Arquivo diários:maio 21, 2019

FORMAÇÃO DA INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA AMERICANA I

No dia 14 de abril de 1894, o primeiro salão de cinetoscópios foi inaugurado pelos irmãos Holland no nº 1155 da Broadway em Nova York, marcando o início comercial da indústria do cinema nos Estados Unidos.

Thomas Alva Edison

William Kennedy Laurie Dickson

O cinetoscópio era uma máquina na qual um filme de 50 pés (=15,25m) de comprimento e 35 mm de largura, com duração de mais ou menos 20 segundos, podia ser visto por uma pessoa de cada vez, olhando pela abertura de uma caixa de 1,40m de altura. Essa máquina e a câmera que a supria de filmes, denominada cinetógrafo, foram aperfeiçoadas nos laboratórios de Thomas Alva Edison perto de West Orange, New Jersey, pelo seu assistente William Kennedy Laurie Dickson, que foi auxiliado por Charles A. Brown e depois William Heise.

O Cinetoscópio

Entre os primeiros filmes, feitos no estúdio apelidado de “Black Maria” (porque diziam que se assemelhava a um carro de presos ou camburão), incluiam-se: Blacksmith Scene, mostrando três empregados de Edison martelando em uma bigorna e passando uma garrafa de cerveja entre si enquanto trabalham; Edison Kinetoscopic Record of a Sneeze, um close-up de outro empregado de Edison, Fred Otto, encarando a câmera no processo de espirrar; Sandow the Strongman, o famoso homem forte austríaco Eugene Sandow exercitando seus músculos privilegiados em várias posições; Annabelle Butterfly Dance e Annabelle Serpentine Dance executadas por Annabelle Moore; Carmencita Spanish Dance, com a espanhola Carmencita (que havia se tornado uma estrela no vaudeville) exibindo-se em uma dança provocante diante da câmera etc.

Black Maria

Blacksmith Scene

Record of a Sneeze

Eugene Sandow

Annabelle Butterfly Dance

Carmencita

Os salões de cinetoscópios continham duas fileiras de cinco máquinas. O espectador pagava 25 centavos, e ia passando de uma máquina para outra, cada qual com um filme diferente. Se quisesse ver os filmes das dez máquinas, pagava o dobro do ingresso, que logo foi substituído por um sistema automático, no qual o espectador colocava uma moeda na máquina para fazê-la funcionar. Os filmes eram bem primitivos, tanto no conteúdo quanto na forma, mostrando, na sua maioria, performances rápidas de artistas do vaudeville ou do circo, captadas por uma câmera estática. Os cinetoscópios também foram instalados em galerias, verdadeiros centros de diversão (penny arcades) nos quais outros dispositivos de entretenimento, inclusive fonógrafos e máquinas caça-níqueis, custavam um penny, ou seja, um centavo.

Salão de cinetoscópio

A Edison Manufacturing Company começou vendendo os cinetoscópios no mercado aberto. Após algum tempo, um consórcio de empreendedores, que se tornou conhecido como Kinetoscope Company, tendo à frente Norman C. Raff e Frank R. Gammon, adquiriu os direitos para a venda de franquias territoriais nos Estados Unidos e Canadá. Ao mesmo tempo, Frank Z. Maguire e Joseph D. Baucus obtiveram permissão para vender e explorar os cinetoscópios no exterior. Eles fundaram a Continental Commerce Company e iniciaram suas atividades em Londres, expandindo-as em seguida para outras cidades européias.

Corbett x Courtney

Um terceiro grupo, denominado Kinetoscope Exhibition Company, formado por Woodville Latham, seus filhos Otway e Gray e Enoch J. Rector, entrou em negociação com Edison para mostrar lutas de boxe nos cinetoscópios. Utilizando máquinas maiores, com a capacidade aumentada para 150 pés (=45,72m), a firma alcançou muito sucesso com a apresentação do combate entre o campeão de pesos pesados James Corbett e Peter Courtney – cada máquina exibindo um assalto. Corbett, o pugilista bonitão e elegante apelidado de Gentleman Jim, foi a primeira celebridade do mundo a assinar um contrato de exclusividade para o cinema (ou quase-cinema). Ficou decidido que a luta deveria ter precisamente seis assaltos de um minuto cada um e que o sexto assalto deveria ser concluído com um belo nocaute dado pelo astro, James Corbett. Este combate arranjado com antecedência foi o predecessor da construção dramática de um filme, o primeiro passo para fazer as coisas acontecerem para a câmera, em vez de simplesmente filmar os acontecimentos.

Cinetofone

Os negócios com o cinetoscópio prosperaram durante algum tempo, mas logo as vendas começaram a cair. Edison tentou reerguê-las com o lançamento do cinetofone, combinando o cinetoscópio como o fonógrafo, também inventado por ele em 1877. No cinetofone, o espectador olhava as imagens e escutava simultaneamente, através de um fone de ouvido, uma gravação mal sincronizada de um acompanhamento musical. Os assuntos eram sempre danças ou números musicais. Por exemplo, em um filme nunca exibido comercialmente, identificado como Dickson Experimental Sound Film, vemos W. K. L. Dickson tocando violino e dois homens dançando. Entretanto, o cinetofone não obteve o sucesso esperado.

As encomendas do cinetoscópio diminuiram não somente porque o invento deixara de ser uma novidade como também porque outros interesssados na sua exploração, tanto no âmbito doméstico quanto no exterior, haviam obtido imitações das máquinas e as venderam a preços baixos, causando prejuízo aos investidores originais.

Os Irmãos Lumière

Àquela altura, pelos esforços simultâneos dos irmãos Auguste e Louis Lumière (cinematógrafo) na França; Robert William Paul (teatrógrafo, depois denominado animatógrafo) na Inglaterra; Max Skladanowsky (bioscópio) na Alemanha; Woodville Latham, seus filhos Otway e Gray e Enoch J. Rector, auxiliados por W.K.L. Dickson e Eugene Lauste (eidoloscópio); C. Francis Jenkins e Thomas Armat (fantoscópio / vitascópio); W.K.L. Dickson (biógrafo), Edison (projetoscópio ou cinetoscópio projetor) nos Estados Unidos, o projetor de filmes se tornou uma realidade comercial dois anos depois da inauguração do cinetoscópio, surgindo ainda outros  projetores no mercado norteamericano como: magniscope (Edward Hill Amet), kalatechnoscope (William Paley), cineograph (Lubin), polyscope (Selig), optigraph (Enterprise Optical Company), cameragraph (Nicholas Power), projectograph (Nicholas Dresser) etc.

A primeira apresentação de filmes projetados nos Estados Unidos deu-se no dia 21 de abril de 1895, na Frankfort Street em Nova York, nos escritórios da Lambda Company (depois denominada Eidoloscope Company), que passou a explorar o eidoloscópio. Este invento teve o mérito de utilizar um pequeno dispositivo, que resolveu o problema prático da ruptura dos filmes de um certo tamanho, porém a qualidade da projeção era insatisfatória e, abalada por divergências internas, a empresa não conseguiu sobreviver.

VItascópio

Koster and Bial’s Music Hall

O primeiro projetor de sucesso no país foi o vitascópio, que estreou no dia 23 de abril de 1896 no Koster and Bial’s Music Hall na rua 34 com Broadway em Nova York. Entre as seis cenas mostradas, salientou-se Rough Sea at Dover, filmada  na Inglaterra por Birt Acres. Embora anunciado como a “última maravilha” de Edison, ele fora na verdade inventado por C. Francis Jenkins e Thomas Armat. Após uma desavença entre esses dois inventores, Armat se tornou dono exclusivo da patente do fantoscópio – como era denominado o aparelho, antes de ser aperfeiçoado por Armat  e receber a denominação de vitascópio – e fez um acordo com Raff, Gammon e Edison. Este comprometeu-se a fabricar as máquinas e a fornecer os filmes. Raff e Gammon, entendendo que os investidores e o público aguardavam pelo projetor que Edison lhes prometera em várias ocasiões, queriam ligar o nome do famoso inventor ao vitascópio, porque assim teria melhores condições de prosperar comercialmente. Armat e Edison concordaram. Doravante o aparelho ficou conhecido como o “vitascópio de Edison” e um dos filmes mais populares foi The May Irwin Kiss, com dois atores do teatro, May Irwin e John C. Rice, reencenando o climax da comédia musical “The Widow Jones”, quando a viúva e Billie Bikes se beijam.

Thomas Armat

Francis Jenkins

May Irwin Kiss

Em 29 de junho, apenas dois meses após a estréia do vitascópio, o cinematógrafo dos irmãos Lumière foi lançado no Keith’s Union Square Theatre. A máquina inventada por Auguste e Louis Lumière e exibida publicamente pela primeira vez em 28 de dezembro de 1895 no Grand Café do Boulevard des Capucines em Paris, era mais versátil (usada como câmera, projetor e copiadora) e portátil (relativamente leve e acionada manualmente, não dependendo de uma fonte de eletricidade). A facilidade de deslocamento do cinematógrafo permitia a filmagem de cenas de regiões distantes e exóticas e personagens importantes de todo o mundo. Por outro lado, com a câmera / projetor / copiadora, os cinegrafistas dos Lumière podiam filmar instantâneoss nos próprios lugares onde estivessem, tirar cópia dos filmes e exibí-los no mesmo dia, à noite. Esses filmes “de viagens” e de “atualidades locais” deram à firma francesa uma evidente vantagem em termos de competição.

Cinematógrafo

Ainda no mesmo ano, em 12 de outubro, foi lançado o biógrafo, pela American Mutoscope Company, depois renomeada American Mutoscope and Biograph Company, e frequentemente chamada de Biograph. Essa companhia foi fundada em 1895 por Elias B. Koopman, Harry N. Marvin, Herman Cassler e o ex-empregado de Edison, W.K.L. Dickson, e fabricou uma máquina denominada mutoscópio (que usava cartões com imagens fotográficas em vez de tiras de filmes), para competir com o cinetoscópio. Quando o negócio dos cinetoscópios começou a enfrentar dificuldades, o grupo K.M.C.D. (como eles se intitulavam usando as iniciais de seus últimos nomes), construiu o biógrafo, um projetor capaz de mostrar imagens significativamente maiores (70 mm) e mais nítidas do que as de seus precursores.

Mutoscópio

Biógrafo

No momento em que a viabilidade comercial da projeção de filmes ficou comprovada, Edison construiu o seu próprio projetor (projetoscópio ou cinetoscópio projetor) e se separou de Raff e Gammon, vendendo seu aparelho para qualquer pessoa e sem restrições geográficas. Este lance audacioso assinalou o retorno de um Edison mais agressivo. Seus advogados propuseram uma série de ações judiciais contra os concorrentes, alegando que todos os inventores e fabricantes de equipamentos fílmicos e todos os produtores dos Estados Unidos estavam operando com infringência dos direitos de patente que seu constituinte havia assegurado para o cinetoscópio. As principais companhias produtoras (além da Edison e da Biograph surgiram a Vitagraph, Selig, Lubin, Kalem, Essanay etc.), por sua vez, possuíam suas patentes e sustentavam que poderiam continuar operando sem o consentimento de Edison. Elas contestaram as ações de Edison e ao mesmo tempo litigaram entre si, resultando uma enxurrada de processos. Assim se iniciou a chamada Guerra das Patentes, que duraria 11 anos, de 1897 a 1908.

O vitascópio e o cinematógrafo foram inaugurados em teatros de vaudeville como uma das atrações do espetáculo – uma dúzia de filmes, ainda bem curtos, compondo um dos oito números de variedades do programa. Nos anos 1890, foram formados os circuitos tipo Keith, Pantages, Orpheum etc. que, para manterem seus teatros cheios, buscavam sempre novidades.  Como os números que agradavam mais eram os espetáculos visuais – marionetes, produção de sombras com as mãos, “atores” imóveis em poses recriando quadros ou estátuas famosos, apresentação de lanternas mágicas – era natural que os filmes fossem incluídos nos programas.

As companhias que exploravam os projetores foram atraídas pelo vaudeville porque este permitia acesso fácil a um grande público receptivo, notadamente da classe média. Centenas de teatros de costa a costa divertiam mais de um milhão de pessoas por semana, dispensando aquelas empresas de gastarem seu capital de investimento na construção de prédios. O vaudeville ajudou a popularizar os filmes através dos Estados Unidos e serviu como campo de experimentação para os futuros líderes da indústria do cinema.

Historiadores – como Tom Gunning – descrevem esse “cinema e atrações”como um cinema essencialmente “exibicionista”, pois dava mais ênfase à exibição do que à narração.  A maioria dos filmes feitos nesse período eram atualidades ou filmes de truques, nos quais as técnicas da câmera lenta, movimento invertido, substituição etc. eram usadas para encenar núneros de “mágica”. Somente em 1906 a percentagem de filmes narrativos (story films) começou a crescer. Ao contrário dos filmes de atualidades, que dependiam da ocorrência ocasional de acontecimentos reais, os filmes que continham elementos ficcionais podiam ser criados pelos próprios estúdios, garantindo a regularidade da produção. Em 1908, 98% dos filmes contavam histórias.

É preciso esclarecer que os teatros de variedades não foram os únicos locais de projeção de filmes. Exibidores itinerantes percorriam as cidades do interior, exibindo filmes em tendas, circos, parques de diversão, escolas, clubes etc.  Em 1896, Lyman H. Howe organiza a primeira exibição itinerante de fimes pelo interior do país. O maior problema (salvo no caso do cinematógrafo) era o da eletricidade, pois a corrente ou voltagem do motor que fazia o projetor funcionar era quese sempre incompatível como o sistema elétrico de determinadas municipalidades. Em certos casos, a força tinha de ser puxada das linhas de bonde. Como os bondes necessitavam de uma voltagem alta, o projetor ficava sobrecarregado, submetendo o projecionista a choques dolorosos. Em muitas cidades simplesmente não havia eletricidade.

Tallys Electric Theater

Nos grandes centros urbanos, outros empreendedores preferiram transformar os antigos salões de cinetoscópios nos chamados electric theaters, theatoriumse, mais frequentemente, nickelodeons(uma referência ao preço da entrada de cinco centavos), que foram os primeiros cinemas, dedicados exclusivamente à exibição de filmes. Em 1902, Thomas L. Tally inaugurou o Electric Theater em Los Angeles e logo outros cinemas “elétricos” se espalharam pelo país. Entretanto, em 1905, inicialmente nas cidades industriais do Meio-Oeste como Pittsburgh e Chicago, foram abertas, respectivamente por Harry Davis e Eugene Cline, as primeiras salas que ficaram conhecidas como nickelodeons. Muitos futuros magnatas da indústria de cinema (incluindo Carl Laemmle, Louis B. Mayer, Adolph Zukor e William Fox) começaram suas carreiras como donos ou gerentes de nickelodeons.

Hale’s Tour

Uma outra forma de exibição de filmes, que surgiu simultâneamente como os nickelodeons, foi idealizada por George C. Hale, ex-comandante do Corpo de Bombeiros de Kansas City. Hale construiu uma sala como se fosse um vagão ferroviário, decorada internamente como um carro de passageiros, incluindo o bilheteiro. Essa atração, chamada Hale’s Tour and Scenes of the World, começava com uma batida de sinos e o balanço mecânico da sala, simulando o movimento de um trem. As luzes se apagavam e filmes de paisagens, que haviam sido filmadas da plataforma traseira de uma composição verdadeira em alta velocidade, apareciam na tela.  A ilusão de viagem então era produzida para o deleite dos espectadores.

O espetáculo no nickelodeon durava cerca de uma hora e começava em geral com canções ou hinos patrióticos, ilustrados por slides coloridos de lanterna mágica (stereopticon), mostrando as letras das canções e poses de modelos representando trechos das mesmas. Quando um cantor cantava o estribilho dos hinos, a platéia era convidada a participar. Após essas illustrated songs, vinha uma série de filmes de um rolo (10 minutos), alguns já contando uma história ou condensando contos, poemas, óperas ou clássicos da literatura.

 

A música dos nickelodeons era executada ao vivo, geralmente por um pianista / organista ou por pianos, órgãos ou orquestras mecânicos, controlados da cabine de projeção. Algumas salas melhores tinham ainda um pequeno conjunto de cordas e uma equipe de contra-regras providenciando os efeitos sonoros. Outras, apresentavam o filme com atores atrás da tela, recitando os diálogos sincronizados com as imagens (havia uma companhia especializada neste serviço, a Humanophone Company) ou ao lado da tela, explicando a narrativa. Os gerentes que não podiam pagar narradores colocavam à disposição do público, no saguão, as sinopses enviadas pelos produtores na forma de boletins impresssos.

O pianista ou organista, acompanhava a ação do filme, antecipando uma cena de amor, uma perseguição cômica, uma cena de morte ou a corrida para o resgate do herói ou heroína no final da trama. Quando os produtores começaram a distribuir partituras para os músicos acompanharem os filmes, muitos músicos as rejeitaram e continuaram a tocar de acordo como o seu própro gosto ou da platéia. Os músicos e a platéia podiam assim alterar inteiramente o clima e o significado de uma cena. Um drama sério podia ser transformado em uma farsa.

O programa costumava ser interrompido por slides pedindo “As mulheres que estejam de chapéu, queiram por favor retirá-los, para que os outros possam ver. Ou: “Por favor, não ande pesadamente – o assoalho pode ceder”. Ou ainda: Não é permitido falar alto ou assobiar”. No intervalo, um outro aviso comunicava aos espectadores que não seria permitido o assédio a mulheres desacompanhadas: “Se você for molestada enquanto estiver aqui, por favor informe à gerência”. Havia também frequentes interrupções para reparar o filme que se rompia  – acompanhadas por vaias, aplausos e o barulho de pés batendo no chão.

A maioria dos nickelodeons  empregava apenas um projecionista, que trabalhava 12 horas por dia em condições insalubres (a cabine era uma verdadeira fornalha) e perigosas (o nitrato dos filmes inflamava-se facilmente) e ainda tinha de varrer a sala, colocar os cartazes de propaganda na rua antes de começar a sessão, apanhar os filmes na distribuidora ou na estação de trem, e devolver os que já tinham sido usados. Algumas vezes, o projecionista mudava a velocidade do filme ou o passava de trás para a frente, para divertir o público. O projecionista não somente desepenhava um papel criativo crucial, como também era um técnico altamente habilidoso, que podia facilmente se tornar um cameraman: Edwin S. Porter, Billy Bitzer e Albert Smith, por exemplo, estavam entre os muitos projecionistas americanos que mais tarde se tornaram operadores de câmera.

Cabine Projeção em um Nickelodeon

O preço baixo dos ingressos e a duração breve do programa atraíram para os nickelodeons as classes trabalhadoras, nas quais se incluiam os imigrantes. Elas, que haviam conhecido apenas as galerias dos teatros, subitamente sentavam-se na platéia, compartilhando uma experiência coletiva em igualdade de condições com as diferentes classes socioeconômicas de que se compunha o público.

Entretanto, os donos das salas preferiam acolher as classes de maior renda e com mais tempo livre para o lazer, que só viam os filmes nos espetáculos de vaudeville suntuosos (big time vaudeville), em museus de curiosidades como o Eden Musee de Nova York, em programas patrocinados por organizações religiosas ou nas palestras ilustradas (geralmente sobre viagens) de certos conferencistas. Alguns empresários construíram espaços mais limpos e confortáveis que, pelo preço de 10 centavos ou mais, ofereciam um programa misto de filmes e números de vaudeville bem simples, executados por um ou dois artistas por causa da exiguidade de espaço (small time vaudeville). Como vimos anteriormente, já havia existido vaudeville com filmes. A mudança agora estava nas proporções: os filmes foram cada vez mais ocupando a maior parte do programa.

Enoch J. Rector

Corbett x Fitzsimmons

Quando o programa único se tornou comum durante os anos 1897-1898, dois gêneros distintos se impuzeram: lutas de boxe e representações dramáticas da paixão de Cristo (passion plays). O filme de luta de boxe mais famoso foi The Corbett-Fitzsimmons Fight rodado por Enoch. J. Rector com 3 câmeras usando um filme de 63mm (tela larga) e exibido pelo projetor Veriscope, construído especialmente para esta filmagem. Muito conhecida foi a reprodução do drama bíblico tradicionalmente encenado em Ober-Ammergau na Alemanha, produzida por Richard Hollaman (presidente do Eden Museen), dirigida por Henry C. Vincent e fotografada por William Paley no terraço do Grand Central Palace em Nova York.

Passion Play

Até 1912, o cinema ainda era uma pequena indústria, e não se podia distinguir uma organização da produção, da distribuição e da exibição. Os filmes eram vendidos diretamente aos exibidores. Um exibidor pagava 50 dólares ou mais por um filme, que ele exibia até que saturasse o mercado ou que o filme ficasse danificado. Esse método de distribuição obviamente não encorajava a expansão da indústria, pois os custos dos filmes permaneciam relativamente altos em comparação como o seu potencial para gerar renda. Quando a demanda aumentou, os exibidores perceberam que tinham de mudar seus produtos várias vezes por semana e até diariamente. Um meio de superar o problema foi trocar filmes entre eles, para dividir os custos; mas a solução final só ocorreu quando foram criadas as distribuidoras. Harry e Herbert Miles, em San Francisco, organizaram a primeira distribuidora em 1903. Eles compravam um lote de filmes e o alugavam aos exibidores por um quinto do preço do catálogo. A idéia funcionou, para satisfação de todos, e, em 1907, 150 distribuidoras estavam em operação, servindo a todas as áreas do país.

Além das grandes empresas, havia centenas de firmas empenhadas em produzir filmes, importá-los da Europa, ou ainda distribuir e comercializar os filmes domésticos  ou estrangeiros. Outras firmas e particulares se consagraram a inventar  e vender câmeras, projetores e outros instrumentos para fotografar, revelar, copiar e exibir filmes.Uma das práticas comuns era o duping de negativos: um distribuidor ou exibidor alugava uma cópia positiva, mandava para um laboratório clandestino e tirava um negativo fotografado do positivo. Para evitar essa prática, alguns produtores tentaram por algum tempo o expediente de pintar suas marcas nos cenários (e até em árvores, quando a cena era filmada em exteriores) e fotografá-las nas suas produções, esperando – em vão – que o reconhecimento pelo público do seu produto pudesse amendrontar os “espertos”. A marca da Vitagraph era um “V” alado; a da Lubin, uma campainha; a Biograph usava um AB; a Kalem, um sol etc.

Outros exibidores ardilosos, que possuíam mais de um nickelodeon, alugavam um filme para exibição em uma de suas salas, mas planejavam a programação de duas ou mais salas de modo que um boy pudesse ir de bicicleta de uma sala para outra com o filme debaixo do braço. Assim, a sala A exibia um filme às sete horas; a sala B, às oito; a sala C, às nove e, com sorte, o filme chegava à sala D às dez. Ou seja, eles só pagavam o aluguel referente à exibição em uma sala.

Em dezembro de 1908, depois de muitas brigas envolvendo centenas de processos, os representantes das nove companhias principais – Edison, Biograph, Vitagraph (J. Stuart Blackton, Albert E. Smith, William T. Rock), Essanay (George K. Spoor, Gilbert M. Anderson), Kalem (George Kleine, Samuel Long, Frank Marion), Selig (William N. Selig), Lubin (Sigmund Lubin) e as firmas francesas Pathé Frères e Star Film / Méliès (pois os Lumière já haviam saído do Mercado) – juntamente com a Kleine Optical de George Kleine, um importador de filmes, compreendendo que estavam gastando uma fortuna com custos judiciais e que com essa guerra a indústria não podia progredir, assinaram um acôrdo de paz.

Líderes da Motion Picture Patents Company

Sob a liderança conjunta de Edison-Biograph, as companhias se associaram em um consórcio intitulado Motion Picture Patents Company – MPPC e fizeram um pool de 16 patentes pertencentes a todos os produtores, que cobriam filmes, câmeras e projetores, estabelecendo o pagamento de royalties em troca de licenças para o uso dessas patentes. O consórcio entrou em acordo com a Eastman Kodak, a única fabricante de filme virgem de 35 mm de qualidade comercial nos Estados Unidos, que passou a vender sua matéria-prima somente para as produtoras licenciadas. Estas só poderiam alugar (a MPPC acabou com a venda, inclusive para evitar a circulação de cópias estragadas) seus filmes para as distribuidoras licenciadas. As distribuidoras, por sua vez, só poderiam relocar os filmes para os exibidores licenciados. E estes só poderiam usar os projetores patenteados. Toda distribuidora  e exibidor que infringisse essas regras seria excluído do consórcio.

Apesar dessa primeira tentativa de concentração, os produtores e distribuidores independentes continuaram seus negócios, facilitados pela procura crescente de filmes. Um distribuidor de Chicago, Carl Laemmle, desligou-se do truste, importando filmes de produtores europeus não comprometidos com a MPPC e formando sua companhia produtora, Independent Motion Picture Company (IMP), na qual usava o filme virgem dos Lumière então disponível nos Estados Unidos. Além da IMP, surgiram outras companhias independentes como a Centaur (David Horsley); Crescent (Fred Balshofer); New York Motion Picture Company (Fred Balshofer, Adam Kessel, Charles Bauman) com as marcas registradas Bison e depois Kay Bee; Thanhouser (Edwin Thanhouser); Powers (Pat Powers); Nestor (David Horsley); Defender (Wiliam Swanson, Edwin S. Porter, Joseph Engel) com a marca Rex Pictures; American Film Manufacturing (John R. Freuler, Samuel Hutchinson) com a marca Flying A, oferecendo também as comédias Beauty e Vogue, os westerns Mustang e os dramas Clipper; Champion (Mark Dintenfass); Solax (Alice e Herbert Blaché); Majestic (Harry Aitken, Thomas Cochrane); Reliance (Charles Baumann, Adam Kessel); Keystone (Mack Sennett) etc.

Para entrar no mercado, o movimento independente decidiu enfrentar o truste nos seus próprios termos, ou seja, oferecendo programas completos de filmes de um rolo aos cinemas. Foi criada uma distribuidora nacional, Motion Picture Distributing and Sales Company, que depois se dividiria em duas distribuidoras rivais, a Mutual-Film Supply Company (organizada por John R. Freuler e Harry Aitken) e a Universal Film Manufacturing Company (sob a liderança de Carl Laemmle), cada qual com uma dúzia de produtores alinhados com elas, garantindo o suprimento regular do produto. Os programas podiam ser compostos por uma comédia, um western, possivelmente um documentário, e um drama – fornecidos pelos diversos produtores, cada qual especializado em um tipo de filme.

 

Pouco antes da criação da distribuidora dos independentes, o truste havia constituído a General Film Company, uma subsidiária para organizar, em base nacional, a distribuição de filmes licenciados. A General Film comprou a maioria das distribuidoras e eliminou muitas outras, cassando a liberação de filmes para elas. Apenas uma distribuidora resistiu – a Greater New York Film Rental Company, de William Fox. Fox recusou-se a vender sua firma, começou a produzir filmes e entrou com uma ação contra a MPPC. Esta ação não foi decisiva para a derrota do truste, porém desencadeou o caso United States vs. Motion Pictures Patents Company, que iria dissolver formalmente o monopólio em 1918 com base na Lei Sherman Antitruste.

A decisão final, porém, foi quase irrelevante, pois o truste já havia sido derrotado por outros fatores: 1. A deserção da Eastman Kodak, que voltou a vender seus filmes virgens também para os independentes; 2. A perda de suas receitas no exterior devido ao início das hostilidades da Primeira Guerra Mundial; 3. A sua política de não aceitar financiamento dos banqueiros de Wall Street, confiando demais nos próprios recursos; 4. A animosidade entre os licenciados; 5. A competição acirrada com os independentes.

A batalha entre o truste e os independentes para controlar um mercado imensamente lucrativo e em crescimento gerou resultados positivos para o desenvolvimento de toda a indústria cinematográfica: 1. A introdução do estrelismo (star system) e do filme de longa-metragem (feature film); 2. A construção de cinemas maiores e mais luxuosos (movie palaces); e 3. A transferência do centro de produção para Holywood.