Ele foi o criador do padrão para os retratos de glamour idealizados de Hollywood, ferramenta essencial da publicidade para os grandes estúdios durante a Época de Ouro do cinema americano. Sempre inovador, inventou a boom light (luz colocada acima do sujeito por meio de uma vara) e desenvolveu várias técnicas de iluminação. Seu uso típico de refletores, sombras e retoque manual nos negativos produziram retratos românticos, que se tornaram a marca registrada de seu estilo. Seu visual influente ficou conhecido como “Estilo Hurrell”.
George Edward Hurrell (1904 – 1992) nasceu em Covington, Kentucky, mas foi criado em Cincinatti, despertando desde cedo interesse pela pintura. Aos dezesseis anos de idade obteve uma bolsa de estudos para o Art Institute de Chicago. Impaciente, transferiu-se logo para a Academy of Fine Arts. Após um ano e meio, abandonou a escola e arrumou emprego como colorista em um estúdio fotográfico. Intrigado pela fotografia, ele passou um ano trabalhando em vários estúdios até ser contratado pelo fotógrafo de retrato mais prestigioso de Chicago, Eugene Hutchinson. Neste seu novo ambiente de trabalho Hurrell aprendeu muito sobre a arte da fotografia, mas logo estava se tornando impaciente outra vez e resolveu deixar o estúdio. Ainda apaixonado pela pintura, resolveu passar algum tempo em uma colonia de arte em Laguna Beach na Califórnia na companhia do famoso pintor de paisagens Edgar Alwyn Payne; porém sua trégua com a fotografia durou pouco. Hurrell compreendeu que fotografias eram mais lucrativas do que suas pinturas de paisagens. Ele adquiriu equipamento profissional usado e passou os próximos dois anos fotografando artistas locais, suas pinturas e as socialites de Los Angeles, que vinham comprá-las.
Em 1927, Hurrel mudou-se para Los Angeles onde seu Studio Number Nine no Edifício Granada lhe serviu de moradia assim como de lugar de trabalho, sendo que uma prateleira no banheiro minúsculo continha suas bandejas de revelação. Sua grande chance surgiu quando uma de suas primeiras clientes em Laguna Beach, Florence “Pancho” Barnes, jovem aviadora da alta sociedade de San Marino, Califórnia, apresentou-o ao seu amigo Ramon Novarro, que havia ficara impressionado com as fotos nas quais ela posara para Hurrell. Novarro posou para Hurrell, levou suas fotos para o Departamento de Publicidade da MGM, a reação foi mais do que favorável, e Hurrell começou a se projetar no meio da indústria cinematográfica.
Novarro era muito amigo de Norma Shearer (com quem ele co-estrelou O Príncipe Estudante / The Student Prince in Old Heidelberg, dirigido por Ernst Lubitsch), que estava tentando mudar sua imagem para algo mais glamoroso e sofisticado na tentativa de obter o papel título de A Divorciada / The Divorcee. Ela adorou as fotos de Novarro e pediu a Hurrell que a fotografasse em poses mais provocantes do que aquelas nas quais os fãs estavam acostumados a vê-la na tela. Quando Norma mostrou estas fotos para seu marido, o chefe de produção da MGM Irving Thalberg, este deu o papel principal de A Divorciada para sua esposa e contratou Hurrell, para o setor de fotos do Departamento de Publicidade da MGM, então chefiado por outro retratista, Clarence Sinclair Bull.
O primeiro retrato fotográfico de Hurrell a aparecer impresso – na edição de abril de 1930 da revista Photoplay – foi o de Anita Page e a primeira estrela que ele fotografou foi Joan Crawford. Como informou Mark A. Vieira no seu belíssimo livro “Hurrell´s Hollywood Portraits” (Abrams, 1997) – do qual extraímos muitas informações -, o primeiro encontro entre Hurrell e Crawford foi um choque memorável de vontades. Ele foi designado para fotografar a atriz na sua atividade principal fora da tela, fazendo tricô. Joan achou Hurrell autoritário e ele achou que as poses dela era arqueadas e artificiais. Anos depois, relembrou: “Eu continuei dizendo a ela como posar. Finalmente Crawford ficou tão perturbada com isso que foi para seu camarim e disse,”Eu não vou mais posar”. Dois dias depois pediu desculpas a Hurrell, dizendo: “Por favor, perdoa-me, Mr. Hurrell. Acabei de ver as provas. Elas são muito, muito encantadoras”. Assim nasceu uma colaboração histórica, concluiu Mark Vieira.
Outros grandes compromissos assumidos por Hurell no mesmo mês de abril de 1930 foram o de fotografar Lon Chaney e Greta Garbo. Vieira nos conta em detalhes como isso correu. Depois de fotografar Chaney como o personagem de Trindade Maldita / The Unholy Three, seu último filme, Hurrell quís captar o “verdadeiro” Lon Chaney também. “Hoje não. Não me sinto confortável sendo fotografado como eu mesmo”, respondeu o “Homem das Mil Caras”. Ele morreu no mesmo mês, vitimado por um câncer na garganta. Garbo não quís cooperar com o fótografo (Hurrell: “Ela simplesmente ficou sentada lá como uma estátua”). As fotos para a publicidade de Romance / Romance não foram utilizadas e Garbo e Hurrell nunca mais trabalharam juntos. Posteriormente Hurrell fotografou vários artistas como Dorothy Jordan, Johnny Mack Brown, William Haines, Marie Dressler, Constance Bennett, Ray Milland, Kay Francis, Lili Damita, Lionel Barrymore, Walter Huston, Clark Gable, Myrna Loy, Marion Davies, Madge Evans, Robert Montgomery, Madge Evans, Jean Harlow, Buster Keaton, John Gilbert, Alfred Lunt e Lynn Fontanne, Johnny Weismuller, John Barrymore, Melvyn Douglas, Karen Morley etc.
Em 1932, após desentendimentos com seus superiores – que cuminaram quando ele foi repreendido por ter ocasionalmente fotografado, Joan Bennett, atriz contratada da Fox, fora do estúdio -, Hurrell deixou a MGM e passou a trabalhar por conta própria, abrindo um estúdio no nº8706 da avenida Sunset Boulevard. Ele convidou Norma Shearer para uma sessão de retatos de cortesia. Depois que ela escolhesse a sua pose favorita, ele a colocaria na vitrine da loja. Norma gostou das fotos mas sugeriu a Hurrell que usasse uma pose que ele fizera para a publicidade do filme O Amor Que Não Morreu / Smilin´Thru, sua pose predileta. A visita de Norma ao estúdio de Hurrell se espalhou pelo meio cinematográfico. A Fox chamou-o novamente e ele fotografou Lupe Velez, Sally Eilers e Boots Mallory. Outros grandes estúdios (MGM, Paramount e Twentieth Century-Fox – cuja denominação hifenizada foi resultado da fusão em 1935), a United Artists ou produtores independentes (Goldwyn Studios) também solicitaram seus serviços e ele fotografou Joan Crawford, Douglas Fairbanks, Jr., Mary Pickford, Jean Harlow, Anna Sten, Paulette Goddard, Ethel Merman, Warner Baxter, Mae West, Gloria Swanson, Carole Lombard, Wallace Beery, Rosalind Russell, Miriam Hopkins, Clifton Webb, Madge Evans, Conchita Montenegro, Fay Wray, Anna May Wong, Jeanette MacDonald, Marlene Dietrich, Merle Oberon, Nelson Eddy William Powell, Simone Simon, Shirley Temple, Alice Faye, Dolores Del Rio, Loretta Young etc.
No verão de 1938, Robert Taplinger, chefe de publicidade da Warner Brothers-First National, ofereceu a Hurrell um contrato de dois anos como chefe do setor de fotos do estúdio. O primeiro astro que Hurrell teve que fotografar foi ele mesmo. Taplinger declarou-o uma celebridade, obrigou-o a fazer um auto-retrato e começou a divulgar histórias sobre ele tipo “Ele é um Marco em Hollywood” ou “ Confissões de um Fotógrafo de Estúdio”. Hurrel tornou-se um assunto de entrevista pitoresco e começou a receber sua própria correspondência de fãs. Na Warner ele fotografou Ann Sheridan em poses sensuais que fizeram jús ao seu apelido de “the oomph girl, George Brent, Paul Muni, John Garfield, James Cagney, Humphrey Bogart, Errol Flynn, Ida Lupino, Alexis Smith, Lauren Bacall, Olivia de Haviland, Ann Sothern, John Payne, Rosalind Russell e a maior estrela do estúdio, Bette Davis.
Como Mark Vieira contou, Taplinger decidiu que Bette, tal como as demais estrelas da Warner, deveria ser glamorizada. “Eu não quero essa coisa de glamour”, Bette disse. “Quero ser conhecida como uma atriz séria, nada mais”. Porém posar para fotos de glamour estava no seu contrato e ela não teve escolha senão aceitar. Hurrell cumprimentou-a efusivamente: “Você é a jovem mais glamorosa do cinema e eu vou provar isso!”. “Vai devagar com o glamour, George”, ela avisou. “Eu não sou o tipo”. Hurrell ligou o fonógrafo, alto. Quando ela perguntou porque ele sempre tocava música para as pessoas que fotograva, ele respondeu: “ Não toco música para elas. Toco para mim mesmo. Tenho que me manter animado”. Em julho de 1940, após uma desavença com Jack Warner, que lhe valeu uma suspensão, Hurrell cumpriu o restante de seu contrato e, em 15 de outubro, foi cuidar de seu novo rumo.
No outono de 1941 Hurrell alugou um imóvel no nº333 da rua North Rodeo Drive em Beverly Hills, cuja proprietária chamava-se …. Greta Garbo. Foi lá que ele fez a famosa foto de Jane Russell em um celeiro para a publicidade de O Proscrito / The Outlaw. Infelizmente, o filme teve sérios problemas com a censura e foi logo retirado de circulação – mas todo mundo ficou sabendo quem Jane Russell era.
Em meados de 1942, Robert Taplinger havia se transferido da Warner para a Columbia e convidou Hurrell para trabalhar como chefe do setor fotográfico, onde suas ajudaram a construir a carreira de Rita Hayworth. Entretanto, a maioria das suas fotografadas eram estrelinhas sem graça. Os retratos que ele fez delas eram agradáveis, mas sem vida. No final de outubro ele abriu sua correspondência e teve uma grande surpresa: havia sido convocado para a First Motion Picture Unit of the United States Army Air Force. Ele fez filmes de treinamento no estúdio de Hal Roach em Culver City e depois se tornou um fotógrafo da equipe do Pentágono.
Quando Hurrell voltou para Hollywood nos meados dos anos cinquenta seu velho estilo de glamour caíra em desgraça. O novo estilo de glamour de Hollywood era mais grosseiro e granuloso e pela primeira vez em sua carreira seu estilo não estava mais em demanda. Ele se mudou para Nova York e trabalhou na indústria de publicidade, onde o glamour ainda era valorizado. Em 1958-1960 Hurrel formou parceria com Walt Disney, criando a Hurrell Productions com o objetivo de fazer filmes educativos e fotografou para programas de televisão, revistas de moda e anúncios impressos. Em 1969-1976 trabalhou como fotógrafo free lancer para a publicidade de vários filmes inclusive O Planeta dos Macacos / Planet of the Apes, Butch Cassidy / Butch Cassidy and the Sundance Kid, Inferno na Torre / The Towering Inferno, Todos os Homens do Presidente / All the President´s Men. Em 1976-1980, semi-aposentado, aceitou alguns trabalhos ocasionais (entre seus clientes: Liza Minnelli, Paul Newman, Robert Redford). Após 1980, Hurrel continuou fotografando para revistas (inclusive a Vogue Paris); artistas como Farrah Fawcett, Brooks Shields, John Travolta e outros astros da Nova Hollywood; Joan Collins nua para a Playboy; e capas de discos como, por exemplo, a capa do album de Paul McCartney “Press to Play” de 1986.
Hurrel casou-se três vezes: com Katherine Cuddy, vencedora de um concurso de beleza em Seattle (1939-1942); com Phyllis Bounds, sobrinha de Walt Disney (1943-1954), com Betty Willis (1955). Ele faleceu em 17 de maio de 1992 aos 87 anos de idade, pouco depois de completar sua participação em voz over no documentário “Legends in Light”, sobre sua vida e carreira.