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AS CINÉPHONIES

Ainda não perdí o hábito de esmiuçar a Pequena História do Cinema, para tentar encontrar aspectos pouco conhecidos ou totalmente desconhecidos da 7ª Arte. No meu primeiro artigo para este blogue, escrito em 13 de fevereiro de 2012, intitulado “Um Curioso Momento da História do Cinema”, abordei um breve porém fascinante fenômeno que merecia ser melhor conhecido: os chamados Soundies, aqueles filmes de breve duração, exibidos em uma máquina parecida com as juke-boxes, vitrolas de pé muito comuns nos bares e restaurantes na década de 40.

Agora encontrei outra curiosidade: as Cinéphonies. Ancestrais do clipe musical, elas eram curtas-metragens realizados a partir de uma música clássica por alguns cineastas de renome sob orientação de Émile Vuillermoz.  As filmagens ocorreram nos estúdios da Paramount em St. Maurice pela Compagnie des Grandes Artistes Internationaux, fundada pelo violinista Jacques Thibaud.

Émile Vuillermoz

Émile – Jean – Joseph Vuillermoz (1878 – 1960) Nascido em Lyon, era compositor, musicógrafo, crítico de música, literatura, teatro e cinema. Por volta de 1916, foi o principal crítico de cinema na França, usando frequentemente os pseudônimos de Gabriel Darcy e Claude Bonvin. Ele e Louis Delluc são considerados como os verdadeiros fundadores da crítica cinematográfica, também exercida na época por René Jeanne e Léon Moussinac.

Em 1924 Vuillermoz ajudou a organizar a primeira exibição importante de cinema no Museu Galliera, “L Éxposition de l´art dans le cinéma français”. Em 1935 Vuillermoz e Jacques Thibaud iniciaram o projeto das cinéphonies empregando diretores como Max Ophuls, Dimitri Kirsanoff, Marcel L´Herbier, os diretores de fotografia Franz Planner e Boris Kauffman (irmão mais novo de Dziga Vertov) e artistas como Elisabeth Schumann, Alfred Cortot, Alexander Brailowsky, Ninon Vallin, Tasso Janopoulo, Jacques Thibaud e a nossa Magdalena Tagliaferro. Os compositores representados foram Albeniz, Chopin, Debussy, Fauré, Mompou, Schubert e Szymanowski. Em 1936 ele foi membro do júri no Quarto Festival Internacional de Cinema de Veneza e teve, juntamente com René Jeanne, uma participação importante na criação do Festival de Cannes.

Jacques Thibaud (1880 – 1953) nasceu em Bourdeaux e estudou violino com seu pai antes de entrar para o Conservatório de Paris aos treze anos de idade. Em 1896 ele ganhou – juntamente com Pierre Monteux (que depois se tornou maestro famoso) – o prêmio de violino do Conservatório. Thibaud teve que reconstruir sua técnica após ter sido ferido na Primeira Guerra Mundial. Em 1943 ele e Marguerite Long instituiram a Marguerite Long-Jacques Thibaud International Competition para violinistas e pianistas, que tem lugar todos os anos em Paris. A partir de 2011 ela incluiu cantores e agora é conhecida como Long – Thibaud – Crespin Competition, em homenagem à soprano Régine Crespin. Thibaud ficou conhecido não somente pelo seu trabalho como solista, mas também por sua performance como músico de câmera, particularmente com o pianista Alfred Cortot e o violoncelista Pablo Casals. Em 1 de setembro de 1953, Thibaud e outros 41 passageiros morreram em um acidente aéreo do vôo 178 da Air France. Seu violino Stradivarius de 1720 foi destruído no acidente.

As cinéphonies estão preservadas, entre outras instituições, nos Archives Françaises du Film. Suas restaurações, no início dos anos noventa, possibilitaram sua divulgação, muitas vêzes, no Canal Europeu Arte e podem ser vistas no You Tube.

Pude apurar apenas sete cinéphonies:

AVE MARIA DE SCHUBERT – Música de Franz Schubert cantada pela soprana alemã Elizabeth Schumann. Dir: Max Ophuls / 1935.

Elizabeth Schumann

LES BERCEAUX – Música de Gabriel Fauré cantada pela soprano francêsa Ninon Vallin enquanto a câmera evoca cenas marinhas e bretãs. Dir: Dimitri Kirsanoff / 1935.Fotografia: Boris Kaufman.

Ninon Vallin

LA JEUNE FILLE AU JARDIN – Música de Frederico Mompou executada pela pianista brasileira Magdalena Tagliaferro enquanto a dançarina alemã Clotilde von Derp (esposa do dançarino e coreógrafo russo Alexander Sakharoff), expressa a melodia em um bailado especial. Dir: Dimitri Kirsanoff / 1935.

Magdalena Taliaferro

LA FONTAINE d’ ARÉTHUSE – Música de Karol Szymanowski interpretada pelo violinista Jacques Thibaud e pelo pianista grego Tasso Janoupolo enquanto Sabine Earl e Michel Gevel interpretam, ela au naturel, a lenda da mitologia grega sobre a ninfa Aretusa e o deus do rio Alfeu.  Dir: Dimitri Kirsanoff / 1935. Fotografia: Boris Kaufman.

La Fontaine d’ Aréthuse

LA VALSE BRILLANTE EM LA BÉMOL – Música de Frédéric Chopin) interpretada pelo pianista Alexander Brailowski. Dir: Max Ophuls / 1936. Fotografia: Franz Planner.

Alexander Brailowski

CHILDREN´S CORNER / LE COIN DES ENFANTS – Música de Claude Debussy interpretada pelo pianista Alfred Cortot. Dir: Marcel L’Herbier / 1936. Fotografia: Franz Planner. Premiado na Bienal de Veneza.

Children´s Corner

Alfred Cortot

MALAGUENA – Música de Isaac Albeniz interpretada pelo violinista Jacques Thibaud. Dir: ignorado / 1940.

Jacques Thibaud

UM REI DO MELODRAMA NOS PRIMÓRDIOS DO CINEMA RUSSO

A História do Cinema Russo tem sido mais divulgada a partir das experiências de montagem de cineastas do cinema soviético dos anos 1920 como Kulechov, Vertov e Eisenstein e das atividades da Fábrica de Atores Excêntricos (FEK) de Kozintzev e Trauberg, omitindo o período pré-revolucionário (1908-1919), do qual procurarei fazer um breve resumo antes de apresentar o “Rei do Melodrama”.

O cinematógrafo foi apresentado na Rússia por Francis Doublier, que trabalhava no laboratório da fábrica Lumière. Sua chegada em Moscou coincidiu com a coroação do Tzar Nicolau II, marcada para 14 de maio de 1896, que foi filmada por Charles Moisson, operador de câmera acompanhando Doublier na ocasião. Em março de 1897 o cinematógrafo estava percorrendo cidades russas, familiarizando as pessoas com a nova atração. Os filmes eram exibidos principalmente em estandes de feiras e exposições e não em lugares fixos. Os primeiros cinemas surgiram a partir de 1903 e se espalharam pelo país, atraindo público de todas as classes sociais.

No final do século dezenove a Gaumont e a Pathé dominavam o mercado cinematográfico russo, mas gradualmente as platéias russas cansaram-se de ver somente imagens filmadas em outros países em vez de verem sua própria cultura.  A Rússia tinha condições de realizar sua própria produção doméstica, e muitos russos haviam adquirido experiência trabalhando nas companhias francesas que mantinham negócios no país.

A. Drankov

A produção de filme na Rússia começou em 1907 quando Alexander Drankov, fotógrafo oficial da Duma (Assembléia Legislativa), abriu um escritório em São Petersburgo e anunciou que faria filmes que ofereceriam imagens autênticas do país. Na mesma ocasião a Gaumont e a Pathé também inauguraram seus próprios estúdios na Rússia. Em 1908 Drankov já havia produzido uma série de filmes intitulada “Rússia Pitoresca”, que vendeu também para outros países. No mesmo ano ele produziu o primeiro filme narrativo, Stenka Razin, dirigido por Vladimir Romashkov, focalizando a trajetória do famoso rebelde que se tornou um grande herói popular no seu país.

Em 1909 surgiram duas novas companhias: 1. a Thiemann & Reinhardt, fundada por Pavel Thiemann (que havia trabalhado na sucursal russa da Gaumont) e Friedrich Reinhardt (próspero comerciante de tabaco), começou distribuindo filmes feitos pelas companhias Nordisk (dinamarquesa), Ambrosio (italiana) e Vitagraph (americana) e depois começou a produzir seus próprios filmes na sua firma Gloria, contratando diretores como Vladimir Gardin e Yakov Protazanov e posteriormente VIacheslav Viskovsky, Vadimir Uralsky e Vsevolod Meyerhold. 2. a Khanzhonkov foi fundada pelo ex-capitão do exército Alexsandr Khanzhonkov, concorrente de Drankov e produtor de um dos primeiros filmes de longa-metragem russo, Oborona Sevastopolya (Defesa de Sebastopol).

A Pathé Moscou competiu com Drankov e as duas novas empresas. Os primeiros filmes da Pathé produzidos na Rússia e dirigidos pelo franco-dinamarquês Kai Hansen, Vasili Goncharov e André Maître focalizaram figuras históricas como o grão-príncipe Dmitri Donskoi e Pedro, o Grande. Um dos filmes desta série foi Kniazhna Tarakanowa (Princesa Tarakanowa) / 1910, dramatização de um evento histórico envolvendo a princesa suspeita de reivindicar o trono ocupado por Catarina, a Grande.  O filme foi dirigido por Hansen e Maître.

As adaptações dos clássicos da literatura – Pushkin, Gogol e Chekov – eram muito populares assim como as histórias místicas e sobrenaturais que haviam inspirado o Romantismo. Por exemplo o filme Rusalka / 1910, dirigido por Goncharov baseado em uma lenda folclórica, transformada em um poema dramático inacabado de Pushkin, contava a história da filha de um moleiro que é seduzida e abandonada por um príncipe. Desesperada, ela se afoga e ele passa a ser atormentado pela imagem da moça, como se fosse um espírito das águas (rusalka).

Ivan Mozzhukhin

Os filmes russos também começaram a abordar o melodrama. Snokhach (O Amante da Nora) / 1912), dirigido por Alexander Ivanov-Gai e Petr Chardynin, versa sobre a prática de pais ou sogros que abusam sexualmente de suas filhas e noras. Ivan (Ivan Mozzhukhin) e sua esposa Lusha (Tatyana Shornikova) vivem uma vida tranquila, porém o pai de Ivan (Arseni Bibikov) estupra Lusha. Quando fica grávida, ela se enforca de vergonha. O nome de um dos primeiros astros do cinema russo inicial aparecia nos cartazes publicitários da produção: Ivan Mozzhukhin (pronunciado como Mosjoukine depois de sua emigração para a França); Krestianskaia dolia (O Lote do Camponês / 1912), dirigido por Goncharov, examinava a impossibilidade de amor para uma jovem camponesa. Masha (Alexandra Goncharova) e Petr (Ivan Mozzhukhin) estão apaixonados e os pais consentem no casamento. Mas o destino desfere um duro golpe: a casa dos pais de Masha se incendeia e o matrimônio é cancelado porque a moça perdeu seu dote. Masha vai trabalhar como empregada doméstica na cidade onde a princípio rechaça os avanços do patrão. Em uma montagem paralela o diretor mostra o sofrimento de seus pais após o incêndio e sua agitação emocional, surgindo então uma motivação psicológica para que ela acabe cedendo ao assédio em troca de uma grande soma de dinheiro, que ela leva para seus progenitores. Entretanto, seu amor por Petr, que agora está casado com uma mulher dura e cruel, está irremediavelmente perdido: Masha se casa com um senhor de idade; Doch kuptsa Bashkirova / 1913 (A Filha do Mercador Bashkirov), depois denominado Drama na Volge (Drama no Volga) dirigido por Nikolai Larin, fala sobre casamentos arranjados para benefício financeiro e a impossibilidade de amor romântico.  A filha de um mercador, Nadia (atriz não creditada) ama o jovem mordomo Yegorushka (ator não creditado), mas seu pai não pode saber: ele arranjou o casamento de Nadia com um mercador rico, que ela não ama. A mãe de Nadia ajuda a filha a se encontrar com seu amado em segredo. Quando o pai de Nadia chega em casa inesperadamente, as duas mulheres escondem Yegorushka embaixo de um colchão onde ele morre sufocado. Elas pedem a um camponês que as ajude a se livrar do corpo, que é jogado no rio em um barril. Entretanto, o camponês chantageia Nadia, exigindo jóias e depois a estupra. Nadia ouve o camponês gabar-se do estupro na taverna; ela tranca o estuprador e seu público na taverna e ateia fogo no estabelecimento; Kliuchi schast’ ia (As Chaves de Felicidade) / 1913, dirigido por Gardin e Protazanov e baseado no romance sucesso de vendas de Anastasia Verbitskaya, conta como uma mulher adiante de seu tempo, Manja Elcova (Olga Preobrazhenskaya), tenta se adaptar à vida moderna e acaba se matando.

Roman s kontrabasom

A comédia também esteve presente no ínicio do cinema russo primeiramente como esquetes cômicos de 10 minutos e depois esquetes mais longos, surgindo a comédia de situação, representada, por exemplo, por Roman s kontrabasom (Romance com Contrabaixo) / 1911, baseado em uma história de Anton Chekov e dirigido por Kai Hansen. A ação transcorre no campo, onde primeiro um tocador de contrabaixo (Nikolai Vasilyev) e depois a Princesa Bibulova (Vera Gorskaya) têm suas roupas roubadas enquanto nadam em um lago. Como um verdadeiro cavalheiro o músico oferece à dama a caixa de seu contrabaixo para ela se esconder, mas enquanto ele vai buscar socorro, a caixa é encontrada e transportada para seu destino. Quando a caixa é aberta uma dama de maiô muito envergonhada sai da caixa. Em outra comédia, Domik v Kolomne (A Casa em Kolomna) / 1913, baseada em um poema dramático de Pushkin e dirigida por Chardynin, um homem (Ivan Mozzhukhin) se disfarça de mulher, fazendo-se passar de cozinheira, a fim de ficar perto de sua namorada (Sofia Goslavskaya), que faz a faxina da casa sob a supervisão de sua mãe viúva (Praskoya Maksimova) uma velha mandona.

Wladislaw Starewicz

A arte da animação chegou ao estúdio de Khanzhonkov quando ele trouxe em 1912 o polonês Wladyslaw Starewicz, que adquiriu fama com mestre da animação de fantoches em filmes como Mest kinematograficheskogo operatora (A Vingança do Cameraman) / 1912, Strekoza i muravei (A Libélula e a Formiga) / 1913 e o parte-animação, parte ação ao vivo Liliya Belgii (O Lírio da Bélgica) / 1915, parábolas da vida moderna ambientadas   no mundo dos insetos e flores. Starewitz especializou-se em filmar insetos, primeiramente em documentários e depois em forma de fantoches, transformando-os em figuras com características humanas.

A. Khanzhonkov

Khanzhonkov importou filmes que mostraram aos russos os primeiros astros estrangeiros, focalizando a atenção do público no ator: o comediante francês Max Linder, a atriz dinamarquesa Asta Nielsen, o ator dinamarquês Valdemar Psilander (com o apelido de “Garrison”) e a polonesa Apolonia Chalupiec, que ganhou fama trabalhando com Ernst Lubitsch sob o nome artístico de Pola Negri. Entretanto, os atores e atrizes russos do teatro não tinham permissão para atuar no cinema. Assim, a reputação de um ator do teatro não podia ajudar na promoção de um filme. Mas o cinema logo criou seus próprios astros como Ivan Mozzhukhin, que mais tarde, em 1918, daria sua contribuição para a célebre experiência de montagem de Kulechov e aumentaria sua fama trabalhando no cinema francês dos anos vinte. Em 1916 Mozzhukhin foi para o estúdio de Iossif Ermoliev, ex-representante da Pathé na Rússia que se tornou dono de grandes estúdios em Yalta e Moscou e após a Revolução, emigrou para a França, onde fundou a Companhia Film Albatros e passou a ser conhecido como Joseph Ermolieff.

Quando Protazanov ingressou no estúdio de Ermoliev, ele se desenvolveu como diretor realizando adaptações de clássicos da literatura, destacando-se Pikovaya dama (A Dama de Espadas) / 1916, baseado no conto de Pushkin, espetáculo com altos valores de produção, técnica diretorial inventiva no uso dos flashbacks e das posições de câmera, e uma profundidade psicológica na interpretação, especialmente por parte de Ivan Mozzhukhin.

Pikovaya dama

O ambiente depressivo causado pela guerra da Rússia contra a Austria-Hungria e Alemanha iniciada em julho de 1914 e pelo assassinato de Rasputin em 1916, que levaria à abdicação do tzar em 1917, fez com que as companhias produtoras procurassem desviar o público da realidade oferecendo-lhe, além das adaptações literárias, melodramas focados em mulheres. Em um desses filmes, Mirazhi (Miragens) / 1915, dirigido por Chardynin, Vera Kholodnaya (a primeira estrela do cinema silencioso russo) interpreta o papel de Marianna, jovem pobre e decente que está trabalhando para um milionário, Herr Dymov (Arseni Bibikov). Marianna tem uma preocupação especial e um talento para as Artes e foi precisamente por isso que Dymov a empregou para ler livros para ele. Quando Marianna conhece o filho dele (Vitold Polonsky), ela vai se afastando mais e mais de seu lar seguro e de seu noivo Sergei (Andrej Gromov) em direção ao mundo artístico boêmio e se entrega Dymov Filho. Quando ele a abandona, é tarde demais; rejeitada por sua família, ela se mata.

Yevgeni Bauer

Entretanto, o mestre incontestável do melodrama (o “Rei do Melodrama”) foi Yevgeni Bauer, considerado na Rússia dos anos 1910 como o realizador de filmes mais importante do país, que seria condenado como “um decadente” pelas histórias oficiais soviéticas.

Yevgeny Frantsevich Bauer (1865-1917), nasceu em Moscou. Rússia filho de uma família de artistas. Seu pai, Franz Bauer, era um músico de renome que tocava cítara e sua mãe uma cantora de ópera. Ele estudou na Escola de Arte, Escultura e Arquitetura de Moscou e se tornou conhecido primeiramente como cenógrafo de operetas e comédias farsescas, apresentando-se também ocasionalmente como ator amador. Era também conhecido como caricaturista, jornalista e empresário teatral. Durante os anos 1900 envolveu-se com fotografia artística.

Em 1912 foi contratado como cenógrafo para a sucursal da Pathé Moscou como assistente do futuro principal cenógrafo soviético Alexei Utkin. Em 1913 Bauer desenhou os cenários de uma superprodução de Drankov e seu sócio Alexei Taldykin para comemorar o tricentenário da Dinastia Romanov e no final do mesmo ano iniciou sua carreira como diretor na Pathé e nos estúdios de Drankov – Taldykin. Em 1914 começou a trabalhar na companhia de Khanzhonkov.

Dos 82 filmes firmemente creditados a Bauer, 26 ainda existem e são suficientes para se avaliar seu estilo original em termos de cenografia com seus interiores excepcionalmente espaçosos e suas famosas colunas, que tinham afinidade com a versão Art Nouveau do arquiteto Fedor Shekhtel. Seu domínio da iluminação, seu uso da ângulos de câmera inusitados e primeríssimos planos, sua montagem inventiva e efeitos teatrais como planos gerais através de janelas ou o uso de gazes e cortinas para alterar a imagem na tela, todas essas invenções estavam décadas adiante de seu tempo.

Bauer foi um dos primeiros diretores que usaram a tela dividida (split screen). Ele desenvolveu movimentos de câmera engenhosos, mostrando uma extraordinária profundidade de campo e obtendo efeitos dramáticos poderosos. Os travellings de Bauer mostram uma simpatia pela vida interior dos personagens em vez de apenas enfatizarem a amplitude da decoração. Lembrando o trabalho de Bauer com a luz, o ator Ivan Perestiani disse: “Um feixe de luz em suas mãos era um pincel de artista”. O discípulo mais jovem de Bauer foi Lev Kulechov, que ficou famoso pela sua experiência com a montagem.

Os melodramas de Bauer exploram os sentimentos das pessoas que habitavam um mundo que estava se extinguindo e desapareceria para sempre com a Revolução.  Eles captam o modo de vida decadente da época e lidam mais com ação psicológica do que com a ação física. Todos tinham finais infelizes. Em seguida dou alguns exemplos.

No primeiro filme de Bauer, Sumerki zhenskoi dushi (Crepúsculo da Alma de uma Mulher) / 1913, a jovem Vera Duboskaja (Nina Chernova), filha de uma condessa, leva uma vida de luxo, mas está entediada. Um dia, sua mãe a convida para fazer caridade. Vera fica muito comovida com a situação dos pobres e resolve dedicar sua vida para ajudá-los. Entretanto, um rufião, Maksim Petrov (V. Demert), aproveitando-se de sua inocência, atrai a moça para a sua morada e a estupra. Então Vera o mata. Ela se casa com o Príncipe Dolskij (A. Ugrjumov), porém quando lhe revela seu passado, ele a culpa pelo estupro. Vera abandona Dolskij e se torna uma cantora de ópera. Um dia, Dolskij a vê no palco sob um novo nome, Ellen Kay, interpretando La Traviatta, mas quando se aproxima dela, ela se recusa a aceitá-lo de volta. Dolskij se mata.

Ditya bolshogo goroda

Em outro filme de Bauer, Ditya bolshogo goroda (Garota da Cidade Grande) / 1914, uma jovem costureira Manetschka (Elena Smirnova), sonha com uma vida melhor. Seus sonhos se realizam quando chama a atenção de Viktor Kravtsov (Mikhail Salarov), um cavalheiro que a convida para jantar e faz dela uma dama, que agora se chama Mary. Algum tempo depois ela se cansou dele e quase o arruinou financeiramente. Quando Viktor propõe a Mary se mudar para fora da cidade, onde seu dinheiro seria suficiente para uma vida modesta, ela rompe com ele e arruma um novo amante. Um ano mais tarde, Viktor está ocupando um pequeno quarto, escuro e frio, ainda pensando em se encontrar novamente com Mary. Ele vai procurá-la, mas o porteiro não o deixa entrar. Quando o porteiro comunica sua presença à Elena esta lhe dá três rublos, para que ele os entregue ao pobre Viktor. Desesperado, ele se mata nos degraus da casa de Mary e ela tem a arrogância e o sangue-frio de passar por cima de seu corpo para ir ao restaurante Maxim´s, falando: “Dizem que dá sorte passar por cima de um cadáver”.

Em Nemye svideteli (Testemunhas Silenciosas) / 1914, o tema central é a interação entre a criadagem de uma residência da classe alta e seus patrões. Uma das criadas dos Kostritzyns quer deixar o emprego a fim de ficar perto de seu marido e filhos. Nastya (Dora Tschitorina), uma moça curiosa que observa tudo o que se passa no andar de cima onde ficam os aposentos dos patrões, aceita substituí-la. Pouco depois a patroa parte em uma viagem, deixando seu filho Pavel (Aleksandr Chargonin) em casa. Nastya percebe que Pavel está apaixonado por Yelena (Elsa Krueger), mas ela está mantendo um relacionamento romântico com o Barão von Roheren (Viktor Petipa). Quando Nastya consola o bêbado Pavel, este a embriaga também e a seduz. Forçada pelo pai a se casar com Pavel Kostritzyn, Ellen continua seu caso amoroso com o barão abertamente. Nastya, que se apaixonou por Pavel, assiste tudo com tristeza.

 

Griozy

Em Griozy (Devaneios) / 1915, Sergei Nedelin (Aleksandr Vyrubow), vive obcecado com a morte de sua esposa adorada Yelena (F. Werchowzewa) sempre lembrada pelas tranças que ele guardou em uma caixa de vidro. Um dia, ele pensa ter reconhecido a falecida ao ver passar na rua Tina (N. Tshernobajewa) atriz que atua em “Robert, le Diable” de Meyerbeer. Seu papel na ópera é o de uma mulher que ressuscita emergindo de um caixão. Nedelin consegue uma foto de Tina com seu autógrafo e quer vê-la pintada em um quadro vestida com as roupas de Yelena. Tina por sua vez espera obter vantagens através do relacionamento com Nedelin: ela exige as jóias e as roupas de Yelena e quando o provoca retirando as tranças da caixa de vidro e se enrolando nelas, ele a estrangula.

Deti Veka

Em Deti Veka (Filhos do Século) / 1915, Maria Nikolaevna (Vera Kholodnaya) leva uma vida simples com seu marido, caixa de um banco (Ivan Gorskij), e seu filhinho. Um dia, ao sair para fazer compras, ela se encontra com sua velha amiga Lidija Verkhovskaya (Vera Glinskaya), herdeira da fortuna de seu esposo. Lidija convida Maria para sua casa e a introduz nos prazeres mundanos da alta sociedade. Maria vê assediada por Lebedev (Arseni Biibkov), empresário rico e influente. Lebedev usa sua influência no banco para que o marido de Maria seja demitido, sem que ela saiba. Eventualmente, Maria cede aos avanços de Lebedev. Envergonhada e com sentimento de culpa, ela deixa o marido e este recebe uma proposta deo advogado de Lebedev para renunciar a Maria e à criança em troca de dinheiro. Indignado, ele recusa e se suicida.

Vera Kholodnaya e Olga Rakhmanova

Em Zhizn za zhizn (Uma Vida por Outra) / 1916, baseado no romance “Serge Panine” de Georges Ohnet, a viúva milionária Senhora Khromova (Olga Rakhmanova) tem duas filhas: uma biológica Musya (Lidyia Koreneva) e outra adotada Nata (Vera Kholodnaya). Nata está apaixonada por pelo Príncipe Bartinsky (Vitold Polonsky) mas o rico comerciante Zhurov (Ivan Perestiani) também a quer. Bartinsky perdeu muito dinheiro no jôgo e precisa se casar com uma jovem rica. Zhukov sugere que Bartinsky se case com Musya e que ele se case com Nata. Apesar das reservas das Senhora Khromova sobre Bartinsky o casamento duplo segue em frente. Musya e Bartinsky viajam em lua-de-mel, mas após seu retorno ele reaviva seu caso amoroso com Nata, que revela a verdade para a Senhora Khromova. Enquanto isso, Musya dá todo seu dinheiro para Batinsky, que ele perde nas corridas de cavalos e na mesa de jogo. Zhukov surpreende Bartinsky em um encontro íntimo com sua esposa. Tendo sido incapaz de matá-los ele faz uma denunciação caluniosa contra Bartinsky, para que ele seja punido pela lei; depois, confessa para a Senhora Khromova que sua acusação contra Bartinsky era falsa. A Senhora Khromova e Bartinsky estão no mesmo aposento quando um criado chega avisando que a polícia cercou o local. Quando a Senhora Khromova fica a sós com Bartinsky, ela sugere que ele seja “homem pelo menos uma vez na vida” e se mate. Bartinsky a desafia, ela o mata, e coloca a arma na sua mão, para que pareça um suicídio. Na última cena vemos Musia e Nata desesperadas ao verem o cadáver do homem que as duas amavam.

Nelly Raintseva

Em Nelli Raintseva (Nelli Raintseva) / 1916, Nelli (Zoya Barantsevich), entediada pela falta de sentido na sua vida provinciana, vai a uma festa organizada por alguns criados, onde é embriagada e violentada por um dos empregados de seu pai. Quando descobre que está grávida, ela se mata.

Em Umirayushchiy lebed (O Cisne Moribundo) / 1916 Viktor (Vitold Polonsky) corteja a  muda Giselle (Vera Karalli) sob o olhar vigilante de seu pai. Quando Giselle o vê com uma outra moça, ela fica enciumada e pede a seu pai que a deixe dançar no palco. Giselle faz uma bela carreira no tablado e sua performance é apreciada pelo pintor Valeri Glinsky (Andrej Gromov,) que estava procurando capturar “a morte” na tela. Vendo Giselle como um cisne moribundo no balé ele pede a ela para posar para ele, a fim de que possa pintá-la na pose final sem vida de sua dança. Quando Viktor reencontra Giselle e explica o malentendido, eles decidem se casar. Mas a energia na expressão de Giselle no seu retrato necrófilo atrapalha o pintor e ele mata Giselle a fim de que possa completar seu retrato.

Za schastiem

Em Za schastiem (Para a Felicidade) / 1917 uma viúva rica, Zoya Verenskaia (Lidiia Koreneva), está apaixonada pelo advogado Dmitrii Gzhatskii (Nikolai Radin). Entretanto, como sua filha Li (Taisia Borman) está com problema de saúde e corre o risco de perder a visão, ela adia o casamento até que sua filha esteja melhor. Em uma estadia na Criméia, um rapaz, Enrico (Lev Kuleshov), propõe casamento a Li, mas é rejeitado porque ela está secretamente enamorada de Dmitrii. Zoya ouve a conversa entre Li e Enrico e implora a Dimitrii que ele se case com Li. Dmitrii recusa e quando diz a Li que ama sua mãe, a moça fica cega.

Bauer queria fazer o papel de Enrico, mas infelizmente sofreu uma queda e quebrou a perna. Mesmo assim ele usou uma cadeira de rodas e começou a filmar seu último filme, Korol Parizha (O Rei de Paris) / 1917. Complicações inesperadas interromperam seu trabalho e ele foi internado em um hospital. O filme foi completado pela atriz Olga Rakhmanova e seus colegas. Bauer faleceu de pneumonia aos 52 anos de idade. Ficamos sem saber se ele poderia ter sido um dos grandes cineastas do período soviético, caso tivesse vivido até os anos vinte.

                                                         Filmes de Bauer em Dvd:

Existem dois dvds da Milestone Films com três filmes de Bauer: Mad Love: The Films of Evgeni Bauer e Early Russian Cinema -10 volumes, sendo que nos volumes 7, 9, e 10 estão outros três filmes de Bauer.

LYNN BARI E SUA BUSCA PELO ESTRELATO

Ela era atriz contratada de estúdio típica durante a época de ouro de Hollywood. Alta (1.70m), bonita, muito talentosa e admirada pelos fãs e colegas de trabalho, parecia destinada a se tornar uma grande estrela. Os admiradores brasileiros – que eram muitos – prognosticavam seu sucesso na tela e suas fotos – sempre elegantemente vestida – eram impressas constantemente na maioria das nossas revistas, notadamente em reportagens tipo “estrelas na intimidade” ou como modelo em anúncios de propaganda.

Lynn Bari

Para conhecer melhor o percurso de sua ascensão profissional, consultei o excelente livro de Jeff Gordon, “Foxy Lady -The Autorized Biography of Lynn Bari” (BearManor, 2010), valorizado pelos extensos depoimentos da própria biografada, entrevistas com dezenas de seus amigos, membros da família e associados profissionais, além de muitas fotos.

Lynn Bary (1919 – 1989), cujo verdadeiro nome era Marjorie Shuyler Fisher (mas seria sempre chamada de Peggy), nasceu em Roanoke, Virginia, filha de Marjorie e John Fisher. Seu irmão, John, era cinco anos mais velho. Os Fishers viveram em Roanoke até 1922, quando se mudaram para Mill Mountain e se instalaram no bairro de classe média de Walnut Hill. Em 1925 a família se transferiu para Lynchburg, onde John montou uma concessionária de automóveis. Marjorie tornou-se alcoólatra e passou a hostilizar o marido, que entrou em depressão e se suicidou, pulando da janela de um hotel. Em 1927 Marjorie foi morar com os filhos na casa de sua irmã Ellen em Melrose; dois anos depois, foi com Peggy para Boston, deixando John com a tia. Marjorie não se deu bem nos empregos que teve como recepcionista em dois escritórios e se tornou membro do Institute of Religious Sciences, onde conheceu e acabou se casando com um de seus líderes locais, o Reverendo Robert L. Bitzer. No início de 1930 o reverendo foi designado para incrementar a Christian Science em Los Angeles e inaugurar uma igreja em Hollywood, onde este movimento religioso estava prosperando.

Lynn Bari

Assim que chegou em Los Angeles, Peggy quis entrar para o cinema. Aos treze anos de idade, era uma bela adolescente e, quando viu o anúncio na página de classificados de um jornal “Procura-se moças para um musical da MGM. Tragam maiô”, com a aprovação entusiástica da mãe, levando o maiô e de sapatos de salto alto, chegou no estúdio, onde três mil mulheres também se apresentaram. No palco bem iluminado onde elas desfilaram estava Sammy Lee, diretor de danças da Fox, na ocasião trabalhando para a MGM por empréstimo. Ele estava á procura de showgirls / modelos (muitas vezes chamadas de coristas, mas que não se confundem elas, porque não eram dançarinas – apenas desfilavam com vestidos bonitos e, de vez em quando, fingiam cantar a letra de uma música pré-gravada).

O primeiro emprego de Peggy (falsificando a idade) no cinema foi como modelo em Amor de Dançarina / Dancing Lady / 1933. No mesmo ano, ainda na MGM, ela pareceu em Viva o Barão! / Meet the Baron, que foi lançado antes de Amor de Dançarina. Marjorie tinha como certo que Peggy iria se tornar uma estrela e ajudou a filha a criar o nome artístico de Lynn Bari (inspirado no prenome da atriz Lynn Fontanne e no sobrenome do escritor James Barrie (mudando a pronúncia de Barrie para Bari). Em 1934 Lynn conseguiu emprego como extra em Eu sou Suzanne! / I am Suzanne! (Fox) e A Conquista da Beleza / Search for Beauty (Paramount) e, no período 1934 – 1937, trabalhou na Fox como showgirl, extra ou em pequenos papéis em aproximadamente vinte filmes da Fox / Twentieth Century-Fox por ano, tendo sido emprestada para a MGM para atuar como showgirl em Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great Ziegfeld. Quando não estava diante das câmeras, Lynn frequentava as aulas da escola de arte dramática da Fox (dirigida por Lillian Barkley), que lhe serviram também para suprir a falta de uma educação formal, que ela também complementou, frequentando bibliotecas a fim de conhecer as grandes obras literárias. Após quatro anos de muita persistência e dedicação, a jovem atriz saiu do anonimato com três filmes: O Lanceiro Espião / Lancer Spy / 1937, A Baronesa e o Mordomo / The Baroness and the Butler / 1938 e Walking Down Broadway / 1938. No primeiro filme ela fez um pequeno papel (Miss Fenwick, filha do Coronel Fenwick / Lionel Atwill) que, durante uma viagem de avião, ouve do pai, a história de espionagem) e seu nome saiu em último lugar nos créditos finais; no segundo e terceiro filme, era coadjuvante (a camareira Klari; a corista Sandra de Voe que é atropelada por um caminhão ao sair do teatro) com o nome nos créditos iniciais.

Lloyd Nolan e Lynn Bari em Testemunha Ocular

 Preston Foster e Lynn Bari em O Espião Japonês

Claire Trevor, a estrela de Walking Down Broadway, havia sido a principal atriz dos filmes B da Fox nos últimos cinco anos e, quando deixou o estúdio, Lynn herdou esta posição na unidade supervisionada por Sol Wurtzel. Tal como Trevor, Lynn era uma atriz forte e inteligente com um profundo compromisso com o seu ofício e, assim como sua antecessora, possuia uma “qualidade de estrela”, sua simples presença podia animar um filme. Entre 1938 e 1942 Lynn interpretou a heroína em 17 filmes supervisionados por Wurtzel entre eles filmes de séries como Mr. Moto (O Palpite de Mr. Moto / Mr. Moto´s Gamble / 1938); Charlie Chan (Charlie Chan na Cidade das Trevas / Charlie Chan in the City of Darkness / 1939); Big Town Girls (Meet the Girls / 1939, Desculpe Nossa Ousadia / Pardon Our Nerve / 1939); Camera Daredevills (Salvando um Reino / Sharpshooters / 1938,  Cortejando a Morte / Chasing Danger / 1939); Michael Shayne (Testemunha Ocular / Sleepers West  / 1941). Outros filmes sob contrôle de Wurtzel foram: 1938 – Casaremos Amanhã / Battle of Broadway; O Relâmpago da Pista / Speed to Burn. 1939 – Surpresa Noturna / News is Made at Night; Três Capacetes de Aço / Pack Up Your Troubles. 1940 – A Sorte Engana / City of Chance, Loura Perigosa / Free, Blonde and 21, Vingança do Passado / Earthbound, O Segredo da Noiva / Pier 13, Um Drama do Ar / Charter Pilot. 1941 – Vivemos a Pressa / We Go Fast, Minha Esposa Diverte-se / Moon Over Her Shoulder, Precisa-se de um Marido / The Perfect Snob. 1942 – O Espião Japonês  / Secret Agent of Japan.

George Sanders e Lynn Bari em Nas Garras do Falcão

Simultaneamente, salvo em uma ocasião quando, emprestada à RKO, atuou ao lado de George Sanders na série B The Falcon (Nas Garras do Falcão / The Falcon Takes Over / 1942), Lynn serviu como coadjuvante em filmes classe A (1938 – Josette / Josette, Adeus para Sempre / Always Goodbye, Mendigo Milionário / I´ll Give a Million. 1939 – A Volta de Cisco Kid / The Return of Cisco Kid, Hotel para Mulheres / Hotel for Women, Hollywood em Desfile / Hollywood Cavalcade. 1940 – A Bela Lillian Russell / Lillian Russell. 1941 – Sangue e Areia / Blood and Sand, Quero Casar-me Contigo / Sun Valley Serenade. 1942 – The Night Before the Divorce, Serenata Azul / Orchestra Wives), sendo creditada como atriz principal em Kit Carson / Kit Carson / 1941 (produzido por Edward Small) e Assim Vivo Eu / The Magnificent Dope / 1942

Dana Andrews, Lynn  Bari e Jon Hall em Kit Carson

Ao nível do filme B Lynn interpretou papéis de heroína, alegre e simpática. Nos filmes A ocorreu o contrário: Lynn foi quase que exclusivamente mostrada como uma personagem secundária insensível, geralmente como malvada, a mulher fatal da história. Ela queria estrelar filmes A, mas o estúdio estava satisfeito em mantê-la como atração principal na área do filme B, onde seu nome garantia sucesso na bilheteria. Lynn nunca teve um forte apoio publicitário para impulsionar sua ascensão ao estrelato apesar de todo seu esforço e dedicação ao trabalho.

Sonja Henie, John Payne e Lynn Bari em Quero Casar-me Contigo

Em um filme A produzido em 1941, Quero Casar-me Contigo, ela chegou perto de atingir sua meta. Nesta comédia musical dirigida por Bruce Humberstone, Lynn fazia o papel de Vivian Dawn, cantora de blues temperamental que, durante uma gravação, se interessava por Ted Scott (John Payne), pianista da orquestra de Phil Corey (Glenn Miller). Vivian contratava Phil e sua banda para se apresentar com ela em Sun Valley, no Idaho, onde surgia uma refugiada norueguesa, Karen Benson (Sonja Henie), nascendo uma rivalidade entre elas. Glamorosamente fotografada por Edward Cronjager e vestida com elegância por Travis Banton, Lynn recebeu finalmente um “tratamento” completo de estrela. No mesmo ano, sua situação promissora foi reforçada em um filme B, Minha Esposa Diverte-se / Moon Over Her Shoulder, comédia romântica com um pendor feminista dirigida por Alfred L. Werker. Lynn é Susan Rossiter, esposa negligenciada de um psiquiatra, Dr. Phillip Rossiter (John Sutton). Susan sente-se não realizada, desempenhando o modelo de uma dona de casa perfeita, sentimento agravado pela obsessão de seu marido pelo trabalho. Ele sugere que ela retome seu antigo passatempo, a pintura. Um dia ela encontra um iatista Rex Gibson (Dan Dailey) e passam o dia juntos. Ela abraça seu estilo de vida excêntrico, passa por uma renovação pessoal, e finalmente é obrigada a escolher entre o velejador e o analista. Novamente, muito bem vestida e fotografada (desta vez respectivamente por Herschel McCoy e Lucien Andriot), Lynn interpreta um papel importante com muito charme e entusiasmo.

Entre 1943 e 1946 Lynn fez : (1943 – Paixão Oriental / China Girl; Aquilo Sim, Era Vida! / Hello, Frisco, Hello. 1944 – A Ponte de San Luis Rey / The Bridge of San Luis Rey; Tampico / Tampico, Explosão Musical / Sweet and Low-Down. 1945 – O Capitão Eddie / Captain Eddie. 1946 – Choque / Shock; Lar, Doce Tortura / Home Sweet Homicide; Margie / Margie, mas em nenhum deles teve oportunidade de mostrar seu talento, fato aliás lamentado pelos críticos e seus fãs. Durante os anos de guerra a jovem atriz gozou de muita popularidade entre os soldados como pin-up e foi apelidada de “The Woo Woo Girl” e “The Girl with the Million Dollar Figure”.

Lynn Bari e Edward G. Robinson   em Tampico

Bari e Vincent Price em Choque

Lynn Bari como Pin-Up Girl

Em 1947 Lynn foi requisitada pela RKO, onde contracenou com George Raft em um filme noir muito bom, Noturno / Nocturne, dirigido por Edwin L. Marin e produzido por Joan Harrison, assistente de longa data de Alfred Hitchcock. Na trama um compositor donjuanesco é encontrado morto caso sobre o teclado de um piano. As paredes da sala estão cheias de retratos fotográficos de suas muitas conquistas. A única pista da identidade do assassino é a partitura da música, que ele estava tocando quando morreu, dedicada a uma tal de “Dolores”. Porém ele costumava chamar todas as amantes por este nome. O detetive Joe Warne (George |Raft) investiga o caso e Lynn é uma das moças dos retratos e, portanto, uma das suspeitas do crime. Mais uma vez ela recebeu um tratamento fotográfico especial, agora por um especialista do gênero, Harry J. Wild, e uma atenção também por parte da produtora, que acompanhou de perto a escolha de seu vestuário.

Lynn Bari e George Raft em Noturno

Depois deste interlúdio recompensado, Lynn voltou para a Fox, recusou indignada um papel de segunda importância que lhe ofereceram e foi suspensa. Cumpriu sua penitência e, quando retornou ao estúdio, alguns incidentes e mal entendidos provocaram sua saída do estúdio, após tantos anos de serviço. Como disse Jeff Gordon no seu livro, foi-se todo o seu apoio criativo, financeiro e emocional. Pela primeira vez em sua vida a quase-estrela estava realmente sozinha.

Turhan Bey e Lynn Bari em O Místico

Ciente de que suas opções de emprego se tornaram limitadas devido à ira de Darryl F. Zanuck contra ela, Lynn aceitou logo a primeira oferta que teve, vinda da recentemente formada Eagle-Lion, onde fez dois filmes em 1948: Morrerei Onde Nasci / The Man from Texas e O Místico / The Spiritualist ou Amazing Mr. X. Graças  sobretudo aos efeitos fotográficos  especiais proporcionados por John Alton e ao score romântico de Alexander Laszlo, o último filme citado foi o melhor que ela fez na fase final de sua carreira. Neste drama de mistério Lynn faz o papel de uma Christine Faber, herdeira rica e encantadora, que reside em uma mansão ao longo da costa da Califórnia. É na praia que Chris fica pela primeira vez ouve a voz de seu marido Paul (Donald Curtis), supostamente falecido há dois anos em um desastre de automóvel. Paul na verdade está vivo e, com a cumplicidade de um falso vidente chamado Alexis (Turhan Bey), que o ajuda a assombrar sua mulher, está armando um plano para se apossar de sua fortuna. Atuando com naturalidade, Lynn destaca-se do resto do elenco e seus close-ups belíssimos expõem sua formosura.

Lynn Bari e Ray Middleton em Minha Vida Te Pertence 

Os papéis de Lynn nos seus filmes derradeiros produzidos por companhias variadas, assinalaram um final melancólico para a sua carreira cinematográfica: 1949 – Revolta de um Coração / The Kid from Cleveland (Herbet Kline / Republic). 1951- Um Homem e Sua Alma / I´d Climb the Highest Mountain (Fox); Uma Canção e um Beijo / Sunny Side of the Street (Columbia); Abismos do Desejo / On the Loose (Filmakers / RKO). 1952 – Minha Vida Te Pertence / I Dream of Jeannie (Republic); Sinfonia Prateada / Has Anybody Seen My Gal (Universal-International). 1954 – Francis entre as Boas / Francis Joins the Wacs (U-I). 1955 – De Pernas Pro Ar / Abbott and Costello Meet the Keystone Kops (U-I) 1957 – Terror na Ilha das Mulheres / The Women of Pitcairn Island (Regal); 1958 – Damn Citizen (U-I). 1962 – As Nove Vidas de Elfego-Baca / Elfego Baca: Six-Gun Law (Walt Disney / Buena Vista). Sua trajetória no cinema sempre foi acompanhada por apresentações no rádio, e depois no teatro e na televisão, onde ainda manteve algum prestígio, até se aposentar definitivamente da vida artística em 1974.

No âmbito familiar a ascensão de Lynn para o estrelato foi sabotada por problemas não resolvidos com sua mãe dominadora e alcoólatra, três casamentos frustrados (sempre explorada pelos seus sucessivos consortes (Walter Kane, Sid Luft, Nathan Rickles) e, a partir de determinado momento de sua vida, pelo seu próprio alcolismo. Lynn morreu de ataque cardíaco em 1898, deixando um filho, John Luft.