbia). 1954 – No Caminho dos Elefantes / Elephant Walk, aventura com Elizabeth Taylor, Dana Andrews, Peter Finch (Columbia). 1955 – Chama Imortal/ Magic Fire, drama biográfico com Yvonne De Carlo, Carlos Thompson, Rita Gam (Republic). 1957 – Aventuras de Omar Khayam / Omar Khayyam, aventura biográfica com Cornel Wilde, Michael Rennie, Debra Paget (Paramount).

Jennifer Jones e Joseph Cotten em Um Amor Em Cada Vida

Um Amor em Cada Vida é um melodrama ultraromântico de mistério com um vestígio de sobrenatural, que tem início durante a Segunda Guerra Mundial. O soldado Alan Quinton (Joseph Cotten) concorda em escrever cartas de amor para a jovem Victoria (Jennifer Jones) em nome de seu companheiro de armas, Roger Morland (Robert Sully), tal como Cyrano de Bergerac fazia para Christian na peça de Edmond Rostand. Quando Alan retorna para casa, descobre que Victoria e Roger haviam se casado, mas ele estava morto, apunhalado pelas costas e o assassino pode ter sido Victoria, agora sofrendo de amnésia e atendendo pelo nome de Singleton. Apaixonado por ela, Alan procura descobrir o que realmente ocorreu. A esplêndida fotografia de Lee Garmes e o score persistente de Victor Young reforçam o aspecto sombrio do tema enquanto Dieterle se encarrega de manter a verdade oculta até os últimos instantes do filme. Foram indicados ao Oscar: Jennifer Jones, Victor Young (Melhor Música e Melhor Canção (esta de parceria com Edward Heyman) e Hans Dreier e Roland Anderson (Dir. Arte).

Robert Cummings e Loretta Young em Acusada

Acusada é um drama criminal e psicológico noir no qual Loretta Young faz o papel de Wilma Tuttle, professora de psicologia, forçada a matar seu aluno Bill Perry (Douglas Dick), que tentara violentá-la. Intimada pelo Tenente Ted Dorgan (Wendell Corey) a entregar a polícia as composições escritas de seus alunos, lê a dissertação de Bill e verifica que ele a analisara, descrevendo seu tipo psicológico, mas sem identificá-la. Wilma então muda sua imagem e começa a sair com Warren (Robert Cummings), advogado e guardião do rapaz. Este acaba descobrindo a verdade e tenta ajudá-la. Após o crime, Wilma se transforma quase que em uma mulher fatal: torna-se poderosa, calculista, desembaraçada e sensual, e começa a jogar com as emoções dos dois homens. Um aspecto interessante do enredo é a paixão recolhida de Dorgan, que o próprio revela a Wilma depois do julgamento. O visual noir transparece sobretudo nos retrospectos apresentados sob a forma de pesadelos e alucinações da protagonista, cheios de simbolismo freudiano, principalmente as cenas passadas no estádio de boxe, quando a luta lhe traz a lembrança os acontecimentos que ela quer apagar da memória. Outra passagem marcante é a da reconstituição do crime. O perito (Sam Jaffe) mostra uma maquete do local onde Bill teria caído e sua máscara mortuária. Warren pede que Wilma golpeie o molde de gesso com uma barra de ferro e ela, lembrando-se da tentativa de estupro, se descontrola espatifando-o violentamente.

Edmond O´Brien, Alexis Smith e Willaim Holden em Tributo de Sangue

Tributo de Sangue é um drama criminal, pondo em evidência um promotor de Los Angeles, John Conroy (Edmond O´Brien), designado para investigar um sindicato do crime dirigido pelo riquíssimo Echelberger (Ed Begley). Ele conta com o apoio de seu amigo de infância, jornalista Jerry McKibbon (William Holden), e de sua assistente e namorada Amanda (Alexis Smith). O caso se complica quando Amanda se apaixona por Jerry e, ao mesmo tempo, este descobre que o pai de John – tido como um policial honesto – está macomunado com os bandidos. Dieterle expõe a intriga com sobriedade e grande senso de cinema, criando boas sequências como o assalto simulado a uma loja, cujo objetivo é atrair o velho policial e eliminá-lo, já que ele já não serve aos interesses do Sindicato; as cenas noturnas do incêndio, ordenado por Eichelberger, de um prédio, causando a morte atroz de muitas pessoas; o clímax no qual um assassino de aluguel procura alvejar o jornalista do teto e depois nos corredores do estádio de boxe no meio da multidão de espectadores,  todos estes momentos  muito bem captados pela câmera de Lionel Lindon.

No final dos anos 50, Dieterle voltou para a Europa, onde – sofrendo alguns contratempos – trabalhou no cinema, teatro e televisão entre 1958 e 1972. Em 1964, retornou aos EUA para fazer The Confession, comédia satírica com Ginger Rogers, Ray Milland, e Barbara Eden, produzida pela William Marshall Productions of Jamaica e Kay Lewis Enterprises, e distribuído pela Golden Eagle (USA). O filme foi uma tentativa de reativar a carreira de Ginger Rogers, então casada com Marshall, teve uma produção conturbada (com o diretor original Victor Stoloff sendo substituído por Dieterle) e ficou na prateleira por muitos anos, até ser relançado em 1971 como Quick, Let´s Get Married! Um ano depois Dieterle deixaria este mundo aos 72 anos de idade. Em junho-julho de 1973, o Festival de Berlim prestou uma homenagem póstuma ao cineasta, consagrando-lhe uma pequena retrospectiva.