O gênero filme musical obviamente só se tornou possível após o advento do som. Animada pelo resultado feliz do vitafone, a Warner começou a planejar a produção do filme que iria garantir o triunfo do cinema sonoro e determinar o seu rumo futuro: O Cantor de Jazz / The Jazz Singer (Dir: Alan Crosland). Seria um filme mudo com um acompanhamento musical sincronizado, alguma música coral judaica e sete canções populares interpretadas por Al Jolson, o popular astro do vaudeville, contratado para o papel principal por 20 mil dólares. Ou seja, um filme “cantado “e não “falado”. Embora o mito seja de que durante duas sequências musicais Jolson teria improvisado algum diálogo, muito antes da filmagem Crosland já vinha dizendo para os repórteres que o filme estava sendo planejado com diálogo em algumas cenas. A estréia ocorreu em 6 de outubro de 1927 e o impacto foi sensacional. De repente, ali estava Jolson não somente cantando e dançando, mas falando informal e espontaneamente com outras pessoas no filme, tal como alguém podia fazer na realidade.
Tendo produzido o primeiro filme “parcialmente falado” (part talking) – O Cantor de Jazz -, a Warner continuou a mostrar o caminho, produzindo o primeiro filme “todo falado” (all talking) – Luzes de Nova York / Lights of New York / 1928 (Dir: Brian Foy) – drama criminal sobre dois barbeiros de uma cidade pequena que vão para Nova York e se envolvem com traficantes de bebidas. O enorme sucesso popular de Luzes de Nova York demonstrou que os filmes totalmente dialogados não só podiam ser feitos como também atraíam um grande público. De fato, os “talkies” agradaram muito e, no final de 1928, ficou claro que o cinema silencioso estava morto.
Outro fator importante para o surgimento do filme musical foi a influência das várias formas teatrais de apresentação de música e dança a começar pelos shows de menestréis com artistas brancos com o rosto pintado de preto, cantando e dançando a “Jump Jim Crow”, canção caricaturando os negros, que se tornou muito popular no início do século XIX na interpretação do ator nova-iorquino Thomas D. Rice. Os shows de menestréis incluíam vários esquetes (chamados olio) e terminavam com uma paródia (ou “burlesco”) de uma peça popular, ópera ou outro evento cultural.
No final dos anos 1880 a estrutura em esquetes havia se tornado um tipo próprio de entretenimento teatral, eventualmente rebatizado como vaudeville (music hall na Inglaterra, variety no resto da Europa). O vaudeville ou teatro de variedades consistia em uma série de atos não relacionados entre si, apresentados em uma mesma programação (v. g. comediantes, cantores, dançarinos, cães ou focas amestrados, malabaristas, mágicos, contorcionistas etc.).
A porção burlesca do show de menestréis também se tornou um tipo próprio (e sem o rosto pintado de preto) lá pelo final dos anos 1880. Nas suas paródias os teatros burlescos frequentemente recorriam a um humor picante ou a uma linguagem irreverente e, eventualmente, uma troupe de artistas do sexo feminino fazendo strip-tease e cômicos interagindo continuamente com a platéia, tornaram-se a principal atração do espetáculo.
A popularidade contínua do teatro de variedades levou a um número de produções de luxo na Broadway, que foram chamadas de revues (revista ou teatro de revista), formato que se tornou popular graças ao produtor Florenz Ziegfeld, que não somente reunia no seu elenco apenas as grandes estrelas, mas também se tornou famoso por apresentar um grupo de lindas coristas em trajes elaborados, porém sempre deixando à mostra algumas partes do corpo. Estes números eram chamados de “tableaux” (quadros), porque as coristas não dançavam propriamente. Elas ficavam paradas para serem admiradas pelo público ou às vezes se movimentavam pelo palco ou desciam uma escada lentamente. As revistas apelavam frequentemente para a sátira social ou política sem um fio condutor de ação. Um tema geral servia de justificação para uma sequência descontraída de números, nos quais as atuações individuais se alternavam com grupos de dança.
Outra forma teatral foi a light opera ou opera bouffe que emergiu na Europa e depois de certo tempo evoluiu para operetta, um estilo de ópera leve tanto na sua substância musical como no conteúdo do assunto. A opereta é uma precursora da comédia musical, que se caracteriza por enfatizar a narrativa dramática, interligando a fala e o canto.
Os primeiros filmes musicais – v. g. Follies / Fox Movietone Follies / 1929, Melodia da Broadway / The Broadway Melody / 1929, Hollywood Revue / The Hollywood Revue / 1929 , Parada das Maravilhas / Show of Shows / 1929, O Rei do Jazz / King of Jazz / 1930, Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade / 1930 – tomaram emprestado do palco o formato de revista, apresentando vários números musicais não relacionados entre si e alguns esquetes cômicos, apresentados por um mestre de cerimônias e focalizados por uma câmera fixa colocada em uma posição equivalente á quinta fila da platéia. O show terminava com os artistas ou o côro saindo de cena pelas partes laterais do palco tal como no teatro.
Melodia da Broadway inaugurou um subgênero: o backstage musical (musical de bastidores), no qual havia um fio de enredo, mostrando os testes, os ensaios e a estréia de uma grande revista da Broadway, incluindo uma corista que substitui a atriz principal no último minuto e se torna uma estrela. Outro backstage musical foi Toca a Música / On With the Show / 1929, que se notabilizou por ter sido o primeiro filme todo falado em technicolor de duas cores.
Na mesma época Hollywood trouxe também do tablado operetas (v. g. A Canção do Deserto / The Desert Song / 1929) e comédias musicais (v. g. Whoopee! / Whoopee! / 1930) enquanto cineastas como Ernst Lubitsch (v. g. Alvorada do Amor / The Love Parade / 1929, Monte Carlo / Monte Carlo / 1930, O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant / 1931) e Rouben Mamoulian (v. g. Aplausos / Aplause / 1929, Ama-me Esta Noite / Love me Tonight / 1932) criaram um novo tipo de músical. Nele as canções são integradas na história e usadas para desenvolver a personagem, avançar o enredo e fazer comentários sobre os acontecimentos. Lubitsch e Mamoulian incorporaram o cinema nos seus musicais, dando-lhes um ritmo e libertando a câmera de sua imobilidade. A idéia do integrated musical (musical integrado) seria desenvolvida mais tarde pela Arthur Freed Unit na MGM.
Hollywood começou a fazer também “comédias com música” em vez de comédias musicais como, por exemplo, os filmes dos irmãos Marx e Mae West. Eddie Cantor seguiu este modelo, beneficiando-se do concurso de Busby Berkeley, coreógrafo (na época chamado de diretor de dança) imensamente criativo, que marcou o percurso do filme musical, impondo-se como um dos gênios do cinema. Ele descobriu que a câmera tinha de dançar mais que os próprios dançarinos e, com extraordinária imaginação, elaborou um estilo incomparável. Busby acompanhava os bailarinos em travellings velozes, até chegar às tomadas de ângulo superior sobre os motivos geométricos de suas evoluções, que se compunham e se desmanchavam como em um caleidoscópio. Entre seus trabalhos, além de outros filmes com Cantor – O Homem do Outro Mundo / Palmy Days / 1931, O Meu Boi Morreu / The Kid from Spain / 1932, Escândalos Romanos / Roman Scandals / 1933 – estão suas obras-primas na Warner: Rua 42 / 42nd Street / 1933, Cavadoras do Ouro / Gold Diggers of 1933 / 1933 (inesquecíveis as dezenas de moças tocando violinos iluminados no número “Shadow Waltz”), Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933 (memoráveis as coristas deslizando pelas cascatas na sequência “By the Waterfall”), Wonder Bar / Wonder Bar / 1934, Modas de 1934 / Fashions / 1934, Mulheres e Música / Dames / 1934, (fantástica imaginação visual no número “I Only Have Eyes for You”), Mordedoras de 1935 / Gold Diggers of 1935 etc.
No decorrer dos anos 30-40 todos os grandes estúdios de Hollywood contribuíram para a evolução do gênero filme musical surgindo neste âmbito: comédias românticas com Fred Astaire-Ginger Rogers; operetas com Jeanette MacDonald e Nelson Eddy (e a obra-prima de Lubitsch, A Viúva Alegre / The Merry Widow); musicais juvenis com Shirley Temple, Deanna Durbin, Judy Garland-Mickey Rooney; a série Road to com Bing Crosby Bob Hope, Dorothy Lamour e os musicais de Crosby na Paramount; musicais patrióticos a serviço da política da boa vizinhança com Alice Faye, Betty Grable e a nossa Carmen Miranda ou musicais-revista ( v. g. Forja de Heróis / This is the Army, Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen, A Filha do Comandante / Thousands Cheer, Graças à Minha Boa Estrela / Thank Your Lucky Stars), musicais de época (v. g. Minha Namorada Favorita / My Gal Sal, Aquilo Sim, Era Vida! / Hello, Frisco, Hello); musicais biográficos (v. g. A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy sobre George M. Cohan, A História de Vernon e Irene Castle / The Story of Vernon and Irene Castle sobre o famoso casal de dançarinos, Canção Inesquecível / Night and Day sobre Cole Porter; Rapsódia Azul / Rhapsody in Blue sobre George Gershwin, Sonhos Dourados / The Jolson Story sobre Al Jolson); musicais com a nadadora Esther Williams, a patinadora no gelo Sonja Henie, a sapateadora Eleanor Powell, a cantora de ópera Grace Moore e a parceira favorita de Fred Astaire, Rita Hayworth; musicais somente com atores negros (v. g. Tempestade de Ritmo / Stormy Weather / 1943; Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943) etc.
Após a Segunda Guerra Mundial, a MGM assumiu a liderança no gênero do filme musical, graças aos musicais produzidos por Jack Cummings (v. g. Escola de Sereias / Bathing Beauties, Dá-Me um Beijo / Kiss me Kate), Joe Pasternak (v. g. Casa, Comida e Carinho / Summer Stock, Marujos do Amor / Anchors Aweigh) e principalmente Arthur Freed no restante dos anos 40 e nos anos 50. Para a sua unidade de produção Freed reuniu em torno dele alguns dos maiores talentos daquela era -compositores, orquestradores, letristas, coreógrafos, cenógrafos, figurinistas, fotógrafos: Roger Edens, Ralph Blane, Hugh Martin, André Previn, Saul Chaplin, Johnny Green, Adolph Green, Lennye Hayton, Conrad Salinger, Preston Ames, Betty Comden, Adolph Deutsch, Lela Simone, Robert Alton, Jack Cole, Kay Thompson, Irene Sharaff, John Alton, e outros. Durante seus anos como produtor Freed e seus colaboradores – sempre com ênfase na integração e na dança – criaram uma lista impressionante de grandes musicais, sempre lembrados por todo fã de cinema, entre eles O Pirata / The Pirata, Um Dia em Nova York / On the Town, Núpcias Reais / Royal Wedding, O Barco das Ilusões / Show Boat, Sinfonia de Paris / An American in Paris, Cantando na Chuva / Singin´in the Rain, A Roda da Fortuna / The Band Wagon, Meias de Seda / Silk Stockings e Gigi / Gigi.
Na Freed Unit destacaram-se os diretores Vincente Minnelli, Stanley Donen e dois grandes dançarinos / coreógrafos, Fred Astaire e Gene Kelly. Minnelli se expressou maravilhosamente no filme musical onde sua cultura, refinamento, predileção pela fantasia e pela estilização pictórica encontraram terreno propício. Seu trabalho (v. g. O Pirata, Sinfonia de Paris, A Roda da Fortuna, Gigi) foi recompensado com o Oscar de Melhor Direção por Gigi. Donen realizou, de parceria com Gene Kelly, dois dos musicais mais aclamados da História do Cinema, Um Dia em Nova York e Cantando na Chuva, dirigiu sozinho, sob produção de Jack Cummings, Sete Noivas para Sete Irmãos / Seven Brides for Seven Brothers e fez na Paramount, Cinderela em Paris / Funny Face. Freed ganhou dois Oscar de Melhor Filme (Sinfonia de Paris e Gigi) e o prestigioso Irving Thalberg Award pelo seu sucesso contínuo como produtor.
Além de Fred Astaire e Gene Kelly transitaram pela Fred Unit um punhado de cantores e dançarinos formidáveis como Frank Sinatra, Judy Garland, Ginger Rogers, Cyd Charisse, Howard Keel, Kathryn Grayson, Jack Buchanan, Debbie Reynolds, Donald O´Connor, Marge e Gower Champion, Jane Powell, Vera-Ellen., Leslie Caron, Betty Hutton, Lena Horne, Louis Armstrong, Ann Miller, Maurice Chevalier, Ethel Waters, Dan Dailey, Esther Williams, Mickey Rooney, Lucille Bremer, Bob Fosse, Bobby Van, Tommy Rall, Carol Haney, Jeanne Coyle etc.
Nos anos 50 dois grandes intérpretes da canção, Frank Sinatra e Doris Day, compareceram em musicais não produzidos por Freed na MGM ou produzidos por outros estúdios (Frank Sinatra v. g. em Marujos do Amor / Anchors Aweigh, Alta Sociedade / High Society, Meus Dois Carinhos / Pal Joey, Eles e Elas / Guys and Dolls); Doris Day v. g. em Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas, No, No, Nanette / Tea for Two, Meu Sonho Te Pertence / My Dream is Yours, Meus Braços Te Esperam / On Moonlight Bay, Rouxinol da Broadway / Lullaby of Broadway, Sonharei Com Você / I´ll See You in My Dreams). Eles foram reunidos em um musical dramático, Corações Enamorados / Young at Heart. Já em Alta Sociedade / High Society foi a vez dos dois maiores cantores americanos de todos os tempos, Frank Sinatra e Bing Crosby se encontrarem em um mesmo filme.
Na mesma década voltaram as operetas (v.g. A Canção do Sheik / The Desert Song (com Gordon MacRae, Kathryn Grayson), O Príncipe Estudante / The Student Prince (com Edmund Purdon, Ann Blyth), A Víuva Alegre / The Merry Widow (com Lana Turner, Fernando Lamas) e os musicais biográficos (v. g. O Grande Caruso / The Great Caruso, Meu Coração Canta / With a Song in My Heart sobre Jane Froman, Ama-me ou Esquece-me / Love or Leave Me sobre Rutt Etting); surgiram os primeiros musicais em CinemaScope (v. g. Nasce uma Estrela / A Star is Born (assinalando o retorno triunfal de Judy Garland em um musical trágico), Mundo da Fantasia / There´s No Businesss Like Show Business (mostrando na tela larga em um mesmo plano Johnny Ray, Mitzi Gaynor (que foi vista também em outros musicais), Dan Dailey, Ethel Merman, Donald O´Connor, Marilyn Monroe); Sua Excia. A Embaixatriz / Call me Madam marcou o reconhecimento de Ethel Merman como estrela no cinemusical, depois ter se tornado uma grande dama na Broadway; Sam Katzman produziu o primeiro rock musical film, Ao Balanço das Horas / Rock Around the Clock; surgiram na tela Elvis Presley, Pat Boone e Harry Belafonte com sua calypso music; a AIP (American International Pictures) lançou um ciclo de musicais de praia com Frankie Avalon, Annette Funicello e os Beach Boys explorando a emergente popularidade da “surf music”.
Foi ainda nos anos 50 que começaram a surgir novas adaptações dos musicais da Broadway (v. g. Oklahoma! / Oklahoma e Carrosel / Carousel (ambos com Gordon MacRae e Shirley Jones), No Sul do Pacífico / South Pacific (com MItzi Gaynor), Porgy e Bess / Porgy and Bess com Dorothy Dandridge), tendência que continuaria nos anos 60 (v. g. Can-Can / Can-Can; Amor, Sublime Amor / West Side Story, Em Busca de um Sonho / Gipsy, Vendedor de Ilusões / The Music Man, Minha Bela Dama / My Fair Lady, A Noviça Rebelde / The Sound of Music, Alô Dolly / Hello, Dolly!), os dois últimos contando com novas superestrelas: Julie Andrews e Barbra Streisand.
Na Nova Hollywood dos anos 70 surgiria o concept musical, onde mensagem e tema se sobrepõem ao enredo. Os concept musicals não necessariamente contam uma história e não seguem uma progressão linear do começo ao fim. Seu propósito é explorar um tema ou transmitir uma mensagem. Cabaré / Cabaret / 1972 de Bob Fosse, por exemplo, possui estas características. Os números musicais são usados para explicar acontecimentos paralelos que ocorrem fora do cabaré. As canções comentam a ação no estilo da “Ópera de Três Vinténs” (Die Dreigroschenoper) de Berthold Brecht e Kurt Weil. O filme proporcionou 7 prêmios da Academia: Melhor Diretor, Atriz (Liza Minnelli), Ator Coadjuvante (Joel Grey), Fotografia (Geoffrey Usworth), Montagem David Bretherton), Direção de Arte (Robert Knudson e David Hildyard), Música (Ralph Burns, arranjos). Foi um musical inovador e o mais importante da década.