IVAN MOSJOUKINE
dezembro 13, 2019Todo estudante de cinema o conhece, por ter emprestado seu rosto para a experiência, que o cineasta e teórico do filme Lev Kuleshov fez, justapondo por meio da montagem a mesma imagem do ator a diversos objetos: um prato de sopa, uma mulher no seu leito de moribunda e uma criança sorrindo. O rosto de Mosjoukine mantido propositadamente em uma atitude inexpressiva, pareceu exprimir: fome, pena e ternura. Este foi um dois experimentos que demonstrou o chamado efeito Kuleshov; porém, ironicamente, na arte de representar, Mosjoukine destacou-se como um dos intérpretes mais eloquentes da tela.
Ele foi também diretor e roteirista mas, acima de tudo, um dos grandes astros da época do cinema mudo. Suas características principais eram o olhar penetrante, uma imensa presença na tela e sua incrível versatilidade, encontrando sempre a expressão apropriada para transmitir as emoções de seus personagens.
Ivan Ilyich Mozzhukhin (1889-1939) nasceu em Kondol (hoje Penza Oblast) na Rússia Czarista, filho de Rachel Ivanovna Mozzhukhina e Ilya Ivanovich Mozzhukhin, administrador da propriedade dos Obolensky, posição herdada de seu pai, um servo cujos filhos ganharam a liberdade como gratidão pelo serviço que ele prestou a esta nobre família.
Enquanto seus outros três irmãos cursaram o seminário, Ivan foi enviado para um ginásio em Penza e depois estudou direito na Universidade de Moscou. Em 1910, ele deixou a vida acadêmica e ingressou em uma trupe de atores itinerantes de Kiev com a qual viajou durante um ano, adquirindo experiência e uma reputação por sua presença dinâmica no palco. Retornando a Moscou, Mosjoukine iniciou sua carreira cinematográfica com o produtor Alexandre Khanjokov como Trukhachevski em Kreytserova sonata / 1911 e, entre 1911-1919 atuou em mais 55 filmes (dos quais somente A Dama do Punhal / Zhenshchina s Kinzhalom e Padre Sergio / Otets Esergiyforam exibidos no Brasil), tornando-se uma figura predominante no cinema russo, principalmente por sua atuação neste útimo filme e em Pikovaya dama / 1916 (trad. literal: A Dama de Espadas). Em 1919, juntou-se a um grupo de refugiados, que emigrou para a França após a Revolução Russa.
As maiores companhias francesas, Pathé e Gaumont, instaladas solidamente no solo russo nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial, prepararam o terreno para uma colaboração longa e fraternal, cuja importância seria explorada na década de crise do pós-guerra. Um dos primeiros artífices da ligação profissional franco-russa foi Josef Ermolieff, que em 1907 iniciou sua carreira como assistente técnico na sucursal da Pathé em Moscou e em 1912 foi promovido a chefe de vendas desta empresa. Na véspera da guerra, ele fundou sua própria companhia e estúdio e reuniu em torno de si um núcleo de artistas e técnicos, que se tornaria a colônia fílmica russa de Paris. Entre eles estavam Yakov Protazanov, Alexandre Volkoff e Viatcheslav Tourjansky, o mestre da animação Ladislas Starevitch, os cinegrafistas Nicolas Toporkoff, Fedote Bourgassoff e Nicolas Roudakoff, o decorador Alexander Lochakoff e os atores Natalya Lisenko, Nathalie Kovanko, Nicolas Rimsky e especialmente Ivan Mosjoukine.
Após a Revolução de Outubro, o avanço do exército bolchevista obrigou Ermolieff e sua companhia a partir para Yalta na Criméia, onde ele inaugurou um novo estúdio, no qual foram rodadas 16 produções durante os anos de 1918-1919, inclusive alguns filmes de propaganda anti-bolchevista. Usando seu antigo relacionamento com a Pathé, Ermolieff fez várias viagens a Paris, a fim de preparar a evacuação de toda a sua companhia para a França. Em fevereiro de 1920, ele e sua trupe embarcaram para o exílio e se instalaram no antigo estúdio da Pathé no subúrbio parisiense de Montreuil-sous-Bois, onde a Ermolieff-Cinéma começou a fazer filmes. Seu co-fundador desta companhia foi Alexandre Kamenka, outro exilado russo e quando, em 1922, Ermolieff transferiu-se para a Alemanha, Kamenka, juntamente com seus colegas Noé Bloch e Maurice Hache, assumiu a companhia e a rebatizou como Societé des Films Albatros. Ele formou também uma distribuidora denominada Les Films Armo, para controlar a distribuição de seus próprios filmes. Em 1920, Protazanov terminou a primeira produção dos emigrados, L’Angoissante Aventure (que ele havia iniciado em Yalta), história dramatizada da jornada dificultosa e perigosa de atores, diretores e outros artistas de cinema, quando partem da Criméia para o caos da Turquia Otomana na ocasião da queda do Sultanato depois da Primeira Guerra Mundial. O grupo era liderado pelo diretor Protazanov e além de Mosjoukine, incluia a sua parceira frequente Natalya Lisenko, com a qual ele se casou e depois se divorciou em 1927. Em 1928, ele contraiu matrimônio com a atriz Agnes Petersen. Sua terceira esposa foi a atriz Tania Fedor, por um breve período de tempo.
Mosjoukine consolidou seu estrelato durante os anos vinte, período no qual fez mais 19 filmes, inclusive os de maior destaque de sua carreira, funcionando quase sempre como roteirista e dirigindo dois deles: 1921 – O Menino do Carnaval / L’enfant du carnaval (Dir: Ivan Mosjoukine) com Natalya Lisenko, conhecida na França como Nathalie Lissenko; O Justiceiro / Justice d’abord (Dir: Yakov Protazanov com Nathalie Lissenko, Nicolas Koline. 1922 – Tempestade / Tempêtes (Dir: Robert Boudrioz) com Nathalie Lissenko, Charles Vanel. 1923 –Morphine / Chlan parlamenta / produção franco-soviética (Dir: Yakov Protazanov) com Nathalie Lissenko; A Casa do Mistério / La Maison du Mystère (Dir: Alexandre Volkoff) seriado de 10 episódios com Charles Vanel, Hélène Darly, Nicolas Koline; Chamas Ardentes / Le Brasier Ardent. (Dir: Ivan Mosjoukine) com Nathalie Lissenko, Nicolas Koline; 1924 – Kean ou Desordem e Gênio / Kean (Dir: Alexandre Volkoff) com Nathaie Lissenko; Sombras Passageiras / Les Ombres qui Passent (Dr: Alexandre Volkoff) com Nathalie Lissenko; O Príncipe Encoberto ou O Leão de Mongol / Le Lion des Mogols (Dir: Jean Epstein) com Nathalie Lissenko, François Viguier; 1926 – O Morto que Ri / Feu Mathias Pascal (Dir: Marcel L’Herbier) com Marcelle Pradot, Lois Moran; Miguel Strogoff, o Correio do Czar / Miguel Strogoff (Dir: Viktor Tourjanski) com Nathalie Kovanco; 1927 – Casanova ou Casanova, o Príncipe dos Amantes / Casanova (Dir: Alexandre Volkoff) com Suzanne Bianchetti, Diana Karenne, Jenny Jugo, Rina de Liguoro; Capitulando ao Amor / Surrender (Dir: Edward Sloman) com Mary Philbin, Nigel De Brulier. 1928 – Sua Excelência o Presidente ou O Presidente / Der Präsident (Dir: Gennaro Righelli) com Suzy Vernon, Nikolai Malikoff; Rouge et Noir ou O Correio Secreto / Der geheime Kurier (Dir: Gennaro Righelli) com Lil Dagover, Agnes Petersen; O Ajudante do Czar / Der Adjutant des Zaren (Dir: Vladimir Strizhevsky) com Carmen Boni. 1929 – Manolesco / Manolescu (Dir: Viktor Tourjanski) com Brigitte Helm, Heinrich George, Dita Parlo. Graças à magnífica caixa da Flicker Alley, “French Masterworks – Russian Émigrés in Paris 1923 -1928”, pude ver três dos melhores filmes de Mosjoukine produzidos pela Albatros, O Braseiro Ardente, Kean e O Morto Que Ri.
No seu filme Chamas Ardentes Mosjoukine mistura, com muita inventividade a audácia, o surrealismo, o fantástico, a comédia, o romance e o melodrama. O filme tem início com uma mulher (Nathalie Lissenko) tendo um pesadêlo no qual ela não consegue escapar de um homem, que lhe aparece sob diversas formas. Ao despertar, ela descobre que o homem, que a perseguia no seu sonho, é o inspetor Z, (Ivan Mosjoukine) personagem principal do romance que se encontra na sua mesa de cabeceira. Por coincidência, o marido (Nicolas Koline), um velho ricaço desconfiado da fidelidade de sua esposa, contrata um detetive para seguí-la, que não é outro senão o detective Z. A partir daí o fantástico desaparece e a narrativa passa a satirizar outros gêneros (v. g. o seriado policial e o melodrama burguês). Visualmente, o filme é impressionante. Mosjoukine integrou as últimas novidades do cinema de vanguarda com seus cenários fantasmagóricos e a montagem rápida. Em uma sequência deslumbrante, ele se senta ao piano em dá início a uma competição de dansa cujo ritmo se acelera até atingir um frenesí inacreditável. Percebe-se no decorrer do entrecho uma homenagem à cidade de Paris a cujo charme, uma mulher casada com um homem que ela não ama, não consegue resistir. Mosjoukine como ator está em plena forma: somente na cena de pesadelo inicial ele interpreta um herege sendo queimado na fogueira, um cavalheiro elegante, um bispo e um mendigo. No restante do filme, tranforma-se em um brilhante detetive, um palhaço bobo, um professor de dança cruel, um amante tímido e um filhinho da mamãe. Depois de assistir O Braseiro Ardente em 1923, Jean Renoir desistiu do seu trabalho, que era a cerâmica, para se dedicar ao cinema.
Kean, o filme mais caro e de prestígio feito pela Albatros, dirigido por Alexandre Volkoff, gira em torno do ator inglês do século dezenove, cuja vida foi marcada pela desordem e pelo gênio como indicado pelo título. Na Inglaterra, por volta de 1830, Edmund Kean (Ivan Mosjoukine) é o intérprete shakespereano mais aclamado pelo público londrino. A mulher do embaixador da Dinamarca, condessa de Koefeld (Nahalie Lissenko) assim como a jovem Anna Damby (Mary Odette), rica herdeira prometida a um velhote, estão apaixonadas por ele. Kean passa suas noites na taverna – vestido de marinheiro, bebendo e dançando na companhia de seu amigo Salomon (Nicolas Koline), que exerce a função de “ponto” no teatro – e os dias, perseguido pelos seus credores. Versão modificada da peça de Alexandre Dumas, eliminando o final feliz, que mostra Kean partir para a América com Anna Damby, o novo roteiro o faz terminar seus dias na miséria e morrer em uma noite de tempestade, corroído pela tuberculose.
Ficamos conhecendo de início Kean em uma representação de Romeu e Julieta por uma série de vinhetas pontuadas de intertítulos reproduzindo os versos originais de Shakespeare. Estas sequências de teatro filmado são seguidas por uma série de situações trágicas ou cômicas filmadas com primor cinematográfico, cujo melhor exemplo é a sequência excitante na taverna Trou de Charbon cuja montagem cada vez mais rápida, transmite perfeitamente a loucura e a vertigem sentida por Kean, ao se embriagar dançando a jiga (dança popular muito animada). Outro momento marcante é aquele em que Kean, destruído por sua paixão louca pela condessa, devorado pelo ciúme, perde a razão interpretando Hamlet no palco, e é rejeitado pelo público, que o bombardeia com projetéis diversos. Como se trata de um filme mudo, não ouvimos sua voz: ele fala apenas com o seu olhar magnético. Depois, ele nos oferece uma das cenas de morte mais longas (quase o tempo todo em close-up) do cinema, mas também uma das mais belas. Agonizante, ele pede ao seu fiel Salomon para ler um trecho de Shakespeare enquanto um cão uiva sob a tempestade. A parte cômica fica a cargo do formidável Nicolas Koline, que nos diverte em várias cenas, como aquelas em que se disfarça de tigre para assustar os credores de seu amigo ou quando se veste de mulher para escapar dos mesmos credores.
O Morto Que Rí, inspirado no romance de Luigi Pirandello, dirigido por Marcel L’Herbier e co-produzido com a sua Cinégraphic, alterna comédia e tragédia, realidade e fantasia, para contar a história do jovem bibliotecário, Mathias Pascal (Ivan Mosjoukine), um sonhador excêntrico, enfronhado na redação de uma História da Liberdade que, após a ruína financeira de sua família, vive na pequena cidade de Miragno na companhia da mãe (Marthe Mellot) e da tia (Pauline Carton). Ele se casa quase por acaso com Romilde (Marcelle Pradot), pois tinha por missão pedir a mão da moça para seu amigo Jérôme Pomino (Michel Simon). Fazendo isto, abdica de toda liberdade e passa a sofrer com a falta de afeição da esposa e a fúria da sogra rabugenta (Mireille Barsac). Quando sua mãe e sua filha recém-nascida morrem no mesmo dia, ele resolve fugir e vai parar aleatoriamente em Monte Carlo, onde ganha uma fortuna no cassino. Quando volta para casa, fica sabendo que foi dado como morto e decide aproveitar a chance e iniciar uma nova vida em Roma. Lá, sob o nome de Adrien, ele se apaixona por Adrienne Paleari (Lois Moran), filha do seu senhorio e noiva de um arqueologista, Terence Papiano (Jean Hervé). O pai de Adrienne promove sessões de espiritismo e, em uma dessas sessões, Papiano e seu irmão Scipion (Pierre Batcheff) roubam o dinheiro de Adrien. Sem poder recorrer à polícia, pois já morreu, Adrien / Mathias se resigna, volta para Miragno, e verifica que Romilde havia se casado com Pomino e que eles têm um filho. Mathias então decide deixá-los em paz e partir de novo em busca de Roma e de Adrienne.
A obra de Pirandello fornece a estrutura básica para a narrativa e adaptação de L’Herbier segue o texto original, apenas se desviando dele no final, que mostra Mathias Pascal retornando à sua vida antiga, mas não para Romilde e sim para seu trabalho na biblioteca, onde escreve suas memórias, que constituem o livro. O filme foi particularmente bem sucedido na sua mistura equilibrada de estilos e isso dependeu em grande parte dos cenários, tanto os naturais quanto os construídos, estes últimos pelo nosso Alberto Cavalcanti e Lazare Meerson: a casa apertada de Mathias e Romilde; a biblioteca baseada em uma igreja abandonada, cheia de poeira e ratos roendo as páginas de pilhas de livros espalhados em desordem por todo canto; o festival ao ar livre diante das muralhas e torres medievais de San Gimignano; o cassino ultramoderno de Monte Carlo e as ruas e interiores de Roma.
Uma das cenas mais belas (e também mais tristes) envolve a reação de Mathias às mortes simultâneas de sua mãe e de sua filha. Seu estado mental desordenado é expresso por uma série de panorâmicas e travelings – ligados por dissolvências -, através das ruas da cidade. Quando ele volta para casa, sua alucinação o faz imaginar que a criança está viva. Ele carrega o corpo dela, arrastando um longo véu do berço e sai para a rua. Uma série de tomadas descrevem sua jornada noturna fantástica, carregando a filhinha morta para a casa de sua mãe. Ali chegando, ele passa por um grupo de mulheres de luto e coloca o corpinho inanimado nos braços do cadáver de sua avó.
A Flicker Alley nos proporcionou também, em outro dvd, o seriado A Casa do Mistério, cujos dez episódios passaram no Brasil com estes títulos: 1. O Amigo Desleal. 2. O Segredo da Lagoa. 3. Ódio e Ambição. 4. A Sentença Implacável. 5. A Ponte Viva. 6. A Voz do Sangue. 7. Caprichos da Sorte. 8. Luta sem Tréguas. 9. A Angústia do Criminoso. 10. O Amor Triunfa. A trama pode ser assim resumida: Julien Villandrit (Ivan Mosjoukine) é um empresário da indústria textil e feliz no amor, mas atormentado por dificuldades financeiras. Sua esposa Régine de Bettiny (Hélène Darly) é, sem seu conhecimento, objeto de um grande segredo: o velho banqueiro Marjory (Bartkévitch) vem a ser seu pai, devido a uma ligação secreta no passado. Porém suas lliberalidades para o jovem casal e seu amor pela filha despertam suspeitas a Henri Corradin: o melhor amigo de Julien, que foi sempre apaixonado por Régine, muito ciumento e intrigante como o Iago de Shakespeare. Após ter revelado suas desconfianças de que Marjory é amante de Régine a Julien, Corradin assiste a uma luta entre os dois homens e quando Julien recobra a compostura e vai embora, seu amigo mata friamente o banqueiro. Julien é acusado do crime e condenado a vinte anos de trabalhos forçados. Porém Corradin não contou com duas coisas: Julien está decidido a fugir da prisão e o lenhador local, Rudeberg (Nicolas Koline) é um fotógrafo amador, captou o momento do crime e vai querer ganhar algum dinheiro com isso. Esta história folhetinesca de Jules Mary contendo peripécias emprestadas de O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas (um homem injustamente acusado de um crime, condenado e enviado para uma colônia penal, da qual escapa e depois retorna disfarçado, para levar o verdadeiro culpado à Justiça) está recheada de reviravoltas e momentos emocionantes (v. g. o encontro de Julien disfarçado de mendigo com a filhinha; Julien como palhaço no circo encarando a mulher, a filha já crescida, o namorado desta, filho de Rudeberg, e o vil Cardin na platéia), narrados com vivacidade, tornando-se por vêzes espetacular (v. g. a fuga angustiante da prisão em um trem com a “ponte humana” sobre o desfiladeiro). Sob o aspecto visual, chama atenção o casamento de Julian e Regine em forma de silhueta, uma cena verdadeiramente linda. O score de piano de Neil Brand sustenta as imagens e Mosjoukine e Charles Vanel, compõem seus tipos de mocinho e vilão com arrebatamento dramático.
Pude ver ainda Mosjoukine em Miguel Strogoff, Casanova, O Príncipe Encoberto, Capitulando ao Amor (seu único filme americano), O Ajudante do Czar e O Diabo Branco.
Baseado no romance famoso de Jules Verne sobre o intrépido mensageiro do czar que cumpre perigosa missão na Sibéria, Miguel Strogoff, produção franco-germânica, é um bom filme de aventura, rodado na Letônia e Noruega, com cenários suntuosos (v. g. o baile no Palácio de Alexandre II logo no início), centenas de figurantes (v. g. na batalha dos soldados russos com os tártaros), um delírio fantasmagórico (na qual Strogoff se vê com um prisioneiro das bruxas) e muitas peripécias em ambientes variados, sempre observadas por dois jornalistas, um inglês Harry Blount (Henri Debain) e um francês, Alcide Jolivet (Gabrel de Gravonne). O espetáculo beneficia-se sobretudo da interpretação de seu ator principal. Mudando regularmente de aparência, charmoso, heróico, patético, Miguel Strogoff passa por todos estas condições e Ivan Mosjoukine está sempre perfeito. A cena mais empolgante do filme acontece no festim do Emir Féofar-Khan (Boris de Fast) quando Strogoff, amarrado em um poste, fica cego, atingido nos olhos pela espada do carrasco esquentada no fogo, diante do traidor Ivan Ogareff (Acho Chakatouny, de sua mãe (Jeanne Brindeau) e de sua amada Nadia Fedor (Natalie Kovanko), a jovem que ele socorreu e que o acompanha em vários incidentes de perigo durante o relato. Graças à intensa publicidade, a estréia no Cinema Odeon do Rio de Janeiro, com a projeção acompanhada pela orquestra conduzida pelo maestro Wolf Gordasser, iniciou uma carreira triunfal para o filme em nosso país.
Tal como Miguel Strogoff, Casanova é uma produção franco-germânica e um bom filme de aventura com cenários luxuosos (v. g. o baile no Palácio de Pedro III), muitos extras (v. g. o Carnaval de Veneza), e vários incidentes (entremeados com lances cômicos a cargo de um negrinho criado de Casanova) passados em lugares diferentes (Veneza, a côrte de Catarina I). A grande imperatriz (Suzanne Bianchetti) se interessa por ele e entre as conquistas do lendário sedutor: a dançarina Corticelli (Rina de Liguoro), Bianca (Diana Karennne), Carlotta (Jenny Jugo) e, ao escapar da prisão com a ajuda de amigos, antes de embarcar em um navio, ele quase não resiste de levar uma linda cigana consigo. Mais uma vez os talentos de Mosjoukine como ator impressionam, tanto em momentos dramáticos, quanto em cenas de ação ou burlescas. O personagem de Casanova foi bem adequado para ele, permitindo-lhe explorar seu pendor por múltiplas personalidades através de disfarces (v. g. como um costureiro francês). Percebe-se no decorrer da intriga uma cena erótica em silhueta quando, em um jantar, Corticelli e uma dúzia de outras mulheres executam uma dança totalmente despidas. No final da apresentação, Casanova sai da sala com Corticellli nua nos braços. A Companhia Brasil Cinematográfica distribuiu gorros iguais aos que Mosjoukine usou no filme e eles foram uma das notas predominantes no Carnaval. Os jornais anunciaram: “Por toda parte, nos automóveis que fazem o corso, nos foliões que brincam nas ruas se vêm desses gorros em que se lê “Eu sou Casanova – o príncipe dos amantes”.
História rocambolesca misturando melodrama romântico, conto de fadas das Mil e Uma Noites e um pouco de comédia satírica, O Príncipe Encoberto tem início em uma cidade do Tibete, o Grande Khan (François Viguier), um usurpador do trono muito cruel, ordena que a jovem Zemgali (Alexiane), amada pelo Príncipe Roundghito-Sing (Ivan Mosjoukine), seja conduzida ao seu palácio. O príncipe liberta-a, mas ela é recapturada, e ele tem que deixar o país. No navio que o conduz para a França, ele se apaixona pela estrela de cinema Anna (Nathalie Lissenko), que o convence a se tornar ator e atuar a seu lado. O banqueiro Morel (Camille Barodu), produtor do filme, fica com ciúme e se aproveita da ingenuidade do príncpe, fazendo-o passar um cheque sem fundos. Para acalmar Morel, Anna lhe diz que não ama o príncipe, o qual fica arrazado ao ouvir esta conversa. Depois de vários acontecimentos, entre eles a morte de Morel, Anna revela que é a irmã do príncipe, que fugira quando o usurpador assassinou o pai deles. No final, Roundghito-Sing recebe a notícia que se tornou o novo soberano de seu país após a morte do usurpador. Ele volta para o Tibete na companhia de Anna e se casa com Zamgali.
O filme começa com um Prólogo, constituido por uma sucessão de cenas antecipando eventos futuros e de primeiros planos do rosto do príncipe captados em três momentos da história. Após esta abertura original, segue-se uma narrativa em ritmo lento, de feitura acadêmica, explorando o exotismo dos cenários da cidade sagrada tibetana e das indumentárias da massa de figurantes orientais. Porém quando a ação se transfere para a Cidade-Luz, Epstein nos oferece alguns toques de vanguarda que, embora discretos, vêm romper com a monotonia que estava se instaurando (v. g. um plano de detalhe mostrando os elos de uma corrente para simbolizar a a submissão de Anna à Morel; a caracterização deste último por um cabo de bengala que representa um cão uivando; o uso da sobreimpressão para enfatizar o sentimento de isolamento do herói na metrópolis vibrante ou para mostrar sua embriaguês em uma boate parisiense; emprego da montagem rápida na corrida desenfreada de taxi pela madrugada).
Na primavera de 1926, Mosjoukine assinou um contrato com a Universal e partiu para Hollywood, onde fez Capitulando ao Amor / Surrender, sob a direção de Edward Sloman, baseado nas peça de Alexander Brody “Lea Lyon”. Na trama, Lea Lyon (Mary Philbin), filha do Rabino Mendel (Nigel De Brulier), conselheiro espiritual de uma aldeia da Galícia perto da fronteira com a Rússia, está molhando os pés em um riacho, quando encontra Constantine (Ivan Mosjoukine), um príncipe russo em trajes de camponês. Eis que chega o rabino e se opõe a este relacionamento, insultando o príncipe. Mais tarde a guerra é declarada e os russos, sob o comando de Constantine, ocupam a cidade. O príncipe se convida para a casa do rabino, exigindo Lea, mas fica sabendo de que ela está prometida para Joshua (Otto Matieson), um jovem da sua comunidade. Ele ameaça Joshua que implora a Lea que se submeta ao príncipe, mas ela se recusa. Furioso, Constantine ameaça incendiar a aldeia e seus habitantes e ela cede às súplicas da população, Impressionado como o caráter de Lea, o príncipe percebe que a ama, poupa a cidade e a moça. Quando o exército austríaco chega, Lea esconde Constantine e é apedrejada pela multidão indignada; o rabino morre, mas o príncipe escapa. Depois da guerra, ele retorna para os braços de Lea.
Trata-se de um melodrama romântico com fundo histórico, muito bem narrado e com duas cenas que merecem destaque. A primeira ocorre logo no início: Constantine é visto caçando esquilos em um bosque. De repente, seu cão esquece o esquilo, toma outra direção e lhe traz um sapato feminino. Intrigado, o príncipe descobre Lea molhando os pés em um riacho. A outra cena é aquele na qual estão presentes Constantine, o rabino, Lea e Joshua. Constantine pergunta para Lea: “Você ama este homem?”. O rabino é quem responde: “Eles estão prometidos há muitos anos. Amá-lo é dever dela”. Constantine replica: “É este o seu ensinamento – que o amor é um dever? O seu amor por ela é um dever? Pobre velho! O Dever é ensinado – o Amor nasce espontaneamente do nada”. Gosto também de outros momentos (v. g. a invasão dos cossacos, os cidadãos trancados à força em suas casas na iminência de morrerem queimados e, particularmente, os belos close-ups de Mary Philbin, aquela que encarou o Fantasma da Ópera de Lon Chaney. Infelizmente, o filme não proporcionou o êxito comercial esperado pelo estúdio e Mosjoukine voltou para a Europa.
Em O Ajudante do Czar, após um noivado desfeito, o Príncipe Boris Kurbsky (Ivan Mosjoukine), ajudante do czar, viajando em um trem com destino a São Petersburgo, enamora-se de uma jovem encantadora, Helena di Armore (Carmen Boni), cujo passaporte foi roubado e a ajuda a passar pela fronteira, como se ela fosse sua esposa. Os dois acabam se casando de verdade e quando Boris descobre que Helena é uma revolucionária que prepara um atentado contra o czar, ele se sente fortemente dividido entre seu dever e seus sentimentos. Esta história romântica passada em ambiente histórico é contada em um compasso lento, mas não cansativo, graças à capacidade interpretativa dos atores, tanto os dois principais, como os excelentes coadjuvantes: Daniel Dolski (o criado do príncipe), os generais Koloboff (George Seroff) e Trunoff (Fritz Alberti) e a figura autoritária do Barão Korff (Eugen Burg), que começa a suspeitar do relacionamente entre Boris e Helena. O diretor Strizhesvky não produz nenhuma cena digna de antologia, porém conduz o relato com pulso firme, mantendo a tensão sobre o que vai acontecer até o final.
Nos anos trinta Mosjoukine fez mais 7 filmes: 1930 – O Diabo Branco / Der weisse Teufel (Dir: Alexandre Volkoff) com Lil Dagover, Betty Amann. 1932 – Das Geheimnis des Fremden legionärs (Dir: Vladimir Strizhesvky) com Trude von Molo, Peter Voss (versão francesa: Le Sergent X com Suzy Vernon, Jean Angelo). 1933 – La Mille et Deuxième Nuit (Dir: Alexandre Volkoff) com Tania Fédor; 1934 – Casanova, o Príncipe do Amor / Casanova (Dir: René Barberis) com Jeanne Boitel, Madeleine Oseray; L’Enfant du Carnaval (Dir: Alexander Volkoff) com Tania Fédor. 1936 – Agonia do Submarino / Nitchevo (Dir: Jacques de Baroncelli) com Harry Baur, Marcelle Chantall, George Rigaud.
O Diabo Branco é uma adaptação livre da novela “Hadji Murat “ de Leon Tolstoi, realizada como filme mudo, tendo sido depois acrescentada uma trilha sonora. Neste drama histórico (que tem Anatole Litvak como assistente de direção e Curt Courant entre os fotógrafos) a população das montanhas do Cáucaso defende ferozmente sua independência contra as tropas do czar Nicolau I (Fritz Alberti). Os aldeões depositam toda sua esperança na pessoa de Hadji Murat (Ivan Mosjoukine), apelidado “o Diabo Branco”. A dançarina Saira (Betty Amann), sobrinha de Schamil (Acho Chakatouny), chefe da população local, demonstra interesse pelo belo caucasiano, para desgosto de seu tio. Este insulta Hadji mas, antes que dois homens venham prendê-lo, a aldeia é invadida pelos soldados russos. Muitos homens e mulheres são levados pelos invasores inclusive Saira. Hadji e seus cavaleiros surpreendem o inimigo e fazem prisioneiros. Quando Hadji retorna à aldeia aponta Schamil como traidor, porque ele mandou matar os prisioneiros sem sua permissão. Eles lutam e Hadji, isolado, foge acompanhado por alguns companheiros. Quando Hadji fica sabendo que Schamil aprisionou seu filho, Jussuf (Kenneth Rive), o Diabo Branco fica furioso e pede uma audiência com o czar, que está disposto a lhe conceder seu perdão, desde que ele lute contra os caucasianos. Hadji descobre a vida ostentatória na corte de São Petersburgo e, no curso de um balé da escola de dansa imperial, avista Saira no palco como uma das bailarinas. Esta está sendo assediada por Nicolau I, mas é salva por Hadji, graças à informação da amante do imperador, a bela Nelidowa (Lil Dagover). Hadji e Saira se casam e ele comanda seu povo contra os russos, porém é ferido gravemente. Seus companheiros colocam-no no seu cavalo branco e o levam para a aldeia, onde reencontra Jussuff livre (pelas súplicas de Saira ao tio) e lhe apresents sua nova mamãe, Saira. Hadji e Schamil se reconciliam e o Diabo Branco morre.
Embora um tanto inverossímel, a história é interessante e foi contada com destreza por Volkoff, servindo-se do fascínio majestoso de Mosjoukine como o herói folclórico, bem secundado por Betty Amann, Lil Dagover e principalmente Fritz Alberti como o czar despótico e sensual. Cenas mais pictóricas e movimentadas surgem em intervalos regulares como a dança de Saira na aldeia logo no início e depois no balé da escola; a cerimônia da Páscoa; os confrontos entre as tropas do czar e dos revoltosos.
O advento do som soou como uma sentença de morte para a carreira de Mosjoukine como astro do cinema silencioso por causa de seu sotaque carregado. Depois de alguns filmes insignificantes (no último dos quais atuou apenas como coadjuvante) ele terminou seus dias na solidão e na miséria e morreu de tuberculose em 1939 aos 50 anos de idade.
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