MAURICE TOURNEUR
agosto 7, 2019Ele foi, juntamente com Rex Ingram, Herbert Brenon, Fred Niblo e Clarence Brown, um dos grandes pictorialistas do cinema mudo americano, cineasta importante e respeitado em Hollywood e um bom realizador de filmes do cinema francês sonoro dos anos 30 e 40, capaz de dominar os mais diferentes gêneros. Como resumiu o New York Times no seu obituário, “seu talento influenciou o desenvolvimento do cinema assim como os filmes e os realizadores contemporâneos, sobretudo no que diz respeito a fotografia, aos cenários, a iluminação e a composição”.
Maurice Félix Thomas (1876 – 1961) nasceu em Paris no bairro Épinettes, filho de Marie Dubois e do fabricante de bijuteria Eugène Thomas. Ele estudou no Liceu Condorcet e, por intermédio de seu amigo Francis Jourdain, arrumou emprego como aprendiz do pintor Adrien Karbowsky. Depois trabalhou com outro pintor, Puvis de Chavannes e no ateliê de Auguste Rodin, tornando-se grafista-ilustrador e decorador de interiores, antes de tentar sua chance no Théâtre des Bouffes du Nord sob recomendação do autor-dramático Jean Joseph-Renaud, um de seus antigos colegas do Liceu.
O jovem Maurice deu seus primeiros passos no palco aos vinte e quatro anos em uma adaptação de “La Tour de Nesle” de Alexandre Dumas e permaneceu no Bouffes du Nord por uma temporada, atuando em outros melodramas populares em voga na época como “Les Pirates de la Savanne” de Ferdinand Dugué ou “Marie ou l’inondation” de Francis Cornu. Foi sua primeira escola de teatro. Quando a temporada chegou ao fim, o rapaz conseguiu ingressar na companhia da famosa atriz Gabrielle Réjane, que preparava uma tournée pela América do Sul (Brasil, Montevidéo, Buenos Aires) e estava recrutando atores. Maurice trabalhou como ator e diretor. Na volta a Paris, passou por uns tempos difíceis, apresentando-se nos subúrbios ou na província.
Felizmente, ele conhecia o comediante Georges Grand, que o apresentou a André Antoine, uma das grandes figuras do teatro do seu tempo. O exigente Antoine contratou Maurice como diretor e, em 7 de junho de 1903, toda a trupe embarca para a América do Sul. Entre os vinte e três atores e atrizes que partem, além de Antoine e Tourneur, encontra-se a jovem atriz Fernande Petit (conhecida pelo nome artístico de Mme. Van Doren), futura esposa de Maurice e mãe de Jacques Tourneur, filho único do casal. Este período feliz teve seu fim quando, em 1906, confiaram a Antoine o comando do Théâtre de L’Odeon no Quartier Latin. Após certo tempo, Tourneur teve uma discussão com Antoine, e foi procurar outro emprego, tornando-se diretor geral no Casino de Nice e depois no Théâtre de la Renaissance, então administrado por Abel Tarride. Nesta época, Tourneur conheceu o realizador Émile Chautard, que o convidou para ser seu assistente na firma Éclair, a terceira firma cinematográfica francêsa logo atrás da Gaumont e da Pathé entre 1908 e 1918.
Em 1913, Tourneur já era diretor, mas é difícil identificar formalmente os filmes que ele realizou na Éclair, pois antes de 1914 os diretores não eram identificados. Christine Leteux, na sua magnífica biografia (muito útil na elaboração deste artigo) “Maurice Tourneur Réalisateur sans Frontières” (La tour verte, 2015), calcula que Tourneur dirigiu cerca de uma dezena de filmes e menciona na sua filmografia (por ordem cronológica da data de exibição): 1913 – Le Mystère de la chambre jaune (co-realizado com Émile Chautard); La Bergère d’Ivry; Jean la Poudre; Les Gaités de l’escadron; Mademoiselle cent millions; Le Système du docteur Goudron. 1914 – Le Friquet; Le Puits Mitoyen; Le Camée; Les Ruses de l’amour; Figures de Cire; Monsieur Lecoq; Le Parfum de la dame en noir ou La dernière incarnation de Larsan. 1915 – Souerette.
Após dois meses exercendo as funções de diretor, Tourneur recebeu um convite inesperado por parte de Chautard: trabalhar na sucursal americana da Éclair em Fort Lee, New Jersey, chefiada pelo diretor Étienne Arnaud, onde já estavam os fotógrafos Georges Benoît, Lucien Andriot e René Guissart e os cenógrafos Benjamin Carré e Henri Ménassier. Os filmes de Tourneur na Éclair americana (depois absorvida pela World Film Corporation) foram: 1914 – Mother; The Man of the Hour;The Wishing Ring: An Ydill of Old England (comédia sofisticada muito elogiada pelo seu encanto e beleza visual); O Poder do Ouro / The Pit (no novo estúdio Peerless, erguido a dois passos do velho estúdio Éclair) 1915 – Jimmy Valentine / Alias Jimmy Valentine (drama criminal que impressionou os críticos pela sua técnica inovadora); The Cub; The Ivory Snuff Box; Lágrimas e Risos da Boemia / Trilby; A Butterfly on the Wheel. 1916 – The Pawn of Fate (inaugurando um novo estúdio, o Paragon); A Mão do Perigo / The Hand of Peril; The Closed Road; The Rail Rider; The Velvet Paw, os quatro últimos estrelados pelo ator House Peters.
Depois dessas quatro produções com House Peters, Tourneur ganhou tal estatura que lhe permitiu dirigir dois filmes com a estrela número um do cinema americano, Mary Pickford: Raça de Heróis / The Pride of the Clan e Rica e Pobre ou A Pobre Rica / The Poor Little Rich Girl, ambos produzidos pela Artcraft em 1917. No mesmo ano, Tourneur fez mais dois filmes no Paragon, A Girl’s Folly e O Chicote / The Whip, antes do estúdio e a World Film Corporation serem comprados pela Famous Players-Lasky, na qual ele permaneceu, apesar da mudança de proprietários.
Devido ao grande sucesso de Rica e Pobre, Jesse Lasky contratou Tourneur para realizar nove filmes em um ano e assim ele se encarregou de: 1917 – Chama D’Alma / The Undying Flame; The Law of the Land; Exílio / Exile; A Canção do Deserto / Barbary Sheep; Fidelidade / The Rise of Jennie Cushing. 1918 – Cadeias de Amor / The Rose of the World; O Pássaro Azul / The Blue Bird; Prunella / Prunella; A Casa de Bonecas / A Doll’s House. Com O Pássaro Azul e Prunella, Tourneur começou a se firmar como um dos grandes estilistas do cinema mudo, devendo ser reconhecida a preciosa colaboração de seu diretor de arte Ben Carrée e de seu fotógrafo John van den Broek (que morreria afogado aos 23 anos de idade em 1918 durante a filmagem de Mulher). Eles souberam combinar uma narrativa encantadoramente ingênua com uma sofisticação pictórica, que explorava a cor, silhuetas, cenários deliberadamente fantasiosos e trajes singulares. Entretanto, os filmes não tiveram bom resultado comercial.
Respeitado como um dos melhores na sua profissão, Tourneur decide se tornar seu próprio produtor e, com o apoio financeiro de Jules Brulatour, funda a Maurice Tourneur Productions, onde poderá trabalhar com total liberdade. Para a sua empresa ele fez: 1918 – Vida Esportiva / Sporting Life; Mulher / Woman. 1919 – O Segredo de Silvia / The White Heather; Luta pelo Amor ou A Linha da Vida / The Life Line; The Broken Butterfly; Vitória / Victory. 1920 – My Lady’s Garter; A Ilha do Tesouro / Treasure Island; O Sinal dos Carbonários / The White Circle; Águas Perigosa ou Martírio de um Mergulhador / Deep Waters.
Em julho de 1920, Tourneur rompe com Brulatour e passa a trabalhar para a Associated Producers uma nova companhia independente (nos moldes da United Artists), que fôra criada em 1919 e da qual participam vários diretores, além de Tourneur: Thomas H. Ince, Mack Sennett, Marshall Neilan, Allan Dwan, George Loane Tucker e J. Parker Read Jr. Para a Associated Producers Tourneur fez O Último dos Moicanos / The Last of the Mohicans (co-dirigido por Clarence Brown); Mulheres Levianas / The Foolish Matrons (co-dirigido por C. Brown). 1923 – Enquanto Paris Dorme / While Paris Sleeps, realizando em dois intervalos, 1921 – A Isca Humana / The Bait para a Hope-Hampton Prod. – Paramount e 1922 – O Mais Lindo Amor / Lorna Doone para a Thomas H. Ince Corp. -Associated First National. A Maurice Tourneur Productions realizou ainda The County Fair, rodado simultaneamente com Vitória. Edmund Mortimer foi mencionado como diretor pela imprensa, porém Clarence Brown, em uma entrevista para Kevin Brownlow, afirmou que foi ele quem dirigiu o filme, afinal lançado sem um nome do diretor nos créditos.
Neste período, creio que os melhores filmes de Tourneur foram O Último dos Moicanos e provavelmente o filme perdido A Ilha do Tesouro, a julgar pelas fotografias de cena magnificas, que podem ser vistas hoje, ambos louvados na época por sua beleza pictórica. Na sua adaptação da história famosa de Robert Louis Stevenson, Tourneur colocou uma atriz, Shirley Mason, no papel de Jim Hawkins e contou com Charles Ogle como Long John Silver e Lon Chaney em dois papéis: o do cego Pew e o de Merry.
Os únicos filmes dessa fase do diretor que pude ver foram Vítória e O Último dos Moicanos e falei sobre este último no meu post sobre Clarence Brown (15 de abril de 2016), acentuando a fidelidade ao romance célebre de James Fenimore Cooper,
a exploração magnífica da paisagem ao ar livre do Big Bear Valley e do Yosemite National Park; os planos de silhuetas e de interiores escuros enquadrados em contraste com a luz e apontando as sequências mais emocionantes: o massacre no Fort Williams e a perseguição de Cora (Barbara Bedford) por Magua (Wallace Beery) e o seu salto para a morte do alto de uma colina. Já Vitória não é tão bom, mas é um filme interessante com personagens que fogem do convencional, detalhes pitorescos, e interpretações marcantes de Seena Owen, Jack Holt, Wallace Beery, Bull Montana e Lon Chaney que, na época, ainda não era o Homem das Mil Caras.
Em 1923, Tourneur realizou O Apóstolo / The Christian para a Goldwyn Pictures e depois se ofereceu para trabalhar com Mike C. Levee, que acabara de criar uma unidade de produção no seu United Studios. Com a McLeve e Prod, e distribuição da First National, Tourneur fez: 1923 – A Ilha dos Navios Perdidos / The Isle of Lost Ships; A Garrafa Mágica / The Brass Bottle; Jealous Husbands. 1924 – Amor eTormento / Torment; A Mariposa Branca/ The White Moth. Outro filme do qual não resta mais nenhuma cópia, A Ilha dos Navios Perdidos, a julgar pelas fotos que ví de uma ilha no mar dos Sargaços cujo cenário são destroços de um navio e também pelos comentários nas revistas da época citados por C. Leteux, parece ter sido o melhor dos filmes que Tourner fez para Mike Levee. Em entrevista concedida a Kevin Brownlow em 1969, Jacques Tourneur o considerava como um dos melhores filmes de seu pai.
Em junho de 1924, Jacques deixou a escola secundária e seu progenitor lhe perguntou se ele queria cursar uma faculdade ou começar a trabalhar. Ele respondeu: “Prefiro começar a trabalhar porque no cinema a gente não precisa de formação!”. Assim, Jacques se tornou um script-boy na filmagem deTaméia ou A Filha do Oriente / Never the Twain Shall Meet / 1925, rodado por Tourneur no Tahiti para a Cosmopolitan Pictures de William Randolph Hearst.
Dos derradeiros filmes de Tourneur nos Estados Unidos, 1925 – Vida Esportiva / Sporting Life (refilmagem da produção de 1918) para a Universal, O Pirata / Clothes Make the Pirate e 1926 – Amor Beduíno / Old Loves and New para o produtor Sam E. Rock e A Conquista da Felicidade / Aloma of the South Seas– outro filme presumidamente perdido – produzido pela Paramount, somente este mereceu o aplauso dos resenhistas, uns dizendo que era “um filme, fotograficamente falando, magnífico e que certos planos eram obras de arte por sua composição” (Variety), outros dizendo que era “um filme de uma beleza extraordinária” (Photoplay). De Aloma também só conheço as fotos, entre elas, uma da bela Gilda Gray, que dividiu o estrelato com Percy Marmont, Warner Baxter e William Powell.
Ainda em 1926, Tourneur foi contratado pela MGM para realizar uma adaptação de “L’Île Misterieuse” de Jules Verne e a produção parecia dotada de um orçamento importante, porque ele deveria rodar cenas submarinas em Nassau, nas Bahamas em “cores naturais”, quer dizer, em Technicolor bicolor. O que ele não sabia era que, segundo a nova política do estúdio, cada diretor deveria ser supervisionado por um produtor. Tourneur não acatou esta nova diretriz e abandonou a filmagem, sendo substituído pelo diretor dinamarquês Benjamin Christensen, tendo sido mais tarde convocado Lucien Hubbard para fazer alguns retoques.
Em 11 de agosto de 1926, Tourneur e Fernande partem para a França, mas Jacques prefere ficar em Hollywood, onde recebeu ajuda de Clarence Brown, que lhe arranjou emprego como figurante na MGM. Em dezembro de 1926, Tourneur assina um contrato com a Lutèce Film de Charles Schneider e, depois de se separar de Fernande (sua aventura com Barbara Bedford, a estrela de O Último dos Moicanos certamente contribuiu para a deterioração de suas relações, mas eles nunca se divorciaram), inicia a filmagem de L’Équipage / 1928, drama baseado no romance de Joseph Kessel, que contava a vida dos aviadores da Primeira Guerra Mundial. Entretanto, começam a circular rumores sobre ele no meio cinematográfico a respeito de sua atitude durante aquela guerra, qual seja, a de não ter se alistado para lutar por sua pátria. Em sua defesa, Tourneur mentiu, dizendo que havia se naturalizado americano antes da França entrar na guerra; porém, descoberta sua mentira, foi preso e expulso de seu país natal. Antes disso, para estancar a campanha contra ele na imprensa, havia concordado em permanecer anônimo nos créditos do filme e em qualquer campanha publicitária feita com o seu nome.
Em janeiro de 1929, Tourneur conseguiu assinar um contrato com o produtor Max Glass em Berlim e começou a filmar Homens sem Lei / Das Schiff der verlorenen Menschen, cujo roteiro ele mesmo escreveu, baseado em um romance de F. Keremen. Seu filho Jacques funcionou como seu assistente e participou da montagem do filme. O elenco internacional contou com o francês Gaston Modot, o britânico Robin Irvine, os russos Vladimir Sokoloff e Boris de Fast e os alemães Fritz Kortner e Marlene Dietrich, que não era ainda uma estrela; porém os críticos não gostaram do resultado.
A esta altura, o cinema falado irrompera nas telas e Tourneur, que estava em negociação com a sociedade de produção Pathé-Natan, conseguiu finalmente permissão para residir na França. Seu primeiro filme para a Pathé-Natan foi Acusada,Levante-se! / Accusée, Levez-vous!/ 1930, seguindo-se: 1930 – Maison des Danses; Partir. 1932 – Em Nome da Lei / Au Nom de la Loi; Les Gaîtés de L’Escadron. 1933 – As Duas Órfãs / Les Deux Orphelines; Lidoire(curta-metragem); Obsession(curta-metragem, com a atriz Louise Lagrange, que se tornara companheira de Tourneur). 1934 – Voleur (teatro filmado baseado na peça de Henry Bernstein, feito excepcionalmente para os produtores Marcel Vandal e Charles Delac, com Madeleine Renaud, Victor Francen e Jean-Pierre Aumont). 1935 – Justin de Marseille. Entre estes, distinguem-se Em Nome da Lei e Justin de Marseille.
No primeiro filme, um inspetor de polícia, que estava atrás de traficantes de drogas, é assassinado. Os inspetores Lancelot (Charles Vanel) e Ludovic (Pierre Labry) seguem a pista do assassino. Eles encontram o criminoso graças a Marcel (Jean Marchat), um jovem policial encarregado de se infiltrar entre os traficantes. Porém ele se apaixona pela bela Sandra (Marcelle Chantall) que faz parte do bando e prefere se suicidar do que ir para a prisão. Com esta trama, Tourneur realizou um filme policial exemplar, quase um documentário, no qual predomina uma descrição minuciosa e realista do meio social, feita em um ritmo fluente e apreciável qualidade pictórica. Uma das cenas mais marcantes é o interrogatório na polícia do chofer de taxi abrutalhado, interpretado por Gabriel Gabrio.
No segundo filme, baseado em um roteiro de Carlo Rim, o mafioso Justin (Antonin Berval) chefia um bando de traficantes de drogas, mas é amado e estimado por todos, porque protege os fracos. Seu maior inimigo é Esposito (Alexandre Rignault), um gangster líder de outro grupo de criminosos, que ele acaba matando. A primeira cena do filme é muito lembrada: um caixão que chegou de Saigon, sendo transportado em um carro fúnebre, acompanhado por vários gangsters de luto pesado. Só que o caixão não contém a pobre Félicie, morta em Saigon, mas oitenta quilos de ópio, cuja posse os dois chefes mafiosos vão disputar avidamente. Esta guerra de gangues nas ruas do Velho Porto marselhês, ao mesmo tempo risonha e cruel, é vista por Tourneur com um olhar de pintor e um senso aguçado do pitoresco.
Justin de Marseille marcou o fim de uma época. Sem conseguir crédito dos bancos a Pathé-Natan entrou em estado de falência, no que foi acompanhada por outra grande firma, Gaumont-Franco-Film-Auber. O cinema francês passou a sobreviver com pequenas sociedades de produção, que produziam somente um ou dois filmes por ano, antes de correr o mesmo perigo. Assim, os próximos filmes de Tourneur na década de trinta foram feitos para vários produtores: 1935 – Koegnismark na versão francesa e Cavaleiros da Rainha na versão inglesa Koenigsmark (Films Roger Richebé). 1936 – Samson / Samson (Paris Film Production); Com um Sorriso / Avec le Sourire (Films Marquis); 1938 – O Patriota / Le Patriote(F. C. L. Farkas); Katia / Katia (Metropa Films).
Extraído do romance famoso de Pierre Benoît, Koegnismark começou a ser rodado por Léonce Perret, mas ele faleceu durante a filmagem e Tourneur foi chamado com urgência para substituí-lo. Foi portanto uma simples encomenda, da qual Tourneur se encarregou corretamente, mas sem muita convicção, alternando as cenas pomposas como as da da recepção na côrte de Lautenbourg com as cenas intimistas entre a Princesa Aurora (Elissa Landi) e o professor Raoul Vignerte (Pierre Fresnay), que agradaram o público.
Em Samson, baseado na peça de Henri Bernstein, uma jovem, Anne-Marie d’Andeline (Gaby Morlay), se casa sem amor com o banqueiro Jacques Brachart (Harry Baur), para salvar sua família da miséria. Anne-Marie torna-se amante de Jerôme Le Govain (André Luguet), um estroina sem escrúpulos; mas ela voltará, para os braços do marido, depois que ele perdeu toda a sua fortuna, para destruir seu rival. Este drama mundano assumiu um brilho particular nos olhares, nos subentendidos dos dois atores e contou ainda com coadjuvantes de elite como Gabrielle Dorziat, André Lefaur e Suzy Prim. A revista Cinémonde sentenciou: “Um grande filme humano e sincero, um êxito magistral”.
Tourneur passou do drama para a comédia, oferecendo-nos Com um Sorriso um espetáculo bastante divertido, escrito por Louis Verneuil e Carlo Rim, mostrando um personagem, Victor Larnois (Maurice Chevalier) que, partindo do nada, logra atingir as mais altas posições sociais, mercê de mil e um ardís e de um sorriso irresistível. Na sua ascenção, Larnois cuida da carreira de Gisèle (Marie Glory), corista sem grande talento que ele, fabricando um golpe publicitário, a propulsiona ao status de vedete. Larnois acaba diretor da Ópera ao fim de seu último sortilégio, antes de ajudar seu ex-patrão (André Lefaur), homem íntegro, porém pouco afável, que, com seus princípios demasiadamente rígidos, fôra conduzido para a miséria. Por meio de uma sucessão de cenas curtas e muito engraçadas, Tourneur conduz a ação em um ritmo rápido e Chevalier encarna com muita verve o arrivista sem escrúpulos.
Em 1938, Tourneur dedicou-se novamente aos filmes de época com dois dramas históricos: O Patriota e Katia. O enredo de O Patriota, que tinha como tema central o conflito entre a lealdade e o dever, já havia sido brilhantemente tratado por Ernst Lubitsch no cinema mudo, extraindo uma soberba interpretação de Emil Jannings. Segundo os que puderam ver esta refilmagem, o trabalho de Harry Baur como o tsar louco Paulo I foi muito bom e a direção de Tourneur não deixou a desejar, ajudado pela fotografia de Armand Thirard, a música de Jacques Ibert, a reconstituição faustosa da côrte russa e presença de coadjuvantes bem escolhidos como Pierre Renoir (herdando o papel de Pahlen entregue a Lewis Stone na primeira versão), Josette Day, Colette Darfeuil, Suzy Prim. Katia, é uma evocação romanceada dos amores e do casamento morganático do tsar Alexandre II (John Loder) e de Catherine Dolgouky (Danielle Darrieux), que termina em uma tragédia: Alexandre é morto em um atentado. Há muito luxo nos cenários e figurinos neste filme de orcamento vultoso dirigido sob contrôle rígido de Tourneur, mas quem brilha mesmo é Dannielle Darrieux que trouxe sua presença delicada para este grande papel dramático.
Nos anos 40, Tourneur fez seus oito filmes derradeiros: 1941 – Volpone / Volpone; Péchés de Jeunesse; Mademoiselle Bonaparte / Mam’zelle Bonaparte. 1942 – A Mão do Diabo / La Main du Diable. 1943 – Le Val d’enfer; 1944 – (na TV: Crime na Polícia) / Cécile est Morte! 1948 – Après l’amour; Impasse des Deux-Anges. Produzido pela Île-de-France Films de Élisabeth Soutzo, Volponehavia sido iniciado sob a direção de Jacques de Baroncelli mas, após três semanas de filmagem, a produção foi interrompida por falta de dinheiro e de compromissos anteriores dos atores no teatro ou no cinema. Somente no final de março de 1940 a filmagem foi retomada sob a direção de Tourneur. Esta farsa, cujo tema é a ganância, foi adaptada por Stefan Zweig e Jules Romain de uma peça do dramaturgo elizabetano Ben Johnson e valeu sobretudo pela presença de três monstros sagrados do palco e da tela dos anos 30, que foram Louis Jouvet, Harry Baur e Charles Dullin. Outros dois grandes atores, Fernand Ledoux e Jacqueline Delubac, completam o elenco deste teatro filmado, filmado mas plasticamente soberbo.
Durante a Ocupação, Tourneur foi contratado pela Continental Films, a produtora destinada a produzir na França filmes com capital alemão e mão de obra francesa. Imediatamente após a sua criação, a nova companhia selecionou os realizadores e técnicos francêses mais eficazes e rápidos, e Tourneur estava entre os cinco primeiros, juntamente com Marcel Carné, Christian Jaque, Georges Lacombe e Léo Joannon. Nesta firma ele fez os seus quatro filmes seguintes.
Péchés de Jeunesse versa sobre um velho celibatário, rico e solitário, Monsieur Lacalade (Harry Baur), que parte em busca do seus quatro filhos ilegítimos, concebidos durante a sua juventude. Em quatro episódios, o roteirista Charles Spaak traça com causticidade e humor, o retrato de uma classe social, Tourneur fornece algumas belas imagens e Harry Baur encontra um papel perfeitamente à sua altura; Mademoiselle Bonaparte é uma biografia inspirada livremente na vida de Cora Pearl (Edwige Feuillère), cortesã do Segundo Império, amante do príncipe, Jérôme Bonaparte (Guillaume de Sax), que se envolve amorosamente com um conspirador elegante e romântico, o marquês Philipe de Vaudrey (Raymond Rouleau). Foi uma das produções mais custosas da Continental com seus cenários imensos, vestuário luxuoso e uma multidão de figurantes, e Tourneur conduziu o espetáculo com pulso firme.
A Mão do Diabo, é uma obra estranha, transpondo para o mundo moderno o tema da possessão demoníaca e Tourneur criou um clima de angústia permanente. Essa angústia aumenta quando, durante o carnaval, sete homens mascarados, que são os diversos possuidores da mão encantada desde o século XVIII, constituídos em tribunal, revelam ao pintor sem talento Roland Brissot (Pierre Fresnay) a impostura do diabo (que, por meio de um cozinheiro italiano, Melissa (Nöel Roquevert), lhe vendeu um talismã, (uma certa mão mumificada que deveria lhe trazer glória e felicidade) e ele tem mais uma chance de se salvar. Tourneur então se esmera em uma série de vinhetas, cada qual mais surpreendente que a outra, fechando com brilhantismo formal – apoiado na oposição expressionista da luz com as trevas e no uso de halos e silhuetas – a inquietante aventura do artista aprisionado em uma armadilha infernal.
Le Val d’enfer é um melodrama com uma intriga simples e forte, exposta com eficácia dramática e economia de meios por Tourneur, certamente inspirado pela qualidade humana e sincera dos personagens (criados por Carlo Rim). A escolha dos intérpretes foi muito feliz e contribuiu enormemente para que a história capturasse imediatamente a atenção do espectador. Ela pode ser resumida assim: Noel Bienvenu (Gabriel Gabrio) vive com seus pais idosos (Edouard Delmont, Gabrielle Fontan) perto da pedreira, da qual é contramestre. Ele é viúvo e seu filho Bastien (André Reybaz) foi condenado a um ano de prisão e seu pai, indignado por sua má conduta, rompeu com ele. Um dia após o falecimento de seu amigo Romieux, Noel aceita abrigar em sua casa a filha dele, Marthe (Ginette Leclerc) e se apaixona por ela, apesar de seu passado de prostituição. Marthe aceita se casar com Noel mas, diante da solidão e do tédio, cai nos braços de Barthélemy (Lucien Gallas), que também é casado. Os pais de Noel, sentindo que sua presença desagrada a Marthe, retiram-se para um asilo. Grávida de seu amante, ela morre na pedreira após a explosão de uma mina. O que parecia um acidente fôra de fato provocado por um operário, Le Sauvage (Georges Patrix), que quis livrar Noel de sua esposa infiel. Ninguém saberá de nada e Noel reencontra seus pais, se reconcilia com seu filho e recupera a alegria de viver. Os críticos sempre apontam A Mão do Diabo como o melhor filme falado de Tourneur, mas eu prefiro Le Val d’enfer, destacando o desempenho emocionante de E. Delmont e C. Fontan e também de Gabriel Gabrio, perfeito na composição daquele homem maduro, rude e solitário, que encontra o sorriso com a jovem noiva.
Cécile est Morte! é uma adaptação satisfatória do romance de Georges Simenon. No enredo, uma certa Cécile Pardon (Santa Relli), vai regularmente à Polícia Judiciária se queixar de visitas noturnas de alguém no apartamento que ela ocupa com sua velha tia, Juliette Boynet (Germine Kerjean). O comissário Maigret não presta atenção ao que ele acha que é apenas um devaneio da moça. Porém um dia, enquanto investiga a morte de uma mulher encontrada decapitada, Maigret fica espantado ao saber que se trata de Hélène Pardon (France Asselin), a irmã de Cécile. Pior, Juliette e Cécile vêm a ser vítimas de assassinato pouco tempo depois. Albert Préjean é um Inspetor Maigret bem diferente do personagem imaginado pelo escritor, tanto pelo físico como pelo comportamento; mas o ator faz um trabalho digno, dando vigor à figura do famoso comissário.
Em Après l’amour (Prod: Les Films Modernes), traído por sua mulher Nicole (Simone Renant) com seu amigo Robert (Fernand Fabre), François Mézaule (Pierre Blanchar), escritor de sucesso e ganhador do prêmio Nobel, encontra Germaine (Gisèle Pascal), jovem estudante da Sorbonne, e vive um grande amor com ela. A esposa tem um filho de seu amante no mesmo dia em que a estudante dá à luz uma criança, cujo pai é o escritor . François decidira repartir sua vida com Germaine no momento em que sua esposa deveria partir com Robert para a América, mas este havia repudiado Nicole, ao saber de sua gravidez. A estudante morre no parto. Por vingança, o marido injuriado substitui um ao outro os récem-nascidos. Nicole educa sem saber, o filho de sua rival enquanto o seu filho fica aos cuidados de uma criada. Mais tarde o lar se reconciliará e os dois meninos serão criados juntos. Um retrospecto nos faz descobrir pouco a pouco a verdade sobre a vida dupla de François. Este melodrama romântico extraído de uma peça de Henri Duvernois e Pierre Wolff, escrita em 1924 e já levado à tela em 1931 pela Pathé-Natan sob direção de Léonce Perret, era um tanto antiquado no pós-guerra, mas Tourneur soube manter o espectador interessado no desenrolar da trama, que compreeende vários retrospectos e mistura crueldade e ternura com equilíbrio.
Em L’Impasse des deux Anges (produzido pela B.U.P. – British Unity Pictures Francaise), Marianne (Simone Signoret), vedete do music-hall, vai abandonar o mundo do teatro, para se casar com o riquíssimo marquês Antoine de Fontaine (Marcel Herrand). Na recepção das núpcias, ela se depara com Jean (Paul Meurisse), seu antigo amante, especialista em abrir cofres, encarregado de roubar o valioso colar de diamante que lhe foi oferecido pelo seu futuro esposo. Marianne decide acompanhá-lo em um passeio nostálgico por Paris, inclusive o antigo hotel de sua primeira noite de amor situado no Impasse des Deux-Anges (ruazinha do Quartier Latin próxima da igreja Saint-Germain des Prés) e o café, onde bebem seu último copo de vinho, antes dele partir para a prisão (o que Marianne ignorava). Eles são perseguidos pelos capangas do chefe do bando criminoso, que ordenou o roubo. Finalmente, ele levará Marianne de volta para casa, onde ela reencontrará seu marido aristocrata enquanto que Jean irá conscientemente se deixar matar pelos bandidos. Neste relato, elementos ao mesmo tempo psicológicos e policiais se combinam para formar um filme muito lento, pois Tourneur não soube lidar com essas duas tendências: o filme é vagaroso para um drama policial e pouco profundo para um estudo psicológico. Entretanto, com a ajuda da cenografia de Jean d’Eaubonne e da fotografia de Claude Renoir, o diretor conseguiu criar uma atmosfera melancólica (que é a principal característica do espetáculo), utilizando inclusive um recurso muito sugestivo: nosflashbacksdo passado, ele filmou os protagonistas com sua silhuetas em sobreimpressões, como se fossem fantasmas, fazendo com que as cenas em que podemos vê-los juntos e felizes pareçam etéreas e irreais.
Pouco depois do lançamento do seu último filme, Maurice Tourneur foi vítima de um acidente grave. Ele viajava de automóvel na companhia de Pierre Blanchar, quando uma mala se desprendeu do teto do carro. Tourneur desceu para apanhá-la e foi atropelado por outro veículo. Levado para o hospital, teve uma perna amputada. Sem poder trabalhar, o diretor veterano ficou com dificuldades financeiras e quem o ajudou foi seu antigo assistente, Clarence Brown, que sempre o visitava e lhe mandou um cheque até o fim de sua vida. Desde pouco antes do acidente e depois, até 1954, Tourneur se dedicou à tradução francesa de romances policiais americanos para a Série Noire de Marcel Duhamel. Faleceu em 4 de agôsto de 1961, aos 85 anos, quase esquecido.
Parabéns Mestre por mais uma bela pesquisa e me fez rever o texto excelente publicado em 2017 sobre o filho dele Jacques que pelo seu texto acima não ajudou o pai no final da vida cabendo ao melhor amigo esta tarefa.
Abs.
Nardini
Pois é Eustáquio, coube ao antigo discípulo ajudar o velho mestre, um belo gesto de Clarence Brown.