Wilder iniciou a década de cinquenta realizando duas obras-primas: Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950 e A Montanha dos Sete Abutres / Ace in the Hole ou The Big Carnival / 1951.
Crepúsculo dos Deuses é um drama passional que oscila entre o trágico e o grotesco, e um retrato cínico e cruel de Hollywood tingido de humor negro. O enredo de Wilder e Brackett e D. M. Marshman Jr. apresenta em primeiro plano a decadência de Norma Desmond (Gloria Swanson), atriz do cinema silencioso, que vive agarrada na sombra de seu passado. Bonita e famosa no tempo da cena muda é hoje uma estrela esquecida. Seu ex-marido e diretor, Max von Mayerling (Erich von Stroheim) serve-lhe de mordomo em uma mansão lúgubre, tentando realizar todos os seus caprichos. Saudosista da fama de outrora, egocêntrica e a um passo da loucura, ela se apaixona por um jovem roteirista obscuro, Joe Gillis (William Holden), que, para fugir de seus credores, se escondera no palacete. Norma contrata-o para ajudá-la a escrever o roteiro de um filme com o qual pretende voltar à luz dos refletores, dirigida por Cecil B. DeMille (que também a dirigira outrora) e o rapaz acaba se tornando seu gigolô. Os planos de Norma não se concretizam e ela descobre que Joe está se encontrando com uma moça, Betty Schaefer (Nancy Olson), leitora de argumentos e aspirante a roteirista. Quando ele decide romper sua relação humilhante com sua “protetora”, ela o mata.
Os roteiristas imaginaram uma narrativa audaciosa (é o morto que conta a história) que termina com uma cena original e de um poder emocional muito forte (Norma descendo lentamente a escada e se encaminhado em direção à uma câmera, até sair de foco) e Wilder soube criar uma atmosfera perturbadora e fascinante com a ajuda do score soberbo de Franz Waxman ( v. g. o tango que acompanha Norma quando ela desce as escadas em um êxtase de loucura) e à fotografia em preto e branco, que John F. Seitz sempre soube utilizar. A força da realização se encontra também no comentário muito bem escrito e dito em voz over (a voz do morto) que apoia a ação, nas frases antológicas (v. g. “We didn´t need dialogue, we had faces” ou “I´m still big, it´s the pictures that got smaller”) e no elenco. Desde o primeiro momento em que ela aparece, Gloria Swanson toma conta da tela, expondo sua personagem desquilibrada com gestos amplos e riqueza de emoção. Erich von Stroheim mostra bem porque era uma das grandes figuras do cinema. William Holden desempenha com brilho o seu papel difícil. Nancy Olson os coadjuva com afinco. Artistas famosos da cena muda (Buster Keaton, Anna Q. Nillson, H. B. Warner aparecem na cena do jogo de bridge e DeMIlle na visita de Norma ao estúdio da Paramount. O papel de Norma foi oferecido a outras duas grandes estrelas Mary Pickford e Pola Negri que rejeitaram o convite. Montgomery Clift e Fred MacMurray foram cogitados para o papel de Joe Gillis. A Academia concedeu o Oscar de Melhor História e Roteiro para Wilder, Brackett e Marshmam e de melhor Música de filme não musical para Waxman. Foram indicados: Wilder como Melhor Diretor, Gloria Swanson como Melhor Atriz, Stroheim como Melhor Ator Coadjuvante, Nancy Olson como Melhor Atriz Coadjuvante, Seitz pela Melhor Fotografia preto-e-branco e Doane Harrison, Arthur P. Schmidt pela Melhor Montagem. Stroheim sugeriu algumas idéias para Wilder e este aproveitou duas: o mordomo escrever cartas de fãs para Norma para manter a ilusão de que ela não foi esquecida e a utilização de um trecho de Minha Rainha / Queen Kelly. Depois deste filme Wilder e Brackett se separaram após quatorze anos de colaboração.
A Montanha dos Sete Abutres foi inspirado em dois fatos autênticos, divulgados pela imprensa americana. No primeiro, ocorrido em 1925, um repórter descobriu um guia turístico preso em uma gruta, conseguiu esgueirar-se até onde estava o infeliz e conduziu as operações de socorro, durante as quais cobriu o acontecimento para seu jornal. No segundo, ocorrido em 1949, a morte de uma menina que caiu em um poço suscitou uma comoção nacional. Lembrando-se deles, Wilder e seus dois novos colaboradores, Lesser Samuels e Walter Newman, procuraram mostrar a curiosidade mórbida da multidão e a exploração sórdida e racional desta “fraqueza” pela imprensa sensacionalista. O personagem central, Charles Tatum (Kirk Douglas), é um jornalista bêbedo e inescrupuloso, obrigado por uma série de circunstâncias que o desmoralizaram no meio jornalístico novaiorquino a trabalhar na redação do Sun Bulletin, em Albuquerque no New Mexico. Enquanto aguarda um “assunto” capaz de restaurar sua reputação, ele antevê excepcionais oportunidades jornalísticas na agonia de um homem, Leo Minosa (Richard Benedict), que havia entrado em uma antiga caverna de índios à procura de relíquias e ficara preso entre os escombros após um desmoronamento. Com a cumplicidade de um xerife corrupto (Ray Teal) Tatum prolonga deliberadamente a permanência da vitima na caverna ao mesmo tempo em que garante para si a exclusividade da história. Havendo outros meios mais fáceis para salvar o infeliz, ele consegue que se perfure a rocha, de cima para baixo, para que o tempo de salvamento dure mais e possa, assim, tirar maior partido nas reportagens. Tatum persuade também a esposa da vítima, Lorraine (Jan Sterling), a continuar no local, convencendo–a de que o afluxo de pessoas de todos os cantos do país ao seu café-restaurante lhe permitiria ganhar algumas centenas de dólares. Realmente uma multidão ávida de sensações chega ao local e com eles o rádio e a televisão, os vendedores de hamburgueres e refrigerantes, turistas, jornalistas impedidos pelo xerife de fazer concorrência a Tatum e até um parque de diversões se instalam diante da caverna. A situação se complica quando vítima contrai pneumonia. Arrependido, Tatum tenta desesperadamente salvá-lo. Tarde demais, e após uma série de acontecimentos provocados pelo seu remorso, é punido. Em uma discussão com Lorraine ela o esfaqueia com um par de tesouras e ele vai morrer na redação do Sun Bulletin. Wilder esmiuça a personalidade ríspida e contundente do jornalista que começa provocando um grande furo e termina com um denso problema de consciência. Fustigando sem piedade e com lucidez o lado mau da imprensa e a curiosidade da massa que se delicia com uma catástrofe e com um espetáculo carnavalesco, Wilder imprimiu um vigor extraordinário na narrativa, que não se desacelera um só instante. Kirk Douglas domina todo o filme com sua magnífica atuação e Jan Sterling está impecável na mulher fria e vulgar. A história e o roteiro proporcionaram uma indicação para o Oscar. O título original era Ace in the Hole, mas o chefão da Paramount, Y. Frank Freeman, mudou-o para The Big Carnival, sem o consentimento de Wilder. Muitos anos depois o cineasta declarou que este foi o melhor filme que ele fez.
Ainda no decênio de cinquenta, Wilder fez: 1953 – Inferno nº 17 / Stalag 17, drama de guerra envolvente com efeitos cômicos, suspense e notável interpretação de William Holden premiada com o Oscar, proporcionando ainda indicações para Wilder (Melhor Diretor) e Robert Strauss (Melhor Ator Coadjuvante).
1954 – Sabrina / Sabrina, comédia romântica charmosa conjugando conto de fadas moderno e sátira social, com um trio de intérpretes (Audrey Hepburn, William Holden, Humphrey Bogart) de grande categoria, suscitando nomeações ao Oscar para Wilder, Hepburn e o fotógrafo Charles Lang Jr.
1955 – O Pecado Mora ao Lado / The Seven Year Itch, comédia de costumes maliciosa e satírica contando com a presença impactante de Marilyn Monroe e o histrionismo de Tom Ewell, porém às vezes maçante.
1957 – Águia Solitária / The Spirit of St. Louis, aventura cinebiográfica sobre o vôo solitário e histórico de Charles Lindbergh (excluindo certos fatos da vida dele), estruturada por meio de solilóquios e retrospectos, com boas soluções técnicas na mise-en-scène, interpretação lacônica de James Stewart dos pensamentos e sensações do aviador;
Amor na Tarde / Love in the Afternoon, comédia romântica lubistcheana, com os ingredientes de sátira e irreverência habilmente manipulados pela direção e apoiados pela excelência do elenco e canções sugestivas. Foi a primeira colaboração de Wilder com I. A. L. Diamond.
Os dois últimos filmes de Wilder nos anos cinquenta foram mais duas obras-primas: 1959 –Testemunha de Acusação / Witness for the Prosecution e 1959 – Quanto Mais Quente Melhor / Some Like It Hot.
Testemunha de Acusação é um drama criminal na modalidade filme de tribunal, baseado em uma peça de Agatha Christie. Acusado de haver assassinado uma solteirona rica e solitária em cujo testamento figura como único herdeiro, Leonard Vole (Tyrone Power) apresenta-se ao famoso criminalista, Sir Wilfrid Roberts (Charles Laughton), récem saído de um hospital, por ter sofrido un enfarto, solicitando-lhe que o defenda. Apesar da proibição médica, ele aceita. A única testemunha que Vole possui, é sua própria mulher, Christine (Marlene Dietrich), mas ela depõe contra ele. No segundo dia do julgamento o criminalista recebe um telefonema de alguém que lhe quer vender cartas comprometedoras, que invalidarão o depoimento de Christine. Ele vai apanhar as cartas, que estão na posse de uma mulher e, ao mostrá-las no tribunal, assegura a vitória ao seu constituinte. Porém depois do veredicto ocorrem dois fatos surpreendentes que ocasionam um violento desfecho passional. Wilder e seu novo colaborador, Harry Kurnitz, reescreveram o texto de Agatha Christie (criando a figura da enfermeira, mas conservando os personagens principais e sem mexer na trama inteligente) e com ele Wilder realizou um filme palpitante, que surpreende por seus desenvolvimentos imprevistos e mantém a platéia permanentemente atenta e interessada. Charles Laughton no papel do advogado perspicaz e astuto (aquele seu teste com o monóculo é um grande achado), devotado e apaixonado pela sua profissão, é a grande atração do espetáculo. Os duelos verbais com sua enfermeira, Miss Plimsoll, esplendidamente interpretada por Elsa Lanchester (indicada para o Oscar), são prazerosos assim como as réplicas tipicamente wilderianas (v. g. a certa altura Sir Wilfrid diz para Miss Plimsoll: “Se você fosse mulher, eu ia bater em você” ). Marlene Dietrich está magnífica, particularmente nas cenas de interrogatório no tribunal. Tyrone Power tem uma atuação corretíssima e convincente.
Quanto Mais Quente Melhor, comédia burlesca, satirizando a época da Lei Sêca e abordando de maneira sutil o homossexualismo, narrada em ritmo vertiginoso. Dois saxofonistas, Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon), perseguidos por Spats Colombo (George Raft) e seu bando, por terem assistido involuntariamente a um massacre parecido com o de São Valentim, perpetrado por estes mafiosos, vestem-se de mulher e fogem para Miami, para integrar uma orquestra feminina, cuja vedete é Sugar Kane (Marilyn Monroe), loura adorável e sensual, que toca o ukulele e canta imitando a Betty Boop. As confusões causados pelo transformismo começam quando Joe tenta conquistar Sugar, fazendo-se passar por Shell Oil Junior, falso milionário com a voz de Cary Grant ou quando Jerry é assediado por um milionário de verdade, o desconcertante Osgood Fielding III (Joe E. Brown). Pontuado do início ao fim por réplicas (v. g. o antológico “Nobody´s Perfect!”) e gags visuais (v. g, Jerry dançando o tango erótico com Osgood) hilariantes, o filme recebeu seis indicações ao Oscar: Jack Lemmon para Melhor Ator, Wilder para Melhor Diretor, Wider e I. A. L. para Melhor Roteiro Adaptado, Charles Lang Jr. para Melhor Fotografia (preto-e-branco), Ted Haworth (decoração de Edward G. Boyle) para Melhor Direção de Arte (preto-e-branco) e Orry-Kelly para Melhor Figurino (preto-e-branco). Mas Orry Kelly foi o único vencedor.
No início dos anos sessenta, Wilder realizou sua última obra-prima, Se Meu Apartamento Falasse / The Apartment, um drama com momentos de comédia romântica e sátira social (à crueldade da cultura corporativa americana). Jovem e solitário empregado subalterno de uma grande companhia de seguros, C. C. Baxter (Jack Lemmon) empresta seu apartamento de solteiro a seus superiores casados, para encontros mais seguros e confortáveis com suas amantes. Em troca os favorecidos, prometem-lhe uma futura promoção, que eles garantem conseguir com o diretor de pessoal da firma, Jeff D. Sheldrake (Fred Mac Murray). Baxter já está quase desistindo dessas promessas e só pensa em conseguir marcar um encontro com a ascensorista da empresa, Fran Kubelik (Shirley MacLaine), por quem está apaixonado quando, de repente. sai a promoção. Baxter é transferido para uma sala só dele com secretária particular e outros privilégios e se surpreende com a forte influência que seus superiores exerceram sobre Sheldrake. Na verdade sua melhoria de posição na firma ocorreu, porque o chefão queria exclusividade: de agora em diante o apartamento seria emprestado só para ele. Mas certa noite Baxter encontra Fran inconsciente em seu apartamento. Descobre então que ela é a amante de Sheldrake e tentou o suicídio, porque ele se recusava a deixar a mulher. Na verdade tanto Baxter como Fran estão sacrificando sua integridade por algo que esperam obter de Sheldrake – ele, seu upgrade na compahia, ela, uma aliança matrimonial. Finalmente, Baxter como queria seu vizinho, Dr. Dreyfus (Jack Kruschen), torna-se um “Mensch” (em outras palavras, “um ser humano”), quando desafia o sistema pelo amor de Fran e esta, se liberta de sua devoção pelo cínico Sheldrake, ao descobrir o verdadeiro sentido da palavra amor. Mas no final feliz (e original) não tem abraço nem beijo, mas um simples “ Shut up and deal”. A Academia premiou regiamente a realização: Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor História e Roteiro Originais (Billy Wilder, I. A. L. Diamond), Melhor Direção de Arte em preto-e-branco (Alexander Trauner e decoração de interiores Edward G. Boyle). Indicações para: Melhor Ator (Jack Lemmon), Melhor Atriz (Shirley MacLaine), Melhor Ator Coadjuvante (Jack Kruschen), Melhor Fotografia em preto-e-branco (Joseph LaShelle) e Som (Samuel Goldwyn Studio; Gordon E. Sawyer). Todos os prêmios foram merecidíssimos. Wilder deveria ter encerrado sua carreira neste momento como lhe aconselhou Moss Hart, um dos apresentadores na cerimônia. Depois se arrependeu.
No decorrer da década de sessenta, o cineasta fez apenas um bom filme, embora sem o mesmo brilho de suas grandes comédias: Cupido Nâo Tem Bandeira / One, Two, Three / 1961, sátira política tanto do capitalismo quanto do comunismo, focalizando os esforços e os dissabores de um próspero e audacioso industrial americano (interpretado por um James Cagney a mil por hora), que resolve vender Coca-Cola aos consumidores atrás da Cortina de Ferro enquanto sua filha (Pamela Tiffin) se casa com um beatnik (Horst Buchholz) da zona soviética. Seus filmes restantes do decênio (1963 – Irma la Douce / Irma la Douce. 1964 – Beija-me Idiota / Kiss Me Stupid e 1966 – Uma Loura Por Um Milhão / The Fortune Cookie representam um declínio artístico evidente na trajetória fílmica do diretor.
Na década de setenta, ocorreu o mesmo: um bom filme, A Vida Íntima de Sherlock Holmes / The Private Life of Sherlock Holmes / 1970, aventura inédita (imaginada por Wilder e I. A. L. Diamond), apresentando o detetive famoso (Robert Stephens) como um homem vulnerável sentimentalmente e não apenas como uma “ máquina pensante”, quando ele se envolve com uma espiã alemã (Genevieve Page), ao investigar o mistério do Monstro do Loch Ness -, seguido por três obras frustradas: 1972 – Amantes à Italiana / Avanti. 1974 – A Primeira Pàgina / The Front Page e 1978 – Fedora.
O derradeiro filme de Billy Wilder, Amigos, Amigos … Negócios à Parte (TV) / Buddy Buddy / 1981, foi uma despedida triste do grande cineasta, um fracasso total. Mas em 1986 ele recebeu o AFI Live Achievement Award, em 1989 o Irving Thalberg Memorial Award, em 1993 a National Medal of Arts. Faleceu aos 95 anos de idade.
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