Ioan Negulescu (1900-1993) nasceu em Craiova, Rumênia, um dos oito filhos (teve seis irmãs e um irmão) do dono de um hotel e estudou no Colégio Nacional Carol I nesta mesma cidade. Aos quatorze anos de idade, como escoteiro, estava prestando serviços em um hospital militar durante a Primeira Guerra Mundial. Quando Georges Enesco veio tocar violino para os feridos, Negulesco desenhou um retrato dele, que o compositor famoso comprou. Ioan então decidiu ser pintor e estudar arte em Bucarest. Em 1920, ele foi para Paris, onde se matriculou na Academie Juliane e, para ajudar nas despesas, trabalhou como dançarino profissional no Hotel Negresco.
Na sua autobiografia ”Things I Did and Things I Think I Did – A Holllywood Memoir”(Linden Press/Simon & Schuster, 1984) Negulesco conta que sua vida foi salva duas vezes pelo cinema. A primeira vez foi quando escapou de morrer em um desastre de automóvel porque, quando foi buscar sua mala para partir com seus amigos no Mercedes fatídico, passou diante de um cinema, onde estava sendo exibido Sangue por Glória / What Price Glory / 1926 com Dolores Del Rio e ele preferiu não viajar e ver o filme. A segunda vez foi quando mandou para o Salon d´Automne um nú artístico de sua autoria, que foi adquirido pelo famoso diretor da MGM Rex Ingram por três mil francos, quantia que garantiu sua subsistência por algum tempo.
Em 1927, Negulesco visitou Nova York para uma exposição de suas pinturas e depois se mudou para a Califórnia, onde ganhou a vida como retratista e começou a se interessar pelo cinema, realizando por contra própria um filme experimental, Three and a Day, ou seja, um dia na vida de três pessoas: um pintor (Mischa Auer), uma bailarina (Katya Sergaya) e um fazendeiro (John Rox). Negulesco conseguiu convencer o talentoso cameramaniugoslavo Paul Ivano a fotografar sua “obra-prima” mas, sem aceitar seus conselhos técnicos, dirigiu o filme como bem queria e depois não conseguiu montá-lo, perdendo todas as suas economias, que haviam sido investidas na produção.
Entretanto, através de Mischa Auer, Negulesco conheceu Frank Tuttle em uma festa e este o convidou para desenhar sketches para a abertura de Esposa Improvisada / This is the Night / 1932 (produção da Paramount inicialmente intitulada Tonight We Sing). O fotógrafo Victor Milner gostou dos desenhos de Negulesco e lhe pediu sugestões para a colocação da câmera durante a filmagem. Contratado pela Paramount, o produtor Benjamin Glazer deu-lhe a incumbência de desenhar uma cena de estupro em Levada à Força / The Story of Temple Drake / 1933, que pudesse passar pela censura. Ele cumpriu muito bem sua tarefa e ainda supervisionou a filmagem desta sequência inesquecível, que perdurou na memória dos fãs de Miriam Hopkins, a Temple Drake nesta adaptação de “Sanctuary” de William Faulkner, bem dirigida por Stephen Roberts. Na Paramount, Negulesco atuou também como diretor de segunda unidade em Ondas Sonoras / The Big Broadcast / 1932; Beijos para Todos / Bed Time Story / 1933 e Adeus às Armas / Farewell to Arms / 1934 e co-dirigiu com Harlan Thompson Templo da Beleza / Kiss and Make Up / 1934.
Em 1936 Negulesco perdeu o emprego na Paramount. Seu protetor no estúdio, o executivo encarregado da produção, Sam Jaffe, também. Jaffe abriu uma agência e Negulesco lhe apresentou um argumento intitulado Rio, que ele conseguiu vender para Joe Pasternak (produtor da maioria dos filmes de Deanna Durbin na Universal) por dez mil dólares e ainda conseguiu que seu cliente fosse contratado para colaborar com o roteirista do filme que dele resultaria. Mas Negulesco, com os nove mil que lhe coube na transação (pois dez por cento dos dez mil ficou com o agente) preferiu conhecer o México, onde passou três meses no país, cujos aspectos pitorescos ele captou em 600 desenhos.
Em 1940 Negulesco ingressou na Warner Bros. como diretor de curtas-metragens para várias séries (Melody Masters; Technicolor Specials; Broadway Brevities e Featurettes), destacando-se os shorts sobre bandas, balés ou orquestras. Em 1941, ele fez seu primeiro longa-metragem Mulher Fatídica / Singapore Woman (com Brenda Marshall, David Bruce, Virginia Field), mas somente a partir de 1944, depois de reconhecida sua capacidade técnico-artística nos curtas, é que ele pôde demonstrar seu talento em sete longas-metragens (1944 – A Máscara de Dimitrios / Mask of Dimitrios; Os Conspiradores / The Conspirators. 1946 – Regeneração / Nobody Lives Forever; Três Desconhecidos / Three Strangers; Acordes do Coração / Humoresque. 1947 – O Vale do Destino / Deep Valley. 1948 – Belinda / Johnny Belinda) que, sem dúvida, constituíram a parte mais artisticamente eminente de sua filmografia.
Baseado em um romance de Eric Ambler, A Máscara de Dimtrios é um drama criminal absorvente com um bom nível de suspense e originalidade. No enredo, o escritor de livros de mistério Cornelius Leyden (Peter Lorre) está viajando por Istanbul quando conhece o Coronel Haki (Kurt Katch), chefe da polícia secreta, que é um grande fã de seu trabalho. Através dele, Leyden fica sabendo que o corpo de um criminoso notório, Dimitrios Makroupolos (Zachary Scott), foi encontrado morto na praia. Parece que Makropoulos estava envolvido em toda espécie de atos ilegais imagináveis de homicídio, contrabando, chantagem a assassinato político. Fascinado, Leyden decide que Makroupolos seria um bom argumento para seu próximo livro e começa a pesquisar sobre sua vida, a partir do dossier de Haki sobre o criminoso. A investigação de Leyden o leva para muitos lugares da Europa, onde se encontra com várias pessoas que conheceram Makroupolos: Irana Prevaya (Faye Emerson), a mulher que ele amou; Grodek (Victor Francen), que ele enganou; Bulic (Steve Geray), que ele desonrou e Mr. Peters (Sidney Greenstreet), que foi sua vítima e não está convencido da morte do criminoso. Este retrato de um personagem misterioso tal como foi visto por diversas pessoas o faz aparecer sucessivamente sob aspectos bem diferentes e mantém um interesse constante pelo relato, conduzido com vigor pelo cineasta. que contou com um excelente roteiro de Frank Gruber, uma câmara inspirada de Arthur Edeson e um elenco admirável.
Os Conspiradores é um melodrama romântico em tempo de guerra mais ou menos na mesma linha de Casablancade Michael Curtiz. Após ter cometido um ato de sabotagem contra os nazistas, o holandês Vincent Van Der Lyn (Paul Henreid), foge para Lisboa, onde se encontra com Ricardo Quintanilla (Sidney Greenstreet) e seu grupo de conspiradores, que inclui Jan Bernaszak (Peter Lorre), Irene (Hedy Lamarr) e seu marido, Hugo Van Mohr (Victor Francen). Um dos conspiradores é assassinado por um traidor do grupo e Vincent é acusado do crime. Ele escapa da polícia portuguesa e, depois de vários acontecimentos, desmascara e mata o assassino, que não é outro senão o traidor Van Mohr, um nazista que se infiltrara entre os conspiradores. Negulesco teve dificuldades na filmagem depois que seu produtor Hal Wallis foi substituído, porém com o apoio de um conjunto de atores muito competentes (além dos citados, Steve Geray, Joseph Calleia e Eduardo Cianelli) e de uma fotografia (Arthur Edeson), cenografia (Anton Grot) e música (Max Steiner) apropriadas para criar uma atmosfera de intriga, ele conseguiu realizar um filme com uma ação movimentada. Curiosamente a nossa Aurora Miranda canta um fado em uma cantina de Lisboa.
Regeneração é um drama criminal com um personagem bem conhecido nos filmes do imediato pós-guerra do veterano que retorna da Segunda Guerra Mundial e tenta retomar sua vida. Antes da guerra Nick Blake (John Garfield) era um escroque, criado nos quarteirões pobres de Nova York, que havia deixado uma certa quantia de dinheiro com sua amante Toni (Faye Emerson); mas esta encontrou um novo parceiro (Robert Shayne), dono de uma boate onde trabalha como cantora. Nick recupera à força seus dólares e, na companhia de seu amigo Al Doyle (George Tobias), vai para Los Angeles, onde eles encontram um velho mentor de Nick, Pop Gruber (Walter Brennan) e um grupo de golpistas chefiado por Doc Ganson (George Colouris). Ganson propõe a Nick dar um golpe em uma viúva rica, Gladys Halvorsen (Geraldine Fitzgerald); porém Nick se apaixona por ela. Nick quer sair do acordo, mas Toni convence Ganson de que Nick está tentando trair o bando, resultando consequências trágicas. Com a ajuda de um bom roteiro (W. R. Burnett), de uma boa fotografia (Arthur Edeson) e de um elenco escolhido a dedo, Negulesco mantêm o interesse contínuo do espectador, embora a direção seja discreta, sem grandes efeitos cinematográficos.
Três Desconhecidos é um drama criminal com elementos místicos tendo como tema a ambição de riqueza, ligando três destinos em contraste: o de Crystal Shakelford (Geraldine Fitzgerald) e o de dois homens – Jerome K. Arbutny (Sidney Greenstreet), advogado inescrupuloso e Johnny West (Peter Lorre), pianista alcoólatra – que ela atraiu para seu apartamento, a fim de fazer um pedido diante da estátua de uma deusa chinesa conhecida como Kwan Yin. Acredita-se que Kwan Yin fará realizar um desejo se ele for feito por três desconhecidos à meia-noite. Eles concordam em comprar mutuamente um bilhete de loteria e dividir o valor do bilhete premiado. Porém as coisas não ocorrem como planejado. Recebendo um excelente roteiro de John Huston e Howard Koch, contando mais uma vez com a fotografia primorosa em preto e branco de Arthur Edeson e principalmente com três intérpretes perfeitos nos seus respectivos papéis, Negulesco, coordenou muito bem a passagem de um episódio para outro, realizando um filme inquietante com um final maravilhosamente irônico.
Acordes do Coração, é um melodrama baseado em um conto de Fannie Hurst e adaptado por Clifford Odets e Zachary Gold, no qual o amor deve ceder lugar a uma paixão mais forte. Paul Boray (John Garfield) é um violinista de grande talento mas desconhecido. Ele encontra Helen Wright (Joan Crawford) – mulher rica, neurótica e com pendor para o alcoolismo, vivendo um casamento sem amor com Victor Wright (Paul Cavanaugh) – e ela se torna sua patrocinadora e amante. Entretanto, seu relacionamento é abalado pela índole possessiva de Helen, pois Paul não quer ser dominado por ela, reafirmando sistematicamente uma dedicação inabalável à sua arte. Quando Helen compreende que está prejudicando sua carreira, ela decide por fim ao romance de um modo trágico: jogando-se no mar enquanto Paul está executando em um concerto a Liebestod, ária final da ópera “ Tristão e Isolda” de Richard Wagner. A música clássica tem lugar de relevo na narrativa, ouvindo-se trechos de Dvorak, Rimsky-Korsakov, Wagner, Tchaikovsky, Brahms, Bach, Bizet, Sarazate, Mendelsohn, César Franck, Prokofiev, Shostakovski, Grieg etc. Negulesco teve um cuidado especial com o modo de encadear as sequências, usando a fusão (v. g. uma cortina de enrolar que se fecha transmuda-se em teclas de um piano, as cordas de um violino se transformam em trilhos, à batida de um copo na mesa faz irromper a orquestra, o sifão converte-se nas espumas das ondas). A sucessão das imagens descrevendo o desespero da heroína caminhando para a morte na praia enquanto ocorre o triunfo do músico no concerto é excelente. Franz Waxman foi indicado para o Oscar de Melhor Música (para filme não musical) e quem faz a platéia vibrar como os solos de violino é Isaac Stern. Joan Crawford com sua interpretação interiorizada tem aqui um de seus melhores papéis no cinema. As réplicas mordazes sobre arte e talento, a maior parte delas improvisadas por Oscar Levant (como Sid Jeffers, o melhor amigo de Paul), aliviam o clima pesado do filme.
O Vale do Destino é um melodrama romântico passado em uma área rural da Califórnia, onde Libby Saul (Ida Lupino), jovem tímida e gaga, vive com seus pais rudes (Henry Hull, Fay Bainter) em uma fazenda isolada. Afastada de todo convívio social, a moça tem como companhia apenas o seu cachorrinho até que avista Bary Burnette (Dane Clark), presidiário fugitivo que trabalha na construção de estradas. Ela o esconde de seus perseguidores e o breve idílio entre os dois resulta na cura da sua gagueira. Então os policiais chegam à procura do condenado, que morre ao tentar escapar. Com excelente fotografia em exteriores de Ted McCord o filme exigiu muito esforço físico por parte da atriz. As cenas supostamente passadas no verão foram filmadas sob um frio intenso em uma montanha e Ida, vestida com roupas leves, pegou uma gripe. Pouco depois, quando ela corria descalça sobre pedras, cortou o pé, desenvolvendo-se uma infecção, que afetou seus tornozelos. Ida insistiu em permanecer no local, para evitar que a filmagem se atrasasse e sua saúde frágil piorou, ao sofrer uma crise de bronquite crônica. Mesmo assim, ela proporcionou ao público uma de suas melhores interpretações, do tipo para o qual era singularmente dotada.
Belinda é um drama profundamente humano. Filha de um fazendeiro pobre, McDonald (Charles Bickford) de um povoado da Nova Escócia no Canadá, Belinda (Jane Wyman), é surda-muda de nascença. Um jovem médico, Dr. Robert Richardson (Lew Ayres), lhe ensina a falar por meio de sinais, revela sua inteligência e a liberta da solidão. A jovem é estuprada por Locky (Stephen McNally), rapaz de maus instintos, e ela dá à luz uma criança, Johnny, cuja paternidade é atribuída ao médico. Este, aborrecido com a situação, retira-se da cidadezinha. Locky se casa, mas como sua esposa não pode ter filhos, ele toma o filho de Belinda. Esta, para se defender, o mata; mas no final a verdade vem à tona e o médico pede Belinda em casamento. Negulesco narra esta história com delicadeza e sobriedade, valendo-se de uma fotografia de grande beleza (Ted McCord), de um fundo musical melodioso (Max Steiner) e sobretudo do desempenho de Jane Wyman que, sem pronunciar uma só palavra durante todo o transcurso do entrecho, conseguiu criar com grande veracidade a sua personagem, conquistando o prêmio da Academia. A produção ensejou mais onze indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Lew Ayres), Diretor, Ator Coadjuvante (Charles Bickford), Atriz Coadjuvante (Agnes Moorehead), Fotografia em preto e branco, Roteiro (Irmgard von Cube, Allen Vincent), Direção de Arte em preto e branco (Robert Haas, William Wallace /decorador), Música de filme não musical, Montagem (David Weisbart), Som (Nathan Levinson).
Em 1948 Negulesco foi trabalhar para a 20thCentury-Fox, onde fez 22 filmes: 1948 – A Taverna do Caminho / Road House. 1949 – A Rua Proibida / Britannia Mews. 1950 – Vingança do Destino / Under my Skin; Feras Que Foram Homens / Three Came Home; O Garoto e a Rainha / The Mudlark. 1951 – Clube de Moças / Take Care of My Little Girl. 1952 – Telefonema de um Estranho / Phone Call From a Stranger; Lydia Bailey, a Feticeira do Haiti / Lydia Bailey; Um Grito no Pântano / Lure of the Wilderness; Páginas da Vida / O. Henry´s Full House (episódio). 1953 – Náufragos do Titanic / Titanic; Como Agarrar um Milionário / How to Marry a Millionnaire. 1954 – A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain; O Mundo é da Mulher / A Woman´s World. 1955 – Papai Pernilongo / Daddy Long Legs; As Chuvas de Ranchipur / The Rains of Ranchipur. 1957 – A Lenda da Estátua Nua / Boy on a Dolphin. 1958 – A Angústia de Tua Ausência / The Gift of Love; Um Certo Sorriso / A Certain Smile. 1959 – Sob o Signo do Sexo / The Best of Everything. 1964 – Em Busca do Prazer / The Pleasure Seekers. 1970 – Um Instante, Adeus / Hello Goodbye. Negulesco participou ainda de dois filmes da MGM (Os Maridos da Mamãe / Scandal at Scorie / 1953 e Mesmo Assim Eu Te Amo / Count Your Blessings / 1959) e mais dois de outros produtores: A Greve do Sexo / Jessica / 1962 (Prod: Dear Film, Les Films Ariane); Os Seis Invencíveis / The Invincible Six ou The Heroes/ 1969. A partir dos anos 50 a criatividade do cineasta foi se desgastando daí a irregularidade artística de sua filmografia desde então. Destaco em negrito seus melhores filmes nesta fase.
A Taverna do Caminho é um drama com intriga psicológica contando uma vingança curiosa e inédita. Jefferson “Jefty” Robbins (Richard Widmark), dono de uma boate que tem uma pista de boliche adjacente, contrata Lily Stevens (Ida Lupino) como cantora e se apaixona por ela. Ao saber que Lily ama Pete Morgan (Cornel Wilde), seu amigo de infância e gerente do estabelecimento, ele o acusa falsamente de roubo e depois consegue obter com o juiz a custódia do condenado. Nesta condição, Lefty leva Pete, Lily e Susie (Celeste Holm), a moça que cuida da caixa do cabaré, para sua cabana de caça perto da fronteira canadense, com a intenção de fazer com que Pete e Lily tentem fugir atravessando a fronteira e ele então os mataria. Quando Pete e Lily resolvem escapar, Susie intervém para impedir a execução do plano diabólico de Lefty e é ferida por ele. Peter retorna e se confronta com Lefty. Enquanto os dois lutam, Lily se apodera da arma e mata Lefty, quando ele ia atacá-la com uma pedra. Graças a Susie, que encontrou uma prova da inocência de Peter, este e Lily não serão mais incomodados. Negulesco expôe gradualmente esta história de amor não correspondido e obsessão, primeiramente com uma exposição um pouco longa mas animada por alguns atrativos como as duas canções interpretadas por Lily (com uma voz encantadoramente rouca) e a briga na boate entre Peter e um grandalhão; na segunda parte da narrativa o ritmo do filme fica mais nervoso por causa das manifestações psicóticas de Jefty (com suas risadas insanas), resultando em um espetáculo atraente.
Feras Que Foram Homens é um drama de guerra com roteiro de Nunally Johnson, baseado no livro da escritora americana Agnes Newton Keith, que relata a angústia e os sofrimentos pelos quais ela e outras companheiras passaram como prisoneiras de um campo de concentração japonês em Borneo. A novidade aqui é a apresentação da figura do Coronel Suga (Sessue Hayakawa) não como um monstro, de acordo com a velha fórmula dos filmes do gênero, mas sim como um homem gentil e culto admirador da obra da escritora sem que a brutalidade de seus comandados deixe de estar presente. Sob o ponto de vista cinematográfico Negulesco construiu boas cenas como a chegada dos invasores no hotel, o metralhamento dos australianos na cêrca de arame farpado ou o encontro clandestino de Mrs. Keith com o marido sob um coqueiro sendo seguida por um sentinela pelo ruído das aves até ser agredida inesperadamente pelo soldado japonês. Trata-se de um espetáculo denso que desperta muita emoção.
Telefonema de um Estranho é um drama psicológico (ou melhor, quatro dramas diversos), escrito por Nunnally Johnson. Johnson seccionou o argumento em três partes, ligando-as por um desastre aéreo do qual escapa um único sobrevivente, o Dr. David Trask (Gary Merrill), que estabelecera uma camaradagem com outros três companheiros de viagem: Binky Gay (Shelley Winters), Dr. Robert Fortness (Michael Rennie) e Eddie Koke (Keenan Wynn). O Dr. Trask, é um advogado que deixa o lar para esquecer a infidelidade da esposa; Binky é uma atriz do teatro de variedades incompatibilizada com a sogra; o Dr. Fortness é um médico alcoólatra que agora, cinco anos depois de ter enganado a justiça, tenciona apresentar-se ao promotor e confessar que ele foi o culpado do desastre automobilístico em que pereceu um colega e assim recuperar a confiança da mulher; e Eddie é um caixeiro- viajante extrovertido cuja consorte, Marie (Bette Davis), é uma semi-paralítica presa ao leito. O Dr. Trask telefona para as famílias dos três companheiros vitimados e as procura para relatar o que fôra a última noite que passaram juntos. Na casa do médico restabelece aos olhos da viúva e do filho do morto o respeito que este pretendia obter. No cabaré mantido pela sogra da atriz faz desaparecer o ódio que existia entre ela e a nora. Finalmente, na última casa, a do vendedor-viajante, Marie, cuja invalidez foi consequência de sua traição ao marido, enaltece o morto, como homem que sabia verdadeiramente amar e isto leva Trask a dar o seu último telefonema no filme: para dizer à esposa que a perdoou e voltará para casa. A direção de Negulesco, discreta e fluente, é muito feliz no uso dos flashbacks habilmente interligados, exprimindo em sequências comoventes o Poder do Amor e a Atratividade do Lar. Ajudaram-no, e muito, o bom desempenho de todos os seus intérpretes e uma fotografia (Milton Krasner) e música (Franz Waxman) que impressionam.
Como Agarrar um Milionário é uma comédia romântica divertida e espirituosa, satirizando a mulher americana ocupada em caçar um marido rico. Duas amigas, Loco (Betty Grable) e Pola (Marilyn Monroe) alugam com a inteligente Schatze (Lauren Bacall) um apartamento soberbamente mobiliado e, a partir desta base segura, pretendem fazer boas relações e conquistar o milionário de seus sonhos. Elas viverão vendendo pouco a pouco os belos móveis do apartamento. Finalmente Loco se casa com um guarda florestal (Rory Calhoun) e Pola com um rapaz (David Wayne) que tem problemas com o fisco. Somente Schatz se dá bem e está prestes a se casar com um homem velho, mas rico (William Powell). Entretanto, no último instante, torna-se a esposa de um rapaz charmoso (Cameron Mitchell), que ela pensa que é um simples mecânico. As três amigas quase desmaiam, quando ficam sabendo que o mecânico, com o qual se casou por amor, é um industrial riquíssimo. Adaptado de uma peça teatral por Nunnally Johnson, esta segunda produção em CinemaScope da Fox, pela maneira inteligente pela qual foi fotografada (Joe MacDonald), mostrou que o então novo sistema de tela larga podia se adaptar a um ambiente quase todo em interiores. Negulesco mantém o filme bem ritmado, servindo-se dos diálogos espirituosos e da interpretação sutil do trio de atrizes formosas.
O Mundo é da Mulher tem situações humorísticas se misturando com outras de ordem sentimental ou dramática, um certo suspense e uma sátira aos costumes (devassando o alto mundo da indústria automobilística). Três chefes de sucursais de uma fábrica de automóveis importante (Cornel Wilde, Fred MacMurray e Van Heflin) são convocados à sede da matriz em Nova York pelo diretor-presidente (Clifton Webb) para que, com as respectivas esposas (June Allyson, Lauren Bacall e Arlene Dahl), sejam submetidos ao teste para ocupar a vaga de gerente-geral da organização. Esta competição é conduzida com uma fluência suave por Negulesco, que nos oferece ainda uma viagem deslumbrante pela cidade dos arranha-céus, utilizando o CinemaScope com perfeição não somente nos exteriores mas também nos interiores.
Na sua autobiografia Negulesco fornece mais estes dados: como autor da história original: Nova Orleans / New Orleans (Universal, 1947), Amores em Budapest / Fight For Your Lady (RKO, 1937), Dinheiro Demais / Beloved Brat (Warner Bros., 1938), Queijo Suiço / Swiss Miss (Hal Roach, 1938); como diretor de segunda unidade: Capitão Blood / Captain Blood (Warner, 1935), O Destemido Donovan / Crash Donovan (Universal, 1936); como diretor: The Dark Wave, 1956, documentário de curta-metragem produzido pela 20thCentury-Fox para a Variety Club Foundation to Combat Epilpesy. Elenco: Cornell Borchers, Charles Bickford, Nancy Reagan, Russ Conway.