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EVOLUÇÃO DO FILME MUSICAL

O gênero filme musical obviamente só se tornou possível após o advento do som. Animada pelo resultado feliz do vitafone, a Warner começou a planejar a produção do filme que iria garantir o triunfo do cinema sonoro e determinar o seu rumo futuro: O Cantor de Jazz / The Jazz Singer (Dir: Alan Crosland). Seria um filme mudo com um acompanhamento musical sincronizado, alguma música coral judaica e sete canções populares interpretadas por Al Jolson, o popular astro do vaudeville, contratado para o papel principal por 20 mil dólares. Ou seja, um filme “cantado “e não “falado”. Embora o mito seja de que durante duas sequências musicais Jolson teria improvisado algum diálogo, muito antes da filmagem Crosland já vinha dizendo para os repórteres que o filme estava sendo planejado com diálogo em algumas cenas. A estréia ocorreu em 6 de outubro de 1927 e o impacto foi sensacional. De repente, ali estava Jolson não somente cantando e dançando, mas falando informal e espontaneamente com outras pessoas no filme, tal como alguém podia fazer na realidade.

Al Jolson em O Cantor de Jazz

Tendo produzido o primeiro filme “parcialmente falado” (part talking) – O Cantor de Jazz -, a Warner continuou a mostrar o caminho, produzindo o primeiro filme “todo falado” (all talking) – Luzes de Nova York / Lights of New York / 1928 (Dir: Brian Foy) – drama criminal sobre dois barbeiros de uma cidade pequena que vão para Nova York e se envolvem com traficantes de bebidas. O enorme sucesso popular de Luzes de Nova York demonstrou que os filmes totalmente dialogados não só podiam ser feitos como também atraíam um grande público. De fato, os “talkies” agradaram muito e, no final de 1928, ficou claro que o cinema silencioso estava morto.

 

Outro fator importante para o surgimento do filme musical foi a influência das várias formas teatrais de apresentação de música e dança a começar pelos shows de menestréis com artistas brancos com o rosto pintado de preto, cantando e dançando a “Jump Jim Crow”, canção caricaturando os negros, que se tornou muito popular no início do século XIX na interpretação do ator nova-iorquino Thomas D. Rice. Os shows de menestréis incluíam vários esquetes (chamados olio) e terminavam com uma paródia (ou “burlesco”) de uma peça popular, ópera ou outro evento cultural.

 

Jump Jim Crow / Thomas D. Rice

No final dos anos 1880 a estrutura em esquetes havia se tornado um tipo próprio de entretenimento teatral, eventualmente rebatizado como vaudeville (music hall na Inglaterra, variety no resto da Europa). O vaudeville ou teatro de variedades consistia em uma série de atos não relacionados entre si, apresentados em uma mesma programação (v. g. comediantes, cantores, dançarinos, cães ou focas amestrados, malabaristas, mágicos, contorcionistas etc.).

Show de menestréis no vaudeville

Teatro Burlesco

A porção burlesca do show de menestréis também se tornou um tipo próprio (e sem o rosto pintado de preto) lá pelo final dos anos 1880. Nas suas paródias os teatros burlescos frequentemente recorriam a um humor picante ou a uma linguagem irreverente e, eventualmente, uma troupe de artistas do sexo feminino fazendo strip-tease e cômicos interagindo continuamente com a platéia, tornaram-se a principal atração do espetáculo.

Número do Ziegfeld Follies

A popularidade contínua do teatro de variedades levou a um número de produções de luxo na Broadway, que foram chamadas de revues (revista ou teatro de revista), formato que se tornou popular graças ao produtor Florenz Ziegfeld, que não somente reunia no seu elenco apenas as grandes estrelas, mas também se tornou famoso por apresentar um grupo de lindas coristas em trajes elaborados, porém sempre deixando à mostra algumas partes do corpo. Estes números eram chamados de “tableaux” (quadros), porque as coristas não dançavam propriamente. Elas ficavam paradas para serem admiradas pelo público ou às vezes se movimentavam pelo palco ou desciam uma escada lentamente. As revistas apelavam frequentemente para a sátira social ou política sem um fio condutor de ação. Um tema geral servia de justificação para uma sequência descontraída de números, nos quais as atuações individuais se alternavam com grupos de dança.

Outra forma teatral foi a light opera ou opera bouffe que emergiu na Europa e depois de certo tempo evoluiu para operetta, um estilo de ópera leve tanto na sua substância musical como no conteúdo do assunto. A opereta é uma precursora da comédia musical, que se caracteriza por enfatizar a narrativa dramática, interligando a fala e o canto.

Melodia da Broadway

O Rei do Jazz

Paramount em Grande Gala

Os primeiros filmes musicais – v. g. Follies / Fox Movietone Follies / 1929, Melodia da Broadway / The Broadway Melody / 1929, Hollywood Revue / The Hollywood Revue / 1929 , Parada das Maravilhas / Show of Shows / 1929, O Rei do Jazz / King of Jazz / 1930, Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade / 1930 – tomaram emprestado do palco o formato de revista, apresentando vários números musicais não relacionados entre si e alguns esquetes cômicos, apresentados por um mestre de cerimônias e focalizados por uma câmera fixa colocada em uma posição equivalente á quinta fila da platéia. O show terminava com os artistas ou o côro saindo de cena pelas partes laterais do palco tal como no teatro.

Melodia da Broadway inaugurou um subgênero: o backstage musical (musical de bastidores), no qual havia um fio de enredo, mostrando os testes, os ensaios e a estréia de uma grande revista da Broadway, incluindo uma corista que substitui a atriz principal no último minuto e se torna uma estrela. Outro backstage musical foi Toca a Música / On With the Show / 1929, que se notabilizou por ter sido o primeiro filme todo falado em technicolor de duas cores.

Jeanette MacDonald e Maurice Chevalier em Alvorada do Amor

Helen Morgan em Aplausos

Jeanette MacDonald e Maurice Chevalier em Ama-me Esta Noite

Na mesma época Hollywood trouxe também do tablado operetas (v. g.  A Canção do Deserto / The Desert Song / 1929) e comédias musicais (v. g. Whoopee! / Whoopee! / 1930) enquanto cineastas como Ernst Lubitsch (v. g. Alvorada do Amor / The Love Parade / 1929, Monte Carlo / Monte Carlo / 1930, O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant / 1931) e Rouben Mamoulian (v. g. Aplausos / Aplause / 1929, Ama-me Esta Noite / Love me Tonight / 1932) criaram um novo tipo de músical. Nele as canções são integradas na história e usadas para desenvolver a personagem, avançar o enredo e fazer comentários sobre os acontecimentos. Lubitsch e Mamoulian incorporaram o cinema nos seus musicais, dando-lhes um ritmo e libertando a câmera de sua imobilidade. A idéia do integrated musical (musical integrado) seria desenvolvida mais tarde pela Arthur Freed Unit na MGM.

Busby Berkeley

 

Hollywood começou a fazer também “comédias com música” em vez de comédias musicais como, por exemplo, os filmes dos irmãos Marx e Mae West. Eddie Cantor seguiu este modelo, beneficiando-se do concurso de Busby Berkeley, coreógrafo (na época chamado de diretor de dança) imensamente criativo, que marcou o percurso do filme musical, impondo-se como um dos gênios do cinema. Ele descobriu que a câmera tinha de dançar mais que os próprios dançarinos e, com extraordinária imaginação, elaborou um estilo incomparável. Busby acompanhava os bailarinos em travellings velozes, até chegar às tomadas de ângulo superior sobre os motivos geométricos de suas evoluções, que se compunham e se desmanchavam como em um caleidoscópio. Entre seus trabalhos, além de outros filmes com Cantor – O Homem do Outro Mundo / Palmy Days / 1931, O Meu Boi Morreu / The Kid from Spain / 1932, Escândalos Romanos / Roman Scandals / 1933 – estão suas obras-primas na Warner: Rua 42 / 42nd Street / 1933, Cavadoras do Ouro / Gold Diggers of 1933 / 1933 (inesquecíveis as dezenas de moças tocando violinos iluminados no número “Shadow Waltz”), Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933 (memoráveis as coristas deslizando pelas cascatas  na sequência  “By the Waterfall”), Wonder Bar / Wonder Bar / 1934, Modas de 1934 / Fashions / 1934, Mulheres e Música / Dames / 1934, (fantástica  imaginação visual no número “I Only Have Eyes for You”),  Mordedoras de 1935 / Gold Diggers of 1935 etc.

GInger Rogers e Fred Astaire

Nelson Eddy – Jeanette MacDonald

Jeanette MacDonald e Maurice Chevalier em A Viúva Alegre

Judy Garland e Mickey Rooney

Forja de Heróis

A Canção da Vitória

Esther Williams

Sonja Henie

Lena Horne e Bill Robinson emTempestade de Ritmo

No decorrer dos anos 30-40 todos os grandes estúdios de Hollywood contribuíram para a evolução do gênero filme musical surgindo neste âmbito: comédias românticas com Fred Astaire-Ginger Rogers; operetas com Jeanette MacDonald e Nelson Eddy (e a obra-prima de Lubitsch, A Viúva Alegre / The Merry Widow); musicais juvenis com  Shirley Temple, Deanna Durbin, Judy Garland-Mickey Rooney; a série Road to com Bing Crosby  Bob Hope, Dorothy Lamour e os musicais de Crosby na Paramount; musicais  patrióticos  a serviço da política da boa vizinhança com Alice Faye, Betty Grable e a nossa Carmen Miranda ou  musicais-revista ( v. g. Forja de Heróis / This is the Army, Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen, A Filha do Comandante / Thousands Cheer, Graças à Minha Boa EstrelaThank Your Lucky Stars), musicais de época (v. g. Minha Namorada Favorita / My Gal Sal, Aquilo Sim, Era Vida! / Hello, Frisco, Hello); musicais biográficos (v. g. A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy sobre George M. Cohan, A História de Vernon e Irene Castle / The Story of Vernon and Irene Castle sobre o famoso casal de dançarinos, Canção Inesquecível / Night and Day sobre Cole Porter; Rapsódia Azul / Rhapsody in Blue sobre George Gershwin, Sonhos Dourados / The Jolson Story sobre Al Jolson); musicais com a nadadora Esther Williams, a patinadora no gelo Sonja Henie, a sapateadora Eleanor Powell, a cantora de ópera Grace Moore e a parceira  favorita de Fred Astaire, Rita Hayworth; musicais somente com atores negros (v. g. Tempestade de Ritmo / Stormy Weather / 1943; Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943) etc.

Arthur Freed e Judy Garland

Após a Segunda Guerra Mundial, a MGM assumiu a liderança no gênero do filme musical, graças aos musicais produzidos por Jack Cummings (v. g. Escola de Sereias / Bathing Beauties, Dá-Me um Beijo / Kiss me Kate), Joe Pasternak (v. g. Casa, Comida e Carinho /   Summer Stock, Marujos do Amor / Anchors Aweigh) e principalmente Arthur Freed no restante dos anos 40 e nos anos 50. Para a sua unidade de produção Freed reuniu em torno dele alguns dos maiores talentos daquela era -compositores, orquestradores, letristas, coreógrafos, cenógrafos, figurinistas, fotógrafos: Roger Edens, Ralph Blane, Hugh Martin, André Previn, Saul Chaplin, Johnny Green, Adolph Green, Lennye Hayton, Conrad Salinger, Preston Ames, Betty Comden, Adolph Deutsch, Lela Simone, Robert Alton, Jack Cole, Kay Thompson, Irene Sharaff, John Alton, e outros. Durante seus anos como produtor Freed e seus colaboradores – sempre com ênfase na integração e na dança – criaram uma lista impressionante de grandes musicais, sempre lembrados por todo fã de cinema, entre eles O Pirata / The Pirata, Um Dia em Nova York / On the Town, Núpcias Reais / Royal Wedding, O Barco das Ilusões / Show Boat, Sinfonia de Paris / An American in Paris, Cantando na Chuva / Singin´in the Rain, A Roda da Fortuna / The Band Wagon, Meias de Seda / Silk Stockings e Gigi / Gigi.

Gene Kelly e Leslie caron em Sinfonia de Paris

Donald O´Connor, Debbie Reynolds e Gene Kelly em Cantando na Chuva

VIncente Minnelli com Gene Kelly e Leslie Caron na filmagem de Sinfonia de Paris

Gene Kelly e Stanley Donen

Na Freed Unit destacaram-se os diretores Vincente Minnelli, Stanley Donen e dois grandes dançarinos / coreógrafos, Fred Astaire e Gene Kelly. Minnelli se expressou maravilhosamente no filme musical onde sua cultura, refinamento, predileção pela fantasia e pela estilização pictórica encontraram terreno propício. Seu trabalho (v. g. O Pirata, Sinfonia de Paris, A Roda da Fortuna, Gigi) foi recompensado com o Oscar de Melhor Direção por Gigi. Donen realizou, de parceria com Gene Kelly, dois dos musicais mais aclamados da História do Cinema, Um Dia em Nova York e Cantando na Chuva, dirigiu sozinho, sob produção de Jack Cummings, Sete Noivas para Sete Irmãos / Seven Brides for Seven Brothers e fez na Paramount, Cinderela em Paris / Funny Face. Freed ganhou dois Oscar de Melhor Filme (Sinfonia de Paris e Gigi) e o prestigioso Irving Thalberg Award pelo seu sucesso contínuo como produtor.

Um Dia em Nova York

Sete Noivas para Sete Irmãos

Além de Fred Astaire e Gene Kelly transitaram pela Fred Unit um punhado de cantores e dançarinos formidáveis como Frank Sinatra, Judy Garland, Ginger Rogers, Cyd Charisse, Howard Keel, Kathryn Grayson, Jack Buchanan, Debbie Reynolds, Donald O´Connor, Marge e Gower Champion, Jane Powell, Vera-Ellen., Leslie Caron, Betty Hutton, Lena Horne, Louis Armstrong, Ann Miller, Maurice Chevalier, Ethel Waters, Dan Dailey, Esther Williams, Mickey Rooney, Lucille Bremer, Bob Fosse, Bobby Van, Tommy Rall, Carol Haney, Jeanne Coyle etc.

Frank Sinatra e Doris Day

Frank Sinatra e Bing Crosby

Nos anos 50 dois grandes intérpretes da canção, Frank Sinatra e Doris Day, compareceram em musicais não produzidos por Freed na MGM ou produzidos por outros estúdios (Frank Sinatra v. g. em Marujos do Amor / Anchors Aweigh, Alta Sociedade / High Society, Meus Dois Carinhos / Pal Joey, Eles e Elas / Guys and Dolls); Doris Day v. g. em Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas, No, No, Nanette / Tea for Two, Meu Sonho Te Pertence / My Dream is Yours, Meus Braços Te Esperam / On Moonlight Bay, Rouxinol da Broadway / Lullaby of Broadway, Sonharei Com Você /  I´ll See You in My Dreams). Eles foram reunidos em um musical dramático, Corações Enamorados / Young at Heart. Já em Alta Sociedade / High Society foi a vez dos dois maiores cantores americanos de todos os tempos, Frank Sinatra e Bing Crosby se encontrarem em um mesmo filme.

Edmund Purdom e Ann Blyth em O Príncipe Estudante

Mario Lanza em O Grande Caruso

Judy Garland em Nasce uma Estrela

No Mundo da Fantasia

 

Elvis Presley

Na mesma década voltaram as operetas (v.g. A Canção do Sheik / The Desert Song (com Gordon MacRae, Kathryn Grayson), O Príncipe Estudante / The Student Prince (com Edmund Purdon, Ann Blyth), A Víuva Alegre / The Merry Widow (com Lana Turner, Fernando Lamas) e os  musicais biográficos (v. g. O Grande Caruso / The Great Caruso, Meu Coração Canta / With a Song in My Heart sobre Jane Froman, Ama-me ou Esquece-me / Love or Leave Me sobre Rutt Etting); surgiram os primeiros musicais em CinemaScope (v. g. Nasce uma Estrela / A Star is Born (assinalando o retorno triunfal de Judy Garland em um musical trágico), Mundo da Fantasia / There´s No Businesss Like Show Business (mostrando na tela larga em um mesmo plano Johnny Ray, Mitzi Gaynor (que foi vista também em outros musicais), Dan Dailey, Ethel Merman, Donald O´Connor, Marilyn Monroe); Sua Excia. A Embaixatriz / Call me Madam marcou o reconhecimento de Ethel Merman como estrela no cinemusical, depois ter se tornado uma grande dama na Broadway; Sam Katzman produziu o primeiro rock musical film, Ao Balanço das Horas / Rock Around the Clock; surgiram na tela Elvis Presley, Pat Boone e Harry Belafonte com sua calypso music; a AIP (American International Pictures) lançou um ciclo de musicais de praia com Frankie Avalon, Annette Funicello e os Beach Boys explorando a emergente popularidade da “surf music”.

Cena de A Noviça Rebelde

Cena de Amor, Sublime Amor

Foi ainda nos anos 50 que começaram a surgir novas adaptações dos musicais da Broadway (v. g. Oklahoma! / Oklahoma e Carrosel / Carousel (ambos com Gordon MacRae e Shirley Jones), No Sul do Pacífico / South Pacific  (com  MItzi Gaynor), Porgy e Bess / Porgy and Bess com Dorothy Dandridge), tendência que continuaria nos anos 60 (v. g. Can-Can / Can-Can; Amor, Sublime Amor / West Side Story, Em Busca de um Sonho / Gipsy, Vendedor de Ilusões / The Music Man, Minha Bela Dama / My Fair Lady, A Noviça Rebelde / The Sound of Music, Alô Dolly / Hello, Dolly!), os dois últimos contando com novas superestrelas: Julie Andrews e Barbra Streisand.

Liza Minnelli e Joel Grey em Cabaré

Na Nova Hollywood dos anos 70 surgiria o concept musical, onde mensagem e tema se sobrepõem ao enredo. Os concept musicals não necessariamente contam uma história e não seguem uma progressão linear do começo ao fim. Seu propósito é explorar um tema ou transmitir uma mensagem. Cabaré / Cabaret / 1972 de Bob Fosse, por exemplo, possui estas características. Os números musicais são usados para explicar acontecimentos paralelos que ocorrem fora do cabaré. As canções comentam a ação no estilo da “Ópera de Três Vinténs” (Die Dreigroschenoper) de Berthold Brecht e Kurt Weil. O filme proporcionou 7 prêmios da Academia: Melhor Diretor, Atriz (Liza Minnelli), Ator Coadjuvante (Joel Grey), Fotografia (Geoffrey Usworth), Montagem David Bretherton), Direção de Arte (Robert Knudson e David Hildyard), Música (Ralph Burns, arranjos). Foi um musical inovador e o mais importante da década.

WILLIAM WYLER

Ele foi o diretor mais premiado de Hollywood, com doze indicações ao Oscar de Melhor Diretor, tendo arrebatado por três vezes a estatueta nesta categoria. Consumado perfeccionista, fez filmes em variados gêneros por um longo período de tempo (de 1925 a 1970), mas a falta de pretensão de autoria e ausência de um estilo bem definido, contribuíram para sua fama de excelente artesão a serviço de um produto. Era no entanto um verdadeiro artista, que abordou grandes temas com notável consciência cinematográfica, deixando uma obra artisticamente uniforme, raramente igualada por qualquer outro cineasta.

Wiliam Wyler

William Wyler (1902 – 1981) nasceu com o prenome de Willi, em Mulhouse, Alsácia (então parte do Império Germânico), filho de Leopold Wyler e Melanie Auerbach. Seu pai era um vendedor ambulante, que se tornou próspero dono de armarinho. Wyler estudou no Institut Bloch em Lausanne e depois em um internato chamado “The Monastery”, tendo sido expulso de ambos por mau comportamento. Cinco meses após ter se matriculado na École Supérieure de Commerce, deixou a escola sem completar seus estudos. Ele voltou para Mulhouse e, para desfazer sua reputação de rapaz mau comportado, ficou algum tempo trabalhando com o pai. Percebendo que seu filho não era mau vendedor e necessitava de um treinamento em uma loja de departamentos, Leopold levou-o para Paris e o introduziu no circuito do atacado. Após três meses de aprendizado em um estabelecimento de varejo em Charenton-le-Pont e depois em uma rede de lojas denominada “100,000 Shirts” perto de Les Halles, Melanie percebeu que seu filho não estava mesmo interessado no negócio de armarinho e pediu ao primo Carl Laemmle um emprego para ele no estúdio da Universal, do qual era dono.

Wyler iniciou suas atividades no escritório da Universal Film Manufacturing Company em Nova York como encarregado da expedição e, depois de passar pelo departamento  de publicidade, pediu ao tio Laemmle para ser transferido para a Universal City na Califórnia. No estúdio californiano ele começou como moço de recados e, depois de ter segurado um megafone pela primeira vez durante a filmagem de O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1923, ajudando dois assistentes de direção a controlar a multidão de figurantes, foi promovido a segundo assistente de direção. Nesta função, trabalhou para Irving Cummings em Na Senda do Crime / Fool´s Highway / 1924 e Rosa de Paris / The Rose of Paris / 1924 e para King Baggot em Nobreza de Sangue / The Gaiety Girl / 1924.

Depois de servir como auxiliar do ator-diretor William Duncan no seriado Lobos do Norte / Wolves of the North / 1924 e como primeiro assistente de alguns diretores (v. g. William Craft, William Crinley, Arthur Rosson), Wyler tornou-se, aos 23 anos de idade, o diretor mais jovem da Universal ao filmar Crook Buster / 1925, o primeiro western de dois rolos da série Mustang. Depois de dirigir outros seis westerns Mustang em 1926 (The Gunless Badman, Ridin’ for Love, The Fire Barrier, Don´t Shoot, The Pinnacle Rider, Martin of the Mounted) e, em um breve período em que ficou desempregado, ter prestado serviço como um dos sessenta assistentes extras na filmagem de BenHur / Ben-Hur / 1925 na MGM, Willi foi  readmitido, e fez mais 14 Mustang: 1927 – The Two Fister, Kelcy Gets His Man, Tenderfoot Courage, The Silent Partner, Galloping Justice, The Haunted Homestead, The Lone Star, The Ore Raiders, The Home Trail, Gun Justice, The Phantom Outlaw, The Square Shooter, The Horse Trader, Daze of the West. Os westerns Mustang foram estrelados por cowboys como Jack Mower, Edmund Cobb ou Fred Gilman.

Wyler dirigiu ainda 6 westerns de cinco rolos da série Blue Streak: 1926 – Um Preguiçoso de Mérito / Lazy Lightning, A Fazenda Roubada / The Stolen Ranch. 1927 – Lá no Oeste / Blazing Days, O Remido / Hard Fists, Cavalheirismo da Fronteira / The Border Cavalier, Reto como o Dever / Straight Shootin’ e dois outros westerns avulsos: 1927 – Pó do Deserto / Desert Dust. 1928 – A Prova da Coragem / Thunder Riders, estrelados por cowboys como Art Acord, Fred Humes, Ted Wells. Ainda na década de vinte, dirigiu três filmes que não eram westerns: 1928 – À Caça de um Marido / Anybody Here Seen Kelly? (com Bessie Love, Tom Moore). 1929 – O Trapaceiro / The Shakedown (com James Murray, Barbara Kent) Cilada Amorosa / The Love Trap (com Laura La Plante, Neil Hamilton).

Cena de Os Três Padrinhos

Após certa hesitação, mas diante da comprovada capacidade profissional de Wyler, Carl Laemmle Junior designou-o para dirigir Os Três Padrinhos / Hell´s Heroes / 1930, a primeira versão sonora do romance “Three Godfathers” de Peter B. Kyne, tantas vezes levado à tela. No enredo três bandidos, Bob Sangster (Charles Bickford), Barbwire Gibbons (Raymond Hatton) e Wild Bill Kearney (Fred Kohler) encontram uma mulher moribunda no deserto e lhe prometem levar seu bebê para New Jerusalem, onde haviam assaltado um banco. No percurso, Wild Bill morre em virtude dos ferimentos recebidos durante o roubo. Kearney perece de sede e Bob bebe água de uma fonte envenenada, a fim de ganhar força para entregar a criança sã e salva na igreja da cidade. O diretor soube produzir belos efeitos de composição na paisagem desértica e criar uma cena original: um dos bandidos batiza o bebê jogando areia nos seus pezinhos, pois a água de cantil não podia ser desperdiçada. Foi uma boa estréia no cinema falado.

Até meados dos anos 30 Wyler fez mais 7 filmes para a Universal: 1930 – A Invernada / The Storm (drama com Lupe Velez, Paul Cavanagh, Tom Moore). 1931 – A Casa da Discórdia / A House Divided (melodrama com Walter Huston, Douglass Montgomery, Helen Chandler). 1932 – Cadetes de Honra / Tom Brown of Culver (drama com Tom Brown, H. B. Warner, Richard Cromwell). 1933 – O Piloto de Água Doce / Her First Mate (comédia com Slim Summerville, ZaSu Pitts, Una Merkel), O Conselheiro / Counsellor at Law (drama com John Barrymore, Bebe Daniels, Doris Kenyon). 1934 – Fascinação / Glamour (drama com Paul Lukas, Constance Cummings, Philip Reed). 1935A Boa Fada / The Good Fairy (comédia romântica com Margaret Sullavan, Herbert Marshall, Frank Morgan e um para a Twentieth Century-Fox: 1935 – Sua Alteza, o Garçom / The Gay Deception (comédia romântica com Francis Lederer, Frances Dee, Benita Hume). Destaco sempre os melhores em granito, deixando bem claro que isto não quer dizer que os demais filmes sejam ruins.

Bebe Daniels e John Barrymore em O Conselheiro

O Conselheiro é uma adaptação da peça de Elmer Rice sobre George Simon (John Barrymore) um advogado judeu de Nova York, que começa a questionar sua ascensão da pobreza ao sucesso, quando descobre a infidelidade da esposa, Cora (Doris Kenyon), chegando quase ao suicídio, do qual é salvo por sua secretária Regina “Rexie” Gordon (Bebe Daniels), apaixonada por ele. Wyler consegue imprimir um ritmo incessante ao texto teatral e Barrymore faz uma caracterização perfeita do personagem.

Em The Good Fairy Wyler transmite  com esmero o charme do conto de fadas de Ferenc Molnar, cujos diálogos e personagens Preston Sturges remodelou à sua maneira. Luisa Ginglebush (Margaret Sullivan), criada em um orfanato, torna-se lanterninha de um cinema em Budapest. Nesta função conhece Detlaff (Reginald Owen), garçom simpático, que a leva para conhecer o meio da alta sociedade onde trabalha. Neste ambiente ela é cortejada pelo milionário Konrad (Frank Morgan). Para se esquivar de seu assédio, diz que é casada, e quando Konrad, armando um plano para conquistá-la, quer saber quem ele é, para lhe dar um bom emprego, Louise seleciona em um catálogo de telefone um nome qualquer, para ser seu esposo. O escolhido é o Dr. Max Sporum (Herbert Marshall), advogado pobre, mas honesto. Luisa então vê a oportunidade de, tal como prometera à diretora do orfanato, fazer o Bem para os outros, mantendo sua pureza. O advogado obviamente vai gostar da moça e vice-versa, e tudo acaba bem.

Em 19 de setembro de 1935 Wyler assinou um contrato com Samuel Goldwyn que lhe permitia aceitar projetos de outras companhias. Até o fim da década de 30 realizou 5 filmes para Goldwyn: 1936 – Infâmia / These Three (drama com Merle Oberon, Miriam Hopkins, Joel McCrea, Bonita Granville), Fogo de Outono / Dodsworth (drama com Walter Huston, Ruth Chatterton, Mary Astor). 1937 – Beco Sem Saída / Dead End (drama social com Sylvia Sidney, Humphrey Bogart, Joel McCrea). 1939 O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights (melodrama romântico com Laurence Olivier, Merle Oberon, David Niven, Geraldine Fitzgerald) e 1 filme para a Warner Bros.: 1938 – Jezebel / Jezebel (drama romântico com Bette Davis, Henry Fonda, George Brent). Em 1936 Wyler co-dirigiu Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It com Howard Hawks, porém nunca o considerou como um de seus filmes.

Ruth Chatterton e Walter Huston em Fogo de Outono

Fogo de Outono é uma adaptação por Sidney Howard do romance de Sinclair Lewis sobre problemas conjugais na meia-idade, retratando simultaneamente a mentalidade da classe média do interior dos Estados Unidos entre as duas guerras mundiais. Em uma viagem à Europa, o industrial aposentado Sam Dodsworth (Walter Huston) descobre como a esposa Fran (Ruth Chatterton) é fútil e vazia, entendendo-se melhor com outra mulher, Edith Cartwright (Mary Astor), mais preparada para ser uma boa companheira. O filme concorreu ao Oscar em sete categorias (Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante, Roteiro, Direção de Arte, Som), conquistando o de Melhor Direção de Arte para Richard Day, e é uma verdadeira aula de narração cinematográfica, lecionada por rigoroso perfeccionista.

Merle Oberon e Laurence Olivier em O Morro dos  Ventos Uivantes

Na realização de O Morro dos Ventos Uivantes, os roteiristas Ben Hecht e Charles MacArthur simplificaram o romance gótico e sombrio de Emily Bronte, e Wyler tratou-o com sólido profissionalismo. Heathcliff (Laurence Olivier), órfão cigano criado por um  fidalgo de Yorkshire, cresceu junto com a filha deste, Cathy (Merle Oberon). Eles se amam desde a infância, mas a desigualdade de suas condições sociais os separa e ela se casa com um rico proprietário de terras, Edgar Linton (David Niven). Anos depois, Heathcliff retorna, transformado em gentil-homem, e ainda apaixonado por Cathy, mas é tarde demais. Neste clássico do romantismo vitoriano os elementos da natureza se alternam com o sobrenatural. A voz de fantasma de Cathy se mistura com o vento para chamar Heathcliff. O filme recebeu oito indicações para o Oscar – Melhor Filme, Direção, Ator, Atriz Coadjuvante, Roteiro, Fotografia preto-e-branco, Música Original, Direção de Arte – saindo vitorioso apenas o fotógrafo Gregg Toland.

Bette Davis e Henry Fonda em Jezebel

Na Warner, Wyler dirigiu magnificamente Jezebel, com uma heroína sulista de caráter semelhante ao de Scarlet O´Hara, e proporcionou a Bette o seu segundo Oscar. Vestida com belos figurinos de Orry-Kelly e fotografada por Ernest Haller, seu cameraman favorito, ela teve um desempenho notável, destacando-se a cena do baile, quando a protagonista, Julie Marsden, surge de vermelho em contraste com os trajes brancos tradicionalmente usados por todas as jovens solteiras da cidade. Houve cinco indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz, Atriz Coadjuvante, Fotografia, Música Adaptada. Bette Davis e Fay Bainter conquistaram a a estatueta da Academia respectivamente como Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante.

Wyler e Margaret Sullavan

Em 25 de novembro de 1934 Wyler casou-se com a atriz Margaret Sullavan, da qual se divorciou em 1936. Em 23 de outubro de 1938 ele contraiu matrimônio com outra atriz, muito menos famosa que Sullavan, Margaret Tallichet, e permaneceram juntos até o falecimento dele. O papel mais conhecido de Tallichet foi em O Homem de Olhos Esbugalhados / Stranger on the Third Floor / 1941 ao lado de Peter Lorre e John McGuire.

Margaret Tallichet e Wyler

Nos anos 40 Wyler realizou mais 3 filmes para Samuel Goldwyn: 1940 – O Galante Aventureiro / The Westerner (western com Gary Cooper, Walter Brennan, Doris Davenport). 1941 – Pérfida / The Little Foxes. (drama com Bette Davis, Herbert Marshall, James Stephenson, Gale Sondergaard). 1946 – Os Melhores Anos de Nossa Vida / The Best Years of Our Lives; (drama de pós guerra com Fredric March, Myrna Loy, Dana Andrews, Teresa Wright, Virginia Mayo, Cathy O´Donnell, Harold Russell); 1 para a Warner Bros. / First National: 1940 – A Carta / The Letter; (drama criminal com Bette Davis, Herbert Marshall, James Stephenson). 1 para a MGM: 1942 – Rosa de Esperança / Mrs. Miniver (drama de guerra com Greer Garson, Walter Pidgeon); 1 para a Paramount: 1949 Tarde Demais / The Heiress (drama psicológico com Olivia de Havilland, Montgomery Clift, Ralph Richardson, Miriam Hopkins) e dois documentários:  1944 – Por Céus Inimigos / The Memphis Belle, A Story of a Flying Fortress para a 8th Air Force Photographic Section em cooperação com a Army Air Forces First Motion Picture Unit., distribuído pela Paramount 1947 – Thunderbolt para A U.S. Air Force e Carl Krueger Productions, terminado somente após o armstício e distribuído pela Monogram. Foi durante a filmagem deste último documentário (sobre o bombardeiro B-25), que Wyler perdeu parte de sua audição, por causa ao ruído dos motores e o som alto do vento com a janela aberta do aparelho.

Walter Brennan e Gary Cooper em O Galante Aventureiro

Em O Galante Aventureiro, preso por um roubo de cavalo que não cometeu, Cole Hardin (Gary Cooper) é condenado pelo juiz Roy Bean (Walter Brennan), mas consegue escapar do enforcamento, prometendo-lhe trazer uma mecha dos cabelos de sua atriz idolatrada, Lily Langtry. Logo depois, Hardin se alia a um grupo de fazendeiros que estão sendo expulsos de suas terras por ordem do juiz. Após várias complicações – estouro de boiada, incêndio nas plantações e das casas dos colonos e uma briga formidável -, dá-se o confronto final entre o vaqueiro e o excêntrico magistrado, em um clímax que se tornou famoso. Bean, sozinho no teatro, esperando a performance de Lily Langtry e a cortina subindo, para revelar a presença de Hardin de arma em punho no palco. O filme recebeu três indicações ao Oscar: Melhor Ator Coadjuvante, História Original e Direção de Arte. Wyler dirigiu com o empenho fílmico de sempre e Walter Brennan ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

Herbert Marshall e Bette Davis em Pérfida

Baseado na peça de Lillian Hellman, Pérfida, passado em uma pequena cidade da Louisiana em 1900 – gira em torno dos Hubbard, uma família voraz. Necessitando de 75 mil dólares para construir uma fábrica de tecidos de algodão, Ben (Charles Dingle) e Oscar (Carl Benton Reid) Hubbard planejam, com sua irmã Regina (Bette Davis), fazer com que o marido dela, o banqueiro Horace Giddens (Herbert Marshall), se disponha a investir no empreendimento. Quando Horace recusa o pedido de dinheiro, Regina é tomada por uma raiva violenta e revela a Horace que nunca o amou. A direção de Wyler é impecável. Na sequência mais famosa, diante de uma câmera absolutamente  imóvel, Regina, sentada  em primeiro plano de frente para a objetiva, percebe que no fundo do quadro Horace está sofrendo um ataque cardíaco, e se recusa deliberadamente a socorrê-lo,  aguardando friamente sua morte. O filme proporcionou oito indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor, Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Direção de Arte preto-e-branco, Música de filme dramático, Montagem.

Harold Russell, Dana Andrews e Fredric March em Os Melhores Anos de Nossa Vida

Gregg Toland e Wyler na filmagem de Os Melhores Anos de Nossa Vida

Os Melhores Anos de Nossa Vida sobressai pela humanidade e realismo de seu tema e pela quantidade de prêmios da Academia que proporcionou. Em 1945 três soldados americanos desmobilizados após o fim da 2ª Guerra Mundial – Al (Fredric March), sargento da infantaria, Fred (Dana Andrews), capitão da aviação e Homer (Harold Russell), um marujo mutilado  -, se conhecem na viagem de volta para a sua cidade natal. Como vai se passar o retorno à vida pessoal e social? Wyler narra com delicadeza e Inteligência os acontecimentos, utilizando – com a ajuda de Gregg Toland – primorosamente a profundidade de campo e e coordena com autoridade uma equipe de atores e técnicos bem afinados. Os prêmios da Academia foram sete: Melhor Filme, Direção, Ator (Fredric March), Ator Coadjuvante (Harold Russell), Roteiro Adaptado (Robert E. Sherwood), Música de filme não musical (Hugo Friedhofer), Montagem (Daniel Mandell).

Bette Davis em A Carta

Dirigido solidamente por Wyler, A Carta, baseada em uma peça de Somerset Maugham, tem uma trama de adultério, assassinato e vingança, que prende a atenção do espectador do início ao fim do filme. Leslie Crosbie (Bette Davis), esposa de Robert Crosbie (Herbert Marshall), administrador de um seringal na Malásia, mata a sangue frio seu amante e alega legítima defesa da honra. Graças a uma manobra de seu advogado (James Stephenson) é absolvida, mas não consegue esquecer o homem que assassinou, e vai ao encontro da morte, que lhe reserva a viúva eurasiana (Gale Sondergaard) do morto. A sequência inicial sem uma única palavra ou um único corte introduz o clima, o cenário e a personagem principal, tornando-se digna de uma antologia. A produção foi honrada com sete indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Atriz, Ator Coadjuvante, Fotografia preto-e-branco, Montagem, Música (partitura original).

Greer Garson e Walter Pidgeon em Rosa de Esperança

Mrs. Miniver mostra uma família inglêsa da classe média, que enfrenta estoicamente o ataque alemão durante a Segunda Guerra Mundial. A certa altura da narrativa, Kay Miniver (Greer Garson), na ausência de seu marido Clem (Walter Pidgeon), que está em seu pequeno bote participando da evacuação de Dunquerque, lida calmamente com um nazista fanático, piloto de um avião da Luftwaffe, que ela encontra no seu jardim. Após um bombardeio, no qual várias pessoas – inclusive Carol (Teresa Wright) a nora de – são mortas, a congregação se reúne na sua igreja danificada e ouve o vigário proferir um sermão, afirmando que a guerra é agora “a guerra do povo”. Wyler coordenou com sensibilidade esta produção, proporcionando-lhe doze indicações ao Oscar, conquistando seis estatuetas da Academia: Melhor Filme, Direção, Atriz (Greer Garson), Atriz Coadjuvante (Teresa Wright), Fotografia preto-e-branco (Joseph Ruttenberg), Roteiro (Arthur Wimperis, George Froeschel, James Hilton, Claudine West).

Montgomery Clift, Olivia de Havilland e Ralph Richardson em Tarde Demais

Inspirado em uma peça sugerida pela novela “Washington Square” de Henry James, Tarde Demais conta a história de Catherine (Olivia de Havilland), jovem tímida e feia, menosprezada pelo pai, Dr. Sloper (Ralph Richardson, e cortejada por um caça-dotes, Morris Townsend (Montgomery Clift) que, ao descobrir os verdadeiros sentimentos de seu progenitor e do noivo, se torna dura, intransigente, vingativa. Wyler expõe o drama com esplêndido discernimento cinematográfico, mantendo o ritmo vivo e extraindo dos intérpretes o máximo de expressividade. São inesquecíveis a cena de Olivia sentada em frente de sua casa no momento em que o pai está morrendo e o final com o noivo batendo desesperadamente na porta de Olivia. A produção suscitou oito indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Atriz, Ator Coadjuvante, Fotografia preto e branco, Música de filme não musical, Direção de Arte preto-e-branco, Figurinos preto-e-branco. Ganharam: Olivia de Havilland (Atriz), Aaron Copland (Música), Harry Horner – John Meehan (DIreção de Arte), Edith Head – Gile Steele (Figurinos).

Na década de 50 Wyler realizou quatro filmes na Paramount: 1951- Chaga de Fogo / Detective Story (drama com Kirk Douglas, Eleanor Parker, George Mcready). 1952 – Perdição por Amor / Carrie (melodrama com Laurence Olivier, Jennifer Jones, Miriam Hopkins). 1953 – A Princesa e o Plebeu / Roman Holiday (comédia romântica com Audrey Hepburn, Gregory Peck, Eddie Albert). 1955 – Horas de Desespero / The Desperate Hours (drama criminal com Fredric March, Humphrey Bogart, Arthur Kennedy, Martha Scott ); um para a Allied Artists: 1956 – Sublime Tentação / Friendly Persuasion (drama histórico com Gary Cooper, Dorothy McGuire, Anthony Perkins); um para a Anthony-Worldwide Productions: 1958 – Da Terra Nascem os Homens / The Big Country (western com  Gregory Peck, Jean Simmons, Carroll Baker, Charlton Heston, Burl Ives, Charles BIckford);  e um para a MGM: 1959 – Ben-Hur / Ben-Hur (drama histórico  com Charlton Heston,  Stephen Boyd, Jack Hawkins, Haya Harareet, Hugh Griffith, Martha Scott).

Kirk Douglas e Eleonor Parker em

Chaga de Fogo conta o drama psicológico e moral de Jim McLeod (Kirk Douglas), detetive recalcado pela experiência de um pai criminoso, que se torna vítima de um ódio irracional contra todos os delinquentes, inclusive um médico sem escrúpulos (George Mcready), até que vem a saber que sua própria esposa (Eleanor Parker) recorrera justamente a ele para fazer um aborto. Quase todo o filme é passado em uma delegacia, onde tramitam os tipos habituais, salientando-se entre eles uma cleptomaníaca (Lee Grant), um facínora degenerado e histérico (Joseph Wiseman), e seu companheiro débil mental (Michael Strong). Apesar da limitação do ambiente Wyler consegue dissimular a origem teatral do filme e colher uma interpretação corretíssima de todos os atores. A produção possibilitou quatro indicações ao Oscar: Melhor Diretor, Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro.

Gregory Peck, Eddie Albert e Audrey Hepburn em A Princesa e o Plebeu

Em A Princesa e o Plebeu a princesa Ann (Audrey Hepburn), durante uma viagem oficial, procura escapar da pompa e cerimônia dos protocolos diplomáticos, passeando incógnita pelas ruas de Roma. Ela trava conhecimento com um jornalista americano, Joe Bradley (Gregory Peck). Ambos escondem suas identidades ela, por motivos compreensíveis, ele, porque sente que terá um “furo” jornalístico sensacional, ajudado pelo seu fotógrafo Irving Radovich (Eddie Abert). Após passarem por divertidas aventuras, se enamoram. Porém acabam renunciando ao amor: a princesa, obedecendo aos seus deveres, retorna ao palácio e Joe, desiste de sua reportagem, e entrega gentilmente a Anne em uma conferência de imprensa, as fotos tiradas durante sua fuga. Realizado inteiramente em Roma, o filme recebe por causa disso um selo de autenticidade e se enriquece com as vistas dos monumentos mais belos da Cidade Eterna, sem deixar de mostrar a vida fervilhante do povo simples da capital italiana. Com uma direção alerta Wyler deu alegria e animação ao espetáculo. A produção mereceu dez indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Atriz, Ator Coadjuvante, Fotografia preto e branco, História Original, Roteiro, Montagem, Direção de Arte preto e branco, Figurino preto -e-branco. Os vencedores foram Audrey Hepburn, Ian McLellan Hunter, que era o  testa de ferro de Dalton Trumbo (História Original) e Edith Head (Figurino).

Dorothy McGuire, Anthony Perkins e Gary Cooper em Sublime Tentação

Baseado no romance de Jessamyn West, o relato de Sublime Tentação desenrola-se durante a Guerra Civil americana e conta a história de uma família de Quakers, cuja vida quieta e tranquila é abalada pelas notícias do conflito, que criam para estes apóstolos da não violência um problema de consciência. Como todos os quakers, Jess (Gary Cooper, sua esposa Eliza Birdwell (Dorothy McGuire) e o filho mais velho deles, Josh (Anthony Perkins), se recusam a participar da luta que separa o Norte do Sul, porém diante de tanta violência cometida pelos sulistas, Josh decide ingressar nas fileiras nortistas. Ele toma parte em uma batalha sangrenta e não retorna.  Seu pai então pega uma arma e vai à sua procura. Wyler conjuga com argúcia e sentimento o tema dramático com registros pitorescos ou cômicos (v. g. os incidentes com o ganso de estimação da famíia, o lance da compra do órgão e a reação de Eliza, o episódio com a  viúva Hudspeth (Marjorie Main) e suas três filhas, as corridas de charrette com o vizinho (Robert Middleton), que Dimitri Tiomkin  entafiza com inspirada partitura. A produção gerou seis indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção, Ator Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Canção, Som e arrebatou a Palma de Ouro em Cannes.

Jennifer Jones e Laurence Olivier em Perdição por Amor

Perdição por Amor é uma adaptação do romance “Sister Carrie” de Theodore Dreiser, contando a história de um amor desesperado. Nos anos 1890, Carrie Meeber (Jennifer Jones), viaja de uma pequena cidade do Missouri para Chicago e conhece o caixeiro-viajante Charles Drouet (Eddie Albert) no trem. Quando perde seu emprego em uma fábrica de calçados, Carrie passa a viver com Drouet. Mas eis que ela se apaixona por George Hurstwood (Laurence Olivier), gerente de um grande restaurante e ele corresponde a este sentimento. Para esposar Carrie, ele se afasta de sua esposa Julia (Miriam Hopkins). Um dia, Hurstwood dá um desfalque na caixa do restaurante, é descoberto, e perde seu emprego. Quando Julia informa Carrie que seu marido não se divorciou dela, Carrie, grávida, acaba deixando seu amante. Este vai aos poucos se degradando e, enquanto Carrie progride como corista do teatro de variedades, ele morre na mais sórdida miséria. Wyler conduz habilmente o melodrama com seu estilo discreto, sobressaindo alguns lances de excelência técnica (v. g. a longa panorâmica no restaurante; a parada do trem em Englewood) e a notável interpretação de Olivier. Hal Pereira, Roland Anderson (Direção de Arte), Emil Kuti (Decoração de Interiores) e Edith Head (Figurinos) receberam o Oscar

Superespetáculo baseado no romance de Lewis Wallace, Ben-Hur descreve a amizade rompida e a rivalidade terrível entre dois amigos de infância, Judah Ben-Hur (Charlton Heston), príncipe judeu e Messala (Stephen Boyd), jovem tribuno romano bem como outros acontecimentos ocorridos no tempo do Império Romano. Wyler realizou um filme comercial artisticamente digno, conseguindo um entrosamento perfeito entre o drama íntimo e as cenas de ação, das quais a mais sensacional é a corrida de quadrigas, que contou com a inestimável colaboração de Andrew Marton, Mario Soldati e Yakima Canutt). A música é grandiosa e acompanha cada cena magistralmente. Cenários magníficos, centenas de figurantes, fotografia e nível técnico geral corretíssimo completam o quadro. A produção arrebatou onze prêmios da Academia:  Melhor Filme, Direção, Ator (Charlton Heston), Ator Coadjuvante (Hugh Griffith), Fotografia em cores (Robert Surtees), Música de filme não musical (MIklos Rosza), Direção de Arte (William A. Horning, Edward Carfagno), Hugh Hunt (Decoração de interiores), Efeitos Especiais (Arnold Gillespie, Robert MacDonald, Milo Ory), Montagem (Ralph E. Winters, John D. Dunning), Figurinos em Cores (Elizabeth Haffenden), Som (Departamento de som da MGM, Diretor de Som Franklin Milton).

Na fase final da carreira de Wyler suas obras – 1961 – Infâmia / The Children´s Hour / Mirisch-World Wide (drama com Audrey Hepburn, Shirley MacLaine, James Garner, Miriam Hopkins). 1965 – O Colecionador / The Collector / Columbia (drama psicológico com Terence Stamp e Samantha Egar). 1966 – Como Roubar Um Milhão de Dólares / How To Steal a Million / Twentieth Century-Fox (comédia com Audrey Hepburn, Peter O´Toole, Eli Wallach). 1968 – Funny Girl – A Garota Genial / Funny Girl / Rastar, Columbia (cinebiografia com Barbra Streisand, Omar Shariff). 1970 – A Libertação de L. B. Jones / The Liberation of L. B. Jones / Columbia (drama com Lee J. Cobb, Roscoe Lee Brown, Anthony Zerbe, Lola Falana) -, embora realizadas com eficiência técnica, não tiveram a mesma envergadura artística de seus melhores filmes anteriores.

Terence Stamp e Samantha Egar em O Colecionador

O melhor de seus últimos filmes foi O Colecionador, baseado em um romance de John Fowles. Freddie Clegg (Terence Stamp), bancário insignificante e reprimido que coleciona  borboletas, ganha na loteria esportiva e compra uma casa  isolada em um subúrbio londrino com um porão espaçoso. Em seguida sequestra uma estudante de arte, Miranda Grey (Samantha Egar), por quem tem uma paixão doentia, na esperança de que ela o conheça melhor e acabe por amá-lo. Enfrentando um desafio inédito em sua carreira, dirigir um filme com ação concentrada em dois personagens e em um espaço cenográfico reduzido, Wyler saiu vitorioso, mostrando com vigor dramático a aventura amorosa mórbida e angustiante do casal aprisionado, concluída de forma imprevisível. A produção ocasionou três indicações ao Oscar (Melhor Atriz, Direção. Roteiro Adaptado). Terence Stamp e Samantha Egar ganharam o prêmio de Melhor Interpretação no Festival de Cannes.