HENRY HATHAWAY II

Nos anos cinquenta Hathaway demonstrou em mais um conjunto de filmes sua aptidão para contar histórias no estilo do cinema narrativo clássico, exigindo sempre o maior rigor de seus intérpretes e de sua equipe técnica:  1950 – A Rosa Negra / The Black Rose, aventura oriental com Tyrone Power, Orson Welles, Jack Hawkings. 1951 – Agora Estamos na Marinha / You´re in the Navy Now, comédia naval em tempo de guerra com Gary Cooper, Jane Greer; Correio do Inferno / Rawhide; Horas Intermináveis / Fourteen Hours; A Raposa do Deserto / The Desert Fox. 1952 – Missão Perigosa em Trieste / Diplomatic Courier, drama de espionagem durante a Guerra Fria com Tyrone Power, Patricia Neal, Hildegard Neff; Páginas da Vida / O´Henry´s Full House. Ep.  “The Clarion Call” com Charles Laughton, Marilyn Monroe nesta coletânea de histórias do escritor. 1953 – Feitiço Branco / White Witch Doctor, aventura na África com Susan Hayward, Robert Mitchum; Torrentes de Paixão / Niagara; 1954 – O Príncipe Valente / Prince Valiant, aventura histórica baseada nos quadrinhos de Hal Foster; Jardim do Pecado / Garden of Evil. 1955 – Caminhos sem Volta / The Racers, drama esportivo com Kirk Douglas, Bella Darvi, Gilbert Roland. 1956 – Renúncia ao Ódio / The Bottom of the Bottle, drama baseado em romance de Georges Simenon com Van Johnson, Joseph Cotten, Ruth Roman; A 23 Passos da Rua Baker / 23 Paces to Baker Street. 1957 – A Lenda dos Desaparecidos / Legend of the Lost, aventura no Saara com John Wayne, Sophia Loren, Rossano Brazzi. 1958 – Caçada Humana / From Hell to Texas. 1959 – Meu Coração Tem Dois Amores / Woman Obsessed, drama familiar em ambiente rural com Susan Hayward, Stephen Boyd.

Tyrone Power e Susan Hayward em Correio do Inferno

Correio do Inferno. Neste western topograficamente restrito, quatro bandidos, Zimmerman (Hugh Marlowe), Yancy (Dean Jagger), Tevis (Jack Elam) e Gratz (George Tobias, instalam-se em uma estação de diligências, com a intenção de assaltar um carregamento de ouro, que passaria por ali. A estação é chefiada pelo velho Sam (Edgar Buchanan), que é morto. Restam seu auxiliar, Tom (Tyrone Power); uma mulher, Vinnie Holt (Susan Hayward) e sua pequenina sobrinha, mantidos como reféns. Aos poucos nascem as discussões no bando, exploradas por Tom, e tudo termina em um ajuste de contas de uma violência rara: vemos Tevis atirar cada vez mais perto da criancinha, para obrigar Tom a se render. Baseado em um excelente roteiro, o filme mostra como o estilo impessoal de um artesão pode ser eficaz e vigoroso. Hathaway administra magistralmente a unidade de tempo, lugar e ação e, com o amparo de uma boa fotografia (Milton Krasner) e interpretações homogêneas, imprime neste western, que é também um thriller, o máximo de suspense.

Richard Basehart em Horas Intermináveis

Horas Intermináveis. Drama inspirado em um caso real, mas com um epílogo diferente. Preparando-se para saltar do décimo quinto andar de um prédio no coração de Nova York, um jovem deprimido cheio de complexos, Robert Cosick (Richard Basehart,) é avistado pelo policial irlandês e Charlie Dunnigan (Paul Douglas), que tenta em vão convencê-lo a desistir. Trazer seus progenitores disfuncionais (Agnes Moorehead, Robert Keith), sua noiva (Barbara Bel Geddes) e psiquiatras parece que só serve para exacerbar a situação. Enquanto isso o número de populares lá embaixo aumenta à medida em que o espetáculo se desenrola. Após 14 horas de esforços, Cosick decide não saltar quando, ofuscado por um dos holofotes acionado acidentalmente, esgotado, ele cai no vazio. Enfrentando sabiamente as restrições da regra das três unidades, Hathaway narra com habilidade as diversas tentativas da polícia para demover o rapaz da cogitação de suicídio, as reações da multidão diante da perspectiva de tragédia e os casos paralelos como o dos dois namorados que se encontram e dali saem para iniciar uma outra vida ou a mulher que, do edifício fronteiro, decide interromper a ação de seu divórcio.  Sua direção firme e inspirada leva a narrativa a um alto grau de aflição.  Houve indicação ao Oscar de Melhor Direção de Arte (preto e branco (Lyle Wheeler, Leland Fuller) e Decoração de Interiores (Thomas Little, Fred J. Rode).

James Mason e Cedric Hardwick em a Raposa do Deserto

A Raposa do Deserto. Drama de guerra biográfico, com roteiro de Nunnally Johnson baseado no livro do Brigadeiro Desmond Taylor (que aparece no filme como um dos oficiais capturados pelos alemães no Norte da África) focalizando a fase final da carreira do Marechal de Campo Erwin Rommell. É um retrato edificante do famoso comandante do Afrika Korps, mostrando sua oposição aos projetos insanos de Hitler (Luther Adler) e seu contato com Karl Strolin (Cedric Harwicke), prefeito de Stuttgart e membro de um complô contra o Fürher. Apesar de não ter tido nenhuma participação no atentado de 20 de julho – pois estava convalescendo dos ferimentos que recebera quando seu carro foi metralhado por aviões aliados em 17 de julho de 1944 e esperando não somente se recuperar como também assumir outro comando -, sua conversa com conspiradores lhe valeu ser condenado à morte. Se aceitasse se suicidar, sua esposa Lucie (Jessica Tandy) e seu filho Manfred (William Reynolds) não seriam molestados e seu nome permaneceria imaculado. Após a morte de Rommel, Hitler mandou celebrar um enterro com todas as honras militares como se ele tivesse falecido em virtude dos ferimentos recebidos. Hathaway descreve o trágico destino de Rommel com objetividade usando tomadas de arquivo para reconstituir os combates na Libia e na Normandia e apresenta uma inovação: um prólogo antes dos créditos, mostrando a operação noturna dos comandos britânicos em uma tentativa de eliminar a “Raposa do Deserto”, por sinal uma sequência primorosa. Ele mantém a ação em ritmo rápido e vigor dramático enquanto James Mason interpreta Rommel com mestria, incutindo-lhe todo o fascínio que o militar célebre possuía.

Marilyn Monroe em Niagara

Torrentes de Paixão. Drama criminal com alguns temas noir tendo como pano de fundo onipresente as cataratas do Niagara. Em um motel próximo, chegam dois jovens recém-casados Polly e Ray Cutter (Jean Peters, Casey Adams). Lá eles conhecem um outro casal, Rose (Marlyn Monroe) e George Loomis (Joseph Cotten). Rose é uma jovem de sensualidade transbordante e George, mais velho do que ela e veterano da Guerra da Coréia, é ciumento e psicologicamente perturbado. Rosa convence seu amante (Richard Allen) a se desembaraçar de seu marido empurrando-o nas cachoeiras. Porém é George que consegue jogar seu adversário nas águas. Após ter igualmente assassinado sua mulher, George rouba uma lancha, sem saber que Polly estava a bordo. A embarcação fica sem gasolina e flutua em direção às cataratas. George consegue colocar Polly sobre um grande rochedo antes de chegar às cachoeiras, onde morre. Ela é resgatada por um helicóptero. Usando a paisagem bucólica e majestuosa das cataratas (admiravelmente   fotogradas sob todos os ângulos por Joe MacDonald) como pano de fundo para o desencadeamento das paixões e usando a cor de maneira funcional, Hathaway deu uma progressão dramática sólida à intriga, durante o desenrolar da qual surgem cenas admiráveis como George surpreendendo Rose com o amante;  George perseguindo Polly através das pontes  sobre as cataratas; o estrangulamento de Rose na Torre dos Sinos; as transparências excelentes tornando angustiantes as imagens da lancha sendo arrastada pelas águas revoltas.

Susan Hayward, Gary Cooper e Richard Widmark em Jardim do Pecado

Jardim do Pecado. Western cuja trama tem início quando Leah Fuller (Susan Hayward) contrata quatro aventureiros – Hooker (Gary Cooper), Fiske (Richard Widmark), Luke Daly (Cameron Mitchell) e Vincente (Victor Emanuel Mendoza) – para escoltá-la através do território indígena e resgatar seu marido, John (Hugh Marlowe), que está preso entre os escombros de uma mina de ouro. É uma viagem cheia de perigos até “o jardim do pecado”, onde crescem os antagonismos entre os componentes do grupo. Em torno do tema do poder maléfico do ouro, Hathaway constroí um western psicológico. À medida que o filme prossegue, os caracteres dos personagens vão se revelando. Por exemplo:  quais são os motivos exatos que ditaram a conduta de Leah: o ouro ou o amor? Os índios raramente aparecem. Mas estão sempre presentes, e esta sensação de ameaça permanente cria uma terrível apreensão.

Vera Miles, Van Johnson e Cecil Parker em A 23 Passos da Rua Baker

A 23 Passos da Rua Baker. Phillip Hannon (Van Johnson), autor teatral americano vítima da cegueira, foi morar em Londres, sentindo-se um inútil. Ele recebe a visita de sua ex-noiva, Jean (Vera Miles), mas despede-se dela abruptamente e se retira em busca de um lugar quieto para pensar. Em um pub, Hannon escuta uma conversa – embaralhada pelos ruídos de uma juke box -entre um homem chamado Evans e uma mulher sobre o que lhe parece um plano de sequestro de uma criança. A Scotland Yard atribui sua narrativa a um excesso de imaginação do dramaturgo.Convencido de sua interpretação, Hannon passa a investigar por conta própria, contando com a ajuda de seu criado e amigo Bob Mathews (Cecil Parker) e de Jean. Hathaway trata este argumento curioso e bem dosado de mistério, construindo uma atmosfera tensa e envolvente. Uma dimensão psicológica acompanha a trama: Hannon se apega desesperadamente a este caso para se sentir útil novamente preenchendo o vazio de sua vida. Dois momentos de suspense se destacam:  Hannon trancado por um homem no quarto de um prédio em ruínas que ameaça desabar e, no final, aguardando sozinho e desarmado a visita de Evans, usando a escuridão e o ruído de gravações para se defender do criminoso, cuja verdadeira identidade é uma surpresa.

Don Murray em Caçada Humana

Caçada Humana. Por ter matado acidentalmente um homem, o vaqueiro Tod Lohman (Don Murray) é perseguido pelo pai (R.G. Armstrong) e pelos irmãos da vítima. Tod encontra refúgio no rancho de Amos Bradley (Chill Wills), cuja filha, Juanita (Diane Varsi), se apaixona por ele. Um mercador (Jay C. Flippen) também o auxilia na fuga. Depois de muitas mortes, quando Tod impede que o último irmão sobrevivente (Dennis Hopper) seja queimado vivo, o pai põe fim à vendeta. Um caso de consciência renovando o tema da vingança: o herói pacífico vê-se obrigado a matar vários de seus perseguidores. O drama deste western é intenso porque a luta se converte em uma luta de princípios: o Bem contra o Mal, a serenidade contra a violência. Hathaway tem o senso do movimento e da narrativa cinematográfica, realizando um belo espetáculo ao qual não faltam tradicionais ingredientes do gênero como um estouro de manada, um ataque de Comanches e uma bela paisagem.

Na última fase de sua longa carreira Hathaway ainda realizou alguns westerns de inegável mérito cinematográfico. 1960 – Sete Ladrões / Seven Thieves, drama criminal com Edward G. Robinson, Rod Steiger, Joan Collins; Fúria no Alasca / North to Alaska. 1962 – A Conquista do Oeste / How the West Was Won ep.1 (Os Rios / The Rivers), 2 (As Planícies / The Plains e 5 (Os Renegados / The Outlaws), segmentos de um western épico com vários astros e estrelas. 1964 – O Mundo do Circo / Circus World, drama passado em um Wild West Show com John Wayne, Rita Hayworth, Claudia Cardinale. 1965 – Os Filhos de Katie Elder / The Sons of Katie Elder. 1966 – Nevada Smith / Nevada Smith. 1967 – O Último Safari / Last Safari. Aventura na África com Kaz Garas, Stewart Granger. 1968 – Poquer de Sangue / 5 Card Stud, western de mistério com Robert Mitchum, Dean Martin, Roddy McDowall. 1969 – Bravura Indômita / True Grit. 1970 – Os Comandos Atacam Rommel / Raid on Rommel, drama de guerra com Richard Burton. 1971 – O Parceiro do Diabo / Shoot Out, western com Gregory Peck, James Gregory. 1974 – Hangup, drama criminal com William Elliott, Marki Bey.

John Wayne, Stewart Granger e Capucine em Fúria no Alasca

Fúria no Alaska Northernwestern híbrido combinando aventura de faroeste com comédia, cuja ação começa em Nome no Alasca, onde Sam McCord (John Wayner), sócio de George Pratt (Stewart Granger) e seu irmão Billy (Fabian) encontram uma fortuna em pepitas de ouro. Sam vai a Seattle a fim de adquirir novo equipamento de mineração e a incumbência de trazer a francesa da qual George havia se tornado noivo por correspondência; mas a jovem havia se casado com um mordomo. Preocupado com a decepção do amigo, Sam resolve levar outra francesa, uma garota de cabaré, Michelle Bonnet, conhecida como Angel (Capucine). Na viagem, Angel se enamora de Sam e as coisas se complicam, ainda mais quando um trapaceiro, Frankie Cannon (Ernie Kovacs), decide apropriar-se da mina. Hathaway, com a precisão narrativa de sempre, realizou um filme eufórico e dinâmico, animado por lutas homéricas e bem divertidas em vários ambientes, sobressaindo a pancadaria final por toda a cidade.  Destaque para a balada interpretada pelo cantor de música folclórica Johnny Horton durante a apresentação dos créditos de abertura; a direção de arte de Duncan Cramer e Jack Martin Smith; e a fotografia de Leon Shamroy da bela paisagem da locação em Hot Creek, Calif.

Steve McQueen em Nevada Smith

Nevada Smith. Western em cuja trama o jovem mestiço de branco e índia, Max Sand (Steve McQueen), sai à procura de Jesse Coe (Martin Landau), Bill Bowdre (Arthur Kennedy) e Tom Fitch (Karl Malden), os três bandidos que assassinaram cruelmente seus pais. No caminho ele encontra um velho vendedor de armas, Jonas Cord (Brian Keith), que lhe dá lições de pontaria e de vida. Com a experiência adquirida, Max consegue eliminar Coe e depois Bowdre; mas quando se confronta com Fitch, sente um profundo desgosto e parte sem completar seu objetivo. O filme acrescenta ao tema muito explorado da vingança os elementos próprios do romance de folhetim histórico: intermediação de histórias paralelas (o episódio da prisão constitui ele próprio um relato completo); heroínas imediatamente eliminadas; justiceiro simpático, mas implacável, tipo Monte Cristo; esticamento da intriga por novos acontecimentos. Uma das melhores cenas é a fuga de Max da prisão – onde ele deu um jeito de ser internado para pegar um dos bandidos, fingindo-se de seu amigo – a bordo de uma canoa através do pântano na companhia do criminoso e de Pilar (Suzanne Pleshette), jovem cajun operária dos campos de arroz, que morre picada por uma cobra. A bela paisagem fotografada com esmêro por Lucien Ballard e uma trilha musical inspirada de Alfred Newman são outras atrações do espetáculo.

John Wayne em Bravura Indômita

Bravura Indômita. Western com humor, ternura e uma bela fotografia outonal providenciada por Lucien Ballard. A jovem Mattie (Kim Darby) contrata o Delegado veterano Rooster Cogburn (John Wayne) e um Texas Ranger, La Boeuf (Glen Campbell), para capturarem Tom Chaney (Jeff Corey), o assassino de seu pai. Apesar dos conselhos da dupla, a intrépida Mattie os acompanha na perseguição movimentada através do território indígena. O filme é um tributo à lenda de John Wayne, representada por aquela imagem de Rooster cavalgando com as rédeas entre os dentes, uma pistola em uma das mãos e um rifle na outra. Só que o herói clássico do western se tornou um velho rabugento e beberrão, que usa a estrela oficial de delegado, mas é motivado mais pelo dinheiro do que pelo desejo de justiça. Grande parte do divertimento vem das semelhanças óbvias entre Rooster e Mattie. A certa altura, diz Rooster: “Meu Deus, ela me faz lembrar de mim mesmo!”. Wayne conquistou afinal o Oscar de Melhor Ator.

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