Orson Welles repetindo com Betty Grable os papéis de Oscar Jaffe e Lily Garland, que John Barrymore e Carole Lombard interpretaram no cinema, na comédia Suprema Conquista / Twentieth Century/ 1934, dirigida por Howard Hawks; Laurence Olivier no papel do pintor Charles Strickland, que George Sanders fizera sob as ordens de Albert Lewin em Um Gôsto e Seis Vinténs / A Moon and Six Pence / 1942; Ingrid Bergman como a preceptora Miss Giddens, que Deborah Kerr personificara em Os Inocentes / The Turn of the Screw / 1961, dirigido por Jack Clayton. Estes foram momentos inesquecíveis que somente os telespectadores americanos dos anos 50 tiveram o privilégio de assistir.
Naquela ocasião surgiram inúmeros teleteatros, genericamente denominados de “anthology series”, que eram constituídos de adaptações de peças teatrais, romances, contos ou textos escritos especialmente para a TV; eles eram feitos ao vivo, com poucos recursos, em um tempo exíguo e em estúdios apertados mas, graças ao concurso de intérpretes já consagrados nos palcos e o talento de uma nova geração de autores, diretores e atores, atingiram um nível artístico tão elevado que o período em que permaneceram no ar foi cognominado de Época de Ouro do Teledrama. Neste artigo, menciono alguns dos numerosos teleteatros, para dar uma idéia da conexão com o cinema.
Philco Television Playhouse (1948-1956), comandado pelo jovem produtor Fred Coe, entrou no ar em 3 de outubro de 1948 e apresentou ”Cyrano de Bergerac” com José Ferrer como Cyrano, papel que o ator repetiria na tela grande no filme de 1950 (Dir: Michael Gordon). Três anos depois, estreou o Philco-Goodyear Television Playhouse no qual foram programados entre outros: “Marty” de Paddy Chayefsky, com Rod Steiger como o acanhado açougueiro e Nancy Marchand como a garota que traz o amor para a sua vida insípida, papéis depois interpretados por Ernest Borgnine e Julie Harris no filme de 1955 (Dir: Delbert Mann); “A Cattered Affair” outra telepeça de Paddy Chayefsky com Thelma Ritter como a dona-de-casa às voltas com o casamento da filha, papel que depois coube a Bettte Davis no filme do mesmo nome aqui chamado de A Festa do Casamento / 1956 (Dir: Richard Brooks); “Counselllor-at-Law” com Paul Muni no papel que fôra entregue a John Barrymore no filme de 1933 dirigido por William Wyler (conhecido aqui como O Conselheiro); “A Man is Ten Feet Tall”, texto escrito por Robert Alan Aurthur com Martim Balsam, Don Murray e Sidney Poitier que no cinema intitulou-se Um Homem Tem Três Metros de Altura / Edge of the City / 1957 (Dir: Martin Ritt) e contou com John Cassavetes, Sidney Poitier e Jack Warden no elenco. Além de Chayefsky e Aurthur, Tad Mosel, Horton Foote, N. Richard Nash, William Templeton, Sumner Locke Elliott, David Shaw, Gore Vidal, Arnold Schulman, Calder Willingham escreveram para o Philco-Goodyear e proporcionaram à televisão alguns de seus melhores momentos. Em 1955, o teleteatro foi reintitulado The Alcoa Hour. As três séries eram essencialmente a mesma, sendo a única diferença o nome do patrocinador. Entre os diretores encontramos nomes que depois se distinguiram no cinema: Delbert Mann, Robert Mulligan, Arthur Penn etc.
O que Fred Coe era para o Playhouse, Worthington Miner foi para o Studio One( 1948 -1958) mas, enquanto Coe se concentrava nos escritores e seus scripts, Miner colocava a ênfase principalmente no impacto visual de suas produções, nas inovações dramáticas e técnicas de câmera ousadas e imaginativas . O Studio One surgiu em 7 de novembro de 1948 com “The Storm”, estrelado por Margaret Sullavan. Foi o início de um longa temporada, que usufruiu da destreza de produtores e diretores como Felix Jackson, Gordon Duff, Alex March, Robert Herridge, Herbert Brodkin, Norman Felton, Paul Nickell, Franklin Schaffner e Robert Mullligan. No Studio One, Reginald Rose brilhou com seu original “Twelve Angry Men”, no qual despontavam os doze jurados, Franchot Tone, Robert Cummings, Edward Arnold, Walter Abel, Paul Hartman, George Voskovec, John Beal, Lee Philips, Norman Fell, Joseph Sweeney, Bart Burns e Will West. O espetáculo foi ao ar em 1954, dirigido por Franklin Schaffner e subsequentemente filmado em 1957 com o mesmo título em inglês e intitulado no Brasil, Doze Homens e Uma Sentença. No cinema, o diretor foi Sidney Lumet e a composição do júri também mudou, tendo à frente Henry Fonda, a quem coube o papel de Franchot Tone.
Por curiosidade, foi no Studio One que Grace Kelly deu seus primeiros passos como atriz no melodrama “The Kill” e, muito antes de Julie Andrews, Mary Wickes foi Mary Poppins ao lado de E. G. Marshall e Valerie Cossart como Mr. e Mrs. Banks. Vale notar ainda uma versão de “The Scarlet Letter” com Mary Sinclair como Hester Prynne sob direção de Franklin Schaffner e uma versão do romance de George Orwell, “Nineteen Eighty-Four”, com Eddie Albert, que levou à transposição cinematográfica em 1956 com Edmond O’Brien, infelizmente ausente das marquises de nossos cinemas.
Kraft Television Theatre (1947-1958) foi o primeiro teledrama que surgiu na televisão em 7 de maio de 1947 e transmitiu duas peças de uma hora ao vivo por semana por cerca de um ano – o único a realizar esta façanha. Foram ao todo 650 peças, empregando algo como 4 mil atores e atrizes. O Kraft jogou no ar, por exemplo, a telepeça “Patterns” de autoria de Rod Sterling, dirigida por Fielder Cook, com Ed Begley, Everett Sloane e Richard Kiley como os principais participantes do jogo pelo poder em uma grande empresa. A telepeça foi considerada um clássico da televisão e depois refeita em 1956 como filme, recebendo o título brasileiro de História de um Egoísta. Fielder Cook dirigiu também a adaptação cinematográfica, Begley e Sloane continuaram nos seus papéis originais e Van Heflin substituiu Richard Kiley como Fred Staples.
Outras apresentações admiráveis foram: uma encenação ambiciosa do naufrágio do Titanic, “A Night to Remember” dirigida por George Roy Hill, contando com 107 atores, 31 cenários, e 7 câmeras e “The Sea is Boiling Hot” focalizando um aviador americano Shimon Wincelberg (Earl Holliman) e um soldado japonês (Sessue Hayakawa) retidos em uma pequena ilha do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Estes dois teledramas foram alvo de adaptações cinematográficas, pela ordem: Somente Deuspor Testemunha / A Night to Remember / 1958 com Kenneth Moore (Dir: Roy Ward Baker); Inferno no Pacífico/ Hell in the Pacific/ 1958 com Toshiro Mifune e Lee Marvin. O Kraft mostrou ainda “Emperor Jones” de Eugene O’Neill, com Ossie Davis no papel que Paul Robeson havia interpretado na tela em O Imperador Jones / The Emperor Jones / 1933 e James Dean em “A Long Time Till Dawn”, “Keep our Honor Bright” e “Prologue for Glory”, antes de “estourar” no cinema.
Robert Montgomery Presents (1950-1957) teve como produtor, mestre de cerimônia e algumas vêzes astro, o veterano ator e diretor de cinema Robert Montgomery e mudava de título conforme seu patrocinador; por exemplo, quando foi patrocinado pelos cigarros Lucky Strike, chamava-se Robert Montgomery Presents Lucky Strike Cigarettes. A série ofereceu alguns originais, mas se apoiava mais fortemente na adaptações de filmes de Hollywood como Vitória Amarga / Dark Victory / 1939; A Carta / The Letter / 1940; Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940 e inclusive um filme que Montgomery estrelou e dirigiu: Do Lôdo Brotou Uma Flor/ Ride The Pink Horse / 1947. Cliff Robertson e Elizabeth Montgomery, a filha de Robert, estrearam como intérpretes nesta série e James Dean foi visto em “Harvest” como filho da personagem interpretada pela veterana Dorothy Gish.
S. Steel Hour (1953-1963) entrava no ar, uma semana sim outra não, sob o patrocínio do Theatre Guild. Os episódios contaram com a contribuição de autores notáveis como Ira Levin, Richard Maibaum e Rod Serling e atores como Farley Granger em “Incident In An Alley”, como um guarda recruta torturado por um sentimento de culpa após ter matado um menino que estava fugindo da cena de um crime e Julie Harris em “A Wind in the South”, drama passado na Irlanda, estrelado por Julie Harris como uma jovem solteirona, cuja vida é transformada por alguns americanos que chegam à estalagem onde ela trabalha. O programa também produziu versões musicais de uma hora de duração de “The Adventures of Tom Sawyer” e “The Adventures of Huckleberry Finn”, romances famosos de Mark Twain. Entre os artistas convidados, grandes nomes do cinema: Tallulah Bankhead, Dolores del Rio, Rex Harrison, Peter Lorre.
Hallmark Hall of Fame (1951-2011), originariamente intitulado Hallmark Television Playhouse, era patrocinado por Hallmark Cards, companhia de Kansas City fabricante de cartões de visita. Foi a série antológica mais longa na história da televisão. De 1954 em diante, todas as suas produções foram transmitidas em cores. Embora tivesse apresentado musicais, óperas e outros tipos de espetáculos, seu maior sucesso foi com o drama, especialmente com adaptações de clássicos da literatura ou da dramaturgia e, em anos recentes, peças históricas. Eis aqui parte da lista: duas produções diferentes de “Hamlet”, uma estrelada por Maurice Evans e outra por Richard Chamberlain; “Macbeth” com Maurice Evans e Judith Anderson; “Man and Superman”, de Bernard Shaw, com Maurice Evans e Joan Greenwood; “Born Yesterday” com Mary Martin no papel de Billie Dawn interpretado na tela por Judy Holiday no filme de 1950, aqui intitulado Nascida Ontem; “The Lark”, adaptação de Lillian Hellman da peça de Jean Anouilh, com Julie Harris como Joana D’Arc e Boris Karloff como Cauchon; “The Green Pastures”, a fábula de Marc Connelly, com William Warfield no papel entregue a Rex Ingram na versão para o cinema de 1936, exibida em nosso país como Mais Próximo do Céu.
Para a estréia de Producers’ Showcase (1954 -1957), Otto Preminger produziu e dirigiu “Tonight at 8.30”, trio de peças de um ato de Noel Coward com um elenco que incluía Ginger Rogers, Trevor Howard, Gig Young, Ilka Chase e Gloria Vanderbilt. Humphrey Bogart e Lauren Bacall fizeram sua primeira intervenção na TV em “The Petrified Forest”, dirigidos por Delbert Mann. Bogart reassumiu o papel de Duke Mantee, que havia criado no palco em 1935 e repetido no cinema em 1936 no filme aqui conhecido como A Floresta Petrificada enquanto Bacall entrava no lugar do personagem de Bette Davis e Henry Fonda no de Leslie Howard; William Wyler estreou na tela pequena com “The Letter”, mesma história do filme intitulado aqui A Carta, que ele realizou em 1940 com Bette Davis, Herbert Marshall, James Stephenson e Gale Sondergaard, contando desta vez com os atores Siobhán McKenna, John Mills, Michael Rennie e Anna May Wong. Anatole Litvak fez sua intervenção no vídeo com “Mayerling” tendo como intérpretes principais Audrey Hepburn e Mel Ferrer. Litvak também dirigiu o filme de 1936 com Charles Boyer e Danielle Darrieux, intitulado Mayerling em nosso território. Outras atrações de destaque foram: “Our Town”, adaptação musical da peça de Thornton Wilder que fôra levada ao cinema em 1940 com William Holden e Martha Scott e passou nos nossos cinemas como Nossa Cidade; “Caesar and Cleopatra” com um cast incrível: Claire Bloom, Sir Cedric Hardwicke, Jack Hawkins, Judith Anderson, Farley Granger, Anthony Quayle, Thomas Gomez entre outros. No cinema, a peça de Bernard Shaw surgira em 1948 com Claude Rains, Vivien Leigh, Stewart Granger, Michael Rennie, Francis L. Sullivan, Cecil Parker e, em “pontas”, Roger Moore (soldado romano) e Jean Simmons (harpista); “Dodsworth”, com Fredric March, Claire Trevor e Geraldine Fitzgerald, adaptação da peça de Sinclair Lewis levada à tela em 1936 por William Wyler com Walter Huston, Ruth Chatterton e Mary Astor, recebendo aqui o título de Fogo de Outono; “Cyrano de Bergerac” com José Ferrer recriando seu papel do palco e da tela, desta vez tendo como parceiros Claire Bloom e Christopher Plummer; o filme passou no nosso país em 1950 com o mesmo título original.
Ford Star Jubilee (1955-1956), patrocinado pela Ford Motor Company, ofereceu, entre outros, a comédia-fantástica de Noel Coward, “Blithe Spirit”, com o próprio Coward, Claudette Colbert e Lauren Bacall recriando os papéis de Rex Harrison, Constance Cummings e Kay Hammond no filme de David Lean de 1945, aqui exibido como Uma Mulher do Outro Mundo; “The Day Lincoln Was Shot” com Jack Lemmon como John Wilkes Booth nesta dramatização de autoria de Jim Bishop; no elenco, Lillian Gish como Mrs. Lincoln e Raymond Massey como Lincoln; “Twentieth Century” com uma dupla estranha, Orson Welles e Betty Grable, nos papéis vividos na tela por John Barrymore e Carole Lombard no filme que vimos em nossos cinemas como Suprema Conquista.
Omnibus (1952-1961), apresentado por Alastair Cooke, fazia jús ao seu título – foi um veículo para uma grande quantidade de passageiros, que podiam ser celebridades em discussões sobre Arte (v. g. Agnes DeMille Gene Kelly falando sobre dança; Frank Lloyd Wright sobre arquitetura) ou se apresentando como personagens famosos (v. g. Yul Brynner como François Villon; Orson Welles como King Lear; Christopher Plummer como Édipo; Peter Ustinov como Samuel Johnson; George C. Scott como Robespierre.
Playhouse 90(1956-1960) foi uma série de dramas semanais de 90 minutos que proporcionou teledramas de muito sucesso como “Requiem for a Heavyweight” com Jack Palance como o pugilista decaído e Keenan Wynn, Ed Wynn e Kim Hunter papéis interpretados por Anthony Quinn, Jackie Gleason, Mickey Rooney e Julie Harris posteriormente na versão fílmica de 1962, dirigida por Ralph Nelson e mostrada no Brasil como Requiem por um Lutador; “The Plot to Kill Stalin”, que suscitou protesto vigoroso dos russos, com Melvyn Douglas (Stalin), Eli Wallach (seu assistente), E. G. Marshall (Beria), Thomas Gomez (Malenkov) e Luther Adler (Molotov), dirigidos por Delbert Mann; “The Days of Wine and Roses” com Piper Laurie e Cliff Robertson como os dois jovens casados que se tornam ambos alcoólatras, dirigidos por John Frankenheimer. Na versão cinematográfica de 1962 aqui intitulada Vício Maldito, os atores principais eram Jack Lemmon e Lee Remick e o diretor, Blake Edwards; “Judgement at Nuremberg”, com um elenco diferente do filme de 1961 que vimos sob o nome de Julgamento em Nuremberg; por exemplo, Claude Rains no papel que iria caber a Spencer Tracy e Paul Lukas no papel que seria entregue a Burt Lancaster; “For Whom The Bell Tolls”, dirigido por Frankenheimer e com Maria Schell e Jason Robard, Jr. assumindo os papéis que Ingrid Bergman e Gary Cooper interpretaram no filme aqui lançado como Por Quem os Sinos Dobram. O diretor mais assíduo da série foi John Frankenheimer (27 ep.) seguido por Franklin Schaffner (19 ep.) que, como os outros diretores, Sidney Lumet, George Roy Hill, Delbert Mann e Robert Mulligan, iriam brilhar nos anos sessenta em Hollywood.
Du Pont Show of the Month(1957-1961) concentrava-se mais nas adaptações de clássicos da literatura. Servindo-se de diretores como Sidney Lumet, Raph Nelson, Alex Segal e Robert Mulligan, levou ao ar, entre outros: ”Don Quixote” com Lee J. Cobb que inspirou várias versões cinematográficas antes (v. g. a de G. W. Pabst com Feodor Chaliapin / 1933) e depois (v. g. a de G. Kozintsev com Nikolay Cherkassov / 1957 e a de Orson Welles com Francisco Riguera); “The Browning Version” com John Gieguld e Margaret Leighton nos papéis que Michael Redgrave e Jean Kent interpretaram na versão fílmica de 1951 (Dir: Anthony Asquith), aqui exibida como Nunca Te Amei e Albert Finney e Greta Scacchi repetiriam na versão de 1994 (Dir: Mike Figgis); “Swiss Family Robinson” com Walter Pidgeon e Laraine Day como o casal Robinson que John Mill e Dorothy McGuire reviveriam no filme de 1960 aqui chamado de A Cidadela dos Robinson e que Thomas Mitchell e Edna Best já haviam personificado em Robinson Suiço / 1940; “The Heiress”, adaptação do romance de Henry James com Julie Harris e Farley Granger nos personagens vistos na tela grande no filme de William Wyler, Tarde Demais / 1949, sob os traços de Olivia de Havilland e Montgomery Clift; “The Devil and Daniel Webster” com Edward G. Robinson como Daniel Webster e David Wayne como o Diabo, papéis que couberam a Edward Arnold e Walter Huston no filme de 1941, aqui intitulado O Homem Que Vendeu a Alma; “The Turn of the Screw” com Ingrid Bergman estreando na TV dirigida por John Frankenheimer, no papel que Deborah Kerr repetiria no filme de 1961, que foi aqui batizado de Os Inocentes; “The Moon and Six Pence” com Laurence Olivier, tendo como coadjuvantes Jessica Tandy e Geraldine Fitzgerald em uma produção caprichada sob as ordens de Robert Mulligan do romance de Somerset Maugham que já havia chegado ao cinema no filme de 1942, dirigido por Albert Lewin e chamado entre nós de Um Gôsto e Seis Vinténs.
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