A primeira sessão de cinema em Portugal ocorreu no dia 18 de junho de 1896 no Real Colyseu na Rua da Palma em Lisboa quando, por iniciativa do empresário Antonio Manuel dos Santos Junior, foi apresentado o “Animatógrafo Rousby”, que era na verdade o projetor de filmes Theatographe, inventado pelo pioneiro do cinema britânico Robert William-Paul, do qual Edwin Rousby era representante.
Depois de uma temporada no Porto, Rousby voltou a Lisboa, desta vez para apresentar cenas filmadas em Portugal pelo operador Harry Short, que Robert William-Paul mandara para o Sul da Europa a fim de captar imagens destinadas aos seus catálogos. Entre os filmes com motivos portugueses rodados por Short estavam: A boca do inferno em Cascais, a Praia de Algés na ocasião dos Banhos, o mercado do peixe na Ribeira Nova, Na Avenida da Liberdade, Jogo do Pau, Praça de D. Pedro, Fado Batido, O cais das Colunas, A Praça do Município. Como informou o eminente crítico e historiador de cinema Luís de Pina no seu livro História do Cinema Português (Produções Europa-América, 1986), que consultamos para escrever este artigo, outros motivos portugueses foram exibidos nos programas de Rousby, misturados com filmes estrangeiros, sempre com grande afluência de público e destacada notícia na imprensa.
Conforme L. de Pina, uma das pessoas que não perdeu uma única sessão no Porto foi o fotógrafo e floricultor Aurélio Paes dos Reis que, após ter tentado em vão obter dos irmãos Lumière um dos seus cinematógrafos, conseguiu filmar (talvez com um aparelho da marca Bedtz, eventualmente adaptado por ele para cumprir as mesmas funções do invento francês), imagens dos mais variados assuntos. Com seus amigos Antonio da Silva Cunha, proprietário da Camisaria Confiança, e o fotógrafo Francisco Magalhães Basto Junior, Aurélio Paes dos Reis organizou, em 12 de novembro de 1896, o primeiro espetáculo de cinema feito por portugueses e o chamou de “Kinetógrapho Português”; porém, por falhas técnicas, não obteve o resultado esperado.
Em janeiro de 1897, Paes dos Reis levou o seu Kinetógrapho ao Brasil, para apresentar um programa selecionado no Teatro Lucinda, situado no centro do Rio de Janeiro; mas não teve êxito e regressou desiludido para Portugal onde, segundo L. de Pina, pouco mais teria filmado. Quatro de seus filmes, Saída do Pessoal Operário da Camisaria Confiança, O Vira, Feira de Gado na Corujeira e O Jardim foram recuperados pela Cinemateca Portuguesa em 1982.
Após investigações do historiador Videira Santos (História do Cinema Português I, 1990) e diversas notícias recolhidas por Antonio J. Ferreira (A Fotografia Animada em Portugal (1894-1897), ambos os livros publicados pela Cinemateca Portuguêsa, a prioridade de Paz dos Reis como primeiro cineasta português – já suspeitada por Luís de Pina – foi contestada e hoje parece não haver mais dúvidas de que antes dele, em 27 de agosto de 1896, teve lugar no Teatro Príncipe Real do Porto a exibição de algumas vistas promovida pelo empresário Francisco Pinto Moreira. O cartaz do evento anunciava a “Estréia do Animatographo portuguez” com 12 quadros, mas não mencionava quais os títulos destes quadros. Foi informado apenas que os filmes agradaram bastante, em especial Dança Serpentina, cuja exibição foi bisada a pedido do público.
Manuel Maria da Costa Veiga, empresário interessado em mecânica e eletricidade, seguiu os passos de Paz dos Reis, iniciando sua atividade como exibidor em Lisboa no Eden Concerto da Praça dos Restauradores e em Cascais na Esplanada D. Luis Filipe, onde fazia projeções ao ar livre. Adquirindo uma máquina de filmar Urban em um leilão em Londres, aproveitou a presença do rei D. Carlos em Cascais no verão de 1899 e filmou o soberano na praia. Com mais algumas imagens do local, ele exibiu seu primeiro filme Aspectos da Praia de Cascais / 1900 e daí em diante filmou eventos cotidianos (v. g. Uma Tourada a Antiga portuguesa / 1901 e principalmente visitas de soberanos estrangeiros (v. g. Chegada a Lisboa de Sua Majestade El-Rei Eduardo VII de Inglaterra / 1903, Visita do Rei Afonso XIII de Espanha / 1903, Visita do Imperador Guilherme II da Alemanha / 1905). Mais tarde Costa Veiga fundou a Portugal Film, primeira empresa cinematográfica portuguesa.
Outro pioneiro lisboeta foi o fotógrafo João Freire Correia que em 1909 abriu com Manuel Cardoso Pereira a Portugália Film em Lisboa. A Portugália produziu Os Crimes de Diogo Alves / 1911, espetáculo de grande sucesso. Segundo L. de Pina, espetáculo, dirigido por João Tavares, interpretado por Alfredo de Sousa (Diogo Alves) e realizado com grande cuidado técnico, rigor de reconstituição histórica e certo entusiasmo nas cenas de ação, tinha o seu ponto alto na famosa sequência em que o criminoso atirava as vítimas do alto do Aqueduto das Águas Livres. Apresentado como “versão falada”, ao filme foi exibido com vozes por trás da tela e acompanhamento musical da orquestra da Guarda Nacional Republicana. João Freira e Manuel Cardoso dedicaram-se também ao filme documentário e de atualidades (v. g. Batalha de Flores, Artilharia Portuguesa, Bombeiros Portugueses, O Terramoto de Benavente). A Portugália fechou em 1912.
Também em 1909 Julio Martins Costa, filho de um comerciante de fazendas, de sociedade com João Almeida, adquiriu o cinema mais antigo de Lisboa, o Salão Ideal, e fundou a Empresa Cinematográfica Ideal – Manufactura Portuguesa de Película, que funcionou como distribuidora, produtora e exibidora (lembrando que até 1910 o austríaco Carlos Stella estava sozinho no ramo da distribuição com a sua Empresa Cinematográfica, Lda). Enquanto não ficava concluído um estúdio, um laboratório e um escritório de distribuição, a empresa empreendeu a realização de atualidades e depois filmes de ficção (v.g. Chantecler Atraiçoado, Rainha Depois de Morta, O Casamento do Zé Gordo, todos de 1910). Rainha Depois de Morta contava o romance de D. Pedro e D. Inêz de Castro e foi dirigido por Carlos Santos, ator respeitado no meio artístico nacional, que interpretou o papel de D. Pedro ao lado de Eduardo Brazão (D. Afonso IV) e Amélia Vieira (Inês de Castro). O filme é também importante por ter marcado a estréia cinematográfica de Antonio Silva, que viria a ser um dos mais populares atores do teatro e do cinema português do século vinte. Em setembro de 1911, um incêndio de grandes proporções ocasionou o fechamento da empresa que, pelo fato de reunir os três ramos fundamentais da atividade cinematográfica, tinha todas as condições de triunfar.
Em 1918 Celestino Soares e Luis Reis Santos constituem a Lusitânia Filmes, que ocupou, após uma remodelação, o estúdio da Portugália Film na Rua de São Bento em Lisboa, e teve uma vida efêmera, terminando logo em 1919. O que sobrou de mais importante na sua atividade foram dois curta-metragens de enredo, Mal de Espanha e Malmequer ambos dirigidos por Leitão de Barros, então um jovem de vinte e um anos.
Pioneiro lisboeta foi ainda Ernesto de Albuquerque, responsável por uma outra firma denominada Portugália de existência breve na qual foram realizadas atualidades (Cidade de Tomar / 1908, A Cultura de Cacau / 1908, A Festa da Flor / 1912) e alguns filmes de ficção dos quais se destacam Quim e o Manecas / 1916, baseado em uma dupla de heróis de história em quadrinhos; Uma Conquista de Cardo ou Charlot no Jardim Zoológico de Lisboa / 1916, com um imitador de Chaplin que se intitulava Cardo mas era na realidade o ator espanhol Héctor Quintanilha. Por curiosidade, Cardo esteve no Brasil estreando no Rio de Janeiro no Teatro República e se apresentando posteriormente no Teatro Phoenix. E. de Albuquerque teve participação como fotógrafo em uma farsa produzida pela Pratas Film de Emídio Ribeiro Pratas, intitulada Pratas, O Conquistador / 1917, versando sobre um inveterado conquistador, mas desajeitado e sempre se metendo em encrenca, interpretado pelo próprio Emídio, que foi também o argumentista e diretor do filme.
A Lusitânia Filmes competia diretamente com a Invicta Film, companhia de produção fundada em 1910 no Porto por Alfredo Nunes de Matos com a denominação de Nunes de Matos & Cia. à qual acrescentou a designação Invicta Film em 1912. Nesta primeira fase de sua existência a Invicta dedicou-se sobretudo à realização de reportagens e atualidades (v. g. Manobras Navais Portuguesas / 1912, O Naufrágio do “Veronese” / 1913).
Depois de uma reestruturação levada a efeito em 1917, quando ela passou a ser designada como Invicta Film, a empresa investiu na construção de estúdios e laboratórios e contratou dois cineastas estrangeiros: o francês Georges Pallu (Frei Bonifácio / 1918, A Rosa do Adro / 1919, O Comissário de Polícia / 1919, O Mais Forte / 1919, Amor Fatal / 1920, Barbanegra / 1920, Os Fidalgos da Casa Mourisca / 1920, Amor de Perdição / 1921, O Primo Basilio / 1923) e Rino Lupo, nascido em Roma mas com carreira construída em outros países europeus (As Mulheres da Beira / 1922) -, privilegiando os filmes de ficção com temas geralmente baseados em romances clássicos da literatura portuguesa e folhetins. A Invicta Film encerrou suas atividades em 1928 após uma crise financeira.
Na década de vinte nova companhias cinematográficas são fundadas: a Caldevilla Film pelo publicitário Raul de Caldevilla, que contratou o cineasta francês, Maurice Mariaud (Os Faroleiros / 1922, As Pupilas do Sr. Reitor / 1923); a meteórica Fortuna Films, com sede em Paris e escritórios em Lisboa, pela escritora Virgínia de Castro e Almeida, que também contratou um realizador francês, Roger Lion (A Sereia de Pedra / 1922, Os Olhos da Alma / 1923 ); a Patria Film por Henrique Alegria, antigo diretor artístico da Invicta Film onde Mariaud dirigiu O Fado / 1923; Enigma Film pelo antigo operador de câmera Ernesto de Albuquerque que após a realização de dois filmes, O Rei da Força / 1922 e O Suicida da Boca do Inferno / 1923, partiu com sua esposa para o Brasil, onde trabalhou como repórter em várias revistas e ela como modista, logo afamada. Ele morreu no Rio de Janeiro em 1940; Iberia Film formada por Rino Lupo depois de ser despedido da Invicta Film com financiamento do Banco Pinto da Fonseca & Irmão. Nesta empresa, como sócio minoritário e diretor artístico, Lupo realizou Os Lobos / 1923; Lisboa Film, Braga Film na qual Ernesto de Albuquerque e Erico Braga realizaram Morgadinha de Val-Flor / 1923.
Resta mencionar a ECA – Empresa Cinegráfica Atlântida, criada na Ilha da Madeira em 1926 por Manuel Luís Vieira, fotógrafo natural de Funchal, onde realizou seus primeiros documentários (v. g. Festa de São Pedro na Ribeira Brava, Tosquia de Ovelhas no Paul da Serra) e filmes de enredo (v. g. A Calúnia, O Fauno das Montanhas) antes de se fixar em Lisboa em 1928, iniciando uma longa carreira como diretor de fotografia.
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