A Universum-Film-Aktiengesellchaft (ou Universum AG) foi o conglomerado cinematográfico mais importante da Alemanha durante a República de Weimar e o Terceiro Reich e concorrente direta de Hollywood.
Durante a Primeira Guerra Mundial as autoridades alemãs perceberam a influência que os filmes anti-germânicos exerciam por toda a parte no exterior e reconheceram a insuficiência da sua produção de filmes doméstica. Para satisfazer às enormes demandas, os produtores inundaram o mercado com filmes de qualidade inferior à maior parte das películas estrangeiras; além disso, o cinema alemão não foi animado pelo mesmo zelo propagandístico que o cinema dos Aliados demonstrava.
Consciente desta situação perigosa, as autoridades germânicas tentaram mudá-la, intervindo diretamente na produção de filmes. Em 1916, por iniciativa de Alfred Hugenberg, presidente do conselho de administração da indústria de aço e armamentos Krupp, foi fundada a Deustsche Lichtbild – Gesellschaft (DLG) – que depois da Primeira Guerra Mundial se tornou Deulig Film -, uma companhia cinematográfica para divulgar a Pátria no âmbito doméstico e no exterior através de filmes documentários. No início de 1917 foi criada a Bufa (Bild-und Filmamt), agência governamental com a finalidade de propiciar salas de exibição para as tropas na frente de batalha e fornecer esses documentários, que registravam atividades militares.
Isso já era algo, mas não o suficiente. Quando após a entrada dos Estados Unidos na guerra os filmes americanos tomaram conta do mundo, incentivando o ódio da Alemanha com uma fúria incomparável, os círculos de liderança germânicos concordaram que somente uma organização de grandes proporções seria capaz de neutralizar esta campanha. O todo-poderoso General Ludendorff, tomou a iniciativa de recomendar uma fusão das principais companhias cinematográficas, para que suas energias dispersas pudessem ser canalizadas em benefício do interesse nacional. Suas sugestões eram ordens. Por força de uma resolução adotada em novembro de 1917 pelo Alto Comando Militar Alemão em contato próximo com financistas, industriais e armadores, a Messter Film de Oskar Messter, a Union de Paul Davidson e as companhias controladas pela firma dinamarquesa Nordisk – com o apoio de um grupo de bancos – se fundiram em uma nova empresa: Ufa (Universum Film A. G.)
A nova companhia teve à sua disposição o capital apreciável de 25 milhões de marcos. O primeiro Conselho Administrativo foi constituído por membros da alta burguesia do período guilhermino e financistas e industriais prusso-germânicos e presidido por Emil Georg von Strauss do Deutsche Bank. Em 14 de fevereiro de 1918 a UFA foi registrada na Junta Comercial com a missão oficial de fazer propaganda da Alemanha de acordo com a diretivas do governo. Para atingir seus objetivos, tinha que melhorar o nível da produção doméstica, porque somente filmes de padrão artístico elevado poderiam rivalizar com as realizações estrangeiras. Animada por este interesse a Ufa reuniu uma equipe de produtores, artistas e técnicos talentosos e organizou o trabalho de estúdio com aquela meticulosidade da qual dependia o sucesso de toda campanha propagandística.
Com a fundação da Ufa a indústria cinematográfica alemã foi “Germanizada”. Desde 1914 os distribuidores foram impedidos de trazer filmes franceses e britânicos, logo depois filmes italianos e, a partir de 1917, também os filmes americanos. Ao mesmo mesmo tempo, ironicamente, o patriotismo fílmico germânico estava exausto. A guerra não era mais uma novidade e havia se tornado doloroso relembrá-la todo dia na tela. O público preferia ver a série de filmes do detetive Stuart Webb, criada antes da guerra pelo produtor e diretor Joe May e interpretado pelo ator Ernst Reicher. Diante da iminente derrota da Alemanha a maior preocupação dos líderes civís da Ufa era manter a empresa intacta e adotar todas as medidas que pudessem, para assegurar um futuro financeiro favorável nos próximos anos.
Graças à política de fusão promovida sob a proteção do Deustsch Bank, a Ufa desde o início ostentou uma galeria de astros com grandes nomes e apelo de bilheteria. Da Union de Paul Davidson vieram os diretores Ernst Lubitsch e Paul Wegener estes trouxeram seus colaboradores mais íntimos, o roteirista Hans Kraly e o diretor de arte Rochus Gliese, estrelas como Asta Nielsen, Pola Negri, Ossi Oswalda, Erna Morena, Harry Liedtke, Victor Janson, Emil Jannings, Hans Junkermann e muitos outros. Da Messter de Oskar Messter a Ufa levou o diretor e ator Viggo Larsen assim como Henny Porten, Bruno Decarli, Arnold Rieck e outros favoritos do público. Em 1918 a Ufa comprou a May-Film de Joe e Mia May (obtendo o seu amplo estúdio em Weissensee) e assumiu dois estúdios em Tempelhof.
Em 1921, para superar dificuldades econômicas graves devidas à hiperinflação, a Ufa necessitava de uma drástica infusão de capital (algo como um aumento de 25 para 100 milhões de marcos), mas o Ministro das Finanças disse que isto estava fora de questão. Foi então recomendado que o principal acionista assumisse as ações do Reich, que se retiraria completamente da empresa. O principal acionista era o Deutsche Bank.
Em 1922, após a privatização, foi formalizada a fusão entre a Ufa e a Decla-Bioscop, a segunda maior companhia cinematográfica alemã. Em virtude desta fusão a Ufa se mudou para os estúdios da Bioscop em Neubabelsberg, expandiu-os e recebeu em suas fileiras mais figuras proeminentes do Cinema Alemão como os diretores Ludwig Berger, Johannes Guter, Carl Froelich, E. A. Dupont, Fritz Lang, F. W. Murnau; o chefe de produção Eric Pommer; roteiristas como Thea von Harbou e Carl Meyer; arquitetos talentosos como Robert Herlth, Walter Röhrig, Hermann Warm, Otto Hunte, Rochus Gliese, Erich Czerwonski; fotógrafos como Karl Freund, Carl Hoffman, Axel Graatkjär, Fritz Arno Wagner, Eric Washneck e atores e atrizes como Lil Dagover, Aud Egede Nissen, Grete Berger, Agnes Straub, Gertrud Welcker, Paul Richter, Rudolf Klein-Rogge, Alfred Abel, Bernard Goetzke, Paul Hartmann, Gustav von Wangenheim, Anton Edthofer, Werner Krauss, Hermann Thimig entre outros.
Graças ao talento destes artistas e técnicos e à capacidade organizacional de seus dirigentes a Ufa se impôs no mercado internacional e foi responsável pelos grandes clássicos da época áurea do cinema alemão como, por exemplo, Siegfried / Die Nibelungen: Siegfried / 1924 (e sua segunda parte, A Vingança de Kriemhild / Die Nibelungen: Kriemhilds Rache) e Metrópolis / Metropolis de Fritz Lang ou Fausto / Faust: Eine deustche Volkssage / 1926 e A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1927 de Murnau. Porém não somente os filmes, como também seus estúdios e cinemas magníficos (e o esplendor de suas pré-estréias), ajudaram a empresa a adquirir uma fama especial. O Ufa-Palast am Zoo, localizado perto do Jardim Zoológico de Berlim, inaugurado em 1919 e ampliado em 1926, foi o maior cinema da Alemanha até 1929 e um dos principais locais de pré-estréias no país.
Entretanto, a estratégia agressiva de expansão da Ufa, com superinvestimentos na produção de filmes monumentais como Siegfried e Metrópolis foi esgotando gradualmente o seu capital. Com estas produções em larga escala a Ufa tentou penetrar no mercado americano, porque o mercado alemão era muito pequeno para recuperar seus custos; porém o sucesso nos Estados Unidos não aconteceu e seus gestores admitiram que não poderiam resolver seus problemas financeiros sem ajuda externa. Assim, em troca de um empréstimo de 4 milhões de dólares, a Ufa celebrou um acordo sobre direitos de distribuição, com a Metro-Goldwyn-Mayer e a Paramount, conhecido como Acordo Parufamet, pelo qual grande estúdio alemão se comprometeu a comprar 20 filmes de cada parceiro americano anualmente e reservar 75% (percentagem depois reduzida para 50%) do tempo de exibição para eles na sua cadeia de cinemas. A Paramount e a MGM cada qual compraria dez filmes da Ufa por ano, para serem distribuídos nos cinemas americanos – com a condição onerosa de que eles “atendessem aos gostos dos espectadores americanos”.
O Acordo Parafumet não melhorou em nada a situação da Ufa. Esta – com suas 140 subsidiárias; suas sucursais em Amsterdan, Budapest, Helsinque, Londres, Praga, Roma, Estocolmo, Viena, Zurich, Nova York e vinte e sete outras cidades; seus 134 cinemas pelo mundo todo; seus 390 mil metros quadrados de espaço nos estúdios Tempelhof e Neubabelsberg -, necessitava de um salvador e o encontrou na forma de Alfred Hugenberg, conservador profundo com convicções anti-democráticas, dono do grupo editorial Scherl-Verlag e da Deulig Film. Em março de 1927 Hugenberg tornou-se o senhor todo-poderoso da Ufa e colocou um diretor executivo de seu grupo, Ludwig Klitzsch, no comando do estúdio. Em 1929 a reorganização da Ufa estava praticamente concluída. Ela permitiu que a empresa passasse incólume pelos anos de crise antes de 1933, mas em muitos casos que desse maior peso às preocupações políticas do que às econômicas.
O período entre 1933 e 1945 foi caracterizado por um aumento constante do controle da indústria cinematográfica pelo governo. Em 1942, toda a indústria de cinema foi consolidada em um truste colossal: a Ufa-Film GmbH, mais conhecida como “Ufi”, administrada por Fritz Hippler, que foi nomeado Reichsfilmintendant (Administrador do Cinema do Reich). A Ufi incluia a Ufa-Film Kunst, Bavaria-Film Kunst, Tobis-Film. Kunst, Terra-Film Kunst, Prag-Film (criada pela apropriação dos estúdios Barrandov e Hostivar da firma checa AB-Film film fabrikation), Wien-Film (criada pela apropriação da Tobis-Sascha Film Industrie AG, filial vienense da Tobis), Continental (criada para a produção na França de filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Berlin-Film (criada para dar trabalho aps cineastas desempregados pela liquidação de companhias privadas), Mars-Film (antigo Serviço Cinematográfico do Exército compreendendo um laboratório e um estúdio de gravação em Berlin-Spandau), Deutsche Zeichenfilm (companhia produtora de animação).
Durante algum tempo a maioria dos estudos sobre o Cinema do Terceiro Reich concentrou-se nos filmes de propaganda explícita, porém recentemente os pesquisadores tiveram mais acesso aos filmes do período 1933-1945 e verificaram que os filmes de entretenimento (Unterhaltungsfilme) dominavam o mercado. O cinema nazi favorecia o ilusionismo. Seu objetivo em geral não era para o público ser confrontado com a realidade, mas para o público encontrar uma evasão da realidade.
Foi um cinema dominado pelos astros e sobretudo pelas estrelas. Adoradas pelos fãs e fotografadas pelas revistas ilustradas, as atrizes famosas proporcionavam a extravagância e o glamour, que havia sido eliminado da cultura oficial. As mais famosas na época foram: Zarah Leander (anunciada como a Garbo alemã), Kristina Söderbaum (a loura ingênua que personificava a mulher ariana ideal), Marika Rökk (frequentemente comparada a Eleonor Powell e Ginger Rogers), Lilian Harvey, Martha Eggerth, Renate Müller, Marlene Dietrich, Käthe von Nagy, Brigitte Helm. Olga Tschekowa, Paula Wassely, Brigitte Horney, Sibylle Schmitz, Pola Negri, Lil Dagover, Lida Baarova, Jenny Jugo, Marianne Hoppe, Louise Ullrich, La Jana. Entre os atores masculinos destacavam-se: Heinrich George, Emil Jannings, Werner Krauss, Hans Albers, Willy Fritsch, Gustav Fröhlich, Gustaf Gründgens, Willi Forst, Luis Trenker, Hans Söhnker, Jan Kiepura, Paul Hartman, Carl Raddatz, Paul Klinger, Paul Wegener, Karl-Ludwig Diehl, Heinz Rühmann, Mathias Wieman, Adolph Wohlbrück, Harry Piel, Johannes Hesters, Willy Birgel, Hans Moser.
Os diretores foram muitos: Willi Forst, Leni Riefenstahl, Veit Harlan, Josef von Baky, Géza von Bolvary, Eduard von Borsody, Richard Eichberg, Arnold Fank, Carl Froelich, Georg Jacoby, Wolfgang Liebeneiner, Reinhold Schünzel, Herbert Maisch, Luis Trenker, Gustav Ucicky, Gerhard Lamprecht, Viktor Tourjansky, Karl Hartl, Erich Washneck, Paul Wegener, Frank Wysbar, Karl Anton, Rolf Hansen, Victor Janson, E. W. Emo, Gerhard Lamprecht, Helmut Käutner, Johannes Meyer, G. W. Pabst, Arthur Maria Rabenalt, Walter Reisch, Herbert Selpin, Karl Ritter, Hans Steinhoff, Detlef Sierk, Hans Heinz Zerlett, Werner Hochbaum, Kurt Hoffman, Ludwig Berger, Rolf Hansen, Hubert Marischka e outros.
Nos anos 30 o cinema alemão foi o mais exibido em nosso país depois do cinema americano, tendo grande penetração na colônia alemã e também junto ao grande público, que apreciava principalmente as comédias românticas ou musicais de Martha Eggerth, Renate Muller, Marika Rökk e os melodramas de Zarah Leander. Inaugurado em 1926, o Colyseo Paulista, um enorme cinema de rua localizado no início da Av. Duque de Caxias, ainda no largo do Arouche, foi o primeiro a ostentar o logotipo da empresa cinematográfica germânica Ufa. Em 1936 o Ufa-Palácio com linhas modernistas e capacidade para 3.139 lugares seria inaugurado na Av. São João e se tornaria o grande exibidor de filmes alemães em terras paulistanas. No final de 1939 poucos meses após o irromper da Segunda Guerra Mundial o Ufa-Palácio foi rebatizado para Art-Palácio.
Quando o exército vermelho entrou em Berlim todos os altos executivos e administradores da Ufi já haviam partido há muito tempo. No abrigo de Neubabelsberg e no porão do edifício da Ufa em Dönhoffplatz e no escritório e oficina na Krausenstrasse os funcionários, agachados, esperavam seu destino. Mal os soviéticos chegaram, eles começaram a desmantelar as instalações de administração e produção da Ufa, e ao mesmo tempo uma guerra fria estourou entre os americanos e soviéticos sobre os ativos e arquivos da Ufi e suas subsidiárias. Enquando o exército vermelho em Neubabelsberg estava limpando o equipamento, câmeras, refletores, mesas de montagem, gruas, luzes de emergência e geradores, os empregados do escritório em Dönhoffplatz escondiam das tropas soviéticas a existência do cofre com os arquivos administrativos da Ufa, dinheiro e ações; em poucas semanas, eles foram transportados secretamente para Tempelhof, que estava no setor americano.
A primeira e principal meta dos aliados depois da capitulação germânica foi o desmantelamento da estrutura monopolística hierarquicamente organizada da produção, distribuição e exibição, supervisionada pelo Ministro da Propaganda Joseph Goebbels. A difícil tarefa assumida pelo Ufa Liquidation Commitee (ULC) após a aprovação da assim chamada Lex Ufi em 1949, só foi completada em 1953. A Bavaria foi entregue à propriedade privada em 1956. Em 1964 o grupo editorial Bertelsmann adquiriu a Universum AG, a predileta de Ludendorff, Hugenberg e Goebbels.
Obs. Ver mais sobre o Cinema no Terceiro Reich na minha postagem de 28 de julho de 2019).
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Muiito bom Mestre.
Abs.
Eustáquio Nardini
Muito bom é receber sempre o seu comentário.
Gostei bastante da sua publicação, me trouxe muitas informações novas e nomes (de artistas e lugares) para aprofundar.
É interessante pensar nos motivos que fizeram o cinema estrangeiro se popularizar aqui no Brasil... por um lado estão as diásporas alemãs, japonesas, italianas etc., e por outro há a curiosidade e até certa glamourização do norte global, fruto em larga escala do eurocentrismo.
Enfim, fico pensando que muita gente deve ter frequentado essas salas de cinema da Ufa no Brasil por décadas sem saber da história da companhia.
Obrigado pelo estímulo que você me dá para continuar escrevendo sobre o cinema clássico.