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HENRY HATHAWAY II

Nos anos cinquenta Hathaway demonstrou em mais um conjunto de filmes sua aptidão para contar histórias no estilo do cinema narrativo clássico, exigindo sempre o maior rigor de seus intérpretes e de sua equipe técnica:  1950 – A Rosa Negra / The Black Rose, aventura oriental com Tyrone Power, Orson Welles, Jack Hawkings. 1951 – Agora Estamos na Marinha / You´re in the Navy Now, comédia naval em tempo de guerra com Gary Cooper, Jane Greer; Correio do Inferno / Rawhide; Horas Intermináveis / Fourteen Hours; A Raposa do Deserto / The Desert Fox. 1952 – Missão Perigosa em Trieste / Diplomatic Courier, drama de espionagem durante a Guerra Fria com Tyrone Power, Patricia Neal, Hildegard Neff; Páginas da Vida / O´Henry´s Full House. Ep.  “The Clarion Call” com Charles Laughton, Marilyn Monroe nesta coletânea de histórias do escritor. 1953 – Feitiço Branco / White Witch Doctor, aventura na África com Susan Hayward, Robert Mitchum; Torrentes de Paixão / Niagara; 1954 – O Príncipe Valente / Prince Valiant, aventura histórica baseada nos quadrinhos de Hal Foster; Jardim do Pecado / Garden of Evil. 1955 – Caminhos sem Volta / The Racers, drama esportivo com Kirk Douglas, Bella Darvi, Gilbert Roland. 1956 – Renúncia ao Ódio / The Bottom of the Bottle, drama baseado em romance de Georges Simenon com Van Johnson, Joseph Cotten, Ruth Roman; A 23 Passos da Rua Baker / 23 Paces to Baker Street. 1957 – A Lenda dos Desaparecidos / Legend of the Lost, aventura no Saara com John Wayne, Sophia Loren, Rossano Brazzi. 1958 – Caçada Humana / From Hell to Texas. 1959 – Meu Coração Tem Dois Amores / Woman Obsessed, drama familiar em ambiente rural com Susan Hayward, Stephen Boyd.

Tyrone Power e Susan Hayward em Correio do Inferno

Correio do Inferno. Neste western topograficamente restrito, quatro bandidos, Zimmerman (Hugh Marlowe), Yancy (Dean Jagger), Tevis (Jack Elam) e Gratz (George Tobias, instalam-se em uma estação de diligências, com a intenção de assaltar um carregamento de ouro, que passaria por ali. A estação é chefiada pelo velho Sam (Edgar Buchanan), que é morto. Restam seu auxiliar, Tom (Tyrone Power); uma mulher, Vinnie Holt (Susan Hayward) e sua pequenina sobrinha, mantidos como reféns. Aos poucos nascem as discussões no bando, exploradas por Tom, e tudo termina em um ajuste de contas de uma violência rara: vemos Tevis atirar cada vez mais perto da criancinha, para obrigar Tom a se render. Baseado em um excelente roteiro, o filme mostra como o estilo impessoal de um artesão pode ser eficaz e vigoroso. Hathaway administra magistralmente a unidade de tempo, lugar e ação e, com o amparo de uma boa fotografia (Milton Krasner) e interpretações homogêneas, imprime neste western, que é também um thriller, o máximo de suspense.

Richard Basehart em Horas Intermináveis

Horas Intermináveis. Drama inspirado em um caso real, mas com um epílogo diferente. Preparando-se para saltar do décimo quinto andar de um prédio no coração de Nova York, um jovem deprimido cheio de complexos, Robert Cosick (Richard Basehart,) é avistado pelo policial irlandês e Charlie Dunnigan (Paul Douglas), que tenta em vão convencê-lo a desistir. Trazer seus progenitores disfuncionais (Agnes Moorehead, Robert Keith), sua noiva (Barbara Bel Geddes) e psiquiatras parece que só serve para exacerbar a situação. Enquanto isso o número de populares lá embaixo aumenta à medida em que o espetáculo se desenrola. Após 14 horas de esforços, Cosick decide não saltar quando, ofuscado por um dos holofotes acionado acidentalmente, esgotado, ele cai no vazio. Enfrentando sabiamente as restrições da regra das três unidades, Hathaway narra com habilidade as diversas tentativas da polícia para demover o rapaz da cogitação de suicídio, as reações da multidão diante da perspectiva de tragédia e os casos paralelos como o dos dois namorados que se encontram e dali saem para iniciar uma outra vida ou a mulher que, do edifício fronteiro, decide interromper a ação de seu divórcio.  Sua direção firme e inspirada leva a narrativa a um alto grau de aflição.  Houve indicação ao Oscar de Melhor Direção de Arte (preto e branco (Lyle Wheeler, Leland Fuller) e Decoração de Interiores (Thomas Little, Fred J. Rode).

James Mason e Cedric Hardwick em a Raposa do Deserto

A Raposa do Deserto. Drama de guerra biográfico, com roteiro de Nunnally Johnson baseado no livro do Brigadeiro Desmond Taylor (que aparece no filme como um dos oficiais capturados pelos alemães no Norte da África) focalizando a fase final da carreira do Marechal de Campo Erwin Rommell. É um retrato edificante do famoso comandante do Afrika Korps, mostrando sua oposição aos projetos insanos de Hitler (Luther Adler) e seu contato com Karl Strolin (Cedric Harwicke), prefeito de Stuttgart e membro de um complô contra o Fürher. Apesar de não ter tido nenhuma participação no atentado de 20 de julho – pois estava convalescendo dos ferimentos que recebera quando seu carro foi metralhado por aviões aliados em 17 de julho de 1944 e esperando não somente se recuperar como também assumir outro comando -, sua conversa com conspiradores lhe valeu ser condenado à morte. Se aceitasse se suicidar, sua esposa Lucie (Jessica Tandy) e seu filho Manfred (William Reynolds) não seriam molestados e seu nome permaneceria imaculado. Após a morte de Rommel, Hitler mandou celebrar um enterro com todas as honras militares como se ele tivesse falecido em virtude dos ferimentos recebidos. Hathaway descreve o trágico destino de Rommel com objetividade usando tomadas de arquivo para reconstituir os combates na Libia e na Normandia e apresenta uma inovação: um prólogo antes dos créditos, mostrando a operação noturna dos comandos britânicos em uma tentativa de eliminar a “Raposa do Deserto”, por sinal uma sequência primorosa. Ele mantém a ação em ritmo rápido e vigor dramático enquanto James Mason interpreta Rommel com mestria, incutindo-lhe todo o fascínio que o militar célebre possuía.

Marilyn Monroe em Niagara

Torrentes de Paixão. Drama criminal com alguns temas noir tendo como pano de fundo onipresente as cataratas do Niagara. Em um motel próximo, chegam dois jovens recém-casados Polly e Ray Cutter (Jean Peters, Casey Adams). Lá eles conhecem um outro casal, Rose (Marlyn Monroe) e George Loomis (Joseph Cotten). Rose é uma jovem de sensualidade transbordante e George, mais velho do que ela e veterano da Guerra da Coréia, é ciumento e psicologicamente perturbado. Rosa convence seu amante (Richard Allen) a se desembaraçar de seu marido empurrando-o nas cachoeiras. Porém é George que consegue jogar seu adversário nas águas. Após ter igualmente assassinado sua mulher, George rouba uma lancha, sem saber que Polly estava a bordo. A embarcação fica sem gasolina e flutua em direção às cataratas. George consegue colocar Polly sobre um grande rochedo antes de chegar às cachoeiras, onde morre. Ela é resgatada por um helicóptero. Usando a paisagem bucólica e majestuosa das cataratas (admiravelmente   fotogradas sob todos os ângulos por Joe MacDonald) como pano de fundo para o desencadeamento das paixões e usando a cor de maneira funcional, Hathaway deu uma progressão dramática sólida à intriga, durante o desenrolar da qual surgem cenas admiráveis como George surpreendendo Rose com o amante;  George perseguindo Polly através das pontes  sobre as cataratas; o estrangulamento de Rose na Torre dos Sinos; as transparências excelentes tornando angustiantes as imagens da lancha sendo arrastada pelas águas revoltas.

Susan Hayward, Gary Cooper e Richard Widmark em Jardim do Pecado

Jardim do Pecado. Western cuja trama tem início quando Leah Fuller (Susan Hayward) contrata quatro aventureiros – Hooker (Gary Cooper), Fiske (Richard Widmark), Luke Daly (Cameron Mitchell) e Vincente (Victor Emanuel Mendoza) – para escoltá-la através do território indígena e resgatar seu marido, John (Hugh Marlowe), que está preso entre os escombros de uma mina de ouro. É uma viagem cheia de perigos até “o jardim do pecado”, onde crescem os antagonismos entre os componentes do grupo. Em torno do tema do poder maléfico do ouro, Hathaway constroí um western psicológico. À medida que o filme prossegue, os caracteres dos personagens vão se revelando. Por exemplo:  quais são os motivos exatos que ditaram a conduta de Leah: o ouro ou o amor? Os índios raramente aparecem. Mas estão sempre presentes, e esta sensação de ameaça permanente cria uma terrível apreensão.

Vera Miles, Van Johnson e Cecil Parker em A 23 Passos da Rua Baker

A 23 Passos da Rua Baker. Phillip Hannon (Van Johnson), autor teatral americano vítima da cegueira, foi morar em Londres, sentindo-se um inútil. Ele recebe a visita de sua ex-noiva, Jean (Vera Miles), mas despede-se dela abruptamente e se retira em busca de um lugar quieto para pensar. Em um pub, Hannon escuta uma conversa – embaralhada pelos ruídos de uma juke box -entre um homem chamado Evans e uma mulher sobre o que lhe parece um plano de sequestro de uma criança. A Scotland Yard atribui sua narrativa a um excesso de imaginação do dramaturgo.Convencido de sua interpretação, Hannon passa a investigar por conta própria, contando com a ajuda de seu criado e amigo Bob Mathews (Cecil Parker) e de Jean. Hathaway trata este argumento curioso e bem dosado de mistério, construindo uma atmosfera tensa e envolvente. Uma dimensão psicológica acompanha a trama: Hannon se apega desesperadamente a este caso para se sentir útil novamente preenchendo o vazio de sua vida. Dois momentos de suspense se destacam:  Hannon trancado por um homem no quarto de um prédio em ruínas que ameaça desabar e, no final, aguardando sozinho e desarmado a visita de Evans, usando a escuridão e o ruído de gravações para se defender do criminoso, cuja verdadeira identidade é uma surpresa.

Don Murray em Caçada Humana

Caçada Humana. Por ter matado acidentalmente um homem, o vaqueiro Tod Lohman (Don Murray) é perseguido pelo pai (R.G. Armstrong) e pelos irmãos da vítima. Tod encontra refúgio no rancho de Amos Bradley (Chill Wills), cuja filha, Juanita (Diane Varsi), se apaixona por ele. Um mercador (Jay C. Flippen) também o auxilia na fuga. Depois de muitas mortes, quando Tod impede que o último irmão sobrevivente (Dennis Hopper) seja queimado vivo, o pai põe fim à vendeta. Um caso de consciência renovando o tema da vingança: o herói pacífico vê-se obrigado a matar vários de seus perseguidores. O drama deste western é intenso porque a luta se converte em uma luta de princípios: o Bem contra o Mal, a serenidade contra a violência. Hathaway tem o senso do movimento e da narrativa cinematográfica, realizando um belo espetáculo ao qual não faltam tradicionais ingredientes do gênero como um estouro de manada, um ataque de Comanches e uma bela paisagem.

Na última fase de sua longa carreira Hathaway ainda realizou alguns westerns de inegável mérito cinematográfico. 1960 – Sete Ladrões / Seven Thieves, drama criminal com Edward G. Robinson, Rod Steiger, Joan Collins; Fúria no Alasca / North to Alaska. 1962 – A Conquista do Oeste / How the West Was Won ep.1 (Os Rios / The Rivers), 2 (As Planícies / The Plains e 5 (Os Renegados / The Outlaws), segmentos de um western épico com vários astros e estrelas. 1964 – O Mundo do Circo / Circus World, drama passado em um Wild West Show com John Wayne, Rita Hayworth, Claudia Cardinale. 1965 – Os Filhos de Katie Elder / The Sons of Katie Elder. 1966 – Nevada Smith / Nevada Smith. 1967 – O Último Safari / Last Safari. Aventura na África com Kaz Garas, Stewart Granger. 1968 – Poquer de Sangue / 5 Card Stud, western de mistério com Robert Mitchum, Dean Martin, Roddy McDowall. 1969 – Bravura Indômita / True Grit. 1970 – Os Comandos Atacam Rommel / Raid on Rommel, drama de guerra com Richard Burton. 1971 – O Parceiro do Diabo / Shoot Out, western com Gregory Peck, James Gregory. 1974 – Hangup, drama criminal com William Elliott, Marki Bey.

John Wayne, Stewart Granger e Capucine em Fúria no Alasca

Fúria no Alaska Northernwestern híbrido combinando aventura de faroeste com comédia, cuja ação começa em Nome no Alasca, onde Sam McCord (John Wayner), sócio de George Pratt (Stewart Granger) e seu irmão Billy (Fabian) encontram uma fortuna em pepitas de ouro. Sam vai a Seattle a fim de adquirir novo equipamento de mineração e a incumbência de trazer a francesa da qual George havia se tornado noivo por correspondência; mas a jovem havia se casado com um mordomo. Preocupado com a decepção do amigo, Sam resolve levar outra francesa, uma garota de cabaré, Michelle Bonnet, conhecida como Angel (Capucine). Na viagem, Angel se enamora de Sam e as coisas se complicam, ainda mais quando um trapaceiro, Frankie Cannon (Ernie Kovacs), decide apropriar-se da mina. Hathaway, com a precisão narrativa de sempre, realizou um filme eufórico e dinâmico, animado por lutas homéricas e bem divertidas em vários ambientes, sobressaindo a pancadaria final por toda a cidade.  Destaque para a balada interpretada pelo cantor de música folclórica Johnny Horton durante a apresentação dos créditos de abertura; a direção de arte de Duncan Cramer e Jack Martin Smith; e a fotografia de Leon Shamroy da bela paisagem da locação em Hot Creek, Calif.

Steve McQueen em Nevada Smith

Nevada Smith. Western em cuja trama o jovem mestiço de branco e índia, Max Sand (Steve McQueen), sai à procura de Jesse Coe (Martin Landau), Bill Bowdre (Arthur Kennedy) e Tom Fitch (Karl Malden), os três bandidos que assassinaram cruelmente seus pais. No caminho ele encontra um velho vendedor de armas, Jonas Cord (Brian Keith), que lhe dá lições de pontaria e de vida. Com a experiência adquirida, Max consegue eliminar Coe e depois Bowdre; mas quando se confronta com Fitch, sente um profundo desgosto e parte sem completar seu objetivo. O filme acrescenta ao tema muito explorado da vingança os elementos próprios do romance de folhetim histórico: intermediação de histórias paralelas (o episódio da prisão constitui ele próprio um relato completo); heroínas imediatamente eliminadas; justiceiro simpático, mas implacável, tipo Monte Cristo; esticamento da intriga por novos acontecimentos. Uma das melhores cenas é a fuga de Max da prisão – onde ele deu um jeito de ser internado para pegar um dos bandidos, fingindo-se de seu amigo – a bordo de uma canoa através do pântano na companhia do criminoso e de Pilar (Suzanne Pleshette), jovem cajun operária dos campos de arroz, que morre picada por uma cobra. A bela paisagem fotografada com esmêro por Lucien Ballard e uma trilha musical inspirada de Alfred Newman são outras atrações do espetáculo.

John Wayne em Bravura Indômita

Bravura Indômita. Western com humor, ternura e uma bela fotografia outonal providenciada por Lucien Ballard. A jovem Mattie (Kim Darby) contrata o Delegado veterano Rooster Cogburn (John Wayne) e um Texas Ranger, La Boeuf (Glen Campbell), para capturarem Tom Chaney (Jeff Corey), o assassino de seu pai. Apesar dos conselhos da dupla, a intrépida Mattie os acompanha na perseguição movimentada através do território indígena. O filme é um tributo à lenda de John Wayne, representada por aquela imagem de Rooster cavalgando com as rédeas entre os dentes, uma pistola em uma das mãos e um rifle na outra. Só que o herói clássico do western se tornou um velho rabugento e beberrão, que usa a estrela oficial de delegado, mas é motivado mais pelo dinheiro do que pelo desejo de justiça. Grande parte do divertimento vem das semelhanças óbvias entre Rooster e Mattie. A certa altura, diz Rooster: “Meu Deus, ela me faz lembrar de mim mesmo!”. Wayne conquistou afinal o Oscar de Melhor Ator.

HENRY HATHAWAY I

Profissional de estúdio tecnicamente habilidoso e dotado de invejável capacidade para expor a narrativa de forma espontânea e eficiente, ele dirigiu filmes memoráveis durante uma longa e prolífica carreira, alguns dos quais se tornaram clássicos. Sem deixar um estilo ou temática facilmente identificável, trabalhou em uma variedade de gêneros, alcançando sua melhor forma nos dramas de aventura ou criminais.

Henry Hathaway

Henri Léopold de Fiennes Hathaway (1898-1985) nasceu em Sacramento, Califórnia, filho de um ator e gerente de palco, Rhody Hathaway e de uma aristocrata belga nascida na Hungria, Marquesa Lillie de Fiennes, que ficou conhecida como atriz e escritora com o nome de Jean Hathaway. Ele iniciou sua carreira no cinema como ator infantil em westerns de Allan Dwan produzidos pela American Film Manufacturing Company, também conhecida como Flying “A” Studios. Sua carreira foi interrompida pela Primeira Guerra Mundial.  Após sua dispensa, voltou para Hollywood, onde trabalhou como assistente de direção ou diretor de segunda unidade em filmes de diretores como Josef von Sternberg, Victor Fleming, Fred Niblo, entre outros realizadores.

Randolph Scott em Herança das Estepes

Em 1932, estreou como diretor no western da Paramount, A Herança das Estepes / Heritage of the Desert, baseado em um romance de Zane Grey com Randolph Scott no papel principal, iniciando uma série de programmers (filmes de uma hora e poucos minutos de duração que podiam ocupar tanto a primeira como a segunda parte do programa duplo) com argumentos extraídos da obra do referido escritor, para a qual dirigiu mais seis westerns: 1932 – Audácia Entre Adversários / Wild Horse Mesa. 1933 – Maldade / The Thundering Herd; Simplório Ambicioso / Under the Tonto Rim; Na Pista do Criminoso / Sunset Pass; O Homem da Floresta / Man of the Forest; Rixa Antiga / To the Last Man. 1934 – O Último Assalto / The Last Round Up, todos com Scott a não ser o terceiro, protagonizado por Stuart Erwin.

Em 1934 Hathaway passou a dirigir filmes de maior porte (Fuzileiros da Fuzarca ou Galgos e Ninfas / Come on, Marines!  aventura de guerra nas Filipinas com Richard Arlen e Ida Lupino; Vontade Escrava / The Witching Hour, drama criminal de mistério com Guy Standing, John Halliday, Judith Allen e Agora e Sempre / Now and Forever, drama romântico musical com Gary Cooper, Carole Lombard, Shirley Temple) e em seguida realizou seus primeiros filmes importantes, sobressaindo os assinalados em negrito: 1935 – Lanceiros da Índia / The Lives of a Bengal Lancer; Amor sem Fim / Peter Ibbetson.  1936 – Amor e Ódio ou Amor e Ódio na Floresta / The Trail of a Lonesome Pine; Amores de uma Diva / Go West, Young Men, comédia tendo como foco uma estrela de cinema, um político e um mecânico com Mae West, Warren William e Randolph Scott.1937 – Almas no Mar / Souls at Sea. 1938 – Lobos do Norte / Spawn of the North, drama de aventura sobre a rivalidade entre pescadores de salmão no Alasca com George Raft, Henry Fonda e Dorothy Lamour. 1939 – A Verdadeira Glória / The Real Glory.

Gary Cooper, Franchot Tone e Richard Cromwell em Lanceiros da Índia

Lanceiros da Índia. Grande êxito de bilheteria na linha aventura de exaltação do Império Britânico. O enredo gira em torno de três oficiais (Gary Cooper, Franchot Tone, Richard Cromwell) que combatem no noroeste da Índia as forças do líder rebelde Mohammed Khan (Douglas Dumbrille). Hathaway reune ação e humor na justa medida e não deixa cair o ritmo desta eletrizante aventura militar até as cenas finais mais agitadas. Foram aproveitadas tomadas feitas por Ernest B. Schoedsack na Índia além das rodadas na região de Serra Nevada, ao norte de Los Angeles. O filme proporcionou indicações ao Oscar de Melhor Filme, Diretor, Roteiro, Montagem, Som, Assistente de Direção, saindo vencedores os ocupantes desta categoria, Clem Beauchamp e Paul Wing.

Gary Cooper e Ann Harding emAmor sem Fim

Amor sem Fim. Fantasia romântica e mística sobre um amor impossível baseada no romance de George Du Maurier, exaltada pelos surrealistas como um hino à liberdade de imaginação, à superioridade dos sonhos sobre a lógica e a razão. Dois namorados de infância Peter (Gary Cooper) e Mary (Ann Harding) se reencontram anos depois, mas ela está casada com um duque (John Halliday). A velha chama é reacesa e o duque, com ciúmes, atira em Peter, porém é morto por ele. Peter é condenado à prisão perpétua. Os anos passam, mas o amor continua a ser alimentado através dos sonhos de ambos até que morrem e se encontram no Além. Hathaway soube conduzir a narrativa muito bem e manter a atmosfera onírica enquanto o fotógrafo Charles Lang realçava a estranha beleza dos cenários naturais, que se tornaram fantásticos pelo emprego de filtros e películas especiais.

Amor e Ódio na Floresta. Drama romântico desenrolado em uma região selvagem nas montanhas do Kentucky, onde o engenheiro Jack Hale (Fred MacMurray) chega para construir uma ferrovia e se depara com uma rivalidade de longa duração entre duas famílias, os Tolliver e os Falin. Hale tenta uma conciliação entre as duas facções que lhe permitiria atravessar seus territórios respectivos para colocar os trilhos do futuro caminho de ferro. Após salvar a vida de Dave Tolliver (Henry Fonda), Jack conhece sua prima, June (Sylvia Sidney). June se apaixona por Jack, despertando a ira de Dave, que desejava casar-se com ela. Após alguns incidentes que resultam na morte de Buddie (Spanky McFarland), o irmãozinho de June, de Dave e de um dos Falins, os patriarcas dos dois grupos antagônicos celebram a paz. Hathaway nos mostra com eficiência cinematográfica a irrupção ambígua do mundo exterior em uma sociedade esquecida e isolada das montanhas, realizando não somente seu primeiro filme colorido como também o primeiro filme em exteriores feito com o technicolor de três cores. Em têrmos dramáticos sobressai a morte acidental de Buddie durante a dinamitação de uma ponte. A canção “A Melody From the Sky” de Louis Alter e Sidney Mitchell foi indicada para o Oscar.

 

George Raft, Frances Dee e Gary Cooper em Almas no Mar

Almas no Mar. Drama de aventura marítima que se inicia em 1842 na Inglaterra quando Michael “Nuggin” Taylor (Gary Cooper) está sendo julgado por ter se salvado, deixando para trás outras pessoas, durante o naufrágio do navio William Brown, que seguia rumo a Savanah na América. Ele é condenado, mas eis que surge um representante do governo britânico e revela que Taylor fôra convocado para uma missão que ajudaria a pôr fim ao tráfico de escravos. Com esta finalidade, partiu com seu amigo Powdah (George Raft) naquela embarcação em que viajavam também o tenente Stanley Tarrington (Henry Wilcoxon), cúmplice secreto dos traficantes, sua irmã Margaret (Frances Dee) e uma jovem doméstica, Babsie (Olympe Bradna), que desejava começar nova vida no continente americano. No percurso desenvolveram-se dois romances, Taylor com Margaret, Powdah com Babsie até ocorrer o naufrágio e a explicação da atitude de Taylor forçado a sacrificar algumas vidas diante de um estado de necessidade. Hathaway dirige com muita segurança, destacando-se a sequência emocionante do naufrágio e um lindo lance sentimental quando Powdah coloca o anel de casamento de sua mãe, que trazia na orelha, no dedo de Babsie moribunda. O filme possibilitou três indicações ao Oscar: Melhor Trilha Sonora, Direção de Arte e Assistente de Direção.

Gary Cooper em A Verdadeira Glória

Hathaway e Gary Cooper na filmagem de A Verdadeira Glória

A Verdadeira Glória. Drama de aventura histórica nas Filipinas no começo do século. Em 1906 o cruel Alipang (Tetsu Komai) e seus guerrilheiros Moros aterrorizam a população de Mindanao.  O exército de ocupação americano retira-se da ilha, deixando apenas um grupo de militares, que terão a tarefa de treinar os nativos para enfrentarem os revoltosos. Entre os oficiais escolhidos estão os capitães Hartley (Reginald Owen) e Manning (Russell Hicks), os tenentes McCool (David Niven) e “Sweede” Larsen (Broderick Crawford) e o médico da Marinha, Bill Canavan (Gary Cooper). Alipang envia seus fanáticos para assassinar os oficiais e mantém um de seus homens, o Datu (Vladimir Sokoloff), infiltrado no forte, fingindo-se de amigo dos americanos e com a missão de atraí-los para uma emboscada na floresta. Sucedem-se vários incidentes dramáticos, entre eles uma epidemia de cólera provocada pelos insurgentes  e o combate final com Canavan lançando bastões de dinamite sobre os atacantes enquanto os reforços chegam em balsas de madeira pelo rio. Durante um intenso tiroteio, é justamente um rapaz nativo que trava uma luta mortal contra Alipang, usando sua espingarda para se defender da espada do temível líder rebelde e consegue matá-lo a coronhadas.

Nos anos quarenta, Hathaway realizou uma quantidade de filmes marcantes, principalmente na 20th Century-Fox e na Paramount: 1940 – Johnny Apollo / Johnny Apollo; O Filho dos Deuses / Brigham Young, drama biográfico sobre um líder Mormon com Dean Jagger no papel principal. 1941 – O Morro dos Maus Espíritos / The Shepherd of the Hills; Quando Morre o Dia / Sundown, drama de guerra na Africa durante a Segunda Guerra Mundial com Gene Tierney, Bruce Cabot, George Sanders. 1942 – Dez Cavalheiros de West Point / Ten Gentlemen of West Point, drama histórico a respeito da famosa Academia Militar com George Montgomery e Maureen O´Hara; Paixão Oriental / China Girl, drama de guerra no Oriente durante a Segunda Guerra Mundial com Gene Tierney e George Montgomery. 1943 – Amor Juvenil / Home in Indiana., drama de aventura e romance passado no ambiente de corridas de cavalos com Walter Brennan, Jeanne Crain, Lon McCallister. 1944 – Uma Asa e uma Prece / Wing and a Prayer, drama de guerra focalizando a Aviação Naval durante a Segunda Guerra Mundial com Don Ameche e Dana Andrews; Beijos Roubados / Nob Hill, drama romântico e musical em torno de um dono de uma boate e uma socialite de um bairro nobre de San Francisco; 1945 – A Casa da Rua 92 / The House on 92nd Street; Envôlto nas Sombras / The Dark Corner. 1946 – 13 Rua Madeleine / Rue Madeleine 13. 1947 – O Beijo da Morte / Kiss of Death. 1948 Sublime Devoção / Call Northside 777. 1949 – Capitães do Mar / Down to the Sea in Ships, drama de aventura marítima com Richard Widmark, Lionel Barrymore e Dean Stockwell.

Loretta Young e Tyrone Power em Johnny Apollo

Johnny Apollo. Drama criminal combinado com melodrama começando quando o corretor da Bolsa de Valores Robert Cain (Edward Arnold) é preso por desfalque. Seu filho universitário, Bob (Tyrone Power), recrimina suas ações desonestas e rompe todas as relações com ele.  Cain é condenado a dez anos de prisão. Bob, que tinha uma vida rica e protegida, agora tem que lidar com a vergonha e a falta de dinheiro. Os amigos de seu pai o evitam e ninguém quer lhe dar emprego, porque seu pai está na cadeia. Eventualmente, ele conhece o gângster Mickey Dwyer (Lloyd Nolan) e, sob o nome de Johnny Apollo, entra para o seu bando. Logo, como resultado dos golpes praticados, Dwyer, Johnny e Bates (Marc Lawrence), assistente de Dwyer, são presos e encarcerados na mesma prisão em que está Cain que, a caminho da regeneração, ocupa agora o cargo de supervisor. Dwyer planeja uma fuga porém, avisado por Lucky (Dorothy Lamour), jovem cantora de cabaré por quem Bob se afeiçoou, Cain tenta detê-los. Quando Dwyer dispara sua arma em Cain, Bob tem que escolher entre fugir ou socorrer o pai. Ele escolhe ajudar o pai, luta com Dwyer, mas é derrubado por Bates. Neste instante, os guardas encurralam e matam os dois bandidos. Cain e Bob cumprem suas penas e saem da prisão aguardados por Lucky. História interessante (embora com situações implausíveis), direção sólida de Hathaway e intérpretes conscientes de seus papéis garantem um bom espetáculo, que culmina com as cenas empolgantes da tentativa de evasão.

Harry Carey e John Wayne em O Morro dos Maus Espíritos

O Morro dos Maus Espíritos. Melodrama famíliar em ambiente rural no seio de uma comunidade totalmente supersticiosa onde predominam a ignorância e o rancor. Nas Montanhas Ozark, Jim Lane (Tom Fadden) é alvejado pelas autoridades enquanto vigiava uma destilaria ilegal mantida pela família Matthews. Ele é salvo quando um estranho, Daniel Howitt (Harry Carey), aparece e ajuda a filha de Lane, Sammy (Betty Field), a retirar as balas do corpo de seu pai. Howitt manifesta o desejo de adquirir terras na comunidade e Sammy, que está apaixonada pelo jovem Matt Matthews (John Wayne), sugere que Howitt compre uma propriedade da família Matthews. O tio de Matt, Old Matt (James Barton) e a tia Mollie (Beulah Bondi) ficaram na miséria desde a morte da irmã de Mollie, Sarah, mão do jovem Matt. Este vive amargurado porque a comunidade culpou sua família e o fantasma de sua falecida mãe por todos os males porque está passando e jurou vingança contra seu pai que, anos atrás, abandonou o lar, precipitando a morte de sua progenitora. Contra a vontade do jovem Matt, Howitt adquire a Mooning Meadows, sítio onde Sarah está enterrada, que dizem ser assombrado pelo espectro de Sarah. Sammy convence Matt a fazer amizade com Howitt, que não é outro senão o seu pai, que ele jurara matar. Afinal, Matt fica sabendo da verdadeira identidade de Howiit, os dois se confrontam, e Howitt fere seu filho. Após ter tido a vida salva, Matt fica sabendo que seu pai fôra preso por ter matado um homem e não pôde voltar para casa porque estava preso. Ouvindo seu pai falar o jovem abandona seu desejo de vingança e abre seu coração para o amor e para Sammy. Grande paisagista, Hathaway explora muito bem os esplêndidos cenários naturais, visualizados em soberbo technicolor, e mantém esta história digna de uma tragédia grega em um clima angustiante. Difícil esquecer as imagens da tia Mollie traçando um círculo de fogo em torno de seu filho morto, o incêndio da casa e a cega Granny Becky  (Marjorie Main) recobrando a visão e se lembrando-se  de repente de todos os segredos do passado bem como da pescaria reunindo Matt e seu pai e o plano fixo de Matt chegando no fundo do quadro para cumprir sua vingança e o duelo que se segue no meio da pradaria.

William Eythe e ,Signe Hasso (à direita) e em A Casa da Rua 92

A Casa da Rua 42. Drama de espionagem no qual um jovem universitário de origem alemã, William Dietrich (William Eythe), recentemente instalado nos EUA, em concordância com o FBI, parte para fazer um estágio em uma escola de formação de espiões nazistas em Hamburgo. Ao retornar, torna-se operador de rádio na rêde de um misterioso Mr. Christopher, cujo quartel é uma casa de modas na Rua 92 de Nova York, administrada por Elza Gebhart (Signe Hasso). No decorrer da intriga, trabalhando em ligação com o Inspetor Briggs (Lloyd Nolan), ele desbarata a malha de agentes secretos germânicos que tentava ter acesso aos segredos da bomba atômica e a verdadeira identidade de Mr. Christopher se revela. Abraçando o estilo semidocumentário da série A Marcha do Tempo / The March of Time do produtor Louis de Rochemont, Hathaway usou um narrador (Reed Hadley) em voz over, tomadas de arquivo feitas pelo próprio FBI, atores não profissionais e filmou em locações, conseguindo desta forma dar realismo aos fatos narrados repletos de elementos de suspense e mistério, que acompanhamos com muito prazer.  Charles G. Booth ganhou o Oscar de Melhor História Original.

Lucille Ball e Mark Stevens  em Envolto nas Sombras

Envolto nas Sombras. Drama criminal noir tendo como personagem central o detetive particular Bradford Galt (Mark Stevens). Libertado da prisão após ter sido incriminado falsamente pelo ex-sócio, Tony Jardine (Kurt Kreuger), ele pressente que está sendo seguido por um homem de terno branco (William Bendix). Galt suspeita de que o homem tenha sido contratado por Jardine, mas ele é na realidade empregado do mercador de arte Hardy Cathcart (Clifton Webb). Cathcart espera fazer com que Galt mate Jardine porque este é amante de sua esposa Mari (Cathy Downs). Porém Galt e sua dedicada secretária Kathleen (Lucille Ball) encontram uma pista e descobrem que Cathcart é quem está por trás de todo o esquema. Hathaway e o fotógrafo Joseph MacDonald tiraram efeitos particularmente eficientes da iluminação noire, por exemplo na cena em que o capanga de Cathcart ataca Galt pelas costas, entorpece-o com clorofórmio e depois elimina Jardine e deixa o cadáver deste ao lado do corpo desacordado do detetive para dar a impressão de que os dois lutaram e Galt o matou. Sem saber como isto ocorreu nem o por quê, Galt cai em profunda prostração e lamenta: “Sinto-me completamente morto por dentro. Estou andando para trás em uma esquina escura e não sei quem está me atingindo”, um gemido tipicamente noir.

Annabella e James Cagney em 13 Rua Madeleine 

13 Rua Madeleine. Drama de guerra durante o Segundo Conflito Mundial. Neste contexto, Charles Gibson (Walter Abel) e Robert Emmett Sharkey (James Cagney)         selecionam candidatos para uma unidade secreta de inteligência. O grupo de Sharkey compreende Suzanne de Bouchard (Annabella), Bill O´Connell (Richard Conte) e Jeff Lassiter (Frank Latimore). Gibson informa a Sharkey que O´Connell é um espião nazista chamado Wilhelm Kuncel e, após um período de treinamento, planeja enviar Kuncel para Alemanha levando dados falsos sobre a invasão aliada enquanto Jeff e Suzanne iriam para a França. Kuncel descobre o logro e mata Jeff. Sharkey então cai de paraquedas na França para continuar o trabalho de Jeff. Ele executa bem sua missão, mas é preso e torturado por Kuncel. Gibson não tem alternativa senão ordenar o bombardeio da Rua Madeleine 13 onde Sharkey está preso e quando as bombas começam a cair, Sharkey rí nervosamente em triunfo diante de Kuncel, sabendo que os segredos do Dia-D morrerão com ele. Hathaway imprimiu um ritmo ágil à narrativa deste filme de espionagem, criando boas cenas como as da aprendizagem dos novos espiões e a queda livre de Jeff após Kuncel ter cortado as cordas de seu paraquedas, contando com a esmerada fotografia em preto e branco de Norbert Brodine e atuações marcantes de Cagney e Conte.

Brian Donlevy, Richard Widmark e Victor Mature em O Beijo da Morte

Richard Widmark em O Beijo da Morte

O Beijo da Morte. Drama criminal conjugando o estilo semidocumentarista com elementos noir (herói angustiado, prisioneiro do seu passado, vilão psicopata, cinismo e falsa moral na apologia da delação, narração em voz over, fotografia estilizada). Depois de roubar uma joalheria, Nick Bianco (Victor Mature) é preso. D´Angelo (Brian Donlevy), assistente do Promotor Público, oferece-lhe a redução da pena, se prestar informações sobre outros criminosos. Ao saber do suicídio da esposa, ele testemunha contra Tommy Udo (Richard Widmark), um assassino sádico, mas o facínora é absolvido. Sabendo que Udo vai se vigar, Nick manda as filhas para um lugar seguro e arma uma cilada para o bandido. A história é entremeada de suspense (a cena no elevador após o assalto: o medo de Bianco dentro do quarto escuro; no epílogo, Udo esperando-o dentro do carro na porta do restaurante para matá-lo) e exposta em uma calma sucessão de imagens. Richard Widmark cria admiravelmente o tipo do assassino perverso e sorridente, cujo furor irrompe na morte da velha paralítica amarrada na cadeira de rodas e jogada escadas abaixo, uma cena antológica no gênero criminal.

James Stewart e Richard Conte em Sublime Devoção

Sublime Devoção. Drama criminal em chave de semidocumentário com alguns temas do filme noir. Uma mulher coloca um anúncio classificado em um jornal de Chicago oferecendo cinco mil dólares por uma informação que possa levar à libertação de seu filho, Frank Wiecek (Richard Conte), condenado pelo assassinato de um guarda. O redator-chefe do Chicago Times lê o anúncio e manda o repórter McNeal (James Stewart) investigar. Ele descobre que a mulher vem limpando assoalhos há onze anos, economizando cada centavo, para ter a condição de oferecer aquela quantia. O jornal então se envolve em uma cruzada pela libertação do rapaz. Existe o tema noir do “homem errado”, porém a ênfase do filme não está na paranoia da vítima prejudicada por um erro judicial, mas sim o drama de consciência do repórter que, do sensacionalismo das manchetes, volta-se para a busca da verdade, na sua investigação laboriosa apoiada pela tecnologia. Há um aspecto dark na intransigência burocrática da polícia, nas pressões políticas que o jornal sofre durante a sua campanha e ainda na obstinação da testemunha em manter seu depoimento mesmo confrontada com a verdade. A iluminação raramente é expressionista, todavia a cidade onde transcorre a ação tem uma aparência depressiva, assim como a própria história Hathaway desenvolve a narrativa com uma sobriedade e um distanciamento impressionantes, inclusive no clímax científico, sem dramaticidade.

 

 

 

 

OS FILMES DE MIRIAM HOPKINS

Embora tenha sido aclamada pela crítica e pelo público durante sua longa carreira, ela é lembrada como uma das atrizes mais temperamentais da Idade de Ouro de Hollywood, por causa de seus conflitos com donos de estúdio, pelas intromissões no trabalho de seus diretores e colegas, usando, por exemplo, quanto a estes últimos sua tática para ofuscá-los movimentando-se diante da câmera com a intenção de forçá-los a saírem de cena. Na verdade Miriam ere perfeccionista e quando confiava no seu diretor e colegas, tornava-se uma companheira ideal nas filmagens. Leitora assídua e patrona das artes, suas amizades incluíam escritores e intelectuais como Theodore Dreiser, Dorothy Parker, Gertrude Stein, Tennessee Wiliams. Na sua vida amorosa teve quatro maridos e dezenas de amantes entre eles alguns diretores: King Vidor, Anatole Litvak (com quem se casou) e Fritz Lang (só por uma noite durante uma viagem de trem). Em 1932, quando a adoção monoparental era ilegal na maioria dos estados americanos, ela adotou uma criança entre dois casamentos. Miriam adorava seu filho Michael e sempre o chamava de o homem mais importante de sua vida.

Miriam Hopkins

Ellen Miriam Hopkins (1902-1972) nasceu no seio de uma família rica em Savannah, Georgia, filha de Homer Ayres Hopkins e Ellen Dickinson Cutter, e criada em Bainbridge. Ela foi matriculada nas melhores instituições de ensino inclusive o Seminário Goddard em Plainfield, Vermont e na Universidade de Syracusa no Estado de Nova York. Aos vinte anos de idade de idade, quando estava estudando dança em Nova York, teve seu primeiro contato com o palco como corista em musicais da Broadway e depois fez também papéis dramáticos em peças como An American Tragedy, baseada no livro de Theodore Dreiser, Lysistrata de Aristófanes e tantas outras. Em 1930 resolveu tentar o cinema assinando contrato com a Paramount depois de ter aparecido em um curta-metragem, The Home Girl / 1928, dirigido por Edmond Lawrence e produzido no seu Astoria Studios na Costa Leste.

Miriam Hopkins, Maurice Chevalier e Claudete Colbert em O Tenente Sedutor

Logo em seguida ao seu primeiro longa-metragem na Paramount, Fast and Loose (Dir: Fred Newmeyer) comédia romântica com Carole Lombard, Frank Morgan, Charles Starrett, Harry Wadworth, Ilka Chase, Miriam teve a grande chance de se encontrar sob as ordens de Ernst Lubitsch em O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant / 1931, excelente opereta, impregnada daquele humor atrevido e malicioso que caracteriza o famoso toque do grande diretor berlinense. A intriga é tipicamente lubitscheana: oficial da guarda palaciana, Tenente Niki (Maurice Chevalier), interrompe o idílio com a bela violinista e chefe de orquestra Franzi (Claudette Colbert), quando recebe ordens de se casar com a Princesa Anna (Miriam Hopkins). A violinista fica com pena de sua desajeitada rival e lhe ensina como proceder para ganhar a afeição do futuro marido. Chevalier, Miriam e Claudette formam o triângulo com muita verve cômica e o espetáculo concorreu ao Oscar de Melhor Filme.

Fredric March e Miriam Hopkins em O Médico e o Monstro

Ainda em 1931, depois de atuar em Vinte Quatro Horas / 24 Hours (Dir: Marion Gering), drama criminal com Clive Brook, Regis Toomey, Kay Francis, Miriam recebeu orientação de outro cineasta importante, Rouben Mamoulian, em O Médico e o Monstro / Dr. Jekyll and Mr. Hyde, a melhor versão da história de Robert Louis Stevenson. Ao lado de Fredrich March no papel duplo de Jekyll e Hyde (que lhe deu o Oscar, empatado com Wallace Beery), ela teve um excelente desempenho como Ivy Pearson, a garota do cabaré aterrorizada por Hyde. Realizado antes de a censura endurecer, o filme pôde mostrar sem subterfúgios o desejo carnal reprimido do médico e as insinuações sexuais da garçonete, sendo memorável a fusão da perna de Miriam, balançando na cama. A inventiva troca de filtros coloridos para revelar diferentes camadas da maquilagem de March na cena de transformação dele diante nossos olhos; o uso funcional das cortinas diagonais, da câmera subjetiva   e da trilha de som; o claro-escuro de Karl Struss, confirmaram o gênio criativo de Mamoulian, em fase cintilante.

Em 1932, após confirmar sua versatilidade e forte personalidade em três filmes irrelevantes – Mulheres Suspeitas / Two Kinds of Women (Dir: Wiliam C. de Mille), drama com Phillips Holmes, Irving Pichel; Dançando no Escuro / Dancers in the Dark (Dir: David Burton) com Jack Oakie, William Collier Jr.; O Tigre do Mar Negro / The World and the Flesh (Dir: John Cromwell) drama histórico com George Bancroft, Alan Mowbray -, Miriam distinguiu-se novamente sob o comando de Ernst Lubitsch em Ladrão de Alcova / Trouble in Paradise, comédia sofisticada de alto nível na qual dividia o estrelato com Herbert Marshall e Kay Francis. Gaston Monescu (Herbert Marshal) e Lily (Miriam Hopkins) são dois ladrões cosmopolitas que pretendem furtar as jóias de Mariette Colet (Kay Francis), empregando-se em sua casa. Depois de muitos imprevistos, finura e mordacidade, termina esta farsa mundana, deliciosamente cínica e amoral, um dos filmes prediletos do diretor em matéria de puro estilo.

Kay Francis, Herbert Marshal e Miriam Hopkins em Ladrão de Alcova

Em 1933, antes da criação do severo Código de Produção, Miriam participou de Levada à Força / The Story of Temple Drake (Dir: Stephen Roberts), drama baseado no romance “Sanctuary” de William Faulkner, obra considerada imoral pelos puritanos (entre outros motivos a descrição do estupro de uma jovem com uma espiga de milho por um gângster impotente chamado Popeye), que protestaram contra a filmagem. A Paramount deu novo título ao filme, assegurou que faria mudanças no enredo, e a produção foi iniciada com Jack LaRue no papel do estuprador (agora não mais um gângster impote nte, mas sim um contrabandista conhecido como Trigger) e Miriam como Temple Drake – neta de um magistrado de uma cidade sulista que gostava de seduzir os rapazes fazendo-os pensar que ia se entregar -, como a moça violentada e depois mantida prisioneira em um prostíbulo pelo vilão, que acaba matando. A cena do estupro (desenhada em esquetes de story board por Jean Neguleso, então consultor técnico do filme) não é mostrada. Quando Trigger se aproxima de Temple a tela escurece e ouve-se apenas um grito de terror. Miriam considerava Temple Drake um dos melhores papéis que interpretou e, de fato, deu-nos uma de suas performances mais vigorosas.

Miriam Hopkins e Jack LaRue em Levada à Força

No mesmo ano, a lourinha dinâmica (como era então chamada pelos fãs brasileiros) participou de outro filme ousado, Sócios no Amor / Design for Living, pois o enredo, utilizando somente a situação básica da peça de Noel Coward, tratava de um ménage-a-trois entre uma desenhista industrial, Gilda Farrell (Miriam Hopkins) e dois artistas promissores, o escritor Tom Chambers (Fredric March) e o pintor George Curtis (Gary Cooper). Para driblar os censores, o diretor Ernst Lubitsch empregou sua figura de retórica favorita, a elipse, de maneira brilhante, expondo com argúcia os novos e audaciosos diálogos do adaptador-roteirista Ben Hecht. Miriam era a atriz predileta de Lubitsch e atribuia o sucesso de sua carreira à influência do grande cineasta germânico.

Lubitsch dirigindo Gary Cooper, Miriam e Fredric March em Sócios no Amor

Em um terceiro filme de 1933 que Miriam fez emprestada para a MGM, Felicidade Proibida / The Stranger´s Return, ela teve oportunidade de trabalhar com outro cineasta altamente conceituado, King Vidor. No enredo, Louise Storr (Miriam Hopkins) deixa a cidade de Nova York para ficar na fazenda de seu avô (Lionel Barrymore) em PIttsville, Iwoa. Lá encontra uma alma gêmea na pessoa de um vizinho casado, Guy Crane (Franchot Tone), rapaz educado na Universidade de Cornell. Guy confessa seu amor por Louise, mas como não deseja abandonar a esposa, aceita um cargo de professor em Cornell e deixa o campo enquanto Louise, que viera da cidade, tendo herdado a propriedade do avô, encontra suas raízes no ambiente rural. Vidor capta muito bem a atmosfera simples da vida campestre, William Daniels incute poesia nos fotogramas e os três intérpretes centrais dão calor humano aos seus personagens neste drama delicado e sentimental.

Franchot Tone e Miriam Hopkins em Felicidade Proibida

Miriam fez mais dois filmes na Paramount (Toda Tua / All of Me / 1934 (Dir: James Flood), drama baseado na peça “Chrysalis” de Rose Albert Porter com Fredric March, George Raft, Helen Mack e Demônio Louro / She Loves me Not / 1934 (Dir: Elliott Nugent), comédia com Bing Crosby, Kitty Carlisle, Edward Nugent); um na RKO, A Pequena Mais Rica do Mundo / Richest Girl in the World / 1934 (Dir: William A. Seiter), comédia com Joel McCrea, Fay Wray; e um para a Pioneer, distribuído pela RKO: Vaidade e Beleza / Becky Sharp / 1935 (Dir: Rouben Mamoulian, após o falecimento de Lowell Sherman), adaptação do romance de “Vanity Fair” de William Thackeray com Frances Dee, William Faversham, Cedrick Hardwicke. Este último merece destaque por ter sido o primeiro filme de longa-metragem realizado integralmente no processo Technicolor de três cores e pelo uso pioneiro da cor com fins dramáticos, notadamente na sequência do baile da Duquesa de Richmond às vésperas de Waterloo, quando os tons azuis, verdes e amarelos vão gradualmente cedendo lugar na tela para o vermelho. Além da beleza pictórica, houve perfeita representação dos personagens descritos na crônica de costumes de Thackeray, mas faltou dramaticidade. Miriam foi indicada para o Oscar e os espectadores puderam ver seus lindos olhos azuis.

Miriam Hopkins e Frances Dee em Becky Sharp

Em 31 de agosto de 1934, Miriam havia assinado contrato com Samuel Goldwyn, mas este permitiu que ela fizesse Vaidade e Beleza para a Pioneer até encontrar um script apropriado para sua nova atriz contratada. Assim foi somente a partir de 1935 que ela começou a trabalhar para Goldwyn em quatro filmes: 1935 – Duas Almas se Encontram / Barbary Coast (Dir: Howard Hawks), drama e aventura com Edward G. Robinson, Joel McCrea, Walter Brennan, Brian Donlevy; Vende-se uma Mulher / Splendor (Dir: Elliott Nugent), comédia romântica com Joel McCrea, Helen Westley, Billie Burke, Paul Cavanagh. 1936 – Infâmia / These Three (Dir: William Wyler), drama com Merle Oberon, Joel McCrea, Bonita Granville, Catherine Doucet. 1937 – Quando Mulher Persegue Homem / Woman Chases Man (Dir: John Blystone), comédia com Joel McCrea, Charles Winninger, Broderick Crawford.  Entre estes sobressai o filme de William Wyler, versão da peça “The Children´s Hour” de Lillian Hellman, com roteiro dela própria, extirpando o lesbianismo, a fim de burlar o Hays Office. O verdadeiro tema, no entanto, como explicou Lillian ao produtor Samuel Goldwyn, é o poder da mentira, dita no filme por uma aluna (Bonita Granville) que acusa falsamente uma professora (Miriam Hopkins) de estar namorando o noivo (Joel McCrea) da outra (Merle Oberon) e com isso arruinando a escola para moças que elas fundaram. Interpretações soberbas  de Hopkins, Oberon e McCrea compondo o triângulo vítima da intrigante e também de Granville, que foi indicada  ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante aos quatorze anos de idade.

Na década de trinta Miriam fez ainda: com permissão de Goldwyn, um filme para a London Film, Os Homens Não São Deuses / Men Are Not Gods / 1936 (Dir: Walter Reisch), comédia dramática com Gertrude Lawrence, Rex Harrison, Sebastian Shaw; mais dois para a RKO, Inferno entre Nuvens / The Woman I Love / 1937 (Dir: Anatole Litvak), drama baseado no romance “L´Equipage” de Joseph Kessel, com Paul Muni, Louis Hayward, Colin Clive e Wise Girl / 1937 (Dir: Leigh Jason), comédia com Ray Milland, Margaret Dumont; e seu primeiro filme na Warner Bros., Eu Soube Amar  / The Old Maid /1939 (Dir: Edmund Goulding), melodrama materno com Bette Davis, George Brent, Donald Crisp, Mary Bryan, Louise Fazenda.

Miriam Hopkins e Bette Davis em Eu Soube Amar

 

Absorvente do início ao fim, este último avulta entre os demais pelas primorosas atuações das duas atrizes sob a direção precisa de Goulding e ainda tem a bela partitura de Max Steiner e a apurada fotografia de Tony Gaudio.  Bette é Charlotte Lovell, a jovem que tem uma filha ilegítima e a entrega para ser criada por sua prima Delia, vivida por Miriam. Esta, apesar de ter se casado com outro, ainda amava o ex-noivo (George Brent), pai da criança. Este morre e Charlotte dá a luz em segredo. O marido de Delia por sua vez é morto em um acidente. Charlottte e sua filha Tina (Jane Bryan) vão morar com Delia. Tina está convencida que Delia é sua mãe e Charlotte sua tia. A fim de que Tina, filha natural, possa se casar, Delia propõe adotá-la. Charlotte aceita, com a morte na alma.

Nos anos quarenta, Miriam fez mais três filmes na Warner (Caravana do Ouro / Virginia City / 1940 (Dir: Michael Curtiz), western com Errol Flynn, Randolph Scott, Humphrey Bogart; A Mulher de Cabelos Vermelhos / Lady With Red Hair / 1940 (Dir: Curtis Bernhardt), drama biográfico com Claude Rains, Richard Ainley, Laura Hope Crews; Uma Velha Amizade / Old Acquaintance / 1943 (Dir: Vincent Sherman), comédia sentimental baseada na peça de John Van Druten com Bette Davis, Gig Young, John Loder, Dolores Moran) e um para a Edward Small Productions, Um Cavalheiro da Noite / A Gentleman After Dark / 1942 (Dir: Edwin L. Marin), drama criminal  com Brian Donlevy, Preston Foster.

Bette Davis e Miriam Hopkins em Uma Velha Amizade

Em Uma Velha Amizade, o melhor de todos, Miriam dividiu novamente o estrelato com Bette Davis. Elas são duas amigas de infância: Katherine “Kit” Marlowe (Bette), romancista séria respeitada pelos críticos, mas pouco lida; a outra, MIldred “Millie” Burke (Miriam), autora de romances de amor populares que vendem bem. Apesar de suas rivalidades e temperamentos diferentes elas continuam amigas através dos tempos, mesmo depois que Millie descobriu que seu marido estava secretamente apaixonado por Kit. Anos mais tarde, sozinhas e reconciliadas, ela enfrentam juntas a idade madura e resolvem escrever um romance sobre sua velha amizade.

Miriam Hopkins e Oliva de Havilland em Tarde Demais

Durante cinco anos, Miriam, exceto uma rara oferta de filme que nunca se materializou, Miriam trabalhou nos palcos da Broadway ou viajando pelo país em uma peça ou outra até que, em 1949 foi chamada por William Wyler para fazer na Paramount um papel coadjuvante em Tarde Demais / The Heiress, drama psicológico baseado no romance “Washington Square” de Henry James. O filme conta a história de Catherine Sloper (Olivia de Havilland), jovem tímida e sem atrativos menosprezada pelo pai, Dr. Sloper (Ralph Richardson), um médico próspero e cortejada por um caçador de dotes, Morris Towsend (Montgomery Clift). Ao descobrir os verdadeiros sentimentos de seu progenitor e do noivo, Catherine torna-se dura, intransigente, vingativa. Miriam faz a tia excêntrica de Catherine, Lavinia Penniman, que estimula o namoro entre a sobrinha e o rapaz mal-intencionado. Wyler expõe o drama com esplêndido discernimento cinematográfico, mantendo o ritmo vivo e extraindo dos intérpretes o máximo de expressividade. São inesquecíveis a cena da filha sentada em frente da casa no instante em que o pai está morrendo e o final com o noivo batendo desesperadamente na porta de Olivia. A produção suscitou oito indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Atriz (Olivia de Havilland), Ator Coadjuvante (Ralph Richardson), Foto (preto-e-branco), Música de filme não musical, Direção de Arte (preto-e-branco), Figurinos (preto-e-branco). Ganharam: Olivia de Havilland, Aaron Copland, Harry Horner e John Meehan, Edith Head e Gile Steele.

Nos anos cinquenta, Miriam continuou atuando apenas como coadjuvante em O Quarto Mandamento / The Mating Season / 1951 / Paramount (Dir: Mitchell Leisen), comédia dramática com Gene Tierney, John Lund. Thelma Ritter; Párias do Vício / The Outcasts of Poker Flat / 1952 / Twentieth Century Fox (Dir: Joseph M. Newman), western com Anne Baxter, Dale Robertson, Cameron Mitchell; Perdição por Amor / Carrie /1952 / Paramount (Dir: William Wyler), drama romântico com Laurence Olivier, Jennifer Jones, Eddie Albert.

Nos seus quatro  derradeiros filmes na década de sessenta, atuou ainda mais duas vezes como supporting player (Infâmia / The Children´s Hour / 1961 / Mirisch-UA (Dir: William Wyler, refilmagem com Audrey Hepburn, Shirley MacLaine, James Garner, Fay Bainter; Caçada Humana / The Chase / 1966 / Columbia (Dir: Arthur Penn), drama criminal com Marlon Brando, Jane Fonda, Robert Redford, Angie Dickinson) e apareceu nos créditos como atriz principal em dois filmes: como uma cafetina na comédia Fanny Hill: Memoirs of a Woman of Pleasure / 1964 / Central Cinema Company / Pan World (Dir: Russ Meyer) e como uma ex-estrela de Hollywood envelhecida no thriller de horror O Intruso / Savage Intruder / 1969 / Congdon Productions  (Dir: Donald Wolfe).

Miriam faleceu em 9 de outubro de 1972 aos 69  anos de idade, de um ataque do coração. Seu corpo foi cremado e as cinzas enterradas no Oak City Cemetery de Baindbridge na Georgia. O epitáfio que ela escolheu era uma parafraseada citação de Shakespeare do “Hamlet”: “Good night sweet princess, and flights of angels sing thee to thy rest! (Boa-noite, amada príncesa, revoadas de anjos cantando te acompanhem ao teu repouso!”.

O CINEMA DA FRENTE POPULAR E O REALISMO POÉTICO

A Frente Popular foi uma maioria parlamentar – nascida de uma coalizão da esquerda composta por comunistas, socialistas e radicais -, eleita no final da primavera de 1936, que apoiou o primeiro governo de Leon Blum (1936-1937), líder parlamentar da SFIO (Section Française de l’Internationale Ouvrière). Foi também uma corrente profunda que circulou na sociedade francesa, sustentada por jornalistas, escritores, artistas e cineastas, despertando grandes esperanças na classe operária, pois significava a introdução das massas na vida política.

Leon Blum

Os estudiosos de cinema empregam a expressão Cinema da Frente Popular para designar a atividade cinematográfica durante esse período; porém, com exceção dos filmes de Jean Renoir, poucos então produzidos se aproximam daquele fenômeno tão importante, que trouxe o retorno de um gosto pelo trabalho e pela vida, de uma crença no progresso e na fraternidade. Dessarte, a Frente Popular não engendrou um importante movimento cinematográfico, mas se manifestou no cinema de três maneiras: pela agitação cultural, produção militante e impulsão dada ao realismo poético.

Os cineclubes da época, Les Amis de Spartacus, fundado pelo crítico de cinema Léon Moussinac, Les Amis de la Bellevilloise, dirigido, entre outros, pelo roteirista Jean-Paul Dreyfus (que se tornaria o diretor Jean-Paul le Chanois), e sobretudo os clubes da Association France-URRS, desempenharam um papel significativo na ascenção da Frente Popular bem como no aparecimento de novos tipos de associações que iriam aproximar o público e o mundo do cinema. Foi o caso da AEAR – Association des Écrivains et Artistes Révolutionnaires, criada em março de 1932 tendo como secretário-geral o líder comunista Paul Vaillant-Couturier e que publicou, a partir de 1933, a revista cultural Commune, na qual Georges Sadoul faria sua estréia como crítico cinematográfico em 1936. A seção de cinema da AEAR completava a ação dos cineclubes, organizando algumas projeções de filmes proibidos para um círculo de intelectuais e de profissionais de cinema.

Depois de 1936, surgiu uma nova organização, Ciné-Liberté, que se propôs a produzir, em cooperativa, documentários e filmes de ficção, promover filmes populares e travar batalhas profissionais, como a luta contra a censura ou o saneamento econômico do cinema. Os meios de ação eram, essencialmente, as sessões de cinema, conferências seguidas de debates e um jornal. Jean Renoir e Henri Jeanson apareciam como os principais ativistas dessa associação, em que se distinguiam também Jacques Becker, Charles Dullin, Jacques Feyder, Jean-Paul Dreyfus. O Ciné-Liberté desempenharia um papel notável na produção de filmes militantes.

Cinemateca Francesa

Esses anos da Frente Popular foram marcados por uma viva atividade cultural em torno do cinema. Em 1935, Jean Mitry encontrou dois jovens cinéfilos, Henri Langlois e Georges Franju, que desejavam criar um cineclube, Le Cercle du Cinéma. Os três formularam então o projeto da Cinémathèque Française, que foi fundada em 1936 como apoio moral e financeiro da Paul-Auguste Harlé, diretor da revista La Cinématographie Française. Logo Henri Langlois assumiu a direção da Cinémathèque. Ele tinha dinheiro, o que lhe permitiu salvar da destruição um grande número de filmes, e uma qualidade que faltava a Mitry: capacidade para enfrentar todas as dificuldades.

O principal filme militante, La Vie est à Nous (1936), foi financiado e utilizado pelo PCF para preparar a campanha eleitoral que levou, em maio de 1936, à vitória da Frente Popular. Os mais proeminentes intelectuais de esquerda da época, reunidos e dirigidos por Jean Renoir, exprimiam suas esperanças e sua fé na mais pura tradição do cinema engajado. A demonstração pedagógica começa por uma sequência na qual um professor explica a seus alunos que a França é um país rico e que, se fosse administrado de outra forma, o povo seria feliz. Depois, na redação do jornal L’Humanité, seu editor, Marcel Cachin, lê três cartas mostrando a vitalidade e a ubiquidade da resposta comunista: (1) um operário injustamente despedido é reintegrado pela solidariedade de seus companheiros; (2) na França rural um oficial de justiça penhora os animais e as ferramentas de um lavrador endividado e seus vizinhos arrematam os bens no leilão e os devolvem ao dono; (3) um jovem mecânico desempregado perde a única vaga que conseguira em uma garagem e o Partido Comunista lhe oferece ajuda.

Jean Renoir na filmagem de A Marselhesa

Cena de  A Marselhesa

Pierre Renoir em A Marselhesa

Renoir foi convocado, logo em seguida a La Vie est a Nous, para a realização do projeto mais grandioso do cinema militante: A Marselhesa / La Marsellaise / 1937. O dinheiro para a produção desse filme –-“concebido pelo povo e para o povo” – foi recolhido graças a uma subscrição junto aos futuros espectadores, entre os quais estavam os trabalhadores que viviam ainda no entusiasmo da Frente Popular.

A expressão realismo poético pertenceu inicialmente à crítica literária, usada por Jean Paulham, editor da prestigiosa La Nouvelle Revue Française, ao comentar La Rue Sans Nom, romance de Marcel Aymé de 1929, sobre um grupo de seres esquecidos que definhava nas ruas escuras dos subúrbios de Paris. Quando o cineasta Pierre Chenal levou o livro para as telas em 1932, Michel Gorel, crítico da revista Cinémonde, declarou: “Este filme, a meu ver, inaugura um gênero inteiramente novo no cinema francês: o realismo poético”. A partir de então o termo foi usado para caracterizar um grupo de filmes franceses, realizados entre 1934 e 1939, que criavam um mundo maravilhosamente poético, mas com impressão de realidade.

O realismo poético, na sua expressão fílmica, nasceu de uma rede de influências literárias, com as variações em torno do naturalismo, do populismo e do fantástico social de Pierre Mac Orlan e Marcel Aymé; influências cinematográficas, com o expressionismo realista, frequentemente chamado de Kammerspielfilm (filme de interiores), do qual tomou emprestado a temática (personagens que representavam a escória da sociedade, abatidos pela fatalidade), a atmosfera (a famosa Stimmung, prezada pelos alemães), a iluminação (utilização expressionista da luz devido a grandes cinegrafistas alemães emigrados na França, como Eugen Schuftan) e a representação cênica estilizada (que privilegiava a filmagem em estúdio).

As principais obras do realismo póetico tentavam, de uma maneira ou de outra, encontrar uma dimensão trágica nas vidas dos marginais, do excluídos, que não tinham outra escolha senão o exílio ou a morte. Transitando por portos banhados de sombras, bares sórdidos, hotéis de terceira categoria ou desertos distantes, esses seres procuravam se evadir para um outro destino pela aventura e pelo sonho. Alguns comentaristas preferem usar o termo “tragédia populista” ou “populismo trágico “ para denominar essa corrente do cinema francês.

 O clima sombrio e melancólico dos filmes e o sentimento de amargura e fatalismo de que estão impregnados têm sido frequentemente interpretados como uma expressão do desapontamento da esquerda após o colapso da Frente Popular e, mais geralmente, dos anos angustiosos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, após a derrota da França em 1940, o novo regime colaboracionista do marechal Pétain acusou os dramas realistas poéticos de expressarem uma atitude derrotista de uma nação decadente, e, consequentemente, muitos deles foram banidos das telas francesas durante a Ocupação.

Os historiadores do cinema usam a expressão realismo poético em conexão com certos filmes realizados principalmente por Marcel Carné, Julien Duvivier, Jacques Feyder, Jean Grémillon, Pierre Chenal e Jean Renoit, porém cada qual apresenta uma relação diferente de obras básicas. A maioria dos estudiosos cita especialmente Cais das Sombras / Quais des Brumes / 1938, Hotel do Norte / Hotel du Nord / 1938, Trágico Amanhecer / Le Jour se Léve / 1939 de Marcel Carné; A Bandeira / La Bandera / 1935, Camaradas / La Belle Équipe / 1936, O Demônio da Algéria / Pepe le Moko / 1937 de Julien Duvivier; A Última Cartada / Le Grande Jeu / 1934, Pension Mimosas / 1935, Povo Errante / Les Gens du Voyage / 1937 de Jacques Feyder; Gula de Amor / Gueule d’Amour / 1937, Águas Tempestuosas / Remorques / 1941 de Jean Grémillon; L’ Alibi / 1937, Paixão Criminosa / Le Dernier Tournant / 1939 de Pierre Chenal;  A Grande Ilusão / La Grande Illusion / 1937,  A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938  de Jean Renoir. Outros vislumbram um realismo poético “sobrevivente” em Lumière d’ Été / 1942 de Grémillom, Viagem sem Esperança / Voyage sans Espoir / 1943 de Christian-Jaque; ou O Boulevard du Crime. / Les Enfants du Paradis / 1945 de Carné, etc. E há quem perceba traços desse fenômeno no cinema mudo em filmes de precursores como Coração Fiel / Coeur Fidèle / 1923 de Jean Epstein, Em Rade / 1927 de Alberto Cavalcanti e, sobretudo, Mènilmontant / 1926 de Dimitri Kirsanoff.

Marcel Carné

O lugar de Marcel Carné (Paris,1909 – 1996) na história do cinema está assegurado como o principal expoente do realismo poético, particularmente na sua colaboração com o poeta roteirista Jacques Prévert. Carné foi aprendiz de marceneiro, depois empregado de uma companhia de seguros. Apaixonado pelo cinema, frequentou cursos de fotografia e exerceu a crítica de filmes. O encontro com a atriz Françoise Rosay, esposa do cineasta Jacques Feyder, ajudou-o a começar sua carreira como assistente de câmera em Les Nouveaux Messieurs / 1929 (Dir: Jacques Feyder), e Cagliostro / 1929 (Dir: Richard Odswald).No mesmo ano, Carné dirigiu um documentário de curta-metragem, Nogent, Eldorado du Dimanche, e depois se tornou assistente de René Clair (Sob os Tetos de Paris / Sous les Toits de Paris) e de Feyder (A Última Cartada, Pensão Mimosas, A Quermesse Heróica / La Kermesse Héroique / 1935).

Jean Gabin e Michèle Morgan em Cais das Sombras

Trabalhando intimamente com Prévert, Carné ascendeu para uma grande proeminência no cinema francês dos anos 30. De sua cumplicidade nasceram sete filmes, dotados de um equilíbrio exemplar entre o lirismo eloquente do dialoguista e a visão moderadada do cineasta. Sua colaboração produziu filmes memoráveis como Jenny / Jenny / 1936, Família exótica / Drôle de Drame / 1937, Cais das Sombras, o filme mais representativo do universo negro de Carné-Prévert; e Trágico Amanhecer. Essas duas últimas obras foram o ápice do realismo poético, juntamente como Hotel do Norte, no qual Carné não contou com a participação de Prévert, substituído por Henri Jeanson.

Celebrando Prévert, os críticos talvez tenham subestimado atributos distintivos de Carné: seu senso refinado de composição e iluminação, sua capacidade para dar vida ao artifício do estúdio, sua articulação do estado psicológico de sues heróis. Certamente seus filmes do período em questão também devem muito ao decorador Alexandre Trauner, ao compositor Joseph Kosma e a uma grande quantidade de atores notáveis, Carné era o catalisador, o condutor e o centro de tudo.

Julien Duvivier

Julien Duvivier (Lille, 1896 – Paris, 1967) costuma ser apontado como o cineasta que soube captar o espírito da Frente Popular e cuja obra abundante nunca teria ultrapassado as convenções do cinema popular. Para muitos críticos ele seria um técnico muito versátil e competente, mas sem personalidade. Porém, a realidade é mais complexa, mesmo se a sua filmografia contém um bom número de filmes de encomenda.

Educado em um colégio jesuíta de sua cidade natal, Duvivier foi para Paris e arranjou emprego no Thêatre de l’Odeon nas funções de ator e encenador. Interessado pelo cinema, ingressou na Societé Cinématographique des Auteurs et Gens des Lettres (SCAG), na qual colaborou com André Antoine, o fundador do Thêatre Libre. Em 1919, depois de ter sido assistente de Louis Feuillade e Marcel l’Herbier, e outros cineastas, dirigiu seu primeiro filme, Haceldama ou Le prix du sang. Após uma carreira bastante produtiva na cena muda, marcada por dois sucessos artísticos, Poil de Carotte / 1925(que refilmaria em 1932) e Au Bonheur des Dames / 1930 (parcialmente sonorizado), Duvivier tornou-se , nos anos 30, um dos grandes diretores do cinema francês –-ao lado de René Clair, Marcel Carné e Jacques Feyder -, e realizou entre 1930 e 1940, alguns dos melhores filmes da época, por meio dos quais expressava um pessimismo amargo: Tragédia de um Homem Rico / David Golder;  Poil de Carotte / 1932, Maria Chapdelaine / Marie Chapdelaine / 1934,  Camaradas, O Demônio da Argélia, Um Carnet de Baile / Um Carnet de Bal / 1937; La Fin du Jour / 1939.

Charles Dorat, Jean Gabin, Rafael Medina, Aimos e Charles Vanel em  Camaradas  

Em toda a sua obra esse profissional eclético e muito produtivo demonstrou sempre um extremo rigor no plano da construção dramática, uma concepção de arte dinâmica e uma técnica extraordinária. A fotografia sempre bem cuidada e seus movimentos de câmera virtuosos combinados com planos longos contribuíram para a mise-en-scène atmosférica das histórias, por cujos roteiros – convém lembrar – muitas vezes ele mesmo se responsabilizou.

Jacques Feyder

Outro cineasta que ocupou uma posição importante nesse período tão fértil do cinema francês, Jacques Feyder (Ixelles, Bégica, 1885 – Genebra, 1948), teve uma participação ainda mais expressiva do que Julie Duvivier no cinema mudo. Contrariando o desejo do pai, que esperava ver o filho em uma escola militar, o jovem Feyder preferiu ser ator. Em 1911, chegou a Paris e logo começou a trabalhar no teatro, desempenhando pequenos papéis; porém, verificou que seu verdadeiro interesse era o cinema. Depois de algum tempo de treinamento como assistente do diretor Gaston Ravel e de ter se casado com a atriz Françoise Rosay, Feyder foi convocado para o exército ao irromper a Primeira Guerra Mundial, durante a qual prestou serviço em uma companhia teatral montada pelas Forças Armadas. Ao retornar à França em 1919, iniciou a trajetória que iria projetá-lo no meio cinematográfico.

Seu primeiro filme importante, Atlantide / L’Atlantide / 1921, filmado parcialmente no deserto do Saara, foi a produção francesa mais cara até então e, juntamente com os subsequentes Crainquebille / 1923 e Visages d’enfants / 1925, Carmen / Carmen / 1927 e Thèrése Raquin / 1928, elevou-o à categoria de grande cineasta. Após a proibição de sua sátira Les Nouveaux Messieurs, “por ter ofendido a dignidade do Parlamento e de seus ministros”, Feyder aceitou o convite da MGM e partiu para a América, onde dirigiu O Beijo / The Kiss / 1929, último filme mudo de Greta Garbo, versões estrangeiras de filmes americanos e dois dramas românticos estrelados por Ramon Novarro.

Pierre Richard-Willm e Françoise Rosay em A Última Cartada

Sentindo que o ambiente de Hollywood era incompatível com o seu temperamento, o diretor belga retornou à França e solidificou sua reputação com três filmes interpretados por sua mulher: A Última Cartada / Le Grand Jeu,  Pension MImosas e A Quermesse Heróica / La Kermesse Heróique, nos quais demonstrou a sua ligação sólida com a arte clássica, a arte de exprimir o máximo dizendo o mínimo – “uma arte de pudor e de modéstia”, como a definiu André Gide. Voluntariamente sóbrio e metódico, o cineasta sabia como poucos analisar o estado de espírito de seus personagens, descrever admiravelmente um determinado ambiente social e dar vida, com a maior força, a uma ação dramática. Ajudando a estabelecer as normas de um novo classicismo, ele lançou as bases da “tradição de qualidade”.

Nos seus primeiros três filmes sonoros, Feyder atingiu o auge dos seus feitos como diretor, mas é preciso lembrar quem quando continuou trabalhando sem a colaboração do roteirista Charles Spaak, suas realizações perderam um pouco da consistência e sutileza (Feyder e seu conterrâneo Spaak formaram a primeira dupla de diretor-roteirista que marcou sua presença na indústria). Antes da Segunda Guerra Mundial, já sem o concurso de Spaak, Feyder ainda fez Povo Errante (com sua versão alemã, Fahrendes-Volk) e O Amor Nasceu do Odio / Knight Without Armour / 1937, realizado na Inglaterra. Em 1942, pode-se dizer que ele encerrou seu percurso artístico com A Lei do Norte / La Loi du Nord, seu último filme com alguma envergadura.

Jean Grémillon

Atraído pela música, Jean Grémillon (Bayeux, 1901 – Paris, 1959) finalmente venceu a oposição paterna e foi estudar na Schola Cantorum em Paris, onde chegou em 1920. Para ganhar avida, tocava violão na orquestra de um cinema, cujo projecionista era seu futuro cinegrafista Georges Périnal. O encontro com Périnal despertou seu interesse pela sétima arte. Quando veio o som, Grémillon havia filmado 19 curtas-metragens, um média-metragem e dois longas-metragnes aclamados pelos intelectuais: Maldone / 1928, e Gardiens de Phare / 1929, com a ajuda de Charles Dullin para o primeiro e de Jacques Feyder para o segundo. Nesses dois trabalhos formigados de pesquisas estilísticas audaciosas para a época, já se podiam perceber o seu senso pungente do “trágico cotidiano” e a sua aptidão para fazer brotar o lirismo das situações mais convencionais.

Contratado pela Pathé-Nathan, ele realizou La Petite Lise / 1930, que continha prematuramente o realismo poético e inovava na utilização do som, porém foi um fracasso comercial. Daí em diante, Grémillon sofreu nas mãos dos comerciantes do cinema de seu país e acabou se exilando na Espanha para filmar La Dolorosa / 1934, cujo sucesso, no entanto, não ultrapassou os Pireneus.

MIchèle Morgan e Jean Gabin em Águas Tempestuosas

A salvação veio de Berlim, onde Raoul Ploquin, diretor do departamento francês da UFA, teve confiança em Grémillon; após alguns filmes corriqueiros, ele dirigiu um atrás do outro, Gula de Amor / Gueule d’Amour e O Homem que vivia duas Vidas / L’ Etrange Monsieur Victor / 1938. Graças a esses dois filmes, o diretor obteve o reconhecimento do público e da crítica e passou a ocupar o lugar que merecia no cinema do seu tempo. Entretanto, suas obras-primas, entre elas Águas Tempestuosas / Remorques, só surgiram nos anos 1940.

Pierre Chenal

Pierre Chenal (Bruxelas, 1904 – Paris, 1990) pode não ter atingido a mesma estatura artística de seus renomados colegas do cinema francês clássico, mas chegou bem perto deles. Incialmente jornalista e desenhista especializado em pôsteres, Chenal começou sua carreira cinematográfica realizando documentários curtos de cunho didático (Une Cité du Cinéma / 1930), surrealista (Un Coup des Dés / 1930), urbanístido (Architecte  d’aujourd’hui / 1931 ou romântico social (Les Petits Métiers de Paris / 1932).

A estréia no longa-metragem deu-se com Le Martyre de l’Obese / 1933, segundo-se La Rue sans Nom, no qual procurou recriar o ambiente carregado e mórbido dos filmes alemães, sempre presente na sua obra. Seus trabalhos subsequentes, alguns baseados em obras literárias famosas, projetaram-no como diretor de primeira classe do cinema francês, destacando-se: Assassino sem Culpa / Crime et Châtiment / 1935; O Homem que voltou do outro mundo / / L’Homme de Nulle Part. / 1937; L’ Alibi / 1937; L’ Affair l’Afage / 1938; Pecadoras de Túnis / La Maison du Maltais / 1939; Paixão Criminosa / Le Dernier Tournant / 1939.

 

Michel Simon, Corinne Luchaire e Fernand Gravey em Paixão Criminosa

Após a Primeira Guerra Mundial, na qual foi ferido na perna, Jean Renoir (Paris, 1894 -Califórnia, 1979), filho do pintor impressionista Auguste Renoir, dedicou-se à cerâmica, mas se tornou cada vez mais apaixonado pelo cinema. Com o dinheiro que herdou do pai, pôde fundar sua própria produtora, com o propósito principal de construir uma carreira cinematográfica para uma ex-modelo de seu progenitor, Catherine Hessling (Andrée Heuchling), com quem se casou. Dos filmes que ele dirigiu nesse processo os mais conhecidos são: Nana / 1926 e La Petite Marchande d’Allumettes / 1928.

Nos primeiros anos do cinema falado, Renoir realizou filmes respeitáveis La Chienne / 1931; La Nuit du Carrefour / 1932; Boudu sauvé des eaux / 1932; Madame Bovary / Madame Bovary / 1934) e, a partir da segunda metade do decênio, ao lado de outros bons filmes (Bas-Fonds / Les bas-fond / 1936; La Marseillaise / 1938), uma série de seis obras-primas  nas quais se percebe mais do que nuca a sua sinceridade humana, seu realismo espontâneo e sua apurada sensibilidade pictural: Toni / 1935;  Le Crime de Monsieur Lange / 1936; Um Dia no Campo / Une Partie de Campagne / 1936; A Grande Ilusão / La Grande Illusion / 1937; A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938 e A Regra do Jôgo / La Régle du Jeu / 1939.

Na observação do crítico Claude-Jean Philippe, “toda a arte de Renoir consiste em eliminar os artifícios, aproximar-se dos seres e das coisas da maneira mais direta possível e contemplá-las com um olhar límpido”. Com um estilo discreto, mantendo uma ligação sólida com o impressionismo na pintura e o naturalismo na literatura, o cineasta capta e transmite de uma maneira simples e calorosa o real. É essa a sua contribuição extraordinária para o cinema – o que faz dele um grande cineasta.