A COR NO CINEMA

janeiro 22, 2020

A cor foi amplamente usada desde os primórdios do cinema. Os sistemas de cor podiam ser naturais ou artificiais. Os sistemas de cor artificial datam do nascimento do cinema e envolvem a colorização do filme no todo ou em parte. Os processos então disponíveis eram a colorização à mão, a estencilização, o tingimento e a viragem.

Cenas de O Roubo do Grande Expresso

Os primeiros filmes foram coloridos à mão imagem por imagem (v. g. as cenas de dança no saloon ou o plano do tiro de revólver no final de O Roubo do Grande Expresso / The Great Train Robbery / 1903 de Edwin S. Porter). Em 1905, Charles Pathé inventou um processo de pintura por meio de estêncil chamado pathécolor (rebatizado de Pathéchrome em 1929), que mecanizava a aplicação da cor. Nos Estados Unidos uma outra forma de estencilização foi patenteada em 1916 pelo gravador Max Handschiegl e pelo cinegrafista Alvin Wycoff. O processo Handschiegl foi usado, por exemplo, em Intolerância / Intolerance / 1916 (Dir: David Wark Griffith) e Ouro e Maldição / 1925 (Dir: Erich von Stroheim).

Cena de Intolerância

Cena de Ouro e Maldição

Depois, os filmes passaram a ser colorizados por meio dos processos de tingimento e viragem. O processo de tingimento (tinting) consistia na imersão do filme positivo preto-e-branco em um banho  de tinta. O processo de viragem (toning) era obtido pelo tratamento químico da prata que havia no filme. A combinação do tingimento com a viragem permitia efeitos  de cor complexos  – tais como o efeito de crepúsculo e luar sobre as águas -, mas eram muito difíceis e caros (King Vidor usou-os em O Bom Pastor / The Sky Pilot / 1921). No começo dos anos 20, 80 a 90% de todos os filmes americanos usavam um desses processos  em pelo menos algumas cenas. Porém a chegada do som trouxe problemas, porque as tintas usadas interferiam na trilha de som, absorvendo muita luz.

Cena de Horizonte Sombrio

O primeiro processo natural foi um sistema de duas cores, vemelho e azul-esverdeado, denominado kinemacolor. O filme colorido era produzido por um processo aditivo, usando-se filtros coloridos na câmera e depois no aparelho de projeção. Este sistema patenteado na Inglaterra em 1906 por George Albert Smith, e explorado nos Estados Unidos por Smith e Charles Urban, não deu bom resultado. Ele foi aperfeiçoado por William Van Doren Kelley, que usou um processo substrativo (eliminado as cores não desejadas do espectro). Seu sistema, prizmacolor, foi usado em shorts e inserções ocasionais em filmes como Horizonte Sombrio / Way Down East / 1920 (Dir: David Wark Griffith) e Flor de Ouro / The Gilded Lily / 1921 (Dir: Robert Z. Leonard), mas também tinha defeitos.  Para solucioná-los, Kelley se uniu com Handschiegl em 1926 e lançaram um sistema de embebimento (imbibition) com o nome de Kelley Color. Todavia, nessa ocasião, o mercado do filme colorido já estava dominado pela Technicolor Motion Picture Company.

Cena de The Guff Between

Cena de Flor de Lótus

Os fundadores da Technicolor (o “Tech” de Technicolor derivou de sua associação com o Massachusetts Institute of Technology), Herbert T. Kalmus e Daniel Comstock, criaram um sistema de duas cores baseado na colagem ou cimentação de dois negativos. Primeiramente, eles experimentaram um sitema aditivo parecido com o kinemacolor em The Gulf Between / 1917 (Dir: Wray Physioc), que apresentou problemas no ajuste do prisma acoplado ao projetor para registrar adequadamente as duas imagens coloridas na tela. Kalmus e Comstock então introduziram o Technicolor subtrativo de duas cores em Flor de Lótus / The Toll of the Sea / 1922 (Dir: Chester Franklin). O processo número dois tinha como novidade o registro da cor na própria imagem, sem necessidade de filtros. Um único negativo registrava tanto o vermelho quanto o azul-esverdeado. Duas matrizes eram produzidas e recebiam um banho de tinta de uma cor complementar à cor original registrada (a vermelha recebia o ciano e a azul-esverdeada o magenta), sendo depois coladas, para dar origem às cópias de exibição.

Cena de Os Dez Mandamentos

Cena de O Fantasma da Ópera

Cena de Ben-Hur

Cena de O Vagabundo do Deserto

Cena de O PIrata Negro

Os avanços do novo sistema  encorajaram os produtores hollywoodianos a empregar o Technicolor em algumas cenas de filmes em preto e branco ( v. g. Os Dez Mandamentos / The Ten Commandements / 1923 (Dir: Cecil B. De Mille), O Grande Desfile / The Big Parade / 1925 (Dir: King Vidor), O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1925; Ben-Hur / Ben- Hur / 1926 (Dir: Fred Niblo) e depois em filmes inteiramente  em Technicolor como O Vagabundo do Deserto / The Wanderer of the Wasteland / 1924 (Dir: Irvin Willat) e O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926 (Dir: Albert Parker). Porém o segundo processo também tinha suas próprias dificuldades: as tiras de película coladas dobravam-se sob o calor da projeção, deixando o filme fora de foco.

Cena de O Rei dos Reis

Cena de A Marcha Nupcial

Cena de Toca a Música

Cena de As Mordedoras da Broadway

Cena de Os Crimes do Museu

Um terceiro processo empregou um método de embebimento parecido como o de Kelley e Handschiegl, que dispensava a colagem. O embebimento permitiu à Technicolor um controle muito maior das cores. O Rei dos Reis / King of Kings / 1927 (Dir: Cecil B. De Mille) e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928 (Dir: Erich von Stroheim) usaram este sistema, que ficou em uso geral até 1933. Na fase sonora, o novo processo foi primeiramente usado em sequências de Broadway Melody / Broadway Melody  / 1929 (Dir: Harry Beaumont) e A Canção do Deserto / The Desert Song / 1929 (Dir: Roy Del Ruth) e os primeiros filmes sonoros inteiramente em Technicolor foram Toca a Música / On With the Show / 1929 (Dir: Alan Crosland) e As Mordedoras da Broadway / Gold Diggers of 1929 (Dir: Roy Del Ruth). A Warner realizou o último filme em Technicolor de duas cores, Os Crimes do Museu / The Mystery of the Wax Museum / 1933 (Dir: Michael Curtiz). No final dos anos 20, foi também utilizado um outro processo de duas cores intitulado multicolor (v. g. algumas sequências  de Follies / Fox Movietone Follies of 1929 (Dir: David Butler).

Cena de  Follies em multicolor

Finalmente, em 1932, Kalmus lançou um processo de três cores, o chamado glorious technicolor. Ele criou uma câmera especial, dentro da qual correm três negativos diferentes, cada um deles sensível a uma cor básica: o vermelho, o verde e o azul. Os negativos servem para fazer as matrizes, cujas superfícies  retêm os colorantes por embebimento, tal como as pedras litográficas  retêm as tintas de impressão. Cada matriz é coberta com uma tinta de cor complementar, a matriz vermelha recebendo o ciano; a verde, o magenta; e a azul, o amarelo. Uma de cada vez, as matrizes são postas em contato, sob alta pressão, com o filme receptador (que é um filme preto-e-branco coberto de uma substância para fixar as cores), e a tinta é transferida para este.

Natalie Kalmus

O processamento das cópias era totalmente controlado pela companhia. Os produtores alugavam as câmeras especiais da Technicolor e o trabalho de cameramen que sabiam operá-las, inicialmente J. Arthur Ball e, depois, Ray Rennahan. Outra imposição da Technicolor era a  de que a mulher de Kalmus, Natalie Kalmus, servisse como consultora  para garantir o controle de qualidade. Por isso, o nome dela aparece nos créditos de todos os filmes rodados no processo technicolor. Esse processo de três cores era tecnicamente superior a qualquer outro, mas tinha seus inconvenientes. O aluguel das câmeras custava caro e elas eram muito pesadas, complicando a filmagem em locação. A exposição de três negativos em preto e branco requeria muita luz, aumentando ainda mais os custos de produção.

Flores e Árvores

Cena de La Cucaracha

Cena de Vaidade e Beleza

A Technicolor não quís se aventurar no campo da produção por conta própria, preferindo oferecer o processo inicialmente aos pequenos independentes como Walt Disney e a Pioneer Film. Disney foi o primeiro a usar o Technicolor de três cores no seu desenho Flores e Árvores / Flowers and Trees / 1932, obtendo grande sucesso e arrebatando um Oscar da Academia. O primeiro filme de ação ao vivo neste processo foi um curta-metragem da Pioneer intitulado La Cucaracha / La Cucaracha / 1934 (Dir: Lloyd Corrigan), que tanbém ganhou o Oscar. Animada com este êxito, a Pioneer realizou o primeiro longa-metragem em Technicolor de três cores com o título de Vaidade e Beleza / Becky Sharp / 1935 (Dir: Rouben Mamoulian).

Cena de  Piratas da Perna de Pau  / Abbott and Costello Meet Captain Kid  Abbott  em Cinecolor

Amigo Fiel / Eyes of the Texas com Roy Rogers em Trucolor

A técnica do filme em cores foi evoluindo e, em 1941, a Technicolor criou um processo que dispensava os três negativos; porém este processo, chamado de monopack ou tripack integral,foi considerado insatisfatório. Surgiram alguns processos concorrentes como o cinecolor e o trucolor (ex-magnacolor) – mais usados em westerns –  mas o technicolor praticamente monopolizou o mercado até que, nos anos 50, um novo sistema tripack integral aperfeiçoado pela Easman Kodak, denominado eastmancolor, que podia ser usado por qualquer câmera e revelado pelos meios convencionais, iria prevalecer.

Cena de O Barão Munchausen

Cena de Die goldene Stadt

Cena de Ivan o Terrível

O eastmancolor foi baseado no processo alemão agfacolor, muito usado no cinema nazista em produções espetaculares (v. g. Die goldene Stadt / 1942 e Immensee / 1943 de Veit Harlan, O Barão Münchausen / Münchausen / 1943  de Josef von  Baky), depois por Eisenstein em Ivã, o Terrível – Parte II / Ivan Grosnyi / 1945-46, e se tornou a base técnica para o sistema sovcolor durante os anos 50. Após a guerra, e a liberação das patentes Agfa, os princípios do agfacolor foram também empregados em vários sistemas, como o ferraniacolor (Itália), o gevacolor (França) e, mais notavelmente, no ansco color, que teve uso corrente em Hollywood (Dá-me um Beijo / Kiss Me Kate / 1953 (Dir: George Sidney), Sete Noivas Para Sete Irmãos / Seven Brides for Seven Brothers (Dir: Stanley Donen), A Lenda dos Beijos Perdidos / Brigadoon / 1954 (Dir: Vicente Minneli) etc.). Mas foi o eastmancolor que substituiu o technicolor como sistema de cor dominante no Ocidente, ficando congecido pelos nomes dos estúdios que pagavam para usá-lo (v. g. WarnerColor, MetroColor, PathéColor, SuperCineColor da Columbia) ou pelos laboratórios que o processavam (Movielab, DeLuxeColor, e a Technicolor – que, a partir de 1975, fazia apenas cópias fotografadas em  eastmancolor).

Cena de Dá-me um Beijo

Cena de Sete Noivas para Sete Irmãos

Cena de A Lenda dos Beijos Perdidos

O problema com o eastmancolor, não previsto na época de sua introdução, e só manifestado na década seguinte, é que suas cores eram menos estáveis (i. e. mais suscetíveis de descoloração do que o velho processo de embebição do technicolor), resultando em um protesto por parte de cineastas de arquivistas no começo dos anos 80. Em resposta, a Eastman Kodak lançou um novo “filme de baixa descoloração”. Em 1969, 96% de todos os filmes americanos de longa-metragem eram realizados em cores.

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