Amante do melodrama romântico, que abordou sempre com delicadeza, chegando às vezes ao sublime, ele foi no cinema um dos grandes pintores do amor que a tudo transcende. Com toda razão Henri Agel (Les Grands Cinéastes que je propose, ed. Cerf, Paris, 1967) reconheceu nele “umas das almas mais maravilhosamente líricas da cena silenciosa”.
Frank Borzage (1894 – 1962), era filho de Luigi Borzaga, de origem ítalo-austríaca e Maria Ruegg, de origem suíça alemã. Luigi emigrou para os EUA no início dos anos 1880 e depois trouxe sua noiva Maria. Eles se casaram em Hazleton, Pennsylvania e posteriormente se mudaram para Salt Lake City, Utah, onde Frank nasceu. A escolaridade de Frank foi breve: aos 12 anos de idade teve que abandonar os estudos para ajudar o pai, que era pedreiro. Na adolescência, descobriu uma paixão pelo teatro e decidiu ser ator.
Por intermédio de seu progenitor, encontrou emprego nas minas de prata de Silver King em Park City e, com o dinheiro que economizou, matriculou-se em uma escola de arte dramática em Salt Lake City. A escola propôs a seus alunos uma excursão por pequenas cidades do Utah, mas após algumas representações o gerente da companhia desistiu do empreendimento, não antes sem “tomar emprestado” os últimos vinténs de seu novo aluno. A companhia teatral seguinte também o deixou na mão e, desta vez, para voltar para casa, Frank teve que trabalhar como ajudante de um cozinheiro chinês em um acampamento de ferroviários, depois se juntou a uma equipe de operários da via férrea nas Montanhas Rochosas, e acabou em Denver no Colorado, doente e enfraquecido, onde um velho negro misericordiosamente o tratou na sua cabana. Ele sobreviveu graças à “sopa dos pobres” e dormia nos parques públicos ou em canos de esgoto vazios. Finalmente, ao responder a um anúncio de jornal, ele conseguiu ser aceito pelo produtor de teatro Gilmore Brown, que estava precisando de um jovem bem apessoado e com certa experiência de palco. Frank excursionou com a Gilmore Brown Stock Company por várias cidades e, quando a companhia fechou as portas, ele se dirigiu para a Los Angeles a fim de tentar a sorte na indústria cinematográfica.
Em 1912, aos 18 anos de idade, Borzage estava prestando serviço como fact totum para Thomas Ince ou para o jovem ator-diretor Wallace Reid. Em 1913 Ince promoveu-o a galã e seu talento como ator seria solicitado por outros diretores até 1917. Enquanto isso, ele dirigiu seu primeiro filme, o curta-metragem The Pitch O´Chance / 1915, seguindo-se outros curtas até sua estréia no longa-metragem com Land O´Lizards (western com Frank Borzage, Harvey Clark, Laura Sears), em 1916.
Na década de vinte, Borzage esteve atrás das câmeras em mais 40 filmes (produzidos por várias companhias, notadamente Triangle, Cosmopolitan, Norma Talmadge Prod., MGM e principalmente Fox), destacados em negrito os mais importantes: 1916 – Immediate Lee, western com F. Borzage, Anna Little, Chick Morrisson. 1917 – Amor Difícil / Flying Colors, drama com William Desmond, Golda Madden, Jack Livingston; A Benção do Céu / Until They Get Me, drama com Pauline Starke, Jack Curtis, Joe King. 1918 – A Salteadora / The Gun Woman, western com Texas Guinan, Ed Brady, Francis McDonald; The Curse of Iku, drama com F. Borzage, Tsuru Aoki, Meta Anderson; Missão de um Anjo / The Shoes That Danced, drama com Pauline Starke, Wallace McDonald, Richard Rosson; Progresso de Inocente / Innocent´s Progress, drama com Pauline Starke, Lillian West, Alice Knowland; Dedicação / Society for Sale, drama com William Desmond, Gloria Swanson, Herbert Prior; An Honest Man, comédia dramática com William Desmond, Mary Warren, Ann Kroman; Sejam Felizes! / Who is to Blame? drama com Jack Abbe, Jack Livingston, Maude Wayne; Alma de Flor / The Ghost Flower, drama com Alma Rubens, Charles West, Francis McDonald. 1919 – Toton, drama com Olive Thomas, Norman Kerry, Francis McDonald; Whom the Gods Would Destroy, drama com Jack Mulhal, Pauline Starke, Kathryn Adams; Prudence on Broadway, comédia com Olive Thomas, Francis McDonald, Harvey Clark; Duque, o Cavaleiro Errante / The Duke of Chimney Butte, western com Fred Stone, Viola Vale, Josie Sedgwick; Os Dois Laços / Billy Jim, western cômico com Fred Stone, Millicent Fisher, George Hernandez. 1920 – Adoração de Mãe / Humoresque. 1921 – Quereis Enriquecer Depressa? / Get-Rich-Quick Wallingford, comédia com Sam Hardy, Norman Kerry, Doris Kenyon; Lágrimas e Sorrisos / Back Pay, drama com Seena Owen, Matt Moore, J. Barney Sherry; Sacrifício de Pai / The Good Provider, drama com Vera Gordon, Dore Davidson, Miriam Battista. 1922 – As Três Vinganças/ The Valley of Silent Men, drama romântico com Alma Rubens, Lew Cody, Joseph King; Viver é Lutar / The Pride of Palomar, drama com Forrest Stanley, Marjorie Daw, Tote du Crow. 1923 – Um Novo Mandamento / The Nth Commandment, drama com Colleen Moore, James Morrison, Eddie Phillips; O Filho do Lodo / Children of Dust, drama romântico e de guerra com Bert Woodruff, Johnnie Walker, Pauline Garon; A Idade dos Desejos / The Age of Desire, drama com Joseph Swickard, William Collier Jr., Frederick Truesdell; Canção de Amor / The Song of Love, drama com Norma Talmadge, Joseph Schildkraut, Arthur Edmund Carewe (iniciado por Borzage, substituído sucessivamente por Chester Franklin e Frances Marion. 1924 -Segredos / Secrets, drama com Norma Talmnadge, Eugene O`Brien, Patterson Dial; A Grande Dama / The Lady, melodrama com Norma Talmadge, Wallace MacDonalds, Brandon Hurst. 1925 – Tribulação / Daddy´s Gone a Hunting, drama com Alice Joyce, Percy Marmont, Virginia Marshall; A Mulher do Outro / The Circle, comédia dramática com Eleanor Boardman, Malcolm McGregor, Alec B. Francis; O Preguiçoso / Lazybones; Esposas em Greve / Wages for Wives, comédia com Jacqueline Logan, Creighotn Hale, Earle Foxe; O Primeiro Ano / The First Year, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, John Patrick. 1926 – Sem Lar e Sem Rumo / The Dixie Merchant, drama com J. Farrell MacDonald, Madge Bellamy, Jack Mulhall; Casar é Bom / Early to Wed, comédia com Matt Moore, Kathryn Perry, Albert Gran; Dolorosa Renúncia / Marriage License? drama com Alma Rubens, Walter McGrail, Richard Walling. 1927 – 7° Céu / Seventh Heaven. 1928 – Anjo das Ruas / Street Angel; O Rio da Vida / The River, drama romântico com Charles Farrell, Mary Duncan, Ivan Linow. 1929 – Estrela Ditosa / Lucky Star; Eles Tinham Que Ver Paris / They Had To See Paris! comédia com Will Rogers, Irene Rich, Owen Davis Jr.
Adoração de Mãe (Prod: Cosmopolitan), é um melodrama de profunda humanidade. Jogando com saltos no tempo, a narrativa segue o percurso de Leon Kantor (Gaston Glass), menino do ghetto judeu novaiorquino que se torna um violinista virtuoso graças ao empenho e ajuda de sua mãe (Vera Gordon), sua mudança com a família para um bairro mais chique, seu alistamento militar, seu retôrno da guerra incapacitado para exercer sua profissão. Na última parte, surge o tema do amor salvador – na figura de Gina (Alma Rubens) – que marcaria a carreira do cineasta. Por seu excelente trabalho, Borzage obteve a primeira distinção artística do cinema nos EUA, a Photoplay Gold Medal Award para o melhor filme do ano. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e propulsionou a carreira do diretor
O Preguiçoso (Prod: Fox) é uma comédia dramática pungente focalizando um jovem do meio rural, Steve Tuttle (Buck Jones) – apelidado de Preguiçoso (porque é “tão dormente quanto o melaço no inverno”), que assume a responsabilidade de criar uma menina órfã, causando um escândalo na sua pequena cidade. Muitos anos depois, ao retornar da Primeira Guerra Mundial, ele descobre que ama a menina, que agora é uma moça (Madge Bellamy), e pretende se casar com ela; mas a jovem está apaixonada por outro (Leslie Fenton). Borzage traça um retrato primoroso de um amor não correspondido, combinando um senso de humor refinado com um sentimento de melancolia, e dá relevo à natureza e às paisagens fotografadas com esmero por Glenn MacWilliams e George Schneiderman. O astro famoso dos seriados e westerns B tem uma interpretação surpreendente como o rapaz cuja indolência é mostrada em uma imagem antológica: vestido com se fosse um espantalho, nós o vemos relaxando ao sol por tanto tempo que uma teia de aranha se forma em seus sapatos.
7º Céu é um drama romântico desenrolado na França durante a Primeira Guerra Mundial. Diane (Janet Gaynor), jovem parisiense, é salva das brutalidades de uma irmã mais velha alcoólatra e violenta (Gladys Brockwell) por Chico Robas (Charles Farrell), operário dos esgotos de Paris, cuja modesta ambição na vida é ser promovido a limpador de ruas. Após dizer para as autoridades que ela é sua esposa, Chico a leva para o sétimo andar no topo de um prédio em ruínas onde mora – o sétimo céu do título. Logo se apaixonam e pretendem se casar, mas a guerra irrompe e Chico é convocado. Os amantes prometem que se encontrarão em pensamento todos os dias às onze horas da manhã, não importa o que aconteça. Chico volta da frente de batalha cego, e é precisamente quando está cego, que ele vê claro. Ele, que se achava abandonado por Deus, não está sozinho. Diane está lá e estará sempre lá. Esta história de amor sentimental com uma dimensão mística foi narrada com muita ternura por Borzage e lhe proporcionou o Oscar de Melhor Diretor. O filme foi indicado; Janet Gaynor ganhou a estatueta da Academia por seu trabalho nele, em outro filme de Borzage, Anjo das Ruas, e Aurora / Sunrise de F.W. Murnau; Benjamin Glazer também foi vencedor pelo Melhor Roteiro Adaptado.
Anjo das Ruas é um drama romântico com o tema Borzagiano recorrente do amor contra a adversidade, influenciado pela estética do expressionismo alemão, particularmente de Murnau. Angela (Janet Gaynor), filha dos bairros pobres de Nápoles, precisa de vinte liras para cuidar de sua mãe doente. Desesperada, ela tenta se vender na rua e acaba por furtar o dinheiro. Presa e condenada a um ano de prisão, consegue fugir. Perseguida pela polícia, encontra refúgio em uma trupe de um circo, do qual ela se torna uma das vedetes. Em uma turnê, encontra Gino (Charles Farrell), jovem pintor sem um tostão. Apaixonado por Angela, ele se junta à trupe. A jovem, que a príncípio rejeita seu amor, acaba caindo em seus braços, porém leva uma queda e, ferida no tornozelo, não pode mais fazer seu número de equilibrista. Gino a leva então para Nápoles, onde ela ainda está sendo procurada. Ele consegue uma encomenda para fazer um mural que lhe trará muito dinheiro e os dois resolvem se casar, porém na véspera do casamento, a polícia a encontra. Antes de ser levada presa, ela pede aos guardas uma hora de atraso, pois é preciso que Gino não saiba de seu passado. Angela dissimula de Gino sua partida iminente. Passado algum tempo eles se reencontrarão fortuitamente em um cais brumoso. Aterrorizada pelo rosto de Gino congestionado de ódio, Angela foge, seguida por um travelling lateral longo, e vai se refugiar em uma capela. Ela cai na frente de um altar. Gino tenta estrangulá-la. Ele derruba uma Bíblia, percebe onde se encontra e olha para o tabernáculo. À luz das velas, Gino descobre o seu quadro da pura Angela, retocado por um falsário, como se ela fosse uma Madona. Após alguns momentos dramáticos, eles se reconciliam sob o som de “O Sole Mio”.
O Rio da Vida é um drama romântico combinando maravilhosamente erotismo e inocência. No cartão de título vem uma epígrafe que universalisa o tema: “Existe um rio chamado Vida. Sua nascente é uma fonte escondida. Seu objetivo é o mar. Sobre ele navegam as balsas dos destinos humanos”. Allen John Pender (Charles Farrell), jovem inexperiente, está descendo pelo rio em sua balsa quando conhece e se apaixona por Rosalee (Mary Duncan), mundana experiente e bonita, amante de um homem chamado Marsdon (Alfred Sabato) que está preso por assassinato. Ela é atraída pela timidez do rapaz e seu caráter ingênuo, embora tivesse sido obrigada a jurar fidelidade eterna a seu parceiro brutal e ciumento, Rosalee tem como único companheiro um corvo, símbolo de sua dependência do ausente. Quando Allen lhe pede em casamento, Rosalee vê o corvo e o repele. Desesperado, Allen diz que vai libertá-la de Marsden e, lembrando-se de um desafio que ela lhe fizera, grita alucinado: “Vou mostrar que sou um homem melhor do que Marsden. Vou cortar todas as árvores da floresta para te aquecer”. O esforço e o frio lhe fazem perder a consciência. Sam (Ivan LInow), um surdo-mudo hercúleo que tinha contas a acertar com Marsden, descobre o corpo inanimado de Allan e o leva de volta à cabana. Ele e Rosalee tentam reanimá-lo, o que ela finalmente consegue, abraçando-o com o calor de seu corpo. A esta altura chega Marsden, que fugira da prisão, luta com Allen, e o derruba com um pedaço de madeira. Enquanto Rosalee foge pelo bosque, Marsden se defronta com Sam, seu inimigo mortal. Aterrorizada pelo fantasma de seu perseguidor Rosalee sobe na passarela e pula no rio onde o redemoinho a engole. Allen John mergulha no centro do redemoinho e abraça Rosalee sob as águas. Alguns segundos depois, os amantes reaparecem na superfície. Após estrangular Marsden, o justiceiro surdo-mudo lava as mãos no rio “que, como o amor, purifica tudo”. Na Primavera, Allen John e Rosalee partirão juntos na balsa em direção ao mar. Embora hoje só exista somente parte de uma cópia da obra original, ainda podemos nos encantar pela beleza e pelo lirismo desta história audaciosa, sobre o jogo de sedução entre uma mulher ferida pela vida e cansada de amor e um jovem puro que ainda não descobriu a sensualidade e descobre este sentimento. A fotografia de Ernest Palmer e os cenários de Harry Oliver contribuem em grande parte para o triunfo artístico da produção.
Estrela Ditosa é um drama romântico, espécie de resumo e culminância do universo muito pessoal de Borzage, onde prevalecem a imaginação poética, o encantamento imagístico e a espiritualidade. Timothy Osborn (Charles Farrell) e Martin Wrenn (Guinn Williams) trabalham como instaladores de telefone para uma companhia em uma área rural. Ambos flertam com Mary Tucker (Janet Gaynor), filha de uma produtora de leite viúva (Hedwig Reicher), que bate nela e a explora. Quando os EUA entram na Primeira Guerra Mundial, ambos se alistam no exército, servindo na mesma unidade, na qual Wrenn é sargento. Ordenado a entregar comida na frente de batalha, Wrenn usa o caminhão de entrega em proveito próprio (“para ver as moças” na retaguarda) e manda Osborne fazer a entrega por meio de uma carroça puxada por cavalos. Nesta operação, Timothy é ferido por fogo de artilharia. Timothy e Wrenn voltam para casa e Timothy agora usa uma cadeira de rodas. Mary fica apegada a Timothy e o visita todos os dias. Wrenn, que foi expulso do exército (mas ainda veste sua farda, para desagrado dos aldeões), usa adulação e falsas promessas de ascenção social para conquistar a mãe de Mary, pressionando-a para que ela faça a filha se casar com ele. Entrementes, Timothy, depois de muito esforço, recupera o controle de suas pernas, consegue chegar até a casa de Mary, começa a lutar contra Wrenn e eis que surgem os aldeões e colocam Wrenn em um trem que parte, expulsando-o da cidade. Mary olha incrédula para Timothy da cabeça aos pés, cai de joelhos e abraça suas pernas. Eles ficam de pé se abraçando diante dos trilhos da via férrea que se perde no horizonte. No auge de sua arte no tempo do cinema silencioso, Borzage cria uma atmosfera de conto de fadas inundada por enquadramentos belíssimos e cenas íntimas entre os dois jovens amantes (magnificamente interpretados por Charles Farrell e Janet Gaynor) diante das quais ninguém poderá deixar de se emocionar. Como não sentir algo dentro de nossos corações ao vermos Timothy lavando o cabelo de Mary com gema de ovo ou obrigando-a a lavar as mãos ou ainda repreendendo-a por ter furtado dinheiro da sua progenitora para comprar um vestido?
Os últimos quatro filmes marcados com traços mais grossos formam um quarteto de obras-primas do diretor na fase silenciosa do cinema, reputadas pela graciosidade e poesia de sua encenação.