Sua importância na História do Cinema como produtor que desafiou o Código de Produção e a Lista Negra de Hollywood e como diretor de uma quantidade expressiva de bons filmes sobre uma ampla variedade de assuntos, é inegável. Além disso, ele quebrou outras barreiras realizando dois filmes somente com atores negros e abordando temas controvertidos ou proibidos.
Otto Ludwig Preminger (1905-1986), filho de Markus Preminger e Josefa Fraenkel, nasceu em Wiznitz na Polonia, mas sempre se apresentou como natural de Viena, a capital do Império Austro-Húngaro, do qual a Polonia fazia parte na época. Após ter exercido o cargo de promotor público em sua cidade natal, Czernovic, Galicia e em Graz, Esfíria, Markus ocupou o cargo eminente de procurador geral em Viena, para onde se mudou com sua família. Com a dissolução da monarquia depois da Primeira Guerra Mundial o Dr. Preminger abriu um escritório de advocacia e ganhou muito dinheiro defendendo clientes prósperos da elite.
Desde seus primeiros dias em Viena Otto ficou obcecado pelo teatro lendo e assistindo peças de famosos dramaturgos. Sua ambição era se tornar um ator. Enquanto seu pai continuava a prosperar na Viena do pós-guerra, ele decidiu seriamente fazer uma carreira no palco. Sua grande chance surgiu em 1923, quando o vienense Max Reinhardt, que havia instalado sua base de operação em Berlim – onde firmou uma reputação de renome mundial como diretor e empresário teatral -, resolveu formar uma companhia em Viena no velho teatro Josefstadt. Otto escreveu uma carta para Reinhardt pedindo para fazer um teste, no qual foi aprovado. O Dr. Markus aceitou a decisão de Otto pedindo-lhe apenas que se formasse em Direito, o que ele conseguiu, embora faltando muito às aulas.
Quando o teatro, depois de uma reforma, foi reinaugurado em 1 de abril de 1924, Preminger fez uma breve aparição na peça Arlecchino Servitore di due patroni de Carlo Goldoni. Depois interpretou Stephano, um dos criados de Portia em The Merchant of Venice. Reinhardt pode ter tido reservas sobre a atuação de Otto, mas percebeu logo sua capacidade como administrador e o nomeou seu assistente. Porém o rapaz queria atuar e depois de passar um ano com o mestre, observando e aprendendo, achou que sua carreira iria avançar melhor se ele se juntasse a uma companhia onde tivesse a oportunidade de interpretar melhores papéis.
Com este objetivo Otto trabalhou em teatros de língua alemã de Praga, Zurich e Aussig e em 1928 voltou para Viena onde fundou uma companhia de teatro de câmara, Die Komödie, da qual se desligou no ano seguinte por divergência com seus associados. Com novos parceiros Otto organizou um teatro de repertório com o nome pomposo de Neues Wiener Schauspielhaus (Nova Casa de Teatro de Viena). Em junho de 1930, insatisfeito com o resultado artístico da companhia, demitiu-se. No mesmo ano, voltou para o teatro Josefstadt, desta vez como executivo solucionador de todos os problemas (inclusive o egocentrismo ou a irascibilidade de astros como Peter Lorre, Lili Darvas, Elisabeth Bergner, Oscar Karlweis e Alexander Moissi). Apesar de ter sido contratado como executivo, Otto estava de olho na direção e não demorou muito para dirigir um drama de tribunal, Voruntersuchung (Investigação Preliminar), escrito por um advogado de Berlim, Max Alsberg em colaboração com o dramaturgo Otto Ernst Hesse. Na noite de estréia ele foi chamado vinte e uma vezes ao palco com seu elenco e os coautores exultantes.
Logo após este êxito, um industrial rico de Graz, Heinrich Haas, propôs ao jovem diretor de teatro que ele dirigisse um filme intitulado Die Grosse Liebe (o Grande Amor). Otto não sabia nada sobre técnica cinematográfica e, além disso, não tinha a mesma paixão pelo cinema como tinha pelo teatro, mas aceitou porque gostou da história sobre um soldado austríaco (Attila Hörbiger) que retornava da Rússia dez anos depois do final da Primeira Grande Guerra e encontrava uma senhora viúva (Hansi Niese) que pensava que ele é seu filho. Otto rejeitou o filme como uma loucura juvenil e preferiu esquecê-lo.
Desde a encenação de Voruntersuchung em janeiro de 1931 até sua última produção no Josefstad em outubro de 1935, Otto Preminger dirigiu 26 espetáculos até que Joseph Schenck (aconselhado por Julius Steger, um austríaco que havia sido parceiro de William Fox, ganhara uma fortuna na América e retornara a Viena onde se tornou cliente do Dr. Markus Preminger) o convidou para trabalhar na recém-formada Twentieth Century-Fox em Los Angeles. Preminger chegou em Nova York em 21 de outubro de 1935 e, antes de partir para Los Angeles, cumpriu um compromisso que havia assumido com o produtor teatral Gilbert Miller de reencenar Sensationsprozess, um de seus maiores sucessos em Viena, agora com o título americano de Libel!
Preminger foi contratado por Schenck, mas seria o parceiro dele, Darryl F. Zanuck, que determinaria seu destino na Twentieth Century-Fox. Depois de um aprendizado observando a filmagem de Novos Ecos da Broadway / Sing, Baby, Sing, musical de rotina dirigido por Sidney Lanfield, foi designado por Zanuck para a unidade de Sol Wurtzel (responsável por todos os filmes B do estúdio), ocupando-se da direção de duas comédias, Canção Facinadora / Under Your Spell / 1936 (com o cantor de ópera Lawrence Tibbett) e Quando o Amor Trabalha / Danger – Love at Work / 1937 (com Ann Sothern). Satisfeito com o trabalho de Preminger, Zanuck escolheu-o para dirigir um filme classe A, Kidnapped, adaptação do romance de Robert Louis Stevenson, cujo roteiro ele próprio escreveu; porém, após uma discussão séria entre eles, o diretor foi despedido. O filme seria realizado por Alfred Werker e exibido no Brasil com o título de Raptado.
Com dificuldade de arranjar emprego em algum outro estúdio, Preminger retornou ao teatro, dirigindo as peças Outward Bound, Margin for Error, My Dear Children, Beverly Hills, Cue for Passion, The More the Merrier, In Time to Come, funcionando também como ator em Margin for Error e somente como ator em The Man Who Came to Dinner. Impressionado com a performance de Preminger no palco como o consul nazista Karl Baumen na peça Margin for Error, Nunnally Johnson convidou -o para interpretar o papel de outro nazista, Major Diessen, no filme Abandonados / The Pied Piper / 1942, que ele estava escrevendo e produzindo na Twentieth Century-Fox, de onde ele havia sido banido. A Fox requisitou-o novamente para repetir o papel de Karl Baumen na versão cinematográfica de Margin for Error e então Otto conseguiu convencer William Goetz (que estava administrando a Fox na ausência de Zanuck, então servindo no Army Signal Corps) a lhe conceder também a direção do filme. Depois de terminar Um Pequeno Erro / Margin for Error / 1943 e antes de conseguir outra incumbência como diretor na Fox, Preminger foi contratado por Samuel Goldwyn para aparecer como um nazista em uma comédia de Bob Hope, Correspondente Fenômeno / They Got Me Covered / 1943, e ele aceitou, porque uma aliança com Goldwyn seria útil no dia em que Zanuck retornasse do serviço militar.
Entretanto, quando Zanuck reassumiu seu posto na Fox, deu permissão para que Preminger continuasse desenvolvendo seus dois projetos, Army Wives (depois renomeado Por Enquanto, Querida / In the Meantime Darling / 1944) e Laura / Laura / 1944, ambos destinados para a unidade B; porém Preminger só poderia dirigir o primeiro. A direção de Laura, depois elevado à classe A, foi entregue a Rouben Mamoulian, mas Zanuck não gostou das primeiras cenas que ele rodou e acabou colocando Preminger no seu lugar. O filme obteve êxito e proporcionou indicações ao Oscar para Melhor Direção, Ator Coadjuvante (Clifton Webb), Roteiro, Direção de Arte e Joseph La Shelle arrebatou a estatueta por sua esplêndida fotografia em preto e branco.
Começava assim a fase na qual Preminger, continuando como diretor contratado da Fox, realizou alguns de seus melhores filmes, adiante assinalados em negrito: 1944 – Laura. 1945 – Czarina / A Royal Scandal, comédia romântica histórica com Tallulah Bankhead como Catarina da Rússia no papel que fôra de Pola Negri na versão silenciosa, Paraíso Proibido / Forbidden Paradise / 1924 (Dir: Ernst Lubitsch). Anjo ou Demônio? / Fallen Angel. 1946 – Noites de Verão / Centennial Summer, musical romântico histórico passado durante a Exposição de Filadélfia em 1876 com Jeanne Crain, Cornel Wilde, Linda Darnell. 1947 – Entre o Amor e o Pecado / Forever Amber, drama romântico histórico com Linda Darnell, Cornel Wilde, George Sanders, tendo como pano de fundo a côrte de Carlos II na Inglaterra do século XVII; Êxtase de Amor / Daisy Kenyon. 1948 – A Condessa se Rende / That Lady in Ermine (Preminger apenas terminou a filmagem após a morte de Lubitsch). 1949 – O Leque / The Fan; A Ladra / Whirlpool. 1950 – Passos na Noite / Where the Sidewalk Ends; Cartas Venenosas / The Thirteenth Letter, drama criminal de mistério com Linda Darnell, Charles Boyer, Michael Rennie. 1952 – Alma em Pânico / Angel Face.
Laura é o mais estilizado de todos os filmes noirs. Investigando o assassinato de Laura Hunt (Gene Tierney) diretora de uma agência de propaganda, o detetive Mark McPherson (Dana Andrews) interroga seu mentor, um influente jornalista quinquagenário, Waldo Lydecker (Clifton Webb) que considerava Laura não apenas como sua maior “criação”, mas também propriedade pessoal. No decorrer da investigação McPherson começa a ficar fascinado pela falecida e quando vai ao apartamento dela em busca de provas, senta-se em uma poltrona e, contemplando seu retrato pendurado na parede, adormece. De repente, a porta se abre e entra a Laura de carne e osso. “Nunca me esquecerei do fim de semana em que Laura morreu”. É com este monólogo interior de Lydecker que começa o filme. Antes do aparecimento de Laura, é ele – já no outro mundo – quem recorda uma série de flagrantes evocando a ascensão profissional da jovem. Depois que Laura surge viva, a trama passa a ser conduzida por McPherson, objetivamente. O estilo conciso e sereno do diretor é notado desde os primeiros instantes, quando a câmera desliza da esquerda para a direita pelas prateleiras e depois pela sala cheia de objetos de arte do apartamento de Lydecker. Este deslocamento de câmera fluido e delicado casa-se perfeitamente com o leit-motiv musical e com os diálogos sofisticados enquanto a iluminação dramatizada de Joseph La Shelle – premiada com o Oscar – fornece o clima noir adequado.
Anjo ou Demônio? Tem início quando Eric Stanton (Dana Andrews) chega a Walton, pequena cidade da Califórnia, e logo se interessa por Stella (Linda Darnell), uma linda e sensual garçonete. A jovem desperta também o desejo de outros homens como o velho Pop (Percy Kilbidge) proprietário da lanchonete na qual trabalha, e Dave Atkins (Bruce Cabot), um sujeito que explora máquinas de caça níqueis. Para conquistar Stella, Eric casa-se com June (Alice Faye), uma solteirona rica, pretendendo deposá-la de sua fortuna e se divorciar em seguida. Porém Stella aparece morta. Erica acaba descobrindo que o policial Judd (Charles Bickford) adorava Stella e a matou, quando esta lhe disse que ia se casar com Dave. Um aspecto interessante da trama é justamente a paixão que Stella desperta em quatro homens, cada qual reagindo de uma maneira diferente. A reação mais estranha é a de Judd que, no final da narrativa, revela para Eric: “Durante anos eu vim tomar café aqui, somente para vê-la. Todos os dias, durante dois anos”. Uma loucura que o levou ao crime. Além de um close-up original em silhueta de Eric e Stella no baile, chamam a atenção a cena do interrogatório na qual o assassino veste uma luva de borracha para extorquir brutalmente a confissão de um inocente e a do final, quando, antes de ser levado preso, aciona a vitrola da lanchonete e emerge a melodia favorita da vítima, restituindo por alguns instantes a sua invisível presença.
O Leque é uma adaptação da peça de Oscar Wilde que Ernst Lubitsch já havia ilustrado no tempo da cena muda. Preminger se concentrou mais no melodrama do que sobre a sátira brilhante da alta sociedade londrina vitoriana, mas conservou os diálogos deliciosos oriundos da pena do grande escritor, dramaturgo e poeta irlandês. Desta vez, em uma Londres devastada pelos bombardeios após a Segunda Guerra Mundial, uma velha senhora, Mrs. Erlynne (Madeleine Carroll) assiste à venda em um leilão de um leque que lhe pertence. Ela gostaria de recuperá-lo. O leiloeiro lhe dá um prazo de vinte quatro horas para provar suas alegações. Mrs. Erlynne então vai ao domicílio de um de seus antigos relacionamentos, Lord Darlington (George Sanders). Com a ajuda de retrospectos, eles revivem o passado quando Lord Darlington contou para Lady Windermere (Jeanne Crain), de quem estava apaixonado, que seu marido (Richard Greene) a traíra com Mrs. Erlynne. Magoada, Lady Windermere parte para a residência de seu admirador Lord Darlington, que lhe havia declarado seu amor. Mrs. Erlyne vai atrás dela e lhe diz qque seu marido lhe é fiel. Quando Lord Darlington chega em casa na companhia de Lord Windermere, Lord Lorton e um outro amigo, as duas mulheres se escondem. Os homens encontram o leque de Mrs. Windermere e Lord Windermere acusa Lord Darlington de ser amante de sua esposa. Lady Windermere foge e Mrs. Erlynne, que não é outra senão a mãe que ela nunca conheceu, sacrifica sua própria felicidade que o casamento com Lord Lorton (Hugh Dempster) lhe proporcionaria, assumindo que o leque era seu. A encenação elegante e fluente de Preminger e a atuação primorosa dos quatro intérpretes principais tornam o filme muito agradável.
Passos na Noite retrata ao mesmo tempo uma cidade noturna e um homem da lei que se corrompeu. O pai de Mark Dixon (Dana Andrews) era um ladrão, e isto o tornou o que é: um policial perigoso que quer fazer justiça pelas próprias mãos. Depois de ser repreendido por seu superior por excesso de violência, Dixon investigas a morte de um sujeito que morreu no cassino clandestino do gângster Scalise (Gary Merrill). O principal suspeito é Paine (Craig Stevens) que havia atraído Morrison para o jogo, usando a jovem Morgan Taylor (Gene Tierney). Ao interrogá-lo, Dixon entre em luta corporal com ele, matando-o acidentalmente. O chofer de taxi, Jiggs Taylor (Tom Tully), pai de Morgan, é incriminado, pois fôra procurar Paine no dia em que foi morto para tentar afastá-lo da filha. Dixon interessa-se por Morgan e faz tudo para incriminar Scalise. É com um estilo visual calmo e preciso que Preminger descreve a passagem de seu herói para a ilegalidade, sua inquietude, seu trauma de infância (“Fiz tudo para ser diferente dele”) e sua visão dark do mundo (“Um passo em falso e você pode se meter em uma enrascada”). Dixon torna-se um personagem noir típico, desorientado existencialmente e vítima das circunstâncias; porém o amor o encaminhará para a redenção. Exteriores filmados em locação e a acurada fotografia em preto e branco de La Shelle criam uma atmosfera adequada ao drama e os momentos de suspense (v. g. quando Dixon deixa o local do crime disfarçado de Paine e depois carrega seu corpo até o carro; a cena em que o tenente manda-o fingir que é Paine, reconstituindo sua saída apartamento do morto) são muito bem construídos.
Alma em Pânico tem início quando o chofer de ambulância, Frank Jessup (Robert Mitchum) salva uma senhora rica, Mrs. Tremayne (Barbra O´Neil) de morrer asfixiada por gás e é contratado como motorista particular da família. Frank apaixona-se por Diane, (Jean Simmons), a enteada de Mrs. Tremayne, que odeia a madrasta. A jovem planeja um acidente, ocasionando não só a morte da madrasta, mas também a de seu pai (Herbert Marshall), que estava no carro sem que ela soubesse. Frank prepara-se para deixar Diane, porém ocorre um desenlace trágico. A personagem central tem traços que a relacionam com o arquétipo da mulher fatal. Ela manipula, e eventualmente mata, para obter o que deseja; porém o que motiva seu comportamento não é a ambição pelo dinheiro, mas uma obsessiva fixação pelo pai e o ódio patológico da madrasta. A cena final é uma das mais chocantes do cinema, não só pela maneira horrível como os personagens morrem como também pela sua absoluta imprevisibilidade. Diane se oferece para levar Frank até o ponto de ônibus, pensando que vai conseguir convencê-lo a ficar. De repente, põe a mudança do carro em marcha a ré, fazendo-o recuar para um penhasco, matando Frank e a si própria.
Após a filmagem de Cartas Venenosas e antes de filmar Alma em Pânico, aproveitando a cláusula de seu contrato com a Fox que lhe permitia permanecer em Nova York por seis meses durante o auge da temporada teatral, Preminger encenou três peças (Four Twelves Are 48, The Moon is Blue, Modern Primitive) e participou como o comandante de um campo de prisioneiros nazista em Inferno nº 17 / Stalag 17 de Billy Wilder. Depois deste intervalo teatral, Preminger preparou a adaptação cinematográfica de Ingênua Até Certo Ponto / The Moon is Blue, sua estréia como como produtor-diretor independente.