Ele não somente dirigiu alguns dos melhores dramas dos anos 30-40 (e nos anos 50 duas boas comédias), mas assumiu múltiplas funções na realização de cada um deles, escrevendo ou co-escrevendo roteiros, compondo música incidental, produzindo e até sendo consultado sobre maquilagem, figurinos e penteados. Foi também um grande diretor de intérpretes, porém não deixou nos seus filmes a marca de um estilo pessoal inconfundível, adaptando-se sempre ao molde de cada estúdio no qual trabalhou.
Goulding se concentrou mais na interpretação. Durante os ensaios (aos quais dedicava um tempo considerável) interpretava ele mesmo cada papel nos seus mínimos detalhes, embora estivesse sempre disposto a ouvir as sugestões dos atores. Por outro lado, não se interessava pela câmera, a não ser na medida em que ela permitia registrar de forma mais completa e fielmente a atuação dos intérpretes. Segundo Lee Garmes “Ele gostava que a câmera seguisse os atores o tempo todo”.
Na sua vida particular o cineasta era um homem complicado e contraditório cujas orgias notórias, bissexualidade, alcolismo e dependência de drogas foram propaladas em Hollywood durante anos. Entretanto, ele fazia uma distinção muito clara entre seu comportamento privado e o que a tela podia e deveria mostrar para o público.
Edmund George (1891-1959) nasceu em Feltham, Middlesex, Inglaterra filho de George Goulding e Florence Ivis Charlotte Hartshorn, que imigraram do campo para Londres em meados do século XIX, onde a promessa de melhores salários e um rendimento regular eram irresistíveis. Em 1905, George Goulding abriu um açougue no distrito de Chelsea e Edmund ajudou o pai puxando um carrinho com carne para ser entregue aos fregueses. Depois, ele trabalhou como carregador de malas no Savoy Hotel e ali conheceu o empresário teatral Robert Gelardi, que o incentivou a seguir uma carreira no palco. Goulding escreveu e atuou em algumas peças em Londres, participou de dois filmes silenciosos, Henry VIII (Dir: Will Barker) e The Life of a London Shopgirl (Dir: Charles Raymond) e serviu brevemente (por ter sido ferido) na Primeira Guerra Mundial. Em 1915 partiu para a América.
Chegando em Nova York, graças à sua voz respeitável de barítono, embora destreinada, conseguiu emprego como cantor de pequenos papéis de ópera em uma casa de espetáculos dos irmãos Shubert. Ele retornou brevemente à Londres, onde escreveu nominalmente com Gabrielle Enthoven, frequentador de teatro cheio da grana, a peça “Ellen Young”, cujo enredo serviu como precedente de muitos melodramas, que ele faria em Hollywood. De volta a Nova York, Goulding decidiu seguir carreira de escritor para o cinema e, sem nenhuma experiência, ingressou na Lewis Selznick Company como aprendiz de montador, com a intenção de conseguir depois a função de roteirista. Entretanto, sua passagem como montador na Selznick durou pouco meses porque, ao saber que Jesse Lasky estava pagando mil dólares por histórias originais, foi trabalhar para ele no seu quartel general em Astoria, Long Island.
Goulding forneceu argumentos para The Quest for Life / 1916 – Dir: Ashley Miller) e Crença e Constância / The Silent Partner / 1917 – Dir: Marshall Neilan) mas, quando os EUA entraram na guerra, ele se alistou, e acabou sendo relocado para a Inglaterra, onde realizou um bom trabalho na recepção dos soldados americanos. Nesta ocasião, enviou algumas histórias para os realizadores na América, as quais originaram filmes como Não Há Tal Coisa / The Ordeal of Rosetta / 1917 (Dir: Emile Chautard); The Glorious Lady / 1919 (Dir: George Irving) e The Perfect Lover / 1919 (Dir: Ralph Ince). Voltando à Terra de Tio Sam, Goulding continuou escrevendo ou co-escrevendo argumentos e roteiros ou fazendo adaptações para 32 filmes de vários estúdios (principalmente Selznick Pictures), dos quais o mais importante foi Tol’able David / 1921 (Dir: Henry King).
Em 1925, Goulding começou a trabalhar na MGM como diretor, roteirista, produtor ou adaptador. Seus filmes na MGM como diretor foram: 1925- O Filho das Selvas / Sun-Up com Pauline Stark, Conrad Nagel; Sally, Irene e Mary/ Sally, Irene and Mary com Constance Bennett, Joan Crawford, Sally O´Neil, William Haines. 1926 – Paris / Paris com Charles Ray, Joan Crawford; Elas Querem Diamantes / Women Love Diamonds com Pauline Starke, Owen Moore. 1927 – Anna Karenina / Love com Greta Garbo, John Gilbert. Em 1929, ele escreveu a história original de Melodia da Broadway / The Broadway Melody (Dir: Harry Beaumont) – filme musical premiado com o Oscar. Ainda na década de vinte, ele permitiu adaptação de uma peça sua para Loucuras de Mãe / Dancing Mothers / 1926 (Dir: Herbert Brenon – Famous Players-Lasky-Paramount); forneceu o argumento de O Amor é Cego / Happiness Ahead / 1928 (Dir: William A. Seiter – First National); dirigiu, co-produziu, escreveu o roteiro e compôs (com Elise Janis) uma canção para Tudo Pelo Amor / The Trespasser / 1929 com Gloria Swanson, Robert Ames (Gloria Productions-United Artists).
Os cinco primeiros filmes de Goulding nos anos 30 foram: 1930 – O Despertar da Vida / The Grand Parade (roteirista, produtor e autor de canções – Pathé); Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade (diretor do segmento com Richard Arlen, Jean Arthur, Mary Brian, Virginia Bruce, Gary Cooper – Paramount); Noivado de
Ambição / The Devil´s Holiday (diretor, roteirista) com Nancy Carroll, Phillips Holmes – Paramount). 1931 – O Príncipe dos Dólares / Reaching for the Moon (diretor, co-argumentista e co-roteirista) com Douglas Fairbanks, Bebe Daniels, Edward Everett Horton – United Artists; O Anjo da Noite / The Night Angel (diretor, roteirista) com Nancy Carroll, Fredric March – Paramount. O drama romântico Noivado de Ambição passou no Brasil dublado em português con Nancy Carroll no papel que ia ser de Jeanne Eagels e ficou vago quando ela morreu. Nancy demonstrou capacidade dramática até então insuspeitada e quase arrebatou o Oscar de Melhor Atriz, afinal outorgado a Norma Shearer.
Em 28 de novembro de 1931, para surpresa de todos, Goulding contraiu matrimônio com Marjorie Violet Moss, que formava com George Fontana um par de dançarinos no vaudeville e estava desempregada e doente, diagnosticada como tuberculosa. Segundo Louise Brooks, Goulding casou-se com Marjorie por compaixão, com a intenção de lhe trazer felicidade no pouco tempo de vida que lhe restava. Ela faleceu em 1935. Mais tarde, ele revelaria para sua amiga e advogada Fanny Holtzmann que nunca amara Marjorie e aceitara se casar com ela durante uma bebedeira.
Em 1932, Goulding fez Grande Hotel / Grand Hotel, adaptação do romance de Vicki Baum, com elenco multiestelar, idéia de Irving Thalberg. Greta Garbo é a bailarina decadente; John Barrymore, o aristocrático ladrão de jóias; Lionel Barrymore, o contador que resolve passar no luxo os últimos dias de vida; Joan Crawford, a ambiciosa estenógrafa a serviço de Wallace Beery, o industrial prussiano prestes a falir; Lewis Stone, o gerente do hotel. Quando a filmagem terminou, os roteiristas apelidaram Goulding de “o domador de leões”. A certa altura, Garbo pronuncia a legendária frase: “I want to be alone”. O filme, dirigido com classe por Goulding, arrebatou o Oscar, deu uma renda bruta e um grande prestígio para seu diretor.
Em seguida, ele dirigiu, ainda na MGM, Princesa da Broadway / Blonde of the Follies / 1932 com Marion Davies, Robert Montgomery, Billy Dove; Quando Uma Mulher Ama / Riptide / 1934 com Norma Shearer, Robert Montgomery, Herbert Marshall; Corações en Duelo / The Flame Within / 1935 com Ann Harding, Herbert Marshall, Maureen O´Sullivan, Louis Hayward e escreveu histórias para Carne / The Flesh / 1932 (Dir: John Ford – MGM) e Casar por Azar / No Man of Her Own / 1932 (Dir: Wesley Ruggles – Paramount).
Quando Irving Thalberg morreu, em 14 de setembro de 1936, Louis B. Mayer resolveu fazer uma “limpeza” no estúdio e, depois de provocar uma discussão acirrada com Goulding, ele o expulsou da MGM, ameaçando-o de “nunca mais trabalhar nesta indústria”. Porém Goulding logo foi acolhido pela Warner Bros., onde ocorreu a melhor fase de sua carreira. Jack Warner queria fazer mais filmes com papéis femininos fortes e Goulding se encaixou perfeitamente neste novo esquema . Para ele começar no estúdio, Jack teve a idéia de refilmar The Trespasser, que ele escrevera e dirigira para Gloria Swanson em 1929, e este foi o primeiro encontro do diretor com Bette Davis, cujo parceiro no filme era Henry Fonda. Os atores e os técnicos admiraram o trabalho de Goulding especialmente Bette, que graças à ajuda do fotógrafo Ernest Haller, nunca esteve tão formosa na tela. “Ele era o que chamamos de “a woman´s director” e um “star maker”, ela declarou. O filme, de 1937, chamava-se That Certain Woman exibido no Brasil como Cinzas do Passado.
No ano seguinte, Gouding dirigiu Novos Horizontes / White Banners com Fay Bainter, Claude Rains, Jackie Cooper, Bonita Granville, seguindo-se quatro de seus melhores filmes na década de trinta: 1938 – A Patrulha da Madrugada / The Dawn Patrol. 1939 – Vitória Amarga / Dark Victory; Eu Soube Amar / The Old Maid; Não Estamos Sós / We Are Not Alone.
A Patrulha da Madrugada é a segunda filmagem do drama de aviação escrito por John Monk Saunders, agora com uma quase imperceptível mudança de ênfase em relação ao pacifismo, mais de acordo com a época. Foram aproveitadas muitas tomadas aéreas da versão de 1930 e rodados exteriores do campo de aviação no rancho Calabasas, de propriedade da Warner. Errol Fynn tem uma de suas melhores perfomances como o líder de uma esquadrilha que não suporta ver pilotos inexperientes serem mandados para missões perigosas. Basil Rathbone e David Niven dão forte apoio interpretativo ao espetáculo, que não fica nada a dever à versão de 1930, dirigida por Howard Hawks.
O script de Casey Robinson em Vitória Amarga conta uma história cuja pungência é acentuada pela direção sensível de Goulding e pela música romântica de Max Steiner. Bette Davis fez muita gente chorar como a jovem da sociedade condenada por um tumor no cérebro, que se apaixona pelo médico interpretado por George Brent. A cena final da morte da protagonista, com ela deitada na cama e seu rosto em close até sair de foco é sublime e antológica. Bette, Steiner e o filme foram indicados para o Oscar. Nos créditos percebe-se ainda os nomes de Ronald Reagan e Humphrey Bogart como coadjuvantes.
Foi novamente um roteiro de Casey Robinson, aqui baseado no romance de Edith Wharton, que serviu para Goulding dirigir Bette Davis em outro drama notável, Eu Soube Amar, e o diretor mostrou mais uma vez como sabia lidar com o gênero e com atrizes. Bette é a jovem que tem uma filha ilegítima e a entrega para ser criada por uma prima, vivida por Miriam Hopkins. Esta, apesar de ter se casado com outro, ainda amava o ex-noivo, pai da criança, surgindo daí os vários conflitos. Absorvente do início ao fim, o filme, além das primorosas atuações das duas atrizes, tem ainda bela partitura de Max Steiner e a apurada fotografia de Tony Gaudio.
Ator principal de Não Estamos Sós, Paul Muni considerava seu melhor papel o do médico do interior que, na Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial, é acusado de matar a mulher e ter caso amoroso com uma governanta austríaca. Ele, Jane Bryan (como a amante) e Flora Hobson (como a esposa) têm brilhantes atuações e Goulding reproduz satisfatoriamente o ambiente britânico do romance de James Hilton.
Nos anos 40, Goulding fez mais quatro filmes para a Warner: 1940 – O Último Encontro / Till We Meet Again com Merle Oberon, George Brent, Geraldine Fitzgerald, Pat O´Brien, Binnie Barnes, Frank McHugh, Eric Blore. 1941 – A Grande Mentira / The Great com Bette Davis, Mary Astor, George Brent; De Amor Também Se Morre / The Constant Nymph com Joan Fontaine, Charles Boyer, Alexis Smith, Charles Coburn, Brenda Marshall, Peter Lorre. 1946 – Escravo de uma Paixão / Of Human Bondage com Eleanor Parker, Paul Henreid, Alexis Smith, Edmund Gwenn (obs. filmado em 1944, mas só lançado em 1946).
O primeiro filme é uma refilmagem com acréscimo de personagens e situações de A Única Solução / One Way Passage / 1932 (Dir: Tay Garnett com William Powell e Kay Francis). Brent e Oberon não têm o mesmo charme de Powell e Francis, mas não decepcionam. Os coadjuvantes são todos muito bons, sobressaindo Binnie Barnes, como uma vigarista que tem um passado com o personagem de Brent.
No segundo filme, Pierre (George Brent,) um piloto, se casa com Sandra (Mary Astor), pianista muito conhecida Ele não tarda a lamentar este matrimônio muito rápido e percebe que ama Maggie (Bette Davis), uma de suas amigas do tempo de estudante. Entrementes, seu advogado descobre que o casamento é nulo, porque Sandra não estava ainda divorciada. Pierre se casa com Maggie e parte em uma expedição, pouco depois considerada como perdida, Sandra espera um bebê. Maggie quer criar o filho de Pierre. Oferece uma boa quantia e a artista aceita. Pierre é encontrado alguns meses depois. Ele pensa que Maggie é a mãe do bebê. Em presença de Sandra, Maggie confessa sua mentira a seu marido, mas Sandra parte, deixando a criança com eles. Ajudado pela grande atriz Bette Davis, Goulding soube conduzir o drama, dando às cenas uma emoção poderosa. Porém foi Mary Astor que ganhou o Oscar.
O terceiro filme é a terceira versão de um romance de Margaret Kennedy, contando em síntese a história de uma jovem de sáude frágil, Tessa (Joan Fontaine), apaixonada por seu professor Lewis Dodd (Charles Boyer), compositor egocêntrico e mais velho do que ela. Ele se casa com a prima de Tessa, a rica socialite Florence (Alexis Smith) e a pobre moça morre, escutando no rádio o triunfo do músico. A interpretação tocante de Joan Fontaine como a adolescente apaixonada (que lhe valeu uma indicação para o Oscar) e a música arrebatadora de Erich Wolfgang Korngold ajudaram Goulding a realizar um bom drama romântico.
O quarto filme é a segunda versão do romance de Somerset Maugham (que agora se passa no final do século XIX, tão boa ou melhor do que a primeira (Escravos do Desejo / 1934 (Dir: John Cromwell com Bette Davis e Leslie Howard), graças aos dois intérpretes centrais, Paul Henreid e Eleanor Parker em perfomances magníficas, à beleza plástica da fotografia de Paverel Marley, à sinfonia inspirada de Erich Wolfgang Korngold e a consciência cinematográfica de Goulding.
Goulding colaborou com o esforço de guerra, participando com outros seis diretores e muitos astros e estrelas de Para Sempre e Um Dia / Forever and a Day / 1943, produzido pela RKO. O filme conta a história de uma casa inglesa, por onde passam várias gerações. O segmento sob responsabilidade de Goulding mostra a dita casa aproveitada como hotel residência de militares durante a Primeira Guerra Mundial e tem como personagens principais um soldado americano (Robert Cummings) e a balconista do hotel (Merle Oberon); porém a cena mais comovente ocorre entre um casal de idosos (Gladys Cooper, Roland Young), quando recebem a notícia de que seu filho foi morto em ação.
Antes de ingressar definitivamente na Twentieth Century-Fox, Goulding fez para esta companhia, Claudia / Claudia /1943, comédia dramática demasiadamente teatral (baseada na peça de Rose Franken), contando a história de uma jovem (Dorothy McGuire, repetindo seu papel na Broadway e estreando no cinema) casada com um homem maduro e compreensivo (Robert Young) e suas atribulações, a maioria das quais girando em torno de sua imaturidade crônica e seu apêgo à mãe (Ina Claire). A moça acaba aprendendo muito sobre a vida e se tornando adulta.
Devidamente instalado na Twentieth Century-Fox, foi lá que Goudling encerrou sua carreira, após ter realizado oito filmes, começando com dois dramas e duas comédias de bom nível artístico (1946 – O Fio da Navalha / The Razor´s Edge. 1947 – O Beco das Almas Perdidas / Nightmare Alley. 1949 – Cante Noutra Freguesia / Everybody Does It. 1950 – Senhor 880 /Mister 880) e depois fez apenas filmes indignos de seu talento (1952 – Travessuras de Casados / We´re Not Married. 1953 – À Sombra das Palmeiras / Down Among the Sheltering Palms. 1956 – Alma Rebelde / Teenage Rebel).
O Fio da Navalha é um drama psicológico e filosófico baseado em um romance de Somerset Maugham, interpretado no filme por Herbert Marshall, como um observador imparcial e involuntário dos acontecimentos. O principal protagonista, Larry Darrell (Tyrone Power), jovem aviador americano traumatizado pela morte de um amigo na Primeira Grande Guerra, abandona tudo, inclusive seu noivado com uma jovem da alta sociedade, Isabel (Gene Tierney), em busca de um sentido para a vida. Ele vai para Índia consultar um místico hindu. Ao retornar, Isabel faz de tudo para reconquistá-lo, embora já esteja casada com outro. Apesar de uma cena horrível do Himalaia com montanhas de papelão e uma reconstituição ridícula do ambiente parisiense, Goulding mantém o drama sob controle, auxiliado por boas interpretações de todo o elenco. Anne Baxter ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante como Sophie, a jovem que se torna alcoólatra após a morte do marido e do filho em um desastre de automóvel e Clifton Webb foi indicado como Melhor Ator Coadjuvante pela sua divertida composição como Elliott Templeton, tio esnobe de Isabel. O filme também foi indicado para o prêmio da Academia. A música de Alfred Newman e a fotografia de Arthur Miller são outros trunfos do espetáculo.
O Beco das Almas Perdidas é um drama com história original e atmosfera corrosiva, tocando em assuntos ousados na época (dipsomania, sexo pré-marital, pseudo religião) e contendo elementos noirs (mulher fatal, protagonista cínico e amoral, degradação, venalidade, fotografia expressionista). Stanton Carlisle (Tyrone Power) aprende com Zeena (Joan BLondell) o código que esta usa no seu espetáculo de telepatia. Depois, abandona-a e seduz Molly (Colleen Gray), uma garota que trabalha no mesmo parque de diversões. Os dois vão para Chicago, onde Stanton faz muito sucesso em uma boate. Ali conhece uma psicóloga, Dra. Lilith Ritter (Helen Walker), que passa a ser sua sócia, fornecendo as gravações das consultas de seus pacientes para que ele , como reputado espiritualista, possa enganar os incautos. Durante uma farsa para tirar dinheiro de um ricaço, o charlatão é desmascarado. Stanton passa a viver como um vagabundo, tornando-se alcoólatra. Ele se degrada tanto, que acaba como uma repugnante atração de feira. Embora sendo um diretor mais especializado no filme “ para mulheres”, Goulding lida bem como o tema em desacordo com seu temperamento, dando força trágica ao protagonista e um bom andamento à narrativa.
Cante Noutra Freguesia é uma comédia satírica, baseada em uma história de James M. Cain sobre uma burguesa, Doris Borland (Celeste Holm) que, sem ter a devida vocação, deseja ser uma grande cantora lírica, atormentando seu marido Leonard (Paul Douglas.) Levado pela mania da mulher a conhecer empresários e cantores, Leonard encontra a famosa prima dona Cecil Carver (Linda Darnell), que anda à procura de um barítono. Ela descobre por acaso que Leonard tem uma voz formidável e o converte da noite para o dia na maior sensação dos meios musicais de Nova York. Porém seu contato com o público na Ópera é um desastre, porque ele tem um medo do palco que o impede de mostrar suas aptidões sonoras. Cecil Carver se afasta dele enquanto Doris perdoa sua fuga. E partem os dois… cantando. A direção de Goulding é ágil, mantendo o desenrolar dos acontecimentos em um ritmo rápido. As situações cômicas são bem tratadas com diálogos bastante humorísticos.
Senhor 880 é uma comédia dramática, inspirada em um fato policial autêntico, conhecido como o “ caso 880”, adaptado à tela por Robert Riskin. O entrecho gira em torno de um velhinho, ex-capitão da Marinha, Skipper Miller (Edmund Gwenn, depois de cogitado Walter Huston), que “emite” em uma velha prensa, notas mal confeccionadas de um dólar para seu modesto sustento e é precisamente a natureza diminuta dos valores dispersamente lançados que intriga e desnorteia a polícia. Quando sua vizinha, Ann Winslow (Dorothy McGuire,) passa inconscientemente duas dessas cédulas falsas, ela é seguida pelo agente do FBI Steve Buchanan (Burt Lancaster) e acaba descobrindo o ingênuo falsário. Com a ajuda dos numerosos amigos do velhinho, Ann defende Skipper e ele é condenado a uma pena mínima por um juiz indulgente e compreensivo. Este entrecho leve e interessante, habilmente conduzido por Goulding, é muito bem interpretado pelos três atores centrais, principalmente Edmund Gwenn, adorável como o velhinho de uma afabilidade e de uma lógica désarmante.