O WESTERN À ITALIANA

maio 12, 2022

A Europa sempre esteve ligada no mito do Oeste, seja por seus autores de romances populares (v. g. Gustave Aimard, Mayne Reid, Karl May), cuja ação se desenrolava no Oeste americano, seja pela realização de filmes sobre este assunto (v. g. a série francesa Arizona Bill com Joe Hamman (1912-1914); a série alemã, rodada na Iugoslávia sobre Winnetou, com Pierre Brice e Lex Barker (1963-1965); os westerns italianos (1964-1978) etc.

A prosperidade dos westerns italianos deu-se sobretudo graças ao talento de Sergio Leone, porém seus sucessores submeteram o gênero a uma verdadeira degradação: visão ultracaricatural do Oeste e de seus personagens, exposição gratuita da violência e do erotismo etc.

O western italiano, depreciativamente referido como “western spaghetti”, surgiu como fenômeno mundial com o lançamento do filme Por um punhado de dólares / Per um pugno di Dollari / 1964. O gênero emergiu das cinzas do “peplum” (palavra latina para túnica – expressão usada para designar com conotação pejorativa, os filmes italianos de aventuras pseudo mitológicas com heróis sobrehumanos e musculosos (v. g.  Hércules, Maciste, Ursus), no qual muitos dos seus praticantes – diretores como Sergio Corbucci, Riccardo Freda e outros, inclusive o próprio Leone – foram treinados. As equipes técnicas também eram quase sempre as mesmas, muitas tendo formado segundas unidades para grandes espetáculos americanos filmados em Roma ou na Espanha nos anos 50. A maioria das locações era na Espanha (Almeria) e depois na Itália, Iugoslávia e Israel, com uma breve incursão no Monument Valley para o filme Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968.

Clint Eastwood e Sergio Leone

Cinco variações básicas podiam ser notadas: 1. O estilo maneirista, inaugurado na trilogia de Leone (Por um punhado de dólares, Por  alguns dólares a mais / Per qualche dollaro in più / 1965 e Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966); 2.o picaresco, como exemplificado pelo ciclo “Ringo”, estrelado por Giuliano Gemma e dirigido por Duccio Tesssari (v. g. Uma pistola para Ringo, / Uma pistola per Ringo, Ringo não discute … mata / Il retorno di Ringo, ambos de 1965); 3. O western “político “, com sua leitura ideológica do Oeste e de um México Terceiro-Mundista subdesenvolvido (v. g. Gringo / Quién sabe? / 1967, de Damiano Damiani, Réquiem para matar / Requiescant / 1968, de Carlo Lizzani, Os Violentos vão para o inferno / Il mercenário / 1968, de Sergio Corbucci; 4. o modo macabro-fúnebre das séries Sartana e Django; 5. os westerns mais leves (v. g. Sete pistolas para os McGregors / Sette pistole per i MacGregor / 1966, Sugar Colt / Sugar Colt / 1966, de Franco Giraldi) que levou ao ciclo de comédias da dupla Terence Hill (Mario Girotti) / Bud Spencer (Carlo Pedersoli), iniciado com Chamam-me Trinity / Lo chiamavano Trinità / 1970, de E. B. Clutcher (Enzo Barboni). E ia me esquecendo da série Sabata com Lee Van Cleef.

O principal argumento usado contra os westerns de Cinecittà é que eles não tinham “raízes culturais” na história ou no folclore americanos, constituindo-se em imitações baratas e oportunistas. De fato, o “western spaghetti” reteve de seu modelo apenas os aspectos exteriores e os atributos mais superficiais. Seu sucesso internacional deveu-se à sua capacidade de funcionar como espetáculo puro, abstrato, violento, acessível às platéias sem considerações de nacionalidade ou cultura. Outras características eram o emprego exagerado do zoom e dos primeiros planos, dos tempos mortos, música obsessiva, a pobreza de recursos atores americanos, para citar apenas alguns de suas peculiaridades.

Os críticos afirmavam que havia uma “determinada” relação entre as histórias de oeste e as paisagens nas quais essas histórias se passavam, protestaram veementemente contra as locações espanholas usadas nos westerns spaghetti: os filmes feitos em ou ao redor de Hollywood pelo menos captavam “a expresssão do Velho Oeste”.

Para Gaston Haustrate (CInéma 71, 1971) os westerns italianos revelaram os piores excessos do “temperamento Mediterrâneo”. Como os diretores da Cinecittà eram claramente incapazes de apreciar a “alma” do “autêntico western”, eles decidiram “deformar” certos aspectos formais do gênero.

Ao examinar a sua iconografia (Cinema e transfiguração, 1978), Eduardo Geada observou: “se no western norte-americano a violência era quase sempre justificada por um recurso constante a referentes históricos precisos, no western europeu a violência não se insere em qualquer contexto histórico necessário, antes procura automatizar-se e instituir-se em espetáculo sem outra finalidade que não seja a sua própria fascinação junto a um público sem grande preparação cultural”.

Ainda segundo Geada: “Desenraizado de qualquer exigência histórica precisa, o western spaghetti viu-se condenado a utilizar apenas a estrutura mitológica do western clássico e a perpetuá-la pelo único meio ao seu dispor: a retórica. É por isso que os personagens dos “westerns spaghetti” se podem permitir todas as liberdades possíveis e imaginárias, circular num tempo e num espaço indefinidos, porque eles não são já os legítimos representantes de um nacionalismo descomunal, mas, muito simplesmente, os herdeiros tardios de um paraíso cinematográfico tão lucrativo quanto narcisista”.

Outros comentaristas menos rigorosos apontam pelo menos dois westerns interessantes de Sergio Leone: Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cativo / 1966 e  Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West / 1968, aplaudindo nos seus filmes o realismo sórdido, a supressão dos “heróis”, o humor macabro próximo do surrealismo e, principalmente, o seu estilo barroco flamejante.

 

No livro Anthony Steffen – A saga do brasileiro que se tornou astro do bangue-bangue à italiana (Matrix, 2007) Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira apreciaram a técnica de Leone: “os procedimentos técnicos utilizados por Leone tornaram-se regra. Closes exagerados de mãos e olhos alternam-se com panorâmicas abrangentes das paisagens. Os zooms e cortes rápidos criam um clima de tensão. Enquadramentos tradicionais misturam-se a ângulos distorcidos e inusitados. O tempo que antecede os duelos é dilatado ao máximo. A montagem segue o ritmo da música, ingrediente fundamental”.

Ennio Morricone

Os autores citados também se pronunciaram sobre a trilha sonora: “Ao criar a trilha de Por um punhado de dólares, o maestro Ennio Morricone estabeleceu os cânones musicais do gênero. Compositores como Bruno Nicolai, Carlo Rustichelli, Gianni Ferrio, Angelo Francesco Lavagnino, Piero Piccioni e Francesco De Masi rapidamente adequaram seus talentos ao novo estilo. As partituras são fúnebres, tétricas e atonais, em sintonia com o que acontece na tela. A guitarra elétrica surge com frequência, na companhia de ruídos animais (uivos, relinchos, cacarejos) ou mecânicos (revólveres engatilhados, sinos). Destaca-se ainda o uso melódico dos assobios e da voz humana.

A violência gráfica e o bizarro senso de humor dão o tom da narrativa. Nela, os clichês do Velho Oeste hollywoodiano, puritano e liberal, caem por terra. Os cenários enlameados, o suor que escorre dos rostos e a aparência suja dos caubóis, revelam a influência do neo-realismo italiano. A serviço de uma narrativa épica, o realismo aparece de maneira grotesca, quase expressionista”

Durante a década de sessenta o êxito do western italiano não deixou indiferentes os produtores americanos, e vários diretores voltaram-se para as adaptações mais ou menos diretas dos métodos romanos (v. g. Arnold Laven: A noite dos pistoleiros / Rough Night at Jericho / 1967; Tom Gries: Cem Rifles / 100 Rifles / 19669; Henry Hathaway: Pôquer de Sangue / Five Card Stud / 1968; Ted Post: A Marca da Forca / Hang´em High / 1968; Gordon Douglas: Barquero / Barquero / 1970).

Talvez o julgamento mais justo do “western spaghetti” seja considerá-lo como um subgênero ou um gênero à parte, bem distinto da forma original, uma maneira européia de interpretar o western, uma crítica à reconstituição do Oeste e de seu significado feita por Hollywood; no caso de um diretor como Sergio Leone, perfeitamente válida, porque se tornou o testemunho de uma visão pessoal.

FILMOGRAFIA DE SERGIO LEONE

1961 – O Colosso de Rhodes / Il colosso di Rodi. 1964 – Por um punhado de dólares / Per um pugno di dollari. 1965 – Por uns dólares a mais / Per qualche dollari in piú. 1966 – Três homens em conflito / Il buono, il brutto, il cattivo. 1968 – Era uma vez no Oeste / C´era uma volta il West.  1971 – Quando explode a vingança / Giù la testa. 1984 – Era uma vez na América / Once Upon a Time in America.

Outros realizadores do western à italiana: Mario Amendola, Giorgio Arlorio, Tinto Brass, Mario Caiano, Enzo G. Castellari, Duilio Coletti, Sergio Corbucci, Damiano Damiani, Franco Giraldi, Carlo Lizanni, Michele Lupo, Franco Solinas, Sergio Sollima, Tonino Valerii, Florestano Vancini.

Astros mais assíduos do western à italiana:

Clint Eastwood, Gian Maria Volonté, Giuliano Gemma, Tomas Milian, Bud Spencer, Terence Hill, Benito Stefanelli, Peter Martell, Tony Anthony, Richard Harrison, Anthony Steffen, Franco Nero, Gianni Garko, George Hilton, Robert Woods, Henry Fonda, Jason Robards, Lee Van Cleef, James Coburn, Rod Steiger, Charles Bronson, Eli Wallach, Jack Palance, Henry Silva, Telly Savalas, Jack Elam, Woody Strode, Robert Woods, Walt Barnes.

2 Responses to “O WESTERN À ITALIANA”

  1. É sempre um deleite ler seus textos ricamente pesquisados, maestro AC. Muito obrigado pela citação de nosso trabalho. Para o senhor, qual a relação de Sam Peckinpah com a estética “spaghetti”?

  2. Alguns acham que existe esta relação. Não creio, só porque há muita mortandade? Bem, pode ser. Prefiro indicar outro filme com influência mais evidente do spa western: The Appaloosa de Sidney J. Furie.

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