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DIRETORES TALENTOSOS DEVOTADOS AO FILME B AMERICANO

Hollywood sempre fez filmes de orçamento baixo, mas a designação “B” se originou nos anos 30 com o incremento do programa duplo. Este consistia em um filme principal classe A e um filme mais barato classe B, ou em dois filmes de orçamento médio, ou mesmo em dois filmes B, acompanhados por um cine-jornal, um curta-metragem (que podia ser um desenho animado ou nos gêneros comédia, musical, esportivo, turístico, curiosidades etc.) e um ou dois trailers.

Os filmes A eram realizados com orçamentos de aproximadamente 400 mil dólares ou daí para cima (prestige pictures ou specials) e astros que atraíam um vasto público. Duravam 90 minutos ou mais e seus organogramas de filmagem permitiam a realização de ensaios e retaques. Os filmes B custavam entre 50 e 200 mil dólares e empregavam artistas com poder de atração moderado, questionável ou desconhecido. O tempo de projeção variava normalmente entre 55 e 70 minutos e a filmagem comumente não ultrapassava três semanas.

As grandes companhias adotavam uma política de preços diferençados: percentagens sobre a renda da bilheteria para os filmes A e aluguéis fixos para os filmes B. Ao contrário do ocorria com os filmes A, sempre imprevisíveis, os produtores podiam predizer com muita exatidão o montante das receitas que os filmes B podiam gerar e assim planejar os custos de produção de acordo com as receitas. Se a produção A de uma temporada não obtivesse o sucesso esperado, um estúdio podia contar com os lucros de seus filmes B para não ficar no vermelho. Os filmes B eram lançados nos cinemas de segundo lançamento situados nos bairros. No meu livro A Outra Face de Hollywood: Filme B (Ed. Rocco, 2003) abordo com mais extensão o assunto, mas para este artigo bastam estas informações.

Durante muitos anos os filmes B foram desprezados pelos críticos por terem sido necessariamente baseados em fórmulas e feitos apressadamente com orçamentos pobres, porém esta é uma noção muito simplificada. Com sua produção prolífica, foram eles que lubrificaram os mecanismos da produção, distribuição e exibição, permitindo que estes três ramos da indústria funcionassem regularmente e, de uma maneira geral, serviram como campo de treinamento e experimentação para os novos talentos, surgindo entre eles algumas obras de grande valor artístico.

Para se reconhecer o estilo de um filme B, é necessário compreendê-lo nos seus próprios termos, e não em termos do filme A. Os diretores do filme B dispunham de pouco tempo para a inspiração e a invenção. Raramente podiam preparar a filmagem, trocar idéias com o cenógrafo, fotógrafo ou atores, e revisar o roteiro. Eles usavam cenários mínimos ou singelos e muitas tomadas de arquivo. Os objetos de decoração mais luxuosos eram os que havia sobrado de produções A anteriores. Ocasionalmente, alguns diretores mais criativos compensavam parcialmente a pobreza de recursos e a pressa através da artisticidade da iluminação em chave baixa. Os filmes B condensavam um número enorme de acontecimentos em cinco ou sete rolos, excedendo a quantidade de ocorrências encontradas em um filme A de nove rolos ou mais. Esta narrativa compacta e o rito mais rápido dava-lhes uma qualidade “frenética” que o filme A, mesmo quando orientado para a ação, não possuía.

O fato de que muitas unidades B tivessem desfrutado de uma larga margem de autonomia, mostra que os estúdios, depois de certo tempo, passaram a encarar o filme B de um modo diferente. Os estilos criativos de alguns diretores e fotógrafos começaram a ser vistos como um meio de adicionar qualidade à produção B sem aumento de custos.

Todavia, a possibilidade de um diretor emergir da produção de um grande estúdio para um filme A era muito menos provável do que o inverso, um declínio para a Poverty Row, termo geralmente usado para designar uma área geográfica determinada de Hollywood (Gower Street), onde estavam situados os estúdios mais pobres.

Alguns, no entanto, logo conseguiram ascender às produções A, consagrando-se como bons diretores (v. g. Anthony Mann, Fred Zinnemann. Jacques Tourneur, Mark Robson, Richard Fleischer). Outros bem-dotados (v. g. Joseph H. Lewis, Phil Karlson), tiveram as carreiras quase inteiramente dominadas pelos filmes B por falta de oportunidade ou ambição, porém souberam transformar as limitações orçamentárias em virtude.

Joseph H. Lewis (1907-2000) distinguiu-se sobretudo pela inteligência e originalidade na maneira de colocar a câmera e movimentá-la. Entre suas obras mais expressivas estão: Trágico Álibi / My Name is Julia Ross / 1945; Satã Passeia á Noite / So Dark the Night / 1946; Mortalmente Perigosa / Gun Crazy / 1950; Império do Crime / The Big Combo / 1955.

 

George Macready e Nina Foch em Trágico Alibi

Nina Foch em Trágico Alibi

 

TRÁGICO ÁLIBI.

Julia Ross (Nina Foch), americana desempregada em Londres, aceita a posição de secretária particular de Mrs. Williamson Hughes (Dame May Whitty), viúva rica que vive na companhia de seu filho, Ralph (George Macready). No seu primeiro dia no novo emprego Julia é drogada por Ralph e desperta em uma mansão cercada por um muro alto e um portão trancado. Seus pertences desapareceram e Mrs. Hughes e Ralph insistem que ela sofreu um colapso nervoso e não é Julia Ross, mas a esposa de Ralph, Marion, que Ralph assassinou. Eles pretendem matar Julia como se fosse Marion e fingir que ela se suicidou. Julia descobre o plano deles de forjar um álibi para Ralph e todas as suas tentativas de escapar são frustradas. Eventualmente, porém, o plano se desfaz. Julia é resgatada, a velha senhora presa e Ralph morre ao tentar fugir da polícia por um penhasco à beira-mar. Lewis conduz com aptidão técnica (dispondo da colaboração preciosa do fotógrafo Burnett Guffey) e inventividade este thriller psicológico gótico do tipo mulher em apuros, criando um clima genuíno de suspense e de mistério durante todo o desenrolar da narrativa. Nina Foch está perfeita como a vítima presa em uma situação aparentemente sem esperança e Macready marca bem sua presença como o criminoso desequilibrado com um pendor para canivetes.

 

Steven Geray em Satã Passeia à Noite

Steven Geray ( na extrema direita) em Satã Passeia à Noite

SATÃ PASSEIA À NOITE

O famoso detetive parisiense Henri Cassin (Steven Geray) tira suas primeiras férias em onze anos de trabalho. Em uma pequena pousada em St. Margot ele conhece e se apaixona por uma moça do campo, Nanette Michard (Micheline Cheirel). Embora Nanette esteja comprometida com Leon Achard (Paul Marion), sua mãe (Ann Codee) a convence a ficar noiva do próspero Cassin, apesar da relutância do pai (Eugene Borden). Na noite do noivado ela desaparece e aparece morta, estrangulada. Cassin desconfia que o assassino foi Leon, porém este também é encontrado morto. Ao lado do corpo de Leon, Cassin acha uma pegada da qual faz um molde de gesso. Porém a pegada não combina com o sapato de nenhuma pessoa da aldeia. Logo depois a mãe de Nanette recebe um aviso de que será a próxima vítima e é descoberta estrangulada. Cassin volta para Paris e verifica que a pegada é dele. Após fazer uma confissão à polícia, ele é examinado por um psiquiatra que o avalia como um esquizofrênico, que se torna criminoso em momentos de amnesia. Cassin foge e vai para St. Margot, onde tenta estrangular o pai de Nanette, mas é abatido pelos tiros do comissário de polícia que o seguira até ali. Drama criminal freudiano exposto concisa e conscienciosamente por meio de enquadramentos sofisticados, ângulos inclinados, imagens refletidas em janelas e espelhos, câmera alta, objetos em primeiro plano e sombras providenciadas pela iluminação de Burnett Guffey, criando-se um clima sinistro em contraste com a paisagem arejada e bucólica das cenas iniciais no campo. O sempre eficiente coadjuvante Steven Geray não desapontou no seu único papel principal em Hollywood, muito pelo contrário.

 

Cena de Mortalmente Perigosa

John Dall e Peggy Cummings em Mortalmente Perigosa

 

MORTALMENTE PERIGOSA

Bart Tare (John Dall)  é fascinado por armas de fogo desde menino. Em um parque de diversões itinerante, Bart é imediatamente atraído por Annie Laurie Starr (Peggy Cummings), uma bela artista que faz um número de tiro ao alvo. Ele a vence em um concurso de tiro, sendo contratado para formar uma dupla no espetáculo. Os dois se casam e, quando ficam desempregados, cometem uma série de roubos à mão armada. Procurados pela polícia, eles vão se esconder na cidade natal de Bart. Seus amigos de infância tentam convencê-los a se entregar, porém os dois fogem e se embrenham no pântano, onde são metralhados pelos policiais. O filme inclui-se na variante do drama criminal denominadas filmes de amantes fugitivos ou fora-da-lei e possui muitas características noir: mulher fatal agressiva, herói alienado e obcecado, paixão, violência, fatalismo. Os protagonistas de Lewis são unidos por estranha afinidade: a fascinação por armas de fogo e forte atração física. Como diz o dono do parque de diversões: “os dois se olham como um casal de animais selvagens”. Sob a influência de Annie Laurie, Bart envolve-se em uma vida de crimes e, apesar de seus conflitos de consciência, não condena ou abandona a companheira: “Não! Vamos ficar juntos! Como as armas e as munições ficam juntas”. O filme está cheio de cenas admiráveis – o roubo do revólver da vitrine da loja durante a chuva; o concurso de tiros no parque de diversões com seu simbolismo erótico; o assalto ao banco visto em um único plano-sequência filmado com a câmera colocada no assento traseiro do carro, fazendo-nos participar da ação; o roubo da fábrica de empacotamento de carnes com a fuga frenética através das carcaças de bois dependurados no teto enquanto o alarme não para de tocar; a separação dos amantes, cada qual dirigindo seu carro em direções opostas, para um imediato reencontro extático no meio da estrada; o desenlace trágico, nitidamente expressionista, no meio do nevoeiro -, todas expostas com impressionante economia visual e expressividade.

Richard Conte e Jean Wallace em Império do Crime

Richard Conte e Cornel Wilde em Império do Crime

IMPÉRIO DO CRIME

O tenente Leonard Diamond (Cornel Wilde) investiga obsessivamente as atividades criminosas de um gângster chamado Mr. Brown (Richard Conte). Susan Lowell (Jean Wallace), a amante de Brown, tenta o suicídio, porém é salva a tempo e levada para o hospital. Diamond ouve um murmúrio dela sobre Alicia (Helen Walker), a primeira mulher de Brown e testemunha importante. Os dois capangas do gângster, Fante (Lee Vav Cleef) e Mingo (Earl Holliman), arrombam a porta do apartamento de Diamond e atiram, mas só conseguem matar Rita (Helene Stanton), uma dançarina que às vezes passava a noite com o detetive. Susan lê a notícia da morte de Rita, decide cooperar e Brown é preso. A primeira cisa que chama atenção neste filme de gângster é a mistura de sexo e violência, também notada em Mortalmente Perigosa. Primeiramente, a perversidade sexual no relacionamento entre Susan e Brown, bem representada por aquela cena em que ele acaricia os ombros dela e vai descendo pelo seu corpo até sair do quadro enquanto vemos a expressão de prazer no rosto da mulher. Depois, a união aparentemente homossexual entre Fante e Mingo e mesmo o “namoro” entre Diamond e Rita, também marcado por forte atração, puramente sensual. Os exemplos de violência são ainda mais numerosos: a tortura de Diamond com o som altíssimo do rádio no seu ouvido; a bomba que Brown deixa estourar nas mãos de seus dois capangas; e a eliminação de McClure (Brian Donlevy), um dos pontos altos da direção. Nesta cena memorável, McClure, o segundo no comando da organização, atrai Brown até o hangar do aeroporto secreto, pensando que os dois capangas estão trabalhando para ele e vão matar Brown. Acontece que os pistoleiros apontam suas armas para McClure, em vez de Brown. Procurando refúgio junto à parede, McClure pede misericórdia. Brown arranca seu aparelho de surdez e diz: “Vou lhe fazer um favor. Você não vai ter que ouvir os tiros”. A morte de McClure é então descrita do ponto de vista da vítima e nós vemos apenas os clarões das rajadas silenciosas das metralhadoras. A fotografia noire de John Alton é extraordinária, fortalecendo o tom dark: sombras pesadas, figuras em silhueta contra o nevoeiro. mãos e rostos dificilmente visíveis na escuridão, raios de luz espetando os personagens – como aquele farol que Susan aponta na direção de Brown, para facilitar seu aprisionamento.

 

 

Phil Karlson (nascido Philip N. Karlstein; 1908 – 1985) especializou-se nas cenas de ação brutais e no uso eficiente do close-up para causar impacto nos momentos apropriados. A exposição de suas narrativas é sempre em um estilo seco e objetivo. Entre seus melhores filmes destacam-se: Os Quatro Desconhecidos / Kansas City Confidential / 1952; Escândalo / Scandal Sheet / 1952 e A Morte Ronda o Cais / 99 River Street / 1953.

 

John Payne e Preston Foster em Os Quatro Desconhecidos

John Payne e Lee Van Cleef em Os Quatro Desconhecidos

OS QUATRO DESCONHECIDOS

Desgostoso com os escassos proventos de sua aposentadoria e por ter sido compelido a requerê-la, Timothy Foster (Preston Foster), um policial de Kansas City, faz chantagem com três delinquentes – Harris (Jack Elam), Kane (Neville Brand) e Tony (Lee Van Cleef) -, obrigando-os a executar seus planos para o assalto a um carro-forte. Foster mantém o anonimato e os homens usam máscaras para que um não conheça a identidade do outro. Os ladrões utilizam uma van na fuga. Os policiais prendem o motorista de um carro idêntico chamado Joe Rolfe (John Payne), interrogam-no brutalmente sobre o roubo, e depois o soltam, ao verificarem o engano. Rolfe obtém uma pista e chega à presença de Foster, desmascarando-o. Foster e Rolfe são homens amargurados. Foster define claramente os motivos pelos quais se tornou um criminoso: aposentou-se com proventos irrisórios, após passar vinte anos combatendo o crime, “vendo os bandidos subindo na vida”. Agora, quer uma compensação e vingança, inconformado com seu afastamento compulsório. Rolfe, por sua vez, foi formado pela guerra. Acusado injustamente do assalto, interrogado sob as luzes fortes da delegacia, ouve o comentário do Promotor Público sobre sua pessoa para um dos guardas: “Ele ganhou uma Medalha de Bronze e uma de Púrpura”.  E responde rapidamente: “Tente comprar uma xícara de café com elas”, falando por todos os veteranos que voltaram para casa e não conseguiram uma condição social satisfatória. Tal como os heróis noir, Rolfe é vítima do destino. Ao ser confrontado por ele, Harris lhe diz: “Não tínhamos nada contra você. Nem o conhecíamos. Apenas aconteceu assim”. Karlson teve em mãos uma história original e soube conduzí-la com o vigor exigido, explorando muito bem os primeiros planos como aquelas cenas em que Foster contrata seus cúmplices e nas de violência de uma maneira geral.

John Derek, Donna Reed e Broderick Crawford (de costas) em Escândalo

Broderick Crawford em Escândalo

ESCÂNDALO

Após uma discussão com Charlotte (Rosemary DeCamp), a esposa que abandonou anos atrás, Mark Chapman (Broderick Crawford), editor de um jornal de escândalos, agride-a, ela cai de mau jeito e morre. Steve McCleary (John Derek), jovem repórter discípulo de Chapman, e sua colega, Julie Allison (Donna Reed), cobrem o caso e, graças a um velho jornalista alcoólatra, Charlie Barnes, que vem a ser assassinado por Chapman, acabam encontrando as provas de sua culpabilidade. O filme contém dias ironias: um editor de publicação sensacionalista deixa seu principal repórter procurar um assassino, que vem a ser ele próprio; Chapman ensinou tão bem seu método de jornalismo investigativo (embora marrom) para McCleary, que o dedicado discípulo acabou se tornando instrumento de sua punição. O veterano homem de imprensa pode apenas observar com apreensão como a engrenagem que ele criou é manipulada pelo dinâmico pupilo e voltada contra si mesmo. A montagem concisa evidencia uma direção eficaz do princípio ao fim. Karlson soube também tirar bom partido dos detalhes e do jogo fisionômico dos intérpretes principalmente na cena da morte de Barnes, esta última agraciada por um belo contraste de luz e sombra.

Jack Lambert eJohn Payne em A Morte Ronda o Cais

Evelyn Keyes e John Payne em A Morte Ronda o Cais

 

A MORTE RONDA O CAIS

O ex-pugilista Ernie Driscoll (John Payne) dirige um táxi para sobreviver. Sua esposa, Pauline (Peggie Castle), é amante de Victor Rawlings (Brad Dexter) que acabara de roubar umas jóias. Rawlings vai com Pauline à loja de um receptador, Christopher (Jay Adler), para vender as jóias. Rawlings mata Pauine e esconde o corpo no táxi de Ernie. Com o auxílio de uma amiga, Linda (Evelyn Keyes), Ernie localiza o assassino e, mesmo ferido, consegue dominá-lo. A polícia chega a tempo de impedir que Ernie mate Rawlings de pancada. O que dá a qualidade noir ao espetáculo, além do tema do herói acusado injustamente, são as obsessões e as frustrações dos seus personagens, a confusão entre aparência e realidade, a amargura, o desespêro. Ernie queria ser um campeão, e o fato de não ter sido o deixa angustiado. Pauline trabalha em uma loja de flores e tem um problema semelhante. Na sua mente, casou-se com um pugilista, em vez de se dedicar à vida artística. “Poderia ter sido uma estrela”, lamenta. Linda e Rawlings também sonham com o sucesso. Linda julga-se uma grande atriz. Rawlings deseja partir para a França. Todos fracassam. Ernie diz a Pauline: “Uma chance para chegar no topo. É a coisa mais importante do mundo”. Esta é uma fantasia que o filme destrói. Linda e Ernie só adquirem direito a uma nova vida, quando reconhecem que suas fantasias são impossíveis de serem realizadas, quando aceitam seus limites. Karlson desenvolve a narrativa com agilidade artesanal, pontuando-a com momentos de ação tumultuosa e brutalidade.

PRIMÓRDIOS DO CINEMA BRITÂNICO

A primeira exibição pública de cinema na Grã-Bretanha foi organizada, no dia 20 de fevereiro de 1896, por Félicien Trewey,  prestidigitador e amigo dos irmãos Lumière, no Marlborough Hall da Regent Street Polytechnic em Londres. A resposta do público foi favorável e, em março, Trewey levou o Cinématographe para o  Empire Theatre of Varieties, situado na Leiscester Square, como parte do programa do music hall, para uma série de sessões, que perduraram por dezoito meses.

Antes da primeira exibição de filmes na Inglaterra e na França (o Cinematógrafo – cuja invenção foi inspirada no Cinetoscópio de Edison – havia sido lançado em Paris em 28 de dezembro de 1895), cientistas, inventores e fotógrafos vinham fazendo experiências para resolver o problema da projeção de imagens. É o que Charles Musser chamou de the history of screen practice. Brinquedos óticos, tais como o Zootrope e o Phénakistiscope representaram os primeiros experimentos e a lanterna mágica, que havia sido inventada no século dezessete, tornou-se muito popular na era Vitoriana. Durante este período avanços significativos ocorreram nos Estados Unidos e na França.

Em 1979, Eadweard  Muybridge, um inglês que vivia na América, tirou 24 fotografias, usando 24 câmeras, de um cavalo trotando. Quando “projetadas” por meio do seu Zoopraxiscope, foi criada a ilusão de um cavalo em movimento. Mais ou menos na mesma época, na França, Étienne-Jules Marey se interessou pela possibilidade de fotografar pássaros voando e construiu uma câmera – na realidade um “fuzil fotográfico” – que captou o vôo de uma gaivota. Outros esforços foram feitos por Louis Le Prince, William Friese-Griene, Ottomar Anschütz, e, finalmente, Thomas Alva Edison.

Tendo dado os últimos retoques no seu fonógrafo, Edison, com a colaboração do seu jovem assistente escocês, William Kennedy Laurie Dickson, construiu o Kinetoscope, máquina na qual um filme de 50 pés (=15,24 m) de comprimento e 35 mm de largura, com duração de mais ou menos 20 segundos, podia ser visto por uma pessoa de cada vez, olhando pela abertura de uma caixa de 1.40 m de altura. Edison encarava o seu Cinetoscópio como uma novidade  e, apesar de sua popularidade nos Estados Unidos e Europa, ele deixou de patentear a máquina na Inglaterra.

Robert William Paul e o Theatrograph

Este descuido permitiu que o engenheiro elétrico inglês Robert William Paul (1869-1943), produzisse os seus  Cinetoscópios e, naturalmente, não tendo os filmes de Edison à sua disposição, passasse a produzí-los por conta própria, empregando o fotógrafo (americano de nascimento mas filho de ingleses) Birt Acres como assistente. Juntos, eles construíram uma câmera e rodaram seu primeiro filme em fevereiro de 1895, mostrando o amigo de ambos, Henry Short, no exterior da casa de Acres em Barnet. Foi o primeiro filme rodado (para ser mostrado através do Cinetoscópio) na Grã Bretanha, porém nunca exibido comercialmente. Outros filmes se seguiram, incluindo The Oxford and Cambridge Boat Race, Rough Sea at Dover, The Arrest of a Pickpocket, The Carpenter’s Shop, Boxing Kangaroo e The Derby, antes dos dois homens se separarem acrimoniosamente em junho de 1895.

Rough Sea at Dover

The Soldier´s Courtship

Depois disso, Paul começou a projetar filmes em uma tela, exibindo seus primeiros resultados em 21 de fevereiro de 1896 no Finsbury Technical College,  mesmo dia em que os irmãos Lumière lançaram o Cinematógrafo ao público londrino na Regent Street Polytechnic. A primeira exibição de filmes feita por Paul apresentava defeitos técnicos, mas eles foram resolvidos quando o seu projetor Theatrograph estreou no Egyptian Hall em Piccadilly. Dois dias depois, ele mostrou o projetor no Olympia (utilizando filmes de Edison e os que fizera com Birt Acres) e, em abril, começou a produzir filmes novamente, para suprir este mercado florescente. Os primeiros filmes de Paul foram atualidades, porém ele produziu também aquele que foi considerado o primeiro filme britânico de ficção, The Soldier’s Courtship / 1896.

Birt Acres

Birt Acres (1854-1918), construiu uma câmera, viajou para a Alemanha em junho de 1895, sob o patrocínio da fábrica de chocolate alemã Stollwerck, e lá filmou várias cenas, inclusive a abertura do Kiel Canal. No seu retorno, dirigiu sua atenção para a projeção de filmes, apresentando a primeira exibição pública de um filme na Grã Bretanha no Lyonsdown Photographic Club em 10 de janeiro de 1896. Seguiu-se uma programação na Royal Photographic Society em 14 de janeiro, indicando sua preferência por uma abordagem científica. Acres era temperamentalmente inadequado para a exploração comercial de filmes mas, apesar disso, começou a exibir filmes comerciais em 21 de março com o seu projetor Kineoptikon em Piccadilly Mansions, Londres. Ele teve êxito financeiro modesto com o seu projetor, nada que chegasse perto das vendas obtidas pelo astuto Paul com os seus projetores Theatrograph e Animatograph (construído posteriormente ao Theatrograph).

O music hall foi a primeira sede do cinema, onde filmes curtos tornaram-se parte do programa nas várias salas através do país; porém elas não foram os únicos locais de projeção de filmes. Exibidores itinerantes percorreram cidades e vilas, permanecendo às vezes em determinado local durante alguns mêses, criando o hábito de “ir ao cinema”. Entretanto, de maior importância foram as feiras e parques de diversões, onde se disponibilizavam lugares sentados para até 800 espectadores.

Em 1904, o Lt Colonel A. C. (Alfred Claude) Bromhead inaugurou o Daily Bioscope em Bishopsgate, Londres, uma ex-loja ou “penny gaff” (lugar de divertimento barato ou duvidoso) com lugares para 100 pessoas, onde ele exibia cine-jornais. Dois anos depois, o americano George Hale abriu um “cinema” em Oxford Street. Tratava-se também de uma ex-loja e a conversão tomou a forma de um vagão de locomotiva. Os espectadores sentavam-se dentro do vagão e assistiam a filmes de viagem, fotografados com a câmera montada na frente de um trem. Logo, este “Hale’s Tours” foi inaugurado em outras cidades através da Inglaterra. O seu poder de atração durou pouco, mas a idéia de Hale instigou outros empreendedores a converter lojas, garagens e ringues de patinação em cinemas.

Entre 1908 e a Primeira Guerra Mundial ocorreu uma transformação: a construção de prédios destinados especialmente para a exibição de filmes. Esses primeiros cinemas ou “fixed shows” procuraram criar uma atmosfera de elegância e bom gosto e nomes como Bijou e Gem foram usados para a indicar a “classe’ procurada pelos seus donos. Alguns deles eram relativamente pequenos, com 300 lugares ou menos, porém outros tinham capacidade para mil lugares ou mais e um acompanhamento musical na forma de um trio ou pianista.

No período pré-guerra, havia muitas cadeias de cinemas, entre as quais estavam a Electric Theatres (1908), Biograph Theatres (1908) e Provincial Cinematograph Theatres – PCT (1909). A Electric Theatres possuía doze cinemas e a Biograph Theatres tinha cinco e planejava construir mais sete. Todavia, a Electric e a Biograph não foram adiante enquanto que a Provincial, formada por Ralph T. Jupp, prosperou e desempenharia papel importante no desenvolvimento da Gaumont-British Corporation nos anos vinte. A PCT tinha como objetivo abrir cinemas em todas as cidades com uma população acima de 250 mil habitantes. Em 1911, a companhia possuía 8 cinemas e em 1914 este número subiu para 18. Em 1913, Jupp fundou  uma companhia de produção, a London Film Company (com estúdios em Twickenham) e, alguns meses antes da guerra, uma subsidiária, Associated Provincial Pictures Theatres. Este grupo alargado de empresas foi o primeiro exemplo de sucesso da integração vertical na indústria cinematográfica britânica.

Ao irromper a guerra em 1914, havia 109 circuitos na Grã Bretanha, que correspondia a 20% de um total estimado de 3 mil, 4 mil e até 7 mil salas. A maioria dos circuitos era pequena – apenas três possuíam mais de 20 cinemas e os circuitos menores costumavam ser locais. Na medida em que o número de cinemas aumentou, seus proprietários sentiram a necessidade de uma organização representativa e consequentemente foi formada, em 1912, a Cinematograph Exhibitors’ Association.

O crescimento do número de cinemas após 1908 levou à intervenção governamental por razão de segurança pública. O Cinematograph Films Act de janeiro de 1910 estabeleceu regras concernentes à prevenção de incêndios, ventilação adequada e assim por diante, mas também abriu caminho para a censura e o fechamento dos cinemas aos domingos. Em 1910, o London County Council entrou com uma ação para forçar o fechamento dos cinemas aos domingos, porém ela não prosperou. Eventualmente, chegou-se a um acordo no ano seguinte, quando ficou acertado com os exibidores que o lucro da exibição  naqueles dias seria dado à caridade. Os exibidores aceitaram o compromisso mas nem sempre o cumpriram.

A questão da censura foi solucionada no âmbito da indústria. A British Board of Film Censors foi formada pela Kinematograph Manufacturers Association (que existia desde 1909) e seus examinadores eram independentes do mercado. A Board of Film Censors começou a funcionar em janeiro de 1913 com o apoio do Home Office e dos exibidores. Estes ficaram particularmente entusiasmados, porque viram na criação daquele organismo a libertação do poder arbitrário das autoridades locais.

Com a emergência das primeiras cadeias de cinemas, a distribuição de filmes tornou-se um grande negócio. Inicialmente os exibidores compravam filmes diretamente dos produtores (que publicavam catálogos dos seus filmes), mas a prática de aluguel dos filmes se desenvolveu rapidamente, destacando-se as distribuidoras Walturdaw (cujos fundadores foram John Dewhurst Walker, Edward George Turner e G. H. Dawson, daí o nome Walturdow) e a Jury’s Imperial Pictures (fundada por William Jury).

A demanda do público por filmes de longa metragem foi estimulada, pelo menos parcialmente, pelas produções americanas e francêsas. Em 1910, a França forneceu 36% dos filmes lançados no Reino Unido e os Estados Unidos, 28%. A Grã Bretanha vinha em quarto lugar com 15% depois da Itália com 17%. Juntamente com a Itália e a França, particularmente a Pathé Frères, a Grã Bretanha foi uma exportadora de filmes importante durante os primeiros dez anos do desenvolvimento da indústria. Porém a mudança para filmes de longa-metragem envolvia altos custos de produção e suporte financeiro, que não estava prontamente disponível.  O Reino Unido não era um mercado suficiente amplo para justificar esta espécie de investimento e, mesmo antes da eclosão da guerra, as vendas internacionais estavam diminuindo enquanto que a indústria americana se expandia.

Nos dez anos que se seguiram à apresentação do Cinematógrafo em Londres, milhares de filmes foram feitos na Grã Bretanha, a maioria com duração de um a dois minutos e abordando os mais variados temas: atualidades, viagens, comédia, drama etc. Neste período primitivo havia uma dúzia de companhias produtoras em funcionamento, sendo as mais importantes a Animatograph Works de Robert William Paul, a Hepworth Manufacturing Company de Cecil Hepworth e a Warwick Trading Company de Charles Urban.

 

Queen Victoria´s Diamond Jubilee

A maioria da produção de R. W. Paul consistia  de filmes de atualidades curtos mas, no segundo ano de sua carreira de realizador, em 1896, ele começou a experimentar formas mais longas, enviando seu associado Henry Short com uma câmera mais leve e portátil para o Sul da Europa. Short trouxe-lhe 14 sequências curtas de atualidades que ele exibiu num só programa sob o titulo de A Tour of Spain and Portugal. No ano seguinte, Short realizou algo semelhante com dez sequências sobre o Egito, porém a produção mais ambiciosa que surgiu do estúdio de Paul em 1897 foi o registro fílmico do Queen Victoria’s Diamond Jubilee. Em 1900, Paul envolveu-se com um projeto mais arrojado, realizando Army Life,  33 filmes que, coletivamente, procuravam dar uma visão global da vida no Exército Britânico e, no ano seguinte, ele  produziu as primeiras tomadas sobre a Guerra dos Boers. Whaling Afloat and Ashore, de 1908, era uma criação ainda mais sofisticada, que tentava ilustrar todos os detalhes da pesca da baleia. Embora ainda faltassem vinte anos para a criação do Movimento Documentarista Britânico, este filme, e muitos outros cujas cópias não existem mais, demonstram que R.W. Paul foi um dos seus precursores mais importantes.

Entre 1899 e 1906 e especialmente em 1901, a Animatograph Works realizou uma certa quantidade de “trick films”. Eram filmes bem curtos, usualmente cômicos, que faziam uso de efeitos especiais, alguns dos quais espantosamente sofisticados, dadas as limitações da tecnologia da época. Eles podem ser comparados ao trabalho mais conhecido de George Méliès. A maioria desses filmes foram colaborações entre Paul e W. R. Booth, um mágico e ilusionista que rapidamente percebeu o potencial do novo meio e se tornou um parceiro ideal para Paul.  O filme mais antigo deles parece ter sido Upside Down or The Human Flies / 1899, que punha tanto o cenário como a câmera de cabeça para baixo, para causar a impressão de que os personagens estavam caminhando pelo teto. Embora extremamente simples, esta técnica não era muito diferente dos efeitos especiais de Stanley Kubrick em 2001, Uma Odisséia do Espaço, realizado quase 70 anos depois.

Upside Down ou The Human Flies

The Magic Sword

Mas foi a partir de 1901, que os filmes de truque de Paul se tornaram mais complexos, culminando com The Magic Sword e The  ‘ ? ‘ Motorist, ambos de 1906. No primeiro, um gigante rapta uma moça do alto da muralha de um castelo, feiticeiras alçam vôo nas suas vassouras e transformações instantâneas são levadas a efeitos por explosões. No segundo, com título estranho e trama ainda mais excêntrica, um motorista empenhado em fugir do policial, que o persegue, acaba subindo aos céu e dando voltas em torno dos anéis de Saturno, antes de retornar à Terra.

Cecil Hepworth

Filho de um célebre showman de lanterna mágica, T. C. Hepworth, Cecil Hepworth (1874-1953) permaneceu em atividade no negócio de filmes por mais tempo do que qualquer outro pioneiro, tornando-se uma das figuras mais respeitadas do cinema britânico. Nos primeiros dias do cinema, ele trabalhou na periferia da indústria, como assistente de Birt Acres e depois escrevendo o primeiro livro sobre cinema, Animated Photography, The ABC of Cinematograph, em 1897. Depois de ter sido despedido por Charles Urban da Maguire and Baucus (ver adiante), Hepworth e seu primo Monty Wicks formaram a sua companhia, Hepworth and Co. com o logo comercial, Hepwix;  o estúdio ficava em Walton-0n-Thames. Nos próximos anos, a Hepwix fez uma série de filmes cênicos e de atualidades com Hepworth como cinegrafista / diretor. Seu primeiro sucesso popular veio com o funeral da Rainha Victoria em 1901. Em 1904, a companhia foi rebatizada como Hepworth Manufacturing Company e em 1905 obteve outro grande êxito de público com Rescued by Rover  (co-dirigido por Lewin Fitzhamon), estrelado por um cachorro da raça collie. No ano seguinte ele apresentou um novo astro – um cavalo – em Black Beauty, que fez dupla com Rover em Dumb Sagacity / 1907. Hepworth reconheceu também o talento de futuros as

Rescued by Rover

tros como Alma Taylor, Stewart Rome e Chrissie White e sua simpatia por inovações encontrou expressão no Vivaphone, uma tentativa fracassada de sincronizar o som de discos com a imagem.

Em 1911, depois que o mercado dos Estados Unidos foi fechado para os filmes  britânicos devido à constituição da Motion Picture Patents Company e as vendas no Reino Unido despencaram, Hepworth resolveu adaptar autores célebres para a tela, usando atores famosos, numa tentativa de revitalizar seu produto. Ele ofereceu ao público várias adaptações da obra de Charles Dickens inclusive Oliver Twist (Dir: Thomas Bentley, 1912) e uma versão de Hamlet (Dir: Hay Plumb, 1913), interpretado por Sir Johnston Forbes-Robertson.

Hepworth manteve sempre o mesmo estilo de linguagem fílmica, que cultivou anteriormente a 1910: a câmera estática  focalizando em plano médio os intérpretes com suas gesticulações exageradas. Quando o sistema de narrativa clássica  começou a imperar, os filmes de Hepworth começaram a parecer cada vez mais fora de moda.

A Hepworth Picture Plays, como a companhia passou a se chamar, continuou fazendo filmes modestos, na sua maioria melodramas, embora tivesse alcançado um grande êxito popular com uma comédia, Alf ‘s Button / 1919, inclusive na América. Animado por este sucesso de bilheteria, Hepworth planejou construir um estúdio enorme e comprou uma vasta propriedade no campo com o propósito de usá-la nas filmagens, porém não conseguiu obter o capital necessário para pagar o que  havia comprado. Com muita dificuldade, ele completou a sua refilmagem de Comin’ Thru’ The Rye / 1923, considerado seu melhor filme; mas, infelizmente, o público não prestigiou o espetáculo e ele acabou pedindo falência, tendo que vender sua companhia por um preço muito menor do que ela valia.

A figura mais significativa nos primórdios da indústria cinematográfica britânica foi um americano de descendência alemã, Charles Urban (1867-1942), que nasceu em Cincinnati, mudando-se para Detroit em 1890, onde exerceu a profissão de vendedor de fonógrafos. Em 1897, Urban tornou-se diretor da sucursal inglêsa da firma Continental Commerce de Frank Maguire e Joseph D. Baucus, agentes dos filmes de Edison na Europa, estabelecendo os negócios da firma em Londres na Warwick Court – ocasião em que o jovem Cecil Hepworth trabalhou com ele por algum tempo. Em 1989, Urban reorganizou a Continental, agora chamada Warwick Trading Company, e começou a produzir filmes assim como a comercializar seu projetor Bioscope (desenvolvido para ele quando ainda estava na América pelo engenheiro Walter Isaacs). Graças à sua personalidade forte e entusiástica, Urban fez da Warwick a companhia britânica mais proeminente, especializada, em filmes de atualidades, que contaram com experientes cinegrafistas como John Bennett-Stanford, Joe Rosenthal, Jack Avery, F. Ormiston-Smith e F. B. Stewart. A associação profissional mais notável de Urban foi com G. A. Smith, empregando-o como engenheiro e designando-o para aperfeiçoar o processo de duas cores Kinemacolor (Urban havia comprado os direitos do processo de seus inventores Edward Turner com o apoio do financista F. Marshall Lee).

Em 1903, Urban desligou-se da Warwick (sendo substituido sucessivamente por George William Barker e Cherry Kearton), para fundar a Charles Urban Trading Company (marca registrada Urbanora) reforçando sua reputação como produtor de filmes documentários de qualidade e formando a Natural Colour Kinematograph Company (para explorar o Kinemacolor) e a firma Eclipse francêsa. Ele demonstrou um interesse especial pelo filme científico com séries como The Unseen World, mostrando a microcinematografia  de F. Martin Duncan e os estudos zoológicos de Perry Smith. Em 1907, Urban publicou um manifesto, declarando sua crença na força educativa do filme, intitulado “The Cinematograph in Science, Education and Matters of State” e no ano seguinte, ele mandou imprimir o primeiro catálogo de filmes educativos da Urbanora.

The Battle of the Somme

Urban continuou uma figura de proa  da indústria até a Primeira Guerra Mundial. A serviço da propaganda governamental, ele produziu o documentário Britain Prepared / 1915 e, depois de montar The Battle of the Somme / 1916,  foi enviado para os Estados Unidos, a fim de promover o esforço de guerra britânico nas telas de cinema americanas. Em 1917, Urban co-editou o cine-jornal de propaganda Official War Review e, após a guerra, fundou a Kineto Company of America (cujo produto principal era a revista cinematográfica Urban Movie Chats) e o cine-jornal Kinograms (editado por Terry Ramsaye). No final dos anos vinte, ele voltou para a Grã Bretanha, onde faleceu depois de alguns anos vivendo em relativa obscuridade.

Em 1898, a companhia francêsa Gaumont  abriu um escritório em Londres para  vender filmes importados e equipamento. Entretanto, logo começou a produzir e distribuir, tornando-se um dos mais importantes agentes de venda do mundo. tanto para filmes inglêses como para  estrangeiros. A Gaumont cuidava dos filmes feitos por Cecil Hepworth e os realizadores da chamada “Escola de Brighton”.

Na virada para o século vinte, os balneários de Brighton e Hove desempenharam um papel vital na criação da indústria de cinema, tendo sido até chamada de “Little Hollywood by the Sea”. Na  chamada “Escola de Brighton” estavam os primeiros pioneiros verdadeiros entre os quais se destacaram George Albert Smith (1864-1959) e James Williamson (1855-1933). Eles ajudaram a fazer de Brighton e Hove (cidade vizinha de Brighton, hoje unidas) um dos mais importantes centros de filmagem na Grã Bretanha.

George Albert Smith

George Albert Smith, um hipnotizador e manipulador de lanterna mágica em Brighton, adquiriu sua primeira câmera do engenheiro Alfred Darling e construiu sua “fábrica de filmes” no St. Ann’s Well Garden em Hove. No final do século dezenove Smith iniciou uma produção comercial de filmes muito bem sucedida, tendo como fregueses a Warwick Trading Company e, através deste relacionamento, fez uma parceria com  o seu gerente, Charles Urban. Os filmes de Smith nos anos 1897-1903 era na sua maioria comédias e adaptações de contos de fadas e histórias populares. Sua esposa, Laura Bayley, trabalhou em alguns de seus filmes mais importantes como Let Me Dream Again / 1900 e Mary Jane’s Mishap / 1903. Smith filmou apenas uma tomada em estúdio do vagão de trem em The Kiss in the Tunnel / 1899; mas quando a inseriu no filme de Cecil Hepworth, View From an Engine Front -Train Leaving the Tunnel / 1899, ele criou um filme montado, que demonstrou um novo senso de continuidade e simultaneidade entre três planos. Esta imaginação fílmica era radical na época e Smith usou esta inovação para realizar uma série de filmes em 1900 que, juntamente com The Kiss in the Tunnel, foram os trabalhos mais importantes de seu percurso artístico: Grandma’s Reading Glass, As Seen Through the Telescope, The House That Jack Built e Let Me Dream Again. Estes quatro filmes contêm fragmentos narrativos, que introduziram conceitos de montagem fundamentais para o futuro desenvolvimento da forma cinematográfica tais como close-ups intercalados, planos com ponto de vista subjetivo e objetivo, inversões, dissolvências etc.The

Kiss in the Tunnel

Após 1900, o processo Kinemacolor dominou o resto da carreira de Smith no cinema. Ele foi lançado em Paris e Londres em 1908 e foi transformado por Charles Urban em um novo empreendimento: a Natural Color Kinematograph Company . Ela teve êxito no período 1910 a 1913, produzindo mais de 100 curtas nos seus estúdios em Hove e Nice. Entretanto, uma ação sobre patente contra o Kinemacolor, movida por William Friese-Griene em 1914, levou ao seu colapso e pôs fim à trajetória de Smith na indústria cinematográfica.

 

William Friese-Greene

Robert Donat em The Magic Box

William Friese-Greene foi um inventor que fez experiências com projetores putativos no alvorecer do cinema, mas cujos resultados práticos não corresponderam às reivindicações que ele fez com relação a eles. Após sua morte surgiram uma biografia romanceada de Ray Allister e um filme impreciso, Magic Box, dirigido por John Boulting em 1951 (e magnificamente interpretado por Robert Donat) numa tentativa de despertar o interesse dos historiadores por esta figura curiosa do cinema britânico. Aprendiz de fotógrafo, Friese-Griene abriu seu estúdio em Bath. Ali, por volta de 1880, ele conheceu John Rudge, que estava querendo descobrir como a lanterna mágica, poderia criar uma ilusão de movimento. Friese-Griene adotou estas idéias com entusiasmo e começou a fazer experiências com Rudge e por conta própria.  Em 1885, ele abriu duas lojas de retratos em Londres com seu colega Esme Collins, que depois seria outro pioneiro do cinema na área de Brighton. Friese-Griene fez novas tentativas e patenteou aparelhos insuficientes, sempre alegando que havia inventado o que não inventou. Ele começou a experimentar a fotografia em cores em 1898 e se tornou o maior rival de G. A. Smith, que vivia em Brighton, para onde Friese-Griene havia se mudado em 1905. Foi uma decisão judicial em 1913, proferida numa ação na qual  disputavam o Biocolor de Friese-Greene com o Kinemacolor de Smith, que eventualmente derrubou Smith, embora Friese-Greene tivesse sido incapaz de capitalizar sua vitória. Perturbado por dificuldades financeiras, ele continuou um otimista incorrigível. Mais como um sonhador do que como inventor, tem seu lugar como um dos fundadores do filme britânico.

James Williamson

James Williamson, nascido na Escócia, estudou para ser químico, mas em 1886 mudou-se para Hove com sua família, e  abriu uma farmácia. Na década seguinte, ele se interessou pela fotografia e, em 1897, começou a fazer filmes; seu primeiro catálogo listava 60 títulos, a maioria dos quais continha apenas uma tomada. Seu primeiro filme narrativo montado composto por quatro planos foi Attack on a China Mission – Bluejacks to the Rescue / 1900.  O próximo filme de vários planos significativo de Williamson foi Fire! / 1901, que refletia a compreensão do diretor da narrativa de resgate e sua ambição de encontrar os meios de desenvolver uma estrutura fílmica mais complexa e impressionante. Seus dramas sociais subsequentes e filmes de truques engenhosos, especialmente The Big Swallow / 1901, mantiveram o mesmo espírito e inovação.

Attack on a China Mission

The Big Swallow

Em 1901, o compromisso de Williamson com a narrativa de ficção continuou com duas “picture stories”, como ele as chamava, baseadas nas experiências de soldados que retornavam da África do Sul para os seus lares. Ambos os filmes expressam a inteligência e compaixão que estavam faltando na maioria dos filmes  de guerra daquele tempo. Em Soldier’s Return / 1902, um soldado de volta da Guerra dos Boers, recolhe sua mãe do asilo  e  restabelece o seu lar. A segunda história de Williamson de um soldado que retorna, A Reservist, Before the War, and After The War (1902), proporciona um retrato mais negativo da experiência do pós guerra. Na primeira cena, antes da guerra, vemos uma jovem família em casa num ambiente agradável. Após o intertítulo, “After the War”,  vemos o o mesmo interior. Mas agora ele sofreu uma transformação trágica: está quase sem mobília, uma criança doente é embalada nos braços de sua  mãe e não há fogo na lareira. Esta transição do conforto para a pobreza é mostrada como resultado direto do serviço que o reservista prestou à guerra e seu subsequente desemprego. A organização lúcida e cuidadosa manifestada em A Reservist, Before the War, and After the War é também evidente em The Little Match Seller / 1902, Remorse: A Tragedy in Five Acts / 1903, The Old Chorister / 1904, The Two Little Waifs / 1905 e The 100 Pounds Reward / 1908, provando que o drama cinematográfico, ao contrário do drama da lanterna mágica ou do drama teatral,  podia agora ser concebido como uma entidade distinta e viável.

Em 1902, a Williamson Kinematograph Company inaugurou seu primeiro estúdio construído propositadamente para a produção e processamento de filmes em Hove. Os dramas e comédias de Williamson eram vendidos e exibidos através da Europa e América. Em 1907, seu filho Alan abriu um escritório em Nova York e em 1909 Williamson compareceu na European Convention of film Producers and Publishers em Paris. Porém, neste mesmo ano, mudanças no mercado cinematográfico mundial levaram-no a se afastar da produção de filmes.

Arthur Esme Collins

Outro pioneiro de Brighton foi aquele fotógrafo colega de William Friese-Freene, Arthur Esme Collins (1859 – 1936). Depois de sua parceria com Friese-Griene, Collins começou a fazer seus filmes em Brighton. Ele fez contato com Alfred Darling, um fabricante de equipamento cinematográfico que lhe forneceu câmeras e conselhos técnicos. Em contraste com Friese-Greene, Collings produziu mais de 30 filmes curtos durante o ano de 1896 entre eles Bathers on the Beach of Brighton, Scrambling for Under the Pier, Children Padding, Donkey Riding, Rough Sea: The Hove Sea Wall in a Gale, Train Arriving at Dyke Station, A Lady Undressing in Her Boudoir etc. Após 1897, Collins parece ter perdido o interesse por filmes e, em 1898, abandonou o cinema dedicando-se ao revivescimento da pintura em miniatura.

Alfred Darling

Alfred Darling (1862- 1931) abriu uma loja de produtos de engenharia na sua casa em Brighton e, após um contato com o grupo de cineastas daquela localidade,  começou a se especializar em equipamento cinematográfico, tendo como seus primeiros clientes Esme Collins, G. A. Smith e James Williamson. Ele também os estimulou no seu trabalho pioneiro e lhes prestou valiosa assistência técnica, sempre que necessária. Em 1897, Darling se associou com a firma de J. Wrench e Son e em julho daquele ano registrou, com Alfred Wrench, a patente de uma câmera cinematográfica com obturador variável. No ano seguinte, ele foi empregado por Charles Urban, para fabricar um mecanismo para a Biokan, uma câmera de bitola pequena para uso amadorístico. Posteriormente, ele usou câmeras de 35 mm, que encontraram boa acolhida no mercado não somente na Inglaterra, mas em todo o mundo. Outros equipamentos fabricados por Darling incluíam copiadoras, manivelas, medidoras, tripés e projetores. Entre seus fregueses estavam os nomes mais representativos da indústria.

James Bamforth

Winky Causes a Smallpox Panic

Em dois breves períodos de atividade cinematográfica, 1890 – 1900 e 1913 – 1915, a Bamforth and Company de Holmfirth, West Yorkshire, foi responsável pela produção de uma coleção de filmes modestos mas historicamente significativos. A companhia adquiriu proeminência, por volta de 1896, pela sua produção industrial em massa de slides de lanterna mágica  e, após 1904, por sua expansão no mercado internacional de cartões postais. James Bamforth estava entre o seleto grupo de cineastas de Brighton, mas suas excursões na indústria cinematográfica foram relativamente breves. Primeiramente sua companhia se especializou em sequências de modelos vivos em slides representando temas morais ou religiosos, acompanhados por hinos por canções ou hinos populares. A maneira pela qual essas sequências de lanterna mágica foram feitas e exibidas teve uma profunda influência sobre o primeiro período da realização de filmes por parte da companhia. Neste período podemos citar: Kiss in the Tunnel / 1899, Women’s Rights / 1899, The Tramp and the Baby’s Bottle / 1899, Leap Frog / 1900 etc. No segundo período, destaca-se a comédia bizarra Finding His Counterpart /  1913, no qual um homem visita um frenologista e então tenta descobrir sua companheira ideal apalpando as cabeças de uma sucessão de improváveis amantes. Em 1914, Bamforth and Co. contratou o comediante do music hall “Winky”(Reginald Switz) , que se tornou o astro de seus filmes mais exitosos entre eles Winky’s Weekend, Itching Powder, Winky Causes a Smallpox Panic. Em 1915, outros atores cômicos como Lily Ward, Alf Scottie  e o astro infantil Baby Langley foram contratados; porém, pouco depois, talvez devido ao impacto da guerra, os filmes da Bamforth foram absorvidos pela Holmfirth Producing Company de curta existência, sediada em Londres. A Bamforth and Co. sobreviveu até os anos 90 e hoje é principalmente lembrada por sua produção de cartões postais.

Para finalizar, vejamos a contribuição de mais dois pioneiros: William Haggar e Frank Mottershaw.

William Haggar

Nascido em Dedham, Essex no Pais de Gales, William Haggar (1851-1925) foi músico e carpinteiro de teatro, antes de formar uma trupe (composta por sua esposa Sarah e oito de seus onze filhos), na qual atuou como ator-cantor. Em 1989, ele adquiriu um projetor Wrench  e explorou um cinema itinerante em parques de diversões no Oeste da Inglaterra e Sul do País de Gales. Haggar fez seus próprios filmes por volta de 1902, a maioria dos quais foram distribuídos pela Gaumont, Charles Urban ou Warwick Trading Company.  Haggar inspirou-se nas sua origem rural e sua vivência na pobreza, para realizar muitos filmes sobre caça e pesca furtivas. Um deles, The Salmon Poachers / 1905, vendeu mais cópias do que qualquer outro filme feito pela Gaumont na Grã Bretanha. Seus melodramas eram versões truncadas de peças teatrais (algumas vezes derivadas das performances de sua própria companhia)  tais como Duel Scene from the Two Orphans / 1902, The Sign of the Cross / 1904, The Dumb Man of Manchester / 1908 e a atração principal do seu repertório, The Barn Crime, or Marie Marten / 1908. Os filmes de Haggar incluíam ainda comédias, thrillers criminais (vg. The Life of Charles Peace / 1905, biografia de um assassino enforcado em 1879) e filmes de truques. Seu A Desperate Poaching Affray / 1903  é hoje considerado como um dos dois ou três filmes britânicos que influenciaram o primeiros dramas narrativos nos Estados Unidos, particularmente o desenvolvimento do filme de perseguição. Após a morte de sua esposa, Haggar parou de explorar espetáculos itinerantes e abriu uma cadeia de cinemas no País de Gales com membros de sua família como gerentes.

Frank Mottershaw

A Daring Daylight Burglary

Frank Mottershaw (1850 – 1932) foi um dos primeiros diretores britânicos pioneiros em Sheffield, Yorkshire. Seus filmes, A Daring Daylight Burglary e The Robbery of the Mail Coach, realizados em abril e setembro de 1903, tendo um protagonista inspirado em Jack Sheppard, salteador de estradas do século dezoito, podem ter exercido influência sobre o paradigmático “filme de perseguição” de Edwin S. Porter, O Roubo do Grande Expresso / The Great Train Robbery, de dezembro de 1903. Na trama de A Daring Daylight Burglary, um ladrão joga um policial pelo telhado de um prédio, é perseguido através do país por rios e montanhas, e escapa em um trem; mas os policiais enviam uma mensagem pelo telégrafo e o capturam na próxima estação. Comparado com outros filmes britânicos do período, o ritmo é  invulgarmente rápido e a narrativa surpreendentemente sofisticada – particularmente o uso do tema da vingança (o policial vingando seu companheiro gravemente ferido),  que todo espectador de thrillers de ação imediatamente reconhecerá como um ingrediente básico do gênero. Foi este filme que firmou a reputação internacional da Sheffield Photo Company, fundada por Mottershaw, mas ele fez vários outros entre 1903 e 1908 (vg. The Coronation of King Peter I of Serbia / 1903, Attack on a Japanese Convoy / 1904, The Market Woman‘s Mishap / 1904, A Solider’s Romance / 1905, Lazy Workmen / 1905, Lost in the Snow / 1906, The Romany’s Revenge / 1907, That Nasty Sticky Stuf / 1908 etc).

COMÉDIAS CURTAS DO CINEMA MUDO AMERICANO

As comédias curtas silenciosas, devido à sua abundância, são um grande desafio para os pesquisadores da História do Cinema, porém com o auxílio de World of Laughter -The Motion Picture Comedy Short, 1910 -1930 de Kalton C. Lahue, The New Historical Dictionary of The American Film Industry de Anthony Slide, Catalog of Copyright Entries 1912-1939 da Biblioteca do Congresso Americano, The Silent Clowns de Walter Kerr e outras fontes, cada uma complementando a outra ou corrigindo omissões, corro o risco de enfrentá-lo … sem a pretensão de esgotar o assunto.

Flora Finch e John Bunny

Billy Quirk e Josie Sadler

A Vitagraph – com seus cômicos mais populares John Bunny-Flora Finch (em mais de 260 comédias apelidadas de “Bunnyfinches”), Mr. e Mrs. Sidney Drew, Larry Semon, Jimmy Aubrey, Billy Quirk – era a companhia produtora de comédias curtas mais prolífica no programa da General Film, firma formada pela Motion Picture Patents Company (MPPC) para distribuir os produtos dos membros deste truste – Edison, Biograph, Vitagraph, Lublin, Selig, Essanay, Pathé, Kalem, Méliès, Kleine.

Fred Mace (ao centro vestido de guarda)

Hank and Lank

Wallace Beery (vestido de mulher) na série Sweedie

Mishaps of Musty Suffer

Outras companhias associadas do MPPC abriram espaço para as comédias curtas. Na Biograph, as comédias da série “One-Round” O´Brien com Fred Mace. Na Essanay, a série  “Hank and Lank” com Victor Potel e Augustus Carney; a série “Alkali Ike”, somente com Carney  como Alkali Ike coadjuvado por William Todd como o personagem Mustang Pete (personagens depois assíduos nas Snakeville Comedies, assim chamadas porque a ação transcorria na cidade rural mítica do mesmo nome); as comédias “Billy” com Frank  Bushman (futuro Francis X. Bushman, o Messala de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925); a série “Sweedie” com Wallace Beery no papel principal quase sempre vestido de mulher; e as comédias com Charles Chaplin. Na Lubin, a série “The Gay Time” com May Hotely e Raymond McKee; a série com o personagem negro Rastus, interpretado por Luke Scott; uma comédia com Marie Dressler (Tillie Wakes Up / 1917) e outras comédias ocasionais com artistas essencialmente dramáticos (v. g. Arthur V. Johnson, Lottie Briscoe, Ethel Clayton, Joe Kaufman). Na Selig, a adaptação da história em quadrinhos The Katzenjammer Kids  (conhecida no Brasil como Os Sobrinhos do Capitão) criada por Rudolph Dirks com Guy Mohler e Emil Nuchberg como Hans e Fritz (personagens inspirados nos garotos Max e Moritz da obra de Wilhelm Busch); Lillian Leighton como Mrs. Katzenjammer e John Lancaster como Tio Heine;  a série “Sweeney”, com John Lancaster personificando um irlandês carregador de materiais de construção om mania de grandeza; comédias da marca Red Seal com Otis Harlan; a série “The Chronicles of Bloom Center” com Irene Wallace, Sidney Smith, Ralph McCormas e outros. Na Kalem, a série “Ham and Bud” com Loyd Hamilton, Bud Duncan, Ruth Roland (substituída depois por Ethel Teare, que depois estrelou sua própria série com Porter Strong, deixando seu lugar para Norma Nicholls); comédias produzidas no estúdio em Jacksonville, Flórida, com Rose Melville repetindo sua personagem Sis Hopkins (espécie de antecedente de Judy Canova), que ela havia interpretado no teatro. Na Edison, as comédias com Arthur Houseman e William Wadsworth reunidos como Waddy e Arty em uma série semanal. Na Kleine, as comédias da série “Mishaps of Musty Suffer” (também produzida pela Essanay) com Harry Watson Jr. A General Film também distribuía as comédias da MinA Films com Murdock McQuarrie, o palhaço de circo Harry La Pearl e George Ovey; as comédias da série “Pokes and Jabbs” produzidas pela Wizard Motion Picture Corporation e depois pela Vim Comedy Company com Bobbie Burns e Walter Stull, coadjuvados por Ethel Burton, “Spook” Hanson e Oliver “Babe” Hardy (posteriormente, Burns deixou a série, sendo substituído por Billy Ruge e os personagens receberam os nomes de “Finn and Haddie” (quando Stull saiu, Oliver Hardy assumiu seu lugar e a série passou a ser chamada de “Plump and Runt); as comédias domésticas com Harry Meyers e Rosemary Theby; as comédias da marca Clover com Bob Duncan, Dot Farley e Kewpie Morgan, realizadas pela National Film Corporation.

Oliver Hardy e Billy Ruge  na série Plump and Runt

Em 1917, as maiores concorrentes da General Film eram a Universal, que distribuía as comédias Nestor, Victor, L-KO e Joker; a Mutual, que distribuía as comédias Cub, Vogue e Strand; a Metro, que distribuía as comédias do casal Mr. e Mrs. Sidney Drew (que haviam deixado a Vitagraph); a Paramount, que distribuía as comédias de Victor Moore; a Essanay, que tinha algumas comédias de Max Linder; a Pathé, que distribuía as comédias Rolin de Hal Roach; e as companhias independentes King Bee e Al Christie.

Os maiores sucessos da Nestor foram as comédias com os personagens Mutt e Jeff dos quadrinhos de Bud Fisher; a série “Desperate Desmond” baseadas nos quadrinhos de Harry Hershfield; e as comédias com Eddie Lyons e Lee Moran. A Victor produziu comédias com atores variados como Guy Haymann, Carter de Haven, George Felix etc.

A L-KO (Lehrman- Knock Out), formada por Henry Lehrman, tinha como artistas mais conhecidos Billie Ritchie, um dos imitadores de Chaplin, e Alice Howell. A Joker tinha   Max Asher e Louise Fazenda na série “Mike and Jake” e as comédias de Patsy McGuire e Lillian Hamilton. Em 1916 Lehrman foi sucedido pelos irmãos Julius e Abe Stern que substituíram A L-KO pela sua Rainbow Comedies. A Cub proporcionava a série “Jerry” com George Ovey. A Vogue produzia as comédias de Ben Turpin e Gypsy Abbott; as comédias de Paddy McGuire, Ben Turpin e Lillian Hamilton; as comédias “Kuku” com Dot Farley e Sammy Burns; e as comédias com Ben Turpin e Lillian Hamilton entre outros. A Strand oferecia as comédias com Elinor Field e Harry Depp dirigidas por William Beaudine (produzidas pela Southern California Producing Company) e as comédias com Billie Rhodes e Jay Belasco (produzidas pela Caulfield Photoplay Company).

Entre outras comédias curtas produzidas na época encontramos as de Billy Quirk da Solax, companhia formada por Alice Guy; as comédias de Pearl White (a célebre Pauline dos seriados), Charles De Forrest (astro da série “Binks”) e Vivian Prescott da Crystal Film Company; as comédias de Ford Sterling, de Augustus Carney e Louise Glaum (na série “Universal Ike”), as comédias de Bobby Ray (na série “Universal Ike Jr.”) e as comédias da série “Mike and Jake” com Max Asher, Harry McCoy, Louise Fazenda e Bobby Vernon da Universal.

Porém não foram só estas. A Mutual distribuiu ainda as doze comédias da Lone Star Film Corporation de Charles Chaplin (antes dele ir para First National); as comédias com Dot (Dorothea) Farley; a série “Calamity Anne” (criada por Allan Dwan) com Louise Lester, ambas produzidas pela American Film Manufacturing Company; as comédias com Fred Mace como o personagem “One-Round O´Brien”, que ele interpretara na Biograph; as comédias da série “Bill” da Komic com Fay Tincher e Tammany Young secundados pelo futuro diretor Tod Browning; e as comédias da Novelty com Edith Thorton.

Charles CHaplin e Henry Lehrman em Making a Living

Bathing Beauties

Keystone Cops

Abro um parêntesis para falar da Keystone (formada em 1912 pelo antigo ator da Biograph, Mack Sennett e pelos proprietários da New York Motion Picture Company, Adam Kessell, Jr. E Charles O. Baumann), cujas comédias também foram distribuídas pela Mutual (e a partir de 1917 pela Paramount). A companhia tinha como figuras principais Mack Sennett, Ford Sterling, Fred Mace e Mabel Normand e os filmes foram primeiramente rodados em Fort Lee, New Jersey e depois no velho estúdio da Bison em Edendale, Califórnia. Charles Chaplin estreou no cinema em uma comédia da Keystone, Carlito Repórter / Making a Living / 1914. Compunham também o elenco da companhia: Roscoe “Fatty” Arbuckle, o estrábico Ben Turpin, o grandalhão Mack Swain, Minta Durfee, Chester Conklyn, Harry Langdon, Charlie Chase, Charlie Murray, Louise Fazenda, Raymond Hitchcock, Gloria Swanson, Slim Summerville, Billy Bevan, Andy Clide, Vernon Dent etc., os Keystone Cops (a força policial mais maluca do mundo) e as Bathing Beauties. Em 1915 a Keystone junto com as companhias de D.W. Griffith e Thomas H. Ince constituíram a Triangle Film Corporation, cujas comédias eram frenéticas de ação e movimento tais como as da sua antecessora. Sydney Chaplin, meio-irmão de Charles, estava na série “Gussle” com Phyllis Allen e em outras comédias como O Pirata Submarino / A Submarine Pirate / 1915.

Phyllis Allen e Syd Chaplin

Outra companhia importante, foi a Rolin de Hal Roach, cuja principal atração era Harold Lloyd com as séries “Phunphilms” e “Lonesome Luke”. Nos quadros da Rolin estavam ainda o palhaço Toto (Arnold Nobello) do Teatro Hippodrome de Nova York e sua parceira Marie Mosquini e Stan Laurel, antes de formar a célebre dupla com Oliver Hardy em deliciosas comédias, coadjuvados pelo escocês James Finlayson.

Prosseguindo nesta audácia de explorar o campo imenso da comédia curta silenciosa produzida nos EUA, faço referência a várias companhias que não distribuíam seus filmes pela General Film, pela Mutual ou pela Universal. Em outubro de 1914, um grupo de exibidores formou a Kriterion Films Exchange para distribuir comédias (e dramas) de sete pequenos produtores independentes, mas a firma logo faliu. Outra empresa de curta-duração, United Film Service, distribuiu três séries de comédias que alcançaram sucesso moderado: as comédias da Cameo com Dan Mason e Harry Kelly; a série “Heinie and Louise” da Starlight com Jimmy Aubrey e Walter Kendig; e as comédias da Luna com Dot Farley. A partir de 1915, comediantes do teatro foram contratados para fazer comédias no cinema: Neal Burns pela Nestor; Weber e Fields, Joe Jackson e Eddie Foy pela Keystone-Triangle; Victor Moore pela Lasky; W.C. Fields pela Gaumont, atuando nas Casino Bar Comedies; Clarence Kolb e Max Dill, pela American Film Manufacturing Company.

Clarence Kolb e Max Dill

A companhia independente King Bee contava com o imitador mais bem sucedido de Chaplin, Billy West, que teve Oliver Hardy como coadjuvante nas suas comédias. Curiosamente West sofreu a concorrência de outro imitador de Chaplin, o cômico do vaudeville Ray Hughes, cujas comédias foram produzidas pela Pyramid (formada por dois executivos da King Bee, que descobriram Hughes no palco) e dirigidas por William A. Seiter.

Em 1916, o canadense Al Christie, que fôra o supervisor da série “Mutt e Jeff” da Nestor, formou (com seu irmão Charles) a Christie Film Company, para produzir as comédias com Billie Rhodes e a Fox Film Company decidiu entrar no campo da comédia curta, organizando uma unidade de produção sob o comando de Charles Parrott (Charlie Chase) com os cômicos Hank Mann e Lee Morris como astros e outra, supervisionada por Henry Lehrman (que havia deixado a L-KO), com Billie Ritchie e Dot Farley. Além de Lehrman, outros dois diretores, Walter C. Reed e Harry Edwards, integraram a equipe de diretores e Charles Arling, “Smiling Billy” Mason, entre outros artistas, compunham o elenco.

Em janeiro de 1917, a Fox lançou a primeira das Foxfilm Comedies, Social Pirates, com Arling no papel principal. Em março, o nome da companhia foi mudado inesperadamente para Sunshine Comedies, mas logo o reverteu para Foxfilms. O programa da Fox muitas vezes criou uma confusão por causa dessas mudanças no primeiro ano de existência. Em junho, o esquema de produção de comédias dividiu-se em dois grupos – Foxfilms e Sunshines. O primeiro grupo compunha-se de unidades sob a direção de Hank Mann, Charles Parrott e Tom Mix, cujos primeiros filmes para a Fox continham elementos cômicos. O grupo Sunshine foi supervisionado por Henry Lehrman, que também dirigia uma unidade. enquanto David Kirkland e Jay Howe cuidavam das outras duas. Entre os atores estava Billie Ritchie, Lloyd Hamilton, Jimmie Adams, além de outros. A Sunshine só entrou em operação em outubro de 1918 e seu primeiro lançamento, Roaring Lions and Wedding Bells (com L. Hamilton, J. Adams) deu-se em novembro. Suponho que as comédias Sunshine tenham sido muito populares no Brasil, pois encontrei anúncios em nossos jornais de 90 títulos destas comédias. Em 1918, William Parsons, fundador da National Film Corporation, passou para a frente das câmeras, adotando o nome de “Smiling Bill” Parsons nas comédias distribuídas no mercado independente como Capitol Comedies.

Buster Keaton Roscoe Arbuckle e Al St. John

A Paramount distribuiu as comédias com Roscoe Arbuckle (coadjuvado por Al St. John, Alice Lake, Buster Keaton) produzidas pela Comique Film Corporation, presidida por Joseph Schenck. A World Film Corporation distribuiu as Poppy Comedies produzidas pela Frohman Amusement Corporation com Mack Swain e seu personagem Ambrose Schnitz. A United States Motion Picture Company produziu as Black Diamond Comedies com Leatrice Joy e sua personagem Susie, distribuídas primeiramente pela Paramount e depois pela Arrow sob o nome de Unique Comedies e as Rainbow Comedies com Lillian Vera e Eddie Boulden, estas distribuídas pela General Film Company.

Nesta pesquisa, que parece ser interminável devido à quantidade de comédias curtas silenciosas bem como de suas companhias produtoras e distribuidoras, sigo adiante, penetrando nos anos vinte, quando a Mutual e a General Film haviam saído de cena e a maioria das firmas pioneiras estavam fora do mercado. Seu lugar havia sido ocupado pela Educational Film Corporation of America, fundada por Earl Hammons em 1919 com a finalidade de produzir filmes educativos para escolas e igrejas. Hammons logo descobriu que havia pouca demanda para sua idéia original e, embora tivesse continuado com ela, entrou na área da distribuição com a Educational Film Exchange, usando-a para distribuir as comédias Mermaid com Lloyd Hamilton ou Jimmy Adams; as comédias Torchy com Johnny Hines e Dorothy Mackaill; as comédias Christie (que deixara de ser independente) com Neal Burns, Bobby Vernon e Fay Tincher.

Nessa época, a Arrow Film Corporation entrou na área da comédia curta com Hank Mann  e Eddie Lyons (da dupla Eddie Lyons – Lee Moran), que também supervisionou a Mirthquake Comedies com Bobby Dunn; a C.B.C Film Sales Corporation distribuiu a série  “Hallroom Boys” (produzida pelos irmãos Cohn, futuros chefões da Columbia) com Sidney Smith e Harry McCoy, a série “Monte Banks “, produzida pela Warner Brothers com Monty Banks (na realidade o ator italiano Mario Bianchi) e comédias com Milburne Moranti e Helen Williams; a Reelcraft produziu comédias com Billy Quirk; Billy West reapareceu em uma série para a Joan Film Sales Company.

Nos anos vinte, Hunt Stromberg, produtor independente, anunciou um contrato com a Metro para produzir uma série de comédias com o atleta Bull Montana. A Fox funcionava   com as comédias de Clyde Cook (o cômico-acrobata australiano que ganhou o apelido de “The Kangaroo Boy”), de Chester Conklin, do inglês Lupino Lane (outro acrobata). A Universal distribuía as produzidas pela Century (dos irmãos Julius e Abe Stern) com Baby Peggy, Harry Sweet e Charles Dorety. A Vitagraph ainda tinha Larry Semon e Jimmy Aubrey, mas Aubrey saiu da empresa em 1924 e foi fazer uma série para a Standard Photoplay Company. A Paramount contava com Carter De Haven e sua esposa Flora Parker, que depois foram sucessivamente para a First National e R. C. Pictures Corporation. A Educational distribuía comédias com Walter Hiers, Lige Conley, Jack McHugh, Jimmy Adams, Neal Burns e as mais populares de todas, que eram as de Al St. John. A Fox apresentava as comédias Sunshine, Imperial (supervisionada por George Marshall) e Van Bibber (com Earle Foxe como Reginald Van Bibber). A Universal estava rodando as comédias Blue Bird com Al Alt, a série “What Happened to Jane” com Thelma Daniels, Max Asher e Charles King (fórmula seguida pela série “The Newlyweds and Their Baby” com Ethlyne Clair e Sunny McKeen), as comédias com Syd Sailor e a série “The Collegians” com George Lewis e Dorothy Gulliver. A Educational recebeu o concurso de Lupino Lane em 1925 para uma série de comédias que durou até 1929; o irmão de Lupino, Wallace Lupino, estava na série Cameo; Al St. John na série Tuxedo; a Paramount adquiriu as comédias Christie em 1927-1928 para distribuí-las. A R-C Pictures e depois a Standard produziram a série “Mickey McGuire” com Joe Yule Jr., que se tornaria mais tarde Mickey Rooney.

A fábrica de comédias de Hal Roach se expandiu constantemente durante os anos vinte. Harry “Snub” Pollard ganhou sua série própria série acompanhado por Marie Mosquini e Eddie Boland e Harold Lloyd, em 1919, apareceu com seu novo personagem de óculos em comédias de dois rolos primeiramente ao lado de Bebe Daniels e depois ao lado de Mildred Davis, com quem se casaria. A partir de 1921 ele começaria a fazer suas comédias de longa-metragem. Gaylord Lloyd, irmão de Harold, trabalhou em vários filmes dele.

Beth Darlington e Charlie Chase

Os Peraltas / Our Gang series

No final de 1921, dois outros cômicos ingressaram na Rolin: James Parrott, que depois de atuar como ator sob o nome de Paul Parrott, ficou mais conhecido pelo seu verdadeiro nome, James Parrott, como diretor das comédias curtas de Laurel e Hardy e Charles Parrott, que se tornou popular como Charlie Chase e foi também diretor. Em 1923, Roach contratou Will Rogers, Glenn Tryon, Edgar Kennedy, Earl Mohan, Billy Engle e Clyde Cook, porém seu maior sucesso na época foram as comédias da série “Os Peraltas / Our Gang” com um grupo de atores infantís primeiramente composto por Mickey Daniels, Jackie Condon, Peggy Cartwright e Ernie “Sunshine Sammy Morrison posteriormente substituídos por “Fat” Joe Cobb, Mary Kornman, Jackie Davis, Allen “Farina” Hoskins e o cachorro Pete. Roach lançou ainda as All Star Comedies e as Hal Roach Comedies, nas quais despontaram separadamente Stan Laurel e Oliver Hardy, que depois formaram a famosa dupla, coadjuvados maravilhosamente pelo escocês-americano James Finlayson.

Em 1918, Charles Chaplin assinou contrato com a First National, onde fez 8 filmes, entre eles apenas três comédias de dois rolos. Em 1920, Buster Keaton recebeu convite de Joseph Schenck estrelar sua própria série de comédias na Buster Keaton Film Company, que foram distribuídas pela Metro e depois pela Associated First National. Em 1922, Edward Everett Horton fez duas comédias de dois rolos para a Vitagraph. Em 1924 Larry Semon deixou a Vitagraph e se transferiu para a Chadwick, que distribuía suas comédias pela Educational.

Em anúncios nos nossos jornais da época alguns cômicos receberam nomes abrasileirados ou apelidos: Mabel Normand era conhecida por Izabel; Chaplin por Carlito; Roscoe Arbuckle por Chico Bóia; Al St. John por Azarão, Alice Lake por Felismina etc.