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FREDRIC MARCH I

Ele foi um dos maiores atores do cinema americano, indicado cinco vezes como Melhor Ator pela Academia de Artes e Ciências de Hollywood, arrebatando o Oscar duas vêzes (em 1932 e 1947). Fez mais de 70 filmes em um período de 44 anos de 1929 a 1973 e marcou sua presença nos palcos da Broadway, atuando em produções aclamadas como “The Skin of Our Teeth”, dirigida por Elia Kazan e ganhando dois Tony Awards (por seu desempenho  em “Years Ago” / 1947 e “Long Day’s Journey into Night “/ 1957). Apesar de sua folha corrida de sucessos, nunca desenvolveu uma personalidade fílmica reconhecível que o acompanhasse de filme para filme, preferindo esconder sua pessoalidade atrás do personagem que estava interpretando. “Gary Cooper, Clark Gable, Cary Grant e até Humphrey Bogart interpretavam a si mesmos. Eu sempre interpretei o personagem”.

Fredric March

Ernest Frederick McIntyre Bickel (1897-1975) nasceu na cidade de Racine, Wisconsin, filho de família abastada. Seu pai, John Bikel, era filho de alemães e sua mãe, Cora, cujo nome de solteira era Marcher, filha de um inglês com uma americana de Nova York.

Desde cedo, Frederick desenvolveu um dom para a mímica e para a imitação, e gostava de dramatizar algumas das histórias que lia. Era um bom aluno e popular entre seus colegas e professores, que sempre o convidavam para recitar, algo que gostava de fazer, porque ficava em evidência sob a luz dos refletores. Aos 14 anos de idade começou a participar de concursos estaduais de oratória, representando sua cidade.

Frederick formou-se na Racine High School e pensou em ingressar na Universidade de Wisconsin em Madison, onde já estudavam seus dois irmãos Harry e Jack; porém o pai sofreu dificuldades fnanceiras, e ele teve que ir trabalhar como escrevente em um banco.

Finalmente, depois de dois anos, seu progenitor pôde enviá-lo para a Universidade e, seguindo o conselho de seu irmão mais velho, dedicou-se a assuntos econômicos. Ele se formou em junho de 1920 e já saiu da Universidade com um emprego garantido na filial de um banco em Nova York, mas a atração pelo teatro, adquirida na Universidade, prevaleceu. Frederick começou a mandar suas fotos e dados pessoais para vários agentes até que conseguiu trabalho como figurante no Astoria Studios da Paramount em Long Island, aparecendo pela primeira vez em A Roda da Fortuna / Paying the Piper / 1921 e continuando como extra em Satanás / The Devil / 1921, The Great Adventure / 1921 e A Educação de Isabel / The Education of Elizabeth/ 1921.

Depois de dar seus primeiros passos em frente das câmeras, Frederick posou como modelo para anúncios comerciais; estreou profissionalmente no palco, intepretando o papel de Victor Hugo na peça  “Debureau”, encenada pelo empresário David Belasco; teve aulas de interpretação com Madame Alberti (famosa professora da American Academy of Dramatic Arts); obteve, com a ajuda de John Cromwell (o futuro diretor de cinema) uma participação em “The Law Breaker”, levada à cena pelo eminente produtor teatral William Brady; e ingressou como membro de uma companhia de repertório em Dayton, Ohio (onde conheceu sua primeira esposa, a atriz Edith Baker de quem se divorciou em 1927), para se aperfeiçoar na arte interpretativa.

Fredric March na peça “Melody Man”.

De retorno a Nova York, Frederick assinou contrato com John Cromwell, mudou seu nome artístico para Fredric March, e apareceu pela primeira vez na Broadway em 1924 na comédia “The Melody Man”. Seguiram-se atuações em outras peças produzidas por Cromwell, e depois ele passou a trabalhar no Elitch’s Garden, o mais antigo e prestigioso teatro que só funciona no verão no país, situado em Denver, Colorado, onde conheceu sua segunda esposa, a atriz Florence Eldridge, companheira até o fim de seus dias. Os dois trabalharam juntos no Elitch’s Garden e depois foram empregados pelo Theater Guild, para liderarem uma excursão pelo país com uma companhia de repertório.

O grande sucesso de March nessa etapa de sua trajetória artística no tablado foi seu desempenho como Anthony Cavendish na peça de Edna Ferber e George S. Kaufman, “The Royal Family”, encenada na Broadway, paródia da família Barrymore, focalizando mais precisamente John e Ethel Barrymore. March fazia uma caricatura de John Barrymore. Quando o espetáculo chegou em Los Angeles, ele sabia que astros, diretores, produtores e agentes de Hollywood estariam na platéia e que esta seria a sua grande chance no mundo do cinema.

Hollywood estava então na fase da transição dos filmes mudos para os sonoros e os estúdios procuravam atores talentosos e bem apessoados, que pudessem falar bem. Barrymore estava lá no dia da estréia e foi cumprimentá-lo no camarim. Ao ouvir  sua voz estrepitosa, March quase caiu da cadeira, pois não sabia ao certo se o grande ator vinha congratulá-lo ou condená-lo. Felizmente March sentiu um alívio, quando Barrymore lhe disse: “Foi a maior e mais engraçada performance que eu jamais ví”. Barrymore não foi o único na assistência que achou que March havia feito uma excelente composição e que tinha talento e carisma para se tornar um astro. Os agentes correram atrás dele, resultando um contrato com a Paramount em dezembro de 1928.

Fredric March e Ruth Chatterton em Assim Falou o Mudo

O primeiro filme de March foi Assim Falou o Mudo / The Dummy / 1929 (Dir: Robert Milton, Louis Gasnier), ao lado de Ruth Chatterton, formando um casal separado, cuja filha é sequestrada. Um jovem (Mickey Bennett) que trabalha para uma agência de detetives, se finge de mudo, a fim de ser deliberadamente levado à força pelos sequestradores e armar uma cilada para eles. Na última cena, a garota é salva, e o casal faz as pazes em um final feliz. Como o personagem mais importante era o jovem detetive, March não foi mencionado nas resenhas do filme no New York Times e Ruth só foi mencionada de passagem, embora fossem nominalmente os artistas principais.

Fredric March e Clara Boa em Garotas na Farra

Ele foi mais notado no seu segundo filme Garotas na Farra / The Wild Party / 1929 (Dir: Dorothy Arzner), porque tinha a seu lado a “It Girl”, Clara Bow, que estava fazendo sua estréia no cinema falado, e os fãs acorreram aos cinemas, para ver se ela passaria no teste de voz. No seu terceiro trabalho, O Crime do Estúdio / The Studio Murder Mystery / 1929 (Dir: Frank Tuttle), March é um ator mulherengo, que  vem a ser assassinado, e Florence Eldridge – no primeiro dos sete filmes que fariam juntos – é sua mulher ciumenta, que tem um bom motivo para ter cometido o crime; porém o papel principal coube a Neil Hamilton.

Fredric March e Florence Eldridge em O Crime do Estúdio

Ainda nos anos 20, March fez: Paris Bound/ 1929 (Dir: Edward H. Griffith para a Pathé Exchange), adaptação da peça de Philip Barry com Ann Harding; Ciúmes/ Jealousy/ 1929 (Dir: Jean de Limur), drama com Jeanne Eagels; Mademoiselle Fifi/ Footlights and Fools/ 1929 (Dir: William A. Seiter, musical todo falado (Vitafone) para a First National), com Colleeen Moore e Orfãos do Divórcio/ The Marriage Playground (Dir: Lothar Mendes), drama com Mary Brian – o primeiro e o último produzidos pela Paramount. March diria mais tarde que foi o diretor de Orfãos do Divórcio que lhe deu o melhor conselho no início de sua carreira  sobre interpetação no cinema. “Ele disse, ‘Freddie, quando eu disser  ‘câmera’ tudo que isto quer dizer é relaxe”.

Prosseguindo nos seus compromissos com a Paramount, March e Ruth Chatterton tiveram mais oportunidade de chamar a atenção dos espectadores em Sarah e Seu Filho / Sarah and Son / 1930 (Dir: Dorothy Arzner), dramalhão sobre o amor maternal, com Ruth no papel de Sarah Storm, imigrante alemã que trabalha como empregada doméstica em Nova York e forma um número de vaudeville com um ex-chofer de caminhão muito grosseiro. Ele a abandona, alista-se na Marinha e, em retaliação às recriminações da esposa, entrega o filho deles, Bobby (Philippe de Lacy) para adoção de um rico casal. Sarah continua representando na companhia de uma ex-cantora de ópera. Algum tempo depois, a dupla está percorrendo hospitais para divertir os soldados e, por uma dessas coincidências típicas do gênero melodramático, quem morre diante de seus olhos é o seu ex- marido. Antes de falecer, ele sussurra o sobrenome do casal a quem entregou o menino – Ashmore. Sarah visita os Ashmores (Doris Lloyd, Gilbert Emery), e pede seu filho de volta, mas eles insistem que a criança não pode ser filho dela e ameaçam interná-la em um hospício. Os anos passam, Sarah vai para a Alemanha, onde estuda para se tornar  cantora de ópera.  Retornando a Nova York, ela usa seu prestígio para encontrar Bobby. March interpreta o papel de Howard Vanning, advogado simpático que se apaixona por Sarah e, em uma outra coincidência melodramática, a irmã e o cunhado de Howard são os pais adotivos de Bobby. Os Ashmore substituem o filho de Sarah pelo filho de uma criada, mas Sarah percebe que ele não é Bobby. No final, Bobby foge da casa dos Ashmore e Sarah e seu filho se reencontram. O filme obteve grande êxito popular e Ruth Chatterton foi indicada para o Oscar.  No Brasil passou também a versão portuguesa, A Canção do Berço, dirigida por Alberto Cavalcanti, com Corina Freire no lugar da artista americana.

Fredric March e Ruth Chatterton em Sarah e Seu Filho

March fez uma aparição como fuzileiro naval em um dos esquetes de Paramount on Parade / 1930, dirigidos por vários diretores (Dorothy Arzner, Edmund Goulding, Ernst Lubitsch, Frank Tuttle, Edward Sutherland, Otto Brower, Rowland V. Lee, Lothat Mendes, Victor Schertzinger, Victor Heerman, Edwin H. Knopf) e interpretados por um um punhado de astros  (Maurice Chevalier, Clara Bow, Nancy Carroll, Ruth Chatterton, Evelyn Brent, William Powell, Kay Francis, Gary Cooper, Jean Arthur, Virginia Bruce, Clive Brook, George Bancroft, Fay Wray, Phillips Holmes,  Charles “Buddy” Rogers etc). O filme teve 11 versões e no Brasil passaram a original e a espanhola (Galas de la Paramount), ambas com o título em português de Paramount em Grande Gala.

Mary Astor e Fredrich March em As Mulheres Amam os Burtos

Em seguida, o jovem ator de Racine, Wisconsin, foi creditado em terceiro lugar, depois de George Bancroft e Mary Astor em As Mulheres Amam os Brutos / Ladies Love Brutes /1930 (Dir: Rowland V. Lee), e a ele coube o papel ingrato do marido traído da ricaça interpretada por Astor, que tem um caso com um imigrante brutal, mas nem pensa em um futuro com ele por causa de suas insuficiências sociais.

A Noiva da Esquadra / True to the Navy / 1930 (Dir: Frank Tuttle) reuniu March  e Clara Bow em uma história sobre uma garçonete de San Diego, que se apaixona por um marujo. Neste filme, Clara encontrou seu futuro marido, Rex Bell, que interpretava outro marujo. March pouco tem a fazer e muita gente achou que ele, apesar de ser um ator competente, não parecia um marinheiro. Clara fora prevista para atuar pela terceira vez ao lado de March em Homicida / Manslaughter / 1930 (Dir: George Abbott), mas sua saúde mental estava se deteriorando, e ela foi substituída por Claudette Colbert, no primeiro dos quatro filmes que faria com ele, No enredo, Claudette é uma mulher corrompida pela riqueza e pelo privilégio atraída por um promotor -interpretado por March- , que também corresponde a essa atração, mas rejeita sua maneira de viver.

Clara Bow e Fredric March em A Noiva da Esquadra

Fredric March e Claudette Colbert em Homicida

O Melhor da Vida / Laughter / 1930 (Dir: Harry D’Abadie D’Arrast), comédia romântica sofisticada precursora na fase sonora dos brilhantes exemplares do gênero, que surgiram entre os meados e o fim da década, impulsionou a carreira de March e de Nancy Carroll. Ela é a corista que se casa com um milionário (Frank Morgan) em busca de luxo e March o compositor que lhe mostra os verdadeiros encantos da vida. O diretor D’Arrast, ex-assistente de Chaplin, era muito apreciado na cena muda pelo seu espírito e inteligência, que se assemelhava ao de Ernst Lubitsch.

Fredric March em The Royal Family of Broadway

March teve oportunidade de recriar seu papel no palco de Anthony Cavendish em The Royal Family of Broadway / 1930, dirigido por George Cukor (assessorado na parte técnica por Cyril Gardner), e foi recompensado com a sua primeira das cinco indicações para o Oscar.

Fredric March e Nancy Carroll em O Anjo da Noite

Ele contracenou novamente com Claudette Colbert em Honra Entre Amantes/ Honor Among Lovers/ 1931 (Dir: Dorothy Arzner) e com Nancy Carroll em O Anjo da Noite/ Night Angel / 1931 (Dir: Edmund Goulding). No primeiro, Claudette é secretária executiva de um industrial milionário (Fredric March), que tem um caso com ela. Ele não quer se casar, mas acaba cedendo. No segundo, March é um promotor que manda prender a dona de um bordel (Allison Skipworth), mas se apaixona por sua filha (Nancy Carroll), mata o rufião que a importunava, e é inocentado pelo testemunho da moça.

Meu Pecado / My Sin / 1931 (Dir: George Abbot) reuniu March com Tallulah Bankhead. A ação se passa no Panamá. Tallulah é uma “recepcionista de boate”, que mata um homem em legítima defesa, e March o advogado alcóolatra, que a defende, ganha a causa, recupera o respeito de seus colegas, e também procura mudar a vida de sua cliente. March se reencontraria com Bankhead, quando atuou com ela e sua esposa Florence Eldridge na produção da Broadway “The Skin of Our Teeth” de Thornton Wilder.

Fredric March, Miriam Hopkins e George Cukor na filmagem de O Médico e o Monstro

Fredric March e Miriam Hopkins em O Médico e o Monstro

No final de 1931, March começou a trabalhar no seu filme mais importante até então, O Médico e o Monstro / Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1932, adaptação do célebre romance de Robert Louis Stevenson, “The Strange Case of Dr. Jeckyll and Mr. Hyde”. O diretor Rouben Mamoulian insistiu em colocar March no personagem e ele ganhou o Oscar de Melhor Ator (empatado com Wallace Beery, apesar de ter tido um voto a mais do que Beery  – porque segundo as regras da Academia, menos de três votos de diferença entre um e outro candidato era considerado empate). Miriam Hopkins também teve excelente desempenho como Ivy, a garota do cabaré aterrorizada por Hyde. Ela pretendia fazer o papel da noiva do Dr. Jeckyll, que coube a Rose Hobart, porém o diretor convenceu-a a mudar de idéia. Realizado antes de a censura endurecer, o filme pôde mostrar sem subterfúgios o desejo canal reprimido do médico e as insinuações sexuais da garçonete, sendo memoráveis a fusão da perna de Miriam, balançando na cama. A inventiva troca de filtros coloridos para revelar diferentes camadas da maquilagem de March na cena da transformação diante de nossos olhos; o uso funcional das cortinas diagonais, da câmera subjetiva e da trilha de som; o brilhante aproveitamento da foto em claro-escuro de Karl Struss, confirmam o gênio criativo de Mamoulian em fase cintilante. O filme rendeu indicações ao Oscar para Struss e para Samuel Hoffenstein pelo Melhor Roteiro Adaptado.

Fredric March e Kay Francis em A Volta do Deserdado

Fredric March e Sylvia Sidney em Quando a Mulher se Opõe

Em 1932, March fez dois filmes  corriqueiros na Paramount – A Volta do DeserdadoStrangers in Love / 1932 (Dir: Lothar Mendes), no qual faz um papel duplo como dois irmãos gêmeos, um tomando o lugar do outro quando um deles morre de um ataque cardíaco e conquistando a jovem (Kay Francis) que não amava o morto, mas passa a amar o vivo; Quando a Mulher Se Opõe / Merrily We Go To Hell (Dir: Dorothy Arzner), no qual ele é um alcoólatra e Sylvia Sidney a mulher que tenta em vão livrá-lo da dipsomania – sem contar um cameo em Quero Ser Estrela / Make Me a Star, e dois filmes com maiores valores de produção: um na MGM, O Amor Que Não Morreu / Smilin Through e outro novamente na  Paramount, O Sinal da Cruz / The Sign of the Cross.

O Amor Que Não Morreu, drama romântico com toques de fantasia em produção cuidada, foi indicado para o prêmio da Academia. O diretor Sidney Franklin havia se responsabilizado pela primeira versão, estrelada por Norma Talmadge. Norma Shearer é a jovem que morre no dia do casamento, alvejada pelo pretendente rejeitado (Fredric March), com a bala endereçada ao noivo (Leslie Howard); este, anos depois, opõe-se ao romance entre a sobrinha da falecida e o filho do criminoso. A fotografia de Lee Garmes é notável.

Fredric March e Claudette Colbert em O Sinal da Cruz

O Sinal da Cruz, superespetáculo realizado por Cecil B. DeMille na sua tradicional fórmula de unir erotismo e religião, distorcendo a História, obteve ótima recompensa nas bilheterias. Por motivo de economia cenários e figurinos froram feitos com muita improvisação por Mitchel Leisen. Também para poupar despesas, o fotógrafo Karl Struss usou uma lente prismática para duplicar o tamanho da multidão e filmou todas as cenas noturnas à luz de tochas. Construiu-se uma Roma em miniatura no rancho da Paramount e 12 câmeras focalizaram o pânico das massas na cena do incêndio ordenado por Nero (Charles Laughton). O banho de Popéia foi feito com leite de verdade e, após dois dias de filmagem, reza a lenda que se transformou em queijo, exalando um odor insuportável. Pola Negri e Norma Talmadge foram cogitadas para o papel da Imperatriz romana que acabou sendo de Claudette Colbert. Fredric March e Elissa Landi formam o par romântico – a bela e virtuosa cristã Mercia e Marcus Superbus, o romano convertido ao cristianismo, que entra com sua amada na arena, para encontrar a morte, e as portas da masmorra se fecham criando a sombra do sinal da cruz. O filme todo foi filmado através de uma gaze vermelha, para dar a impressão de tempo passado.

Em 1933, March fez dois filmes dirigidos por Stuart Walker, em ambos auxiliado por Mitchel Leisen (Esta Noite é Nossa / Tonight is Ours, drama romântico sobre uma princesa de um trono mítico (Claudette Colbert) indecisa entre suas obrigações reais e seu amor por um americano  (Fredric March) que conheceu em um baile a fantasia e Os Dragões da Morte / The Eagle and the Hawk, drama de guerra tendo como foco as atividades de um esquadrão da Royal Air Force, do qual fazem parte os aviadores rivais Fredric March e Cary Grant durante o primeiro conflito mundial) e ainda um filme um dirigido por Ernst Lubitsch:  Sócios no Amor/ Design for Living.

Gary Cooper, Fredrich March e Miriam Hopkins em Sócios no Amor

Ernst Lubitsch, Gary Cooper, Miriam Hopkins e Fredrich March na filmagem de Sócios no Amor

A fim de preservar o severo Código de Produção o ménage-a-troisde dois homens e uma mulher em Sócios do Amor, o adaptador-roteirista Ben Hecht usou toda a sua verve e inteligência para atenuar as inúmeras infrações morais da peça de Noel Coward. No roteiro, a desenhista industrial Gilda Farrell (Miriam Hopkins) encontra-se em um trem com dois promissores artistas, o escritor Tom Chambers  (Fredrich March) e o pintor George Curtis (Gary Cooper). Ambos se apaixonam pela moça, mas como ela não se decide por nenhum deles, combinam viver juntos os três, platonicamente. Cansada das ciumeiras dos dois, Gilda parte para Nova York e se casa com o patrão, Max Plunkett (Edward Everett Horton). Entretanto, transcorrido um ano, Gilda reencontra seus amigos, e resolve voltar a morar com eles.

 

Sylvia Sidney e Fredric March em Em Má Companhia

Apesar de ter tido a chance de atuar em um filme de um grande cineasta como Lubitsch, March estava insatisfeito na Paramount, pois queria mais autonomia em relação à sua carreira e mais tempo de folga para poder viajar e conviver com a família. Sendo assim, resolveu encerrar seu contrato com a empresa, completando os três últimos filmes nele previstos: os rotineiros e mal sucedidos Toda Tua / All of Me / 1934 (Dir: James Flood), com Miriam Hopkins e Em Má Companhia / Good Dame 1934 (Dir: Marius Gering), com Sylvia Sidney, e o excelente Uma Sombra Que Passa / Death Takes a Holiday / 1934 (Dir: Mitchel Leisen).

Em Uma Sombra Que Passa, A Morte vem passear pela Terra, para saber por que todos a temem. Assumindo os traços do misterioso Príncipe Sirki (Fredric March), apaixona-se por Grazia (Eveyn Venable), jovem da aristocracia italiana, que prefere seguí-lo a viver sem amor. Com esse enredo alegórico e poético, fotografia de Charles Lang, direção de arte de Ernst Fegté e Leisen (também ele entendido em cenografia), o filme teve assegurada sua qualidade pictórica e se tornou um clássico do gênero fantástico.

Constance Bennett e Fredric March em As Aventuras de Cellini

Transferindo-se da Paramount para a 20thCentury, March assumiu o papel de Benvenuto Cellini emAs Aventuras de Cellini / The Affairs of Cellini / 1934, tendo a seu lado Constance Bennet e Frank Morgan e depois foi convidado para voltar a trabalhar de novo na MGM com Norma Shearer em A Família Barrett / The Barretts of Wimpole Street / 1934.

Fredrich March e Norma Shearer em A Família Barrett

O primeiro é uma produção luxuosa da companhia de Darryl F. Zanuck, mostrando o artista da Renascença como espadachim às voltas com intrigas palacianas. Porém o filme é sobretudo uma comédia de costumes, dirigida com graça e ironia por Gregory La Cava. De barba e cavanhaque como o famoso ourives e escultor italiano,  March namora Joan Bennett, mulher do Duque de Florença, interpretado de maneira hilariante por Frank Morgan, que foi indicado para o Oscar, juntamente com o fotógrafo Charles Roscher

Graças aos altos valores de produção outorgados pela MGM, à magnitude dos três intérpretes centrais (além de Fredric March e Norma Shearer, Charles Laughton), a adaptação da peça de Rudolf Basier sobre o romance entre a poetisa Elizabeth Barrett e o poeta Robert Browning, bem dirigida por Sidney Franklin, alcançou êxito comercial e foi indicada ao Oscar. Fotografada em belos close ups pela câmera de William Daniels, Norma concorreu ao prêmio de melhor Atriz. Foi por causa desse filme que William Randolph Hearst rompeu com a MGM e transferiu seu dinheiro e a marca Cosmopolitan Pictures para a Warner. Ele queria o papel de Elizabeth para sua protegida Marion Davies e ficou indignado quando soube que Irving Thalberg o reservara … para a dele.

Fredric March e Anna Sten em Tornamos a Viver

Subsequentemente, March fez para a Samuel Goldwyn Company, Tornamos a Viver / We Live Again/ 1934 (Dir: Rouben Mamoulian), transposição feliz para o cinema do romance “Ressurreição” de Tolstoi sobre o nobre russo (Fredric March) que, como membro de um júri, reconhece a pobre criada (Anna Sten), que ele seduzira no passado, causando sua queda na prostituição. Ela está sendo julgada por um crime não praticado, e ele, em busca de redenção, deixa sua posição social e seus haveres, para seguí-la no desterro rumo à Sibéria. A foto esplêndida de Gregg Toland enriquece o espetáculo.

Fredric March em Os Miseráveis

Fredric March em Os Miseráveis

Richard Boleslawski dirige Fredric March em uma cena de Os Miseráveis

Os Miseráveis/ Les Miserables / 1935 (Dir: Richard Boleslawski) foi o segundo filme de March na 20thCentury, e é um dos mais lembrados pelos seus fãs. Produzido por Zanuck, esta versão para a tela do romance imortal de Victor Hugo comprime inteligentemente o volumoso épico, conservando os valores intrínsecos do livro e Boleslawski narra esplendidamente a história. March e Charles Laughton estão admiráveis nos respectivos papéis de Jean Valjean e Javert. Filme, diretor, fotógrafo (Gregg Toland) e montador (Barbara McLean) foram indicados para o Oscar.

Greta Garbo e Fredrich March em Anna Karenina

 

De novo na MGM, March participou de Anna Karenina / Anna Karenina / 1935, versão de obra literária de outro romance de Tolstoi, conduzida de forma brilhante por Clarence Brown. Garbo revive a heroína que já interpretara em Anna Karenina / Love/ 1928 sob a direção de Edmund Goulding e March herda de John Gilbert, o papel do Conde Vronski, seu amante. O diretor criou duas cenas antológicas: a do traveling no início sobre a mesa do banquete e a do suicídio no desenlace, prepararada com o concurso de Val Lewton, então assistente do produtor David O. Selznick. O cinegrafista William Daniels, favorito da “Divina”, foi indicado para o Oscar.

No restante da década de 30, March fez filmes de boa qualidade artística para diversas companhias – Goldwyn (Anjo das Trevas / The Dark Angel / 1935 / Dir: Sidney Franklin), refilmagem do drama romântico O Anjo das Sombras / 1925 com Ronald Colman e Vilma Banky / 1921, agora com March e Merle Oberon); 20thCentury-Fox (Caminho da Glória / The Road to Glory / 1936 / Dir: Howard Hawks, drama de guerra focalizando um regimento francês na Primeira Guerra Mundial com March e Warner Baxter);

Katharine Hepburn e Fredric March em Maria Stuart

Carole Lombard e Fredric March em Nada é Sagrado

Francisca Gaal, Fredric March e Akim Tamiroff em Lafite, o Corsário

Virginia Bruce e Fredric March em Aí Vai Meu Coração

Fredric March e Joan Bennett em Segredos de um Don Juan

RKO (Maria Stuart, Rainha da Escócia / Mary of Scotland / 1936 / Dir: John Ford, aventura histórica com March, Katharine Hepburn e Florence Eldridge); Warner (Adversidade / Anthony Adverse / 1937 / Mervyn LeRoy, drama de época com March, Olivia de Havilland e Claude Rains);  Selznick (Nasce uma Estrela / A Star is Born / 1937  / William Wellman, drama com March e Janet Gaynor); Nada é Sagrado / Nothing Sacred / 1938 / William Wellman, comédia satírica com March e Carole Lombard interpretando com vivacidade o scriptcínico de Ben Hecht); Paramount (Lafite, o Corsário / The Buccaneer / 1938 / Dir: Cecil B. DeMille, aventura histórica com March e Franciska Gaal); Hal Roach (Aí Vai Meu Coração / There Goes My Heart / 1938  / Dir: Norman Z. McLeod, comédia romântica típica sobre herdeira fugitiva descoberta por repórter com March e Virginia Bruce) e Walter Wanger (Os Segredos de um Don Juan / Trade Winds / 1938 / Dir: Tay Garnett, parte comédia romântica parte drama criminal com March e Joan Bennett) – destacando-se Adversidade e Nasce uma Estrela.

Fredric March e Olivia de Havilland em Adversidade

Adversidade foi um dos projetos mais ambiciosos da Warner até então, vigiado pela censura, que extirpou 40 páginas da primeira adaptação do maciço romance de Hervey Allen sobre o amadurecimento de um jovem do século XIX após muitas aventuras em busca de seu legado e de sua identidade. Apesar do enredo cheio de coincidências difíceis de acreditar, o espetáculo, bem guiado por Mervyn LeRoy, teve êxito financeiro e recebeu indicação para o Oscar. Também concorreram ao prêmio da Academia e ganharam: a atriz coadjuvante Gale Sondergaad, o fotógrafo Tony Gaudio, o montador Ralph Dawson e o diretor musical Leo Forbstein, agraciado em vez do compositor Erich Wolfgang Korngold. Forbstein, que funcionava mais como executivo, raramente regia, e não escrevia música, ficou embaraçado e ofereceu a estatueta a Korngold: este gentilmente a recusou. O diretor de arte Anton Grot também competiu, mas não levou o troféu.

Janet Gaynor e Fredric March em Nasce uma Estrela

Famoso ator de Cinema, alcoólatra, descobre jovem talentosa e a transforma em estrela. À medida  que a carreira dela cresce, a dele entra em declínio. O produtor David O. Selznick aproveitou o argumento original de William Welman e Robert Carson (segundo os autores baseado em fatos observados na comunidade hollywoodiana) e usou-o de certa forma para refilmar de maneira diferente Hollywood / What Price Hollywood?, que ele mesmo realizara em 1932. O modelo de Norman Maine foi John Bowers, galã do cinema mudo, que não encontrou mais trabalho e se suicidou por afogamento. O filme foi apontado para o Oscar e houve também indicações nas categorias de Melhor Direção, Roteiro (Dorothy Parker, Alan Campbell, Robert Carson), Ator, Atriz, e História Original. O Oscar foi para a História Original, tendo sido concedido um prêmio especial para W. Howard Green pela fotografia em Technicolor. Antes de Janet Gaynor, Elizabeth Bergner e Margaret Sullavan foram cogitadas para o principal papel feminino e, durante algum tempo, Jack Conway substituiu Wellman, afastado por problemas de saúde; quando retornou aos sets, Wellman refez todas as cenas rodadas pelo colega emprestado pela MGM.

AS SINFONIAS SINGULARES DE WALT DISNEY

Concebidas originariamente em 1929 como “novidades musicais” (combinação de música e animação), as Sinfonias Singulares (ou Sinfonias Tontas, Coloridas ou Malucas) evoluíram para uma série mais ambiciosa e inovadora de desenhos animados, que introduziram novos personagens, idéias e técnicas a cada lançamento.

Embora a concepção das Sinfonias Singulares tivesse nascido ao mesmo tempo em que Disney apresentou a sua série Mickey Mouse, seu desenvolvimento foi comparativamente mais lento. A primeira Sinfonia, A Dança Macabra ou Os Esqueletos Dançam / The Skeleton Dance, foi produzida em 1929 como uma produção isolada, para atrair a atenção de potenciais distribuidores. Os desenhos de Mickey Mouse estavam sendo distribuídos na base do states-rights (espécie de franquia pela qual um estúdio vendia para uma distribuidora independente ou um indivíduo o direito exclusivo de distribuição de seus filmes em uma determinada base territorial por um prazo determinado) pela Celebrity Productions de Pat Powers. No verão de 1929, os irmãos Disney negociaram um contrato de distribuição separado com a Columbia Pictures para as Sinfonias Singulares. Só então elas prosseguiram, porque esse contrato mantinha o compromisso de distribuição nacional para cada filme, em contraste com o processo fragmentado adotado com relação aos desenhos do Mickey.

As Sinfonias Singulares são usualmente vistas em retrospecto como a inversão dos filmes de Mickey Mouse: nos desenhos de Mickey a ação é sustentada pela música; nas Sinfonias, a música é sustentada pela ação (o desenho é construído em torno de uma composição musical). Esta é uma descrição bastante correta das primeiras Sinfonias produzidas em 1929 quando os desenhos, movendo-se em estreita sincronização com a música, era uma verdadeira novidade; porém, a partir dos meados dos anos 30, elas passaram a se caracterizar por enredos mais sólidos, menos dependentes da sincronização com a música.

Ub Iwerks, Walt Disney e Carl Stalling

Enquanto essas alterações estavam acontecendo na tela, uma mudança de maior alcance ocorria nos bastidores. Como informam Russell Merritt e J. Kaufman em “Walt Disney’s Silly Symphonies – A Companion to the Classic Cartoon Series (Disney Enterprises, 2016) – que foi muito útil na elaboração deste artigo -, na manhã de 21 de janeiro de 1930, o compositor Carl Stalling e o animador Ub Iwerks, os dois grandes colaboradores de Disney na criação das Sinfonias, anunciaram que estavam deixando o estúdio por uma razão muito simples: Pat Powers havia oferecido a Iwerks um estúdio de animação para ele próprio e a Stalling uma posição de diretor musical nesse estúdio.

Em 1929, além de Ub Iwerks, o estúdio Disney contava com os nomes de Les Clark, Wilfred Jackson, Burt Gillett, Jack King, Ben Sharpsteen, Johnny Cannon, Dick Lundy, Norm (Norman) Ferguson, Dave Hand, Ham Luske e, no decorrer de 1930, ainda com Gilles “Frenchy” de Trémaudan. O pôsto de Stalling foi inicialmente ocupado por Bert Lewis e, em 1931, ele recebeu o refôrço de Frank Churchill, originariamente contratado pelo estúdio como pianista para as sessões de gravação. Churchill logo demonstrou um grande talento como compositor dando uma colaboração importante para a riqueza dos filmes de Disney, sendo também valiosa a colaboração de Leigh Harline e Albert Hay Malotte para a música das Sinfonias.

Leigh Harline, Walt Disney e Frank Churchill

Refinamentos técnicos tiveram lugar na fotografia das Sinfonias. No início dos anos 30, a câmera Pathé do estúdio foi substituida por uma Universal, que era montada de maneira que podia ser levantada, abaixada e fazer uma rotação de 360 graus.  Desde 1920, Walt Disney já vinha pensando em produzir seus filmes em cores, mas não ficou satisfeito como o processo de cor disponível e preferiu aguardar a introdução de um processo mais aperfeiçoado como o Technicolor de três côres em 1932. Nesse interim, ele sugeriu a cor em alguns de seus filmes usando o processo de tingimento. Além do mais, descobriu que o sistema de som de Pat Powers, o Cinephone, no qual seu estúdio investira, era um processo inferior. Por volta de 1931, começou a negociar com a RCA, cujo processo Photophone produzia melhores resultados mas, em virtude de obstáculos contratuais, o uso de Disney do processo RCA foi retardado até o final de 1932.

Albert Hay Malotte

 

O contrato de distribuição com a Columbia, que inicialmente parecia tão promissor, foi outra decepção. Disney achou que a Columbia não cuidou bem dos seus  filmes embora, a bem da verdade, tivesse havido um pouco de culpa do próprio estúdio. A saída de Iwerks e Stalling atrasou a produção dos cartoons, fazendo com que eles fossem entregues à distribuidora com um mês de atrazo. Os irmãos Disney não ficaram satisfeitos com a solução dada pela Columbia: sempre que um filme do estúdio Disney não estava disponível para uma programação, essa companhia simplesmente o substituía por um de seus desenhos do Gato Estopim (Krazy Kat).

Os Disney ficaram tão insatisfeitos com o desempenho da Columbia, que ameaçaram promover ação judicial contra a distribuidora, acusando-a de práticas comerciais negligentes. O litígio foi eventualmente extinto por um acordo acertado fora do tribunal, mas a esta altura os Disneys já haviam desistido da Columbia e iniciado negociações com a United Artists. Um contrato de distribuição foi celebrado com a UA em dezembro de 1931, porém levou ainda mais de um ano para Disney cumprir seu compromisso com a Columbia e o novo contrato de distribuição só se efetivou na primavera de 1932.

 A mudança para a United Artists marcou um novo comêço para Disney. Sua nova afiliada desfrutava de um nível de prestígio muito mais alto na indústria cinematográfica do que a Columbia Pictures e ensejou um melhoramento de qualidade e criatividade nos seus filmes. Com o início das Sinfonias Singulares da UA em 1932, Disney decidiu usar o Technicolor de três cores. Como isto representava uma despesa adicional, que seria dividida com a UA, ele pediu permissão a sua associada para fazer um único filme em côres, explicando que também seria produzida uma versão em preto e branco e que não tinha intenção de fazer nenhuma outra Sinfonia colorida, mas apenas testar esta possibilidade. A UA concordou e a animação se completou em abril de 1932; a conversão para a cor levou mais três meses. As cenas foram refotografadas no prédio da Technicolor em Hollywood pelo renomado cinegrafista especializado na fotografia em cores Ray Rennahan.

Flores e Árvores

 A Sinfonia Flores e Árvores / Flowers and Trees estreou no Grauman’s Chinese em julho de 1932 e, como os irmãos Disney esperavam, obteve um sucesso tremendo. A reação sensacional foi repetida em todo lugar onde o filme foi exibido; todos gostaram dele – exceto a UA, que continuava a reclamar do aumento do custo (na realidade, a UA aprovou inicialmente a experiência somente sob a condição de que o número de cópias coloridas não passasse de vinte). Finalmente, diante do êxito inegável de Flores e Árvores, a UA relutantemente concordou com a produção de mais três Sinfonias em cores – depois, em dezembro de 1932, de mais seis Sinfonias. Somente em julho de 1933, após o inequívoco triunfo de todos esses filmes, foi que Disney pôde assinar um contrato de três anos com a Technicolor, adquirindo o direito exclusivo de realizar desenhos no processo de três cores.

No estúdio Disney a série das Sinfonias receberam um cuidado especial: obtiveram orçamentos mais generosos, maior tempo de duração, e até maiores orquestras do que os filmes de Mickey Mouse. Ítems promocionais para Mickey Mouse haviam sido licenciados desde 1930 e, nos meados dos anos 30, as Sinfonias receberam o mesmo benefício. Uma página dominical sindicalizada de quadrinhos teve início em 1932 e discos de fonógrafo e livros de histórias não ficaram atrás. As Sinfonias geraram também bonecas e outros brinquedos para a garotada.

Ao mesmo tempo, os críticos e o público adulto estavam dando às Sinfonias um prestígio crescente. Uma nova categoria, Melhor Desenho, foi acrescentada aos prêmios da Academia e este troféu foi concedido todo ano a uma Sinfonia Singular durante a duração da série, além de várias indicações.

Entre os anos 1931 e 1939 a equipe de animadores aumentou com o ingresso de: Jack Cutting, Rudy Zamora, Joe D’Igalo, George Lane, Charles Byrne, Harry Reeves, Chuck Couch, Hardie Gramatky, Marvin Woodward, Bill Mason, Dan Tattenham, George Grandpre, Albert Hurter, Cecil Surrey, Ed Benedict, Dick Williams, Charles Hutchinson, Frank Tipper, Clyde Geronimi, Fred Spencer, Fred Moore, Frank Kelling, Ed Love, Bill Roberts, Eddie Donnely, Paul Fennell, Art Babbitt, Louie Schmitt, George Drake, Nick George, Cy Young, Bob Kuwahara, Roy Williams, Tom Bonfiglio, Leonard Sebring, Ferdinand Horvath, Archie Robin, Ugo D’Orsi, Dick Huemer, Tom McKimson, Bob Wickersham, Ed Smith, Woolie Reitherman, Harry Bailey, Milt  Schaffer, Larry Clemmons, Eric Larson, Ward Kimball, Don Towsley, John MacManus, Grim Natwick, Bill Tytla, Eddie Strickland, Paul Allen, George Roley, Dan MacManus, John Bond, Lee Morehouse, Robert Jones, Paul Hopkins, Jim Tyer, Ed Aardal, Frank Thomas, Jim Algar, Bernie Wolf, Milt Kahl, Izzy Klein, Bob Stokes, Frank Oreb, George Rowley, John Dunn, Jack Hannah, Josh Meador, Cornett Wood, Ralph Somerville, Bob Martsch, Stan Quakenbush, Art Palmer, Win Hoskins, Don Williams, Andy Engman, Lee Blair, Carl Urbano, James Pabian, Pete Burness, Mike Lah, Manuel Moreno, Melvin Schwartzman, Rollin “Ham” Hamilton, Francis Smith, Fred Madison, Jack Bradbury, Ken Hultgren, Milt Kahl, Bernard Garbutt, Don Lusk, Paul Satterfield, Lynn Karp, John Sewall, Paul Busch, Don Patterson, Larry Clemons, Claude Smith, Riley Thompson, Ollie Johnston, Riley Thompson, Jack Campbel.

Ted Sears

Em toda a série funcionaram como diretores: Walt Disney, Ub Iwerks, Burt Gillett, Wilfred Jackson, Dave Hand, Ben Sharpsteeen, Graham Heid, Dick Huemer, Rudolf Ising, Jack Cutting, Dick Rickard, Ham Luske. Outra pessoa que deixou a sua marca nas Sinfonias foi Ted Sears como chefe do departamento de enredos, do qual faziam parte ainda Joe Grant e Bill Cottrell (cunhado de Walt Disney, caricaturista de mão cheia). No estúdio Disney os refinamentos técnicos continuaram a proliferar tais como a criação de um departamento separado de “efeitos de animação” sob a liderança de Cy Young e Ugo D’Orsi e a descoberta de um novo uso para o rotoscópio (dispositivo que permite aos animadores redesenhar quadros de filmagens para serem usados em animação), que havia sido patenteado por Max Fleischer em 1917.

Em 1937, um novo contrato de distribuição firmado com a RKO Radio Pictures, deu a Disney maior flexibilidade. Todos os contratos de distribuição anteriores exigiam quantidades específicas de desenhos de Mickey Mouse e Sinfonias Singulares. Pelo contrato da RKO, Disney simplesmente teria que entregar 18 desenhos durante a primeira temporada e eles poderiam ser divididos como ele quisesse entre os Mickeys e as Sinfonias ou até pertencer a nenhuma dessas categorias (como foi o caso, por exemplo, dos desenhos do Pato Donald e do Pateta).

Esta maleabilidade foi muito apropriada às condições então vigentes no estúdio Disney, onde as Sinfonias Singulares estavam assumindo uma importância decrescente, cedendo lugar para Branca de Neve e os Sete Anões Snow White and the Seven Dwarfs e outros desenhos de longa-metragem, que já estavam absorvendo os melhores talentos do estúdio. As Sinfonias continuaram a ser realizadas na vigência do contrato com a RKO (servindo inclusive como campo de experimentação de novas técnicas como a câmera multiplana), mas com menos frequência do que antes, e seus dias estavam contados. Embora a sua produção tivesse sido interrompida nos meados de 1938, a série se encerrou oficialmente no final de março de 1939, quando Disney lançou O Patinho Feio / The Ugly Ducking.

                                                                                                FILMOGRAFIA

1929

A Dança Macabra ou Os Esqueletos Dançam / The Skeleton Dance. Música:  Carl Stalling. O score inclui trecho da “Marcha dos Anões” de Grieg.

A Dança Macabra

El Terrible Toreador. Música: Carl Stalling. O score é quase inteiramente uma orquestração cômica de melodias famosas da ópera “Carmen” de Bizet juntamente com um trecho de “Yankee Doodle Dandy” de George M. Cohan; um verso de “Ciribiribin” de Alberto Pestalozza cantado em falsete; e um pequeno fragmento da “Canção da Primavera” de Mendelssohn.

El Terrible Toreador

Springtime. Música: Carl Stalling. O score abre com um trecho de “Morgenstemning” (Manhã) da ópera “Peer Gynt” de Grieg e depois se divide entre duas danças: valsa “Blumenge-flüster “ (O Sussuro das Flores) de Franz von Blon e a música de balé “A Dança das Horas” de Amilcare Ponchielli para a ópera “La Gioconda”. Foi usado  também o galope de Jacques Offenbach para o balé “Gâité Parisienne”.

Springtime

Hell’s Bells. Música: Carl Stalling. O score inclui um fragmento da “Canção da Primavera” de Mendelssohn; a “Marche Fúnebre d’une Marionette de Gounod; alguns compassos da Abertura “Fingalshöhle” (A Caverna de Fingal) de Mendelssohn e parte de “I Dovregubbens hall” (No Salão do Rei da Montanha) da Suíte nº1, opus 46 “Peer Gynt” de Grieg.

The Merry Dwarfs. Música: Carl Stalling. O score inclui trechosdo “Coro di Zingari” da ópera “Il Trovatore” de Giuseppe Verdi; polca “Bahn frei Marsch” (Abrir Caminho) de Eduard Strauss;  “Gavotte” da ópera “Henry VIII” de Saint-Säens; “Amaryllis (Ária de Louis XIII)” de Joseph Ghys; “Jolly Fellows Waltz” de Robert Vollstetd.

The Merry Dwarfs

1930

Summer. Música: Carl Stalling. O score divide-se em: “Intermezzo” do balé “La Source” de Léo Delibes; “Darkies’ Dream” de George L. Lansing; “Stephanie-Gavotte” de Alphons Czibulka. 

Summer

Autumn. Música: Carl Stalling. O score inclui: “Valse Arabesque” de Théodore Lack; “Murmuring Brook  de Ede (Eduard) Poldini.

Autumn

Cannibal Capers. Música: Bert Lewis. O score inclui trechos de “Habanera” da ópera “Carmen” de Bizet; “Moment Musicale” do “Moments Musicaux” de Schubert; variação da “Marche Fúnebre  d’une Marionette” de Gounod.

Cannibal Capers

Night. Música: Bert Lewis. O scoreinclui trechos de: “Sonata ao Luar” de Beethoven; “Valsa do Danúbio Azul” de Johan Strauss; “Das Glühwürmchen”  (O Vagalume) da opereta “Lysistrata” de Paul Lincke; “The Mosquito Parade” de Howard Whitney; “Das erste Herzklopfen” (Primeiras Palpitações do Coração) de Richard Eilenberg; e a canção de ninar de Mamãe Ganso, “Rock-a-bye-baby”.

Frolicking Fish. Música:  Bert Lewis. O score inclui trechos de “Heinzelmännchen” (Marcha dos Duendes) de Richard Eilenberg; “A Dança das Serpentes” de Eduardo Boccalari.

Frolicking Fish

Arctic Antics. Música: Bert Lewis. O score inclui “Playful Polar Bears” de George J. Trinkaus; “Ballet égyptien” de Alexandre Luigini”; “Die Parade der Holzoldaten” (Parada dos Soldados de Madeira”) de Leon Jessel.

Arctic Antics

Midnight in a Toy Shop. Música: Bert Lewis. O score inclui “Sechs Gedichte nach H. Heine”(Seis Poemas de H. Heine) de Edward MacDowell; trechos de “Fern an scottischer Felsenküste (Poema Escocês) de MacDowell; “Pizzicato Polka” de Léo Delibes para o balé “Sylvia”; “Cocoanut Dance” de Andrew Hermann; “Lutspiel-Ouverture” de Adalbert Béla-Kèler. 

Midnight in a Toy Shop

Monkey Melodies. Música: Bert Lewis. O score inclui as canções “Aba Daba Honeymoon” de Walter Donovan e “At a Georgia Camp Meeting” de Kerry Mills; trechos de “Down in Jungletown” de Theodore F. Morse; “Narcissus” de “Opus 13 Water Scenes” de Ethelbert Nevin e “Shadowland” de Lawrence B. Gilbert.

Monkey Melodies

Winter. Música: Bert Lewis. O score inclui côro de “Jingle Bells” de James Pierpoint; segmentos de “Patineurs” de Émile Waldteufel; “The Chop Waltz” (“Chopsticks”) de Arthur de Lulli; “Dance of the Goblins“ de Hans Engelmann.

Winter

Playful Pan. Música: Bert Lewis. O score inclui trechos de: “Furioso#1:Thunderstorm” de Otto Langey; “La Petite Coryphée” de George Tracey; “Danse Orientale” de G. Lubomirsky.

Playful Pan

1931

Birds of a Feather. Música:  Bert Lewis. O score inclui trechos de “Barcarolle” da ópera inacabada de Jacques Offenbach “Les Contes d’Hoffman”; “Birds and the Brook” de R. M. Stults; “ The Chicken Reel” de Joseph M. Daly; “Furioso” de John S. Zamecnik; “Blumenlied” de Gustav Lange.

Birds of a Feather

Mother Goose Melodies. Música: Bert Lewis e/ou Frank Churchill. Canções: “Old King Cole”, “Little Jack Horner”, “Little Boy Blue” e “I’m Little Bo Peep”). O score inclui trechos de “Untel dem Doppeladler “(Sob as Duas Águias) de Josef Franz Wagner; “Ghost Dance” de Cora Salisbury; canções infantis “Three Blind Mice”, Jack and Jill”, “Sing a Song of Sixpence”, “Mary Had a Little Lamb”, “Baa, Baa Black Sheep”;  “Hi Diddle Diddle” de Hal Keidel.

Mother Goose Melodies

Prato de Porcelana / The China Plate. Música: Frank Churchill. O score inclui trechos de “In a Chinese Tea Room” de Otto Langey; “Erirus” de George J. Trinkays; “In a Chinese Temple Garden” de Albert William Ketèlbey; “Storm, or Fire Music” de Herbert E. Haines.   

Prato de Porcelana

Castores Castiços / The Busy Beavers. Música: Frank Churchill. O score inclui trechos de “Petite Tonkinoise” de Vincet Scotto; “Furioso” de John S. Zamecnik.

Castores Castiços

Pesadelo do Gato / The Cat’s Nightmare ou The Cat’s Out. Música: Frank Churchill. O score inclui trechos de “Blumenlied” de Gustav Lange; “Home! Sweet Home” de Henry Rowley Bishop; a canção popular “Listen to the Mockingbird”; “March of the Spooks” de Maurice Baron; “Down South” de Hubert S. Middleton; “Sneak” de Ignacio “Nacio” Herb Brown; “Fire Dance” de Charles Huerter; canção folclórica “For He’s a Jolly Good Fellow”.

Pesadelo do Gato

Melodias Egípcias / Egyptian Melodies. Música: Frank Churchill. O score foi quase todo extraído do “Ballet égyptien” de Alexandre Luigini.

Melodias Egípcias

Loja de Relógios / The Clock Store. Música: Frank Churchill. O score inclui trechos de “In a Clock Store” de Charles Orth e o minueto do primeiro ato da ópera “Don Giovanni” de Mozart.

Loja de Relógios

A Aranha e a Mosca / The Spider and the Fly. Música: Frank Churchill ou Bert Lewis. O score inclui trechos de “Busy Bee” de Theo Bendix e “Erlkönig” (Rei dos Elfos) de Schubert; um compasso da Abertura da opereta Leechten Kavallerie (Cavalaria Ligeira) de Franz von Suppé.

A Aranha e a Mosca

Caça à Raposa / The Fox Hunt. Música: Frank Churchill. O score é quase inteiramente uma adaptação  de “Hunt in the Black Forest” de George R. Voelker Jr.

Caça à Raposa

Passando por Pato / The Ugly Ducking. Música: Frank Churchill ou Bert Lewis. O score inclui trechos de “Peck-a-boo” de William J. Scanlan do musical Friend and Foe; “By Heck” de S. R. Henry do musical “Push and Go”; Abertura da ópera “Guilherme Tell” de Rossini juntamente com “Furioso” de Otto Langey para as cenas de tempestade.

Passando por Pato

1932

Loja de Pássaros / The Bird Store. Música:  Frank Churchill. O score inclui “The Wedding of the Birds” de Charles Tobias; “Valse Lucille” de Rudolf Friml;  “I’m Daffy Over You” também conhecida como “Sugar in the Morning” de Chico Marx e Sol Violinsky. Curiosidade: os quatro pássaros do filme tem as feições dos quatro Irmãos Marx.

Loja de Pássaros

Ursos e Abelhas / The Bears and Bees. 

Ursos e Abelhas

Música: Frank Churchill.

Simples Cachorro / Just Dogs. Música: Bert Lewis. O score inclui trechos de “The Prisoner’s Song” de Guy Massey; “Bon Vivant” de John S. Zamecnik; “Tarantella” de Mendelssohn; fragmentos de “Peek-a-boo” de William J. Scanlan; “Leechten Kavallerie” de Franz von Suppé.

Simples Cachorro

Flores e Árvores / Flowers and Trees (Oscar de Melhor Desenho) Primeiro desenho em Technicolor de três cores. Música: Bert Lewis ou Frank Churchill. O score inclui trechos de “Kamenoi-Ostrow” de Anton Rubinstein; Abertura de “Ruy Blas” de Mendelssonh; “Valse Bleue” de Alfred Margis; “Marcha Fúnebre” de Chopin; “Erlkönig” de Schubert; Abertura de “Guilherme Tell” de Rossini; música folcórica “The Campbells Are Coming”; Sinfonia nº6 “Pastoral” de Beethoven; ”Marcha Nupcial” de Mendelssohn.

Flores e Árvores

Bichos Apaixonados / Bugs in Love. Música: Bert Lewis. O score inclui trechos de “Carnival of Venice” de James Bellak; “Patineurs” de Émile Walteufel; Abertura para “Die lustigen Weiber von Windsor” (As Alegres Comadres de Windsor) de Otto Nicolai; “The House is Hunted”; “Chant sans Paroles” de Tchaikovsky; “Stradella “de Friedrich von Flotow.

Bichos Apaixonados

O Rei Netuno/ King Neptune. Música: Bert Lewis. Canção “Neptune, King of the Sea”. O score inclui trechos de “Les Préludes” de Liszt; “Die Lorelei” (O Lorelei) de Josef Franz Wagner; canção tradicional “Blow the Man Down”; ”Polly Wolly Doodle” (às vêzes atribuída a Dan Emmet). 

O Rei Netuno

Perdidos na Floresta / Babes in the Woods. Música: Bert Lewis. O score inclui “Oh, Don’t You Remember” de Nelson F. Kneass; “The Anvil Polka” de Albert Parlow; “Little Brown Jug” de Joseph E. Winner.

Perdidos na Floresta

Oficina de Papai Noel / Santa’s Workshop. Música: Frank Churchill. Cancões: “Merry Men of the Midnight Sun” e  “Near the Far North Pole” de F. Churchill. O score inclui trechos de “Hochzeitszug in Liliput” (Marcha Nupcial na Terra dos Anões) de Siegfried Translateur; “March Militaire” de “Momentos Musicais” de Schubert.

Oficina de Papai Noel

1933

Aves da Primavera / Birds in Spring. Música: Bert Lewis e Frank Churchill. O score inclui trechos de “Dreaming” de Archibald Joyce; “The Bluebird” de Clare Kummer; “Tanzweise” (Estilo de Dança) de Eric Meyer-Helmund; “Sari Waltz” (também conhecida como “Love’s Own Sweet Song”) de Emerich Kalmar. A música original contém citações de “Battle Hynn of the Republic” de William Steffe e a canção tradicional “Good Night Ladies”.

Aves da Primavera

A Arca de Noé / Father Noah’s Arch. Música: Leigh Harline. Canções: “Skies Are Clear” e “Rain Chant” de L. Harline. O score inclui trechos de “Kontre-Tanz nº1” de Beethoven e “First Call” de George Behn.

A Arca de Noé

Os Três Porquinhos / Three Little Pigs (Oscar de Melhor Desenho). Música: Frank Churchill.Canção: “Who’s Afraid of the Big Bad Wolf?” de F. Churchill com letra de Ted Sears e outros.

Os Três Porquinhos

No Reino da Fantasia / Old King Cole. Música: Frank Churchill e Bert Lewis. Canções originais: “King Cole’s Ball” de F. Churchill; “The Welcome Song” de B. Lewis. Canções tradicionais: “Three Blind Mice” e “Ten Little Indians”.

No Reino da Fantasia

Mundo Infantil / Lullaby Land. Música: Frank Churchill e Leigh Harline. Canções: “Lullaby Land of Nowhere” de F. Churchill / Larry Morey; “In the Land of Mustn’t Touch” de L. Harline / L. Morley; “Dance of the Bogey Men” de L. Harline / L. Morey. o score inclui trechos de “Rock-a-Bye Baby”; “Peek-a-boo” e “Wiegenlied” (Canção de Ninar) de Brahms.

Mundo Infantil

Música Mágica / The Pied Piper. Música: Leigh Harline. Canções: “In the Town of Hamelin” e “Rats! Rats! Rats!”, ambas de L. Harline. O score adaptou algumas notas de “Toyland” da opereta de Victor Herbert  “Babes in Toyland”. 

Música Mágica

A Loja Encantada / The China Shop. Música: Leigh Harline: “Valse Vienna”. O score inclui a canção folclórica austríaca “Ach du lieber Augustin”.

A Loja Encantada

Véspera de Natal / The Night Before Christmas.Música: Leigh Harline. Canção: “Twas the Night Before Christmas” de L. Harline. O score inclui trechos de “Silent Night” de Franz Gruber e de “Jingle Bells.

Véspera de Natal

1934

O Gafanhoto e as Formigas / Grasshopper and the Ants. Música: Leigh Harline. Canção: “The World Owes Me a Living” de L. Harline / L. Morey. O score inclui  trechos da “Marcha da Coroação” da ópera de Meyerbeer “Le Prophète”.

O Gafanhoto e as Formigas

O Lobo Mau / The Big Bad Wolf. Música: Frank Churchill. Canção: “Who’s Afraid of the Big Bad Wolf?” de F. Churchill.

O Lobo Mau

Ovos de Páscoa / Funny Little Bunnies.Música: Frank Churchill e Leigh Harline.  Canção: “See the Funny Little Bunies” de F. Churchill / L. Morey.

Ovos de Páscoa

O Camundongo Voador / The Flying Mouse. Música:  Frank Churchill e Bert Lewis. Canções: “If I Were a Bird” e “You’re Nothin’ But a Nothin’” de F. Churchill / L. Morey.

O Camundongo Voador

Galinha Sabida / The Wise Little Hen. Música: Leigh Harline. Canção: “Help Me Plant My Corn” de L. Harline / L. Morey. O score inclui trechos de “Sailor’s Hornpipe”; “Shave and a Haircut, Bay, Rum” de James V. Monaco; “Blumenlied”.

Galinha Sabida

Pinguins Peraltas / Peculiar Penguins. Música: Leigh Harline. Canção: “The Penguin Is a Very Funny Creature” de L. Harline / L. Morey. 

Pinguins Peraltas

A Deusa da Primavera / The Goddess of Spring. Música: Leigh Harline. Canções: “Goddess of Eternal Spring” e “Hi-de-Hades” de L. Harline / L. Morey.

A Deusa da Primavera

A Lebre e a Tartaruga / The Tortoise and the Hare.(Oscar de Melhor Desenho). Música:  Frank Churchill. Canções: “Slow But Sure”, com letra de Larry Morey,  escrita para o filme, mas não cantada na tela, tendo sido apenas usada como tema instrumental para  a tartaruga (Toby Tortoise).

A Lebre e a Tartaruga

1935

O Rei Midas / The Golden Touch. Música: Frank Churchill. Canção: “The Counting Song” de F. Churchill / L. Morey.

O Rei Midas

Gato Pingado / The Robber Kitten. Música: Frank Churchill. Canção: ”Dirty Bill” de F. Churchill.

Gato Pingado

 Paraíso dos Bebês / Water Babies. Música: Leigh Harline. O tema de “Water Babies” foi composto como uma canção com letra de Larry Morey, porém só foi ouvido em forma instrumental no filme.

Festa dos Doces / The Cookie Carnival. Música: Leigh Harline. Letras: Larry Morey. Canções: “The Cookie Carnival”, “The Sweetest One of All” e “Hail the Queen”. O score inclui ainda seis breves números de vaudeville acompanhados por variações de “Sweet Rosie O’ Grady”, “Dandy-Candy-Kids”, “Old-Fashioned Cookies”, “Angel Food Cakes”, “Devil ‘s Food Cakes”, “Upside-Down Cakes” e “Jolly Rum Cookies”.

Festa dos Doces

Quem Matou o Pintarôxo? / Who Killed Cock Robin? Música: Frank Churchill.Letras: Larry Morey. Canções: “Who Killed Cock Robins? “Will You Love Me Tonight?, “Somebody Rubbed Out My Robin” de F. Churchill / L. Morey. O score inclui um trecho breve de “A-Hunting We Will Go” (possivelmente de Procida Bucalossi) com nova letra de Larry Morey. Curiosidades: um pequeno trecho em preto e branco foi usado no filme O Marido era o Culpado/ Sabotage/ 1936 de Alfred Hitchock. A personagem da cambaxirra sexy Jenny Wren é uma caricatura de Mae West.

Quem Matou o Pintarôxo?

Melodilândia / Music Land. Música: Leigh Harline. O score inclui trechos da  sinfonia “Eroica” de Beethoven; “Gavotte” de François Gossec; “Peek-a-boo”; “The Prisoner’s Song” de Guy Massey; “Assembly Bugle Call”; “Die Walküre” (A Cavalgada das Valquírias) e “Marcha Nupcial” da ópera “Lohengrin” de Wagner; Harline contribuiu com duas composições originais: “The Saxes Have It” e “Jazz Fireworks”.

Melodilândia

Três Bichaninhos Órfãos / Three Orphan Kittens (Oscar de Melhor Desenho). Música: Frank Churchill. Canção: “Hallelujah” de F. Churchill. O score inclui “Kitten on the Keys” de Edward “Zez” Confrey.

Três Bichaninhos Órfãos

Galos e Galinhas / Cock O’ The Walk. Música: Frank Chruchill e Albert Hay Malone. O score inclui “The Carioca” de Vincent  Youman; as músicas que precedem à sequência “Carioca” foram compostas por F. Churchill; toda a música após esta sequência foi composta por A. H. Malotte.

Galos e Galinhas

1936

Os Três Lobinhos / Three Little Wolves. Música: Frank Churchill. Canções: “Who’s Afraid of the Big Bad Wolf?”; polca alemã tradicional “Ist das nicht ein Schnitzel Baum?” com uma nova letra, reintitulada “Schweine Stew” (Ensopado de Carne de Porco).

Os Três Lobinhos

Brinquedos Quebrados / Broken Toys. Música: Albert Hay Malotte. Canção: “We’re Gonna Get Out of the Dumps”.  O score inclui trechos das canções tradicionais “The Sailor’s Hornpipe”, “Reveille”, “The Girl I Left Behind Me”; e “Silent Night, Holy Night” de Frank Gruber. 

Brinquedos Quebrados

O Elefante Elmerindo / Elmer Elephant. Música: Leigh Harline. Oscoreinclui “Happy Birthday” de Mildred J. Hill; “Elmer’s Got a Funny Nose” baseada na canção infantil “It’s Raining, it’s Pouring”.

O Elefante Elmerindo

A Tartaruga Regressa / Toby Tortoise Returns. Música: Leigh Harline. O score inclui trechos de “Slow But Sure”; “Mexican Hat Dance” (“El Jarabe Tapatío”) de F. A. Partichela; “Hootchy Kootchy Dance” de Sol Bloom; a canção tradicional “Frankie and Johnny”; a canção infantil “You Never Touched Me; “Stars and Stripes Forever” de John Philip Sousa.

A Tartaruga Regressa

Três Mosqueteiros Cegos / Three Blind Mouseketeers. Música: Albert Hay Malotte. Canção: ”We’re the Three Blind Musketeers” de A. H. Malotte.

Três Mosqueteiros Cegos

O Primo da Roça / The Country Cousin (Oscar de Melhor Desenho). Música: Leigh Harline.

O Primo da Roça

A Mãe da Ninhada / Mother Pluto. Música: Leigh Harline. O score inclui trechos da tradicional canção infantil “Where, Oh Where Has My Little Dog Gone” e de “John Brown’s Body” de Thomas Brighton Bishop.

A Màe da Ninhada

Mais Bichaninhos / More Kitten. Música:  Frank Churchill. O score inclui um fragmento de “Who’s Afraid of the Big Bad Wolf” de F. Churchill.

Mais Bichaninhos

1937

O Cabaré dos Insetos / Woodland Café. Música: Leigh Harline.  O score inclui “Twelfth Street Rag” de Erday L. Bowman; “L’Amour d’Apache (a dança apache do balé  “Le Papillon” de Offenbach; “Truckin’” de Ted Koehler e Rube Bloom.

O Cabaré dos Insetos

Hiawata / Little Hiawatha. Música: Albert Hay Malotte. O score inclui um fragmento  de “Home Sweet Home” de Henry Rowly Bishop.

Hiawata

O Velho Moinho / The Old Mill (Oscar de Melhor Desenho). Música: Leigh Harline. Introdução da nova câmera multiplana

O Velho Moinho

1938

Uma Viagem às Estrelas / Wynken, Blynken & Nod. Música:Leigh Harline. Canção: “Wynken, Blynken and Nod” de L. Harline. O score inclui uma versão orquestral de “Twinkle, Twinkle Little Star”.

Uma Viagem às Estrelas

A Chama e a Mariposa / Moth and the Flame. Música: Albert Hay Malotte.

A Chama e a Mariposa

Merbabies. Música: Scott Bradley. O score inclui trechos de “Chopsticks” e “Gavotte in D Major” de François Joseph Gosse.

Merbabies

Farmyard Symphony. Música: Leigh Harline. O score inclui trechos da Sinfonia nº6 de Beethoven, terceiro movimento; Abertura de “Die lustigen weibe von Windsor” de Otto Nicolai; Abertura de “Guilherme Tell” de Rossini; “Marcha Fúnebre” de Chopin; Abertura de “La Gazza  Ladra” de Rossini;  “Il Barbieri di Siviglia de Rossini; “The Bohemian Girl” de Michel Balfe; “Canção da Primavera” de Mendelssohn: “The Campbells Are Coming”; “Semiramide” de Rossini; “Martha, oder Der Markt zu Richmond” de Friedrich von Flotow; “La Donna è Mobile” da ópera “ Rigoletto” de Verdi; “Miserere” da ópera “Il Trovatore” de Verdi; “Orphée aux Enfers”de Offenbach; Abertura de “Guilerme Tell; “Rapsódia Húngara nº2” de Liszt; Abertura de “Tanhauser” de Wagner.

Farmyard Symphony

Fitas e Fiteiros / Mother Goose Goes Hollywood. Música: Ed Plumb. O score inclui trechos das canções tradicionais “Three Blind Mice”, “London Bridge Is Falling Down”; ”Row, Row, Row, Row Your Boat”; o tema de Laurel e Hardy “Coo Coo” de T. Marvin Hatley; versão jazzística de “This Is the Way We Wash Our Clothes”. Curiosidade: aparecem caricaturas de artistas de Hollywood: Katherine Hepburn, Hugh Herbert, Ned Sparks, Charles Laughton, Spencer Tracy, Freddie Bartholomew, Laurel e Hardy, Wallace Beery, Cab Calloway, Eddie Cantor, Fats Waller, Stepin Fetchit; Hugh Herbert, Ned Sparks, Irmãos Marx, Joe Penner, Fred Astaire, Martha Raye, Greta Garbo, George Arliss, Joe E. Brown, Cab Calloway, W. C. Fields, Charlie McCarthy, Edward G. Robinson, Clark Gable.

Fitas e Fiteiros

O Touro Ferdinando  / Ferdinand the Bull (Oscar de Melhor Desenho). Música: Albert Hay Malotte.

O Touro Ferdinando

Obs. O Touro Ferdinando começou a ser produzido como uma Silly Symphony, mas na época de seu lançamento foi reclassificado como  um ”Special”. Além do score, Malotte escreveu a canção “Ferdinand the Bull (com letra de Larry Morey), que não é ouvida no filme, mas foi usada para promovê-lo.  Mais tarde foi usada no filme da Columbia, Rose of Santa Rosa / 1947.

1939

Porquinho Prático / The Practical Pig. Música: Frank Churchill e Paul Smith. O score inclui “Whos Afraid of the Big Bad Wolf” e “Frankie and Johnny”.

Porquinho Prático

O Patinho Feio / The Ugly Duckling (Oscar de Melhor Desenho). Música: Albert Hay Malotte.

O Patinho Feio

Três outros filmes tiveram conexões tangenciais com as Sinfonias: Hot Chocolate Soldiers, Don Donald e Donald’s Better Self. O primeiro foi produzido por encomenda em 1934 para a Metro-Goldwyn-Mayer, usando as Sinfonias como modelo, como um encarte para o filme de longa-metragem ao vivo da MGM, Festa de Hollywood / Hollywood Party. As outras duas histórias foram inicialmente concebidas como Sinfonias Singulares, mas não foram completadas na sua forma original, evoluindo para curtas-metragens do Pato Donald. Disney também produziu sequências animadas para os filmes Meus Lábios Revelam / My Lips Betray / 1933 e Cinderela à Fôrça / Servant’s Entrance / 1934 (ambos da Fox), mas somente Hot Chocolate Soldiers foi realizado no espírito de uma Sinfonia Singular.

 

 

 

MARIO CAMERINI

Como afirmou Carlo Lizzani na sua “Storia del Cine Italiano”, a história do cinema italiano tornou-se digna de interêsse com a aparição de Alessandro Blassetti e de  Mario Camerini, os dois cineastas mais significativos dos anos 30 e 40. Eu acrescentaria Mario Soldati. Já escrevi sobre Blassetti e Soldati, e agora chegou a vez de Camerini.

Mario Camerini

Mario Camerini (1895-1981) nasceu em Roma, Via Veneto. Em 1913, frequentou a escola secundária Liceo Tasso e escreveu seu primeiro roteiro de cinema, uma história de detetive, Le Mani Ignote, que seria filmada pela Società Italiana Cines. Em 1914, ele se matriculou na Faculdade de Direito e durante a Primeira Guerra Mundial (entre 1915-1918) serviu na infantaria, ficou prisioneiro na Alemanha, e foi condecorado com a medalha do mérito militar. Em 1920, começou a trabalhar no cinema como roteirista e assistente de seu irmão, o diretor Augusto Camerini, em Tre Meno Due e L’Altra Razza, produções da Nova Film. Em 1921-1922 foi assistente de seu primo Augusto Genina em Marito, Moglie e … e Cirano Di Bergerac e finalmente, em 1923, supervisionado por A. Genina, realizou seu primeiro filme, Jolly, história de amor trágica envolvendo um velho palhaço e um trapezista, apaixonados pela mesma mulher, interpretada por Diomira Jacobini, que seria sua companheira por muitos anos.

Cena de Kif Tebbi

Entre 1924 e 1928, Camerini realizou: La Casa Dei Puccini / 1924 (comédia sentimental envolvendo uma jovem de um orfanato reduzido à miséria, que se refugia no luxuoso colégio vizinho, e seu relacionamento com a filha de um aristocrata separado de sua esposa, que se apaixona por ela); Saetta Principe Per Un Giorno / 1924 (aventura na qual um príncipe, cercado por cortesãos desleais que o impedem de governar e de esposar a jovem pobre que ele ama, acaba encontrando um sósia que o substitui e, em um só dia, resolve todos os seus problemas e depois retorna a sua vida de vagabundo); Voglio Tradire Mio Marito! / 1925 (comédia matrimonial tendo como tema o divórcio, então proibido na Itália); Maciste Contro Lo Sceicco/ 1926 (aventura expatriando o velho herói italiano para a Líbia, onde ele vai medir forças com as tropas de Beduínos e desvendar os mistérios do deserto); Kif Tebbi / 1928 (drama de guerra sobre a conquista colonial da Líbia, tendo como protagonista um nobre turco educado na Itália que, devido ao seu pouco entusiasmo para lutar pelos otomanos, é preso; mas eventualmente consegue escapar e ver a bandeira italiana tremular  sobre o pequeno forte libertado).

Em 1929, inspirado pelo menos na sua primeira parte pelo kammerspielfilm, Camerini começou a fazer seu primeiro filme importante, Rotaie, drama tratando do tema da regeneração moral após a tentação do suicídio e uma vida dissipada. Em um pequeno hotel próximo de uma estação ferroviária, dois amantes (Käte von Nagy, Mauricio D’Ancora) estão prestes a se suicidar, no quarto de um hotel, por falta de trabalho. Porém a passagem de um trem abre uma janela, que derrama o copo contendo o veneno.  Retrocedendo sobre sua decisão, os jovens embarcam em um trem de luxo (com o dinheiro oportunamente achado em uma carteira que caíra do do bolso de um cidadão), que os conduz a um ponto turístico. Ali eles participam da vida dos ricos entre o Grand Hôtel e o casino de San Remo. Mas logo o rapaz perde tudo na roleta enquanto um marquês entediado (Daniele Crespi) assedia a jovem. O rapaz dois amantes decidem renunciar a esta existência e retornam para sua cidade em um vagão de terceira classe. Aquele mundo enganoso e cheio de miragens colocou à dura prova os seus sentimentos e eles decidem procurar emprego em uma fábrica. Apesar de sua pós-sincronização, Rotaie pertence ainda totalmente à estética do cinema silencioso e, graças a utilização inspirada da imagem e do ritmo, é sem dúvida uma obra cinematográfica muito bem acabada, que não fica nada a dever aos grandes clássicos da cena muda mundial.

Em 1930, Camerini trabalhou nos estúdios da Paramount em Saint Maurice-Joinville, onde aprendeu a técnica do som, adaptando-se rapidamente ao novo meio de expressão ao realizar a versão italiana de Paraíso Perigoso / Dangerous Paradise de William Wellman (baseado no romance “Victory” de Joseph Conrad), estrelado por Carmen Boni, esposa de Augusto Genina.

Depois de Figaro E La Sua Gran Giornata / 1931 (comédia passada no começo do século vinte em um teatro de província, onde uma trupe, vinda da cidade, prepara uma representação do “Barbeiro de Sevilha) e L’Ultima Avventura / 1932 (comédia   girando em torno de um conde sedutor de certa idade que se apaixona por uma jovem, mas é preterido por um jovem estivador), Gli Uomini Che Mascalzoni representou o resultado da sua perfeita absorção do cinema falado que, de uma certa maneira, dinamizou o cinema de Camerini.

Lia Franca e Vittorio De Sica em Gli Uomini Che Mascalzoni

Nesta esplêndida comédia romântica, Bruno (Vittorio De Sica) é um chofer, a serviço de uma família rica. Para impressionar Mariuccia (Lia Franca), vendedora de perfumaria, filha de um motorista de taxi, ele se serve do carro de seus patrões, para levá-la em uma excursão na região dos lagos. Seu idílio é interrompido por uma série de incidentes que obrigam Bruno a abandonar a moça sem dar explicações. O amor nascente entre os dois jovens parece comprometido, mesmo quando eles continuam a se procurando e se vendo. Bruno e Mariuccia fingem ter um outro relacionamento amoroso para causar ciúme mutuamente até que, entrando por acaso no taxi do pai de Mariuccia, eles se reconciliam sob o olhar do papai satisfeito.

Cena de Gli Uomini Che Mascalzoni

A abertura do filme mostra uma câmera agitada que acompanha os personagens nos seus movimentos, sendo célebre a sequência rodada nas ruas de Milão, onde Bruno segue Mariuccia de bicicleta, que anda pela calçada e depois toma um bonde ao mesmo tempo em que a objetiva, perpetuamente em movimento, acompanha a perseguição com uma vivacidade espantosa. Mais adiante, a corrida louca que Bruno faz de carro de Arona a Milão e depois de Milão a Arona para reencontrar a moça que abandonou na taverna, sem poder lhe explicar as razões de sua partida precipitada, mostra – como observou Gian Piero Brunetta (“Cent’anni di cinema italiano”, Laterza, 1995) – “um estilo e uma leveza narrativa que lembram René Clair e Ernst Lubitsch e um senso de observação da realidade que o tornam comparável a Frank Capra”. Por outro lado, em uma época dominada pelo cinema de estúdio, Camerini se acomoda bem com o ar livre e utiliza com muita espontaneidade o cenário natural. Gli Uomini Che Mascalzoni foi o precursor do que ficaria conhecido como a pentalogia pequeno-burguesa de Camerini: Darò Un Milione, Ma Non È Una Cosa Seria, Il Signor Max e I Grandi Magazine. Neste quinteto principalmenteestá o “universo cameriniano”, um mundo popular de vendedores de jornais, caixeiros e choferes, gente simples que ele trata com muita ternura e alegria.

Depois de T’Amerò Sempre (drama focalizando uma mãe solteira que reencontra seu sedutor e, quando este tenta reconquistá-la, é defendida por um tímido contador, com quem decide se casar); Cento Di Questi Giorni (que ele apenas supervisionou); e Giallo  (thriller de supense baseado em um romance de Edgar Wallace, no qual uma mulher, por uma série de coincidências, desconfia que seu marido é um assassino perigoso) realizados em 1933 e Il Cappello A Tre Punte (sátira histórico-política inspirada no romance “El sombrero de tres picos” de Alarcón, retratando um ridículo governador de província) e Come Le Foglie (comédia enfocando um industrial arruinado que é obrigado a aceitar um emprego na empresa de um sobrinho e as reações dos membros de sua família), realizados em 1934, Camerini deu à luz o excelente Darò Un Milione / 1935.

Assia Noris em Darò Un Milione

Vittorio De Sica  Darò Un Milione

O enredo de Darò Un Milione é o seguinte: Gold (Vittorio De Sica), cansado da vida, tenta se suicidar, atirando-se de seu iate. Salvo por um mendigo, ele lhe promete que oferecerá um milhão àquele que praticar, com relação a ele, um gesto generoso e desinteressado.  Depois o ricaço desaparece, disfarçado como um pobre miserável. A notícia se espalha e provoca uma epidemia de filantropia para com os mendicantes, todos suspeitos de ser o milionário incógnito. Dentro em pouco, Gold conhece uma jovem, Anna (Assia Noris), que trabalha em um circo. Ela o ajuda e o protege. Após ter suspeitado que ela só pensa, como os outros, em ganhar o prêmio, ele acaba por compreender que sua afeição e sua generosidade são sinceras e  consequentemente se casa com ela e o milhão será inútil.

Sátira de costumes – mostrando a desigualdade social, o egoismo e a arrogância presentes em certa parte da sociedade – que se torna um conto de fadas  – no qual uma tímida e pudica costureira esposa um príncipe encantado, no caso, um milionário-, o espetáculo proporciona alta dose de comicidade, cheia de achados irresistíveis e trechos de bravura cinematográfica dignos de uma antologia. Foi um grande sucesso, impulsionando a carreira de De Sica e de Assia Noris, com quem o diretor se casou.

Vittorio De Sica e Assia Noris em Mas Não É Uma Coisa Séria

Os filmes seguintes de Camerini nos anos trinta foram: Mas Não é Uma Coisa Séria / Ma Non È Una Cosa Seria / 1936 (comédia romântica baseada em uma peça de Luigi Pirandello cuja versão alemã, Der Mann, Der Nicht Nein Segen Kann/ 1938, ele também dirigiu); O Grande Apelo / Il Grande Appello (aventura africana durante a guerra ítalo-abissínia, endossando a política colonial italiana através da redescoberta do patriotismo por um italiano contrabandista de armas a serviço dos etíopes); Os Apuros do Senhor Max / Il Signor Max/ 1937 (comédia  sobre um jornaleiro que, confundido com um conde, aceita a falsa identidade, para penetrar na alta sociedade, mas acaba se sentindo incomodado no meio da aristocracia, assume a sua verdadeira identidade,  e se casa com a camareira da ricaça que ele pretendia conquistar); Batticuore/ 1939 (versão italiana da comédia Prazer de Amar / Battement de Coeur de Henri Decoin com Assia Noris no papel interpretado por Danielle Darrieux da jovem aluna  de uma escola de batedores de carteiras); Calúnia / I Grandi Magazine / 1939 (comédia  passada em uma loja de departamento, onde um mensageiro se apaixona por uma vendedora e descobre que o chefe do pessoal, que corteja a jovem, é o líder de uma quadrilha que rouba as mercadorias do estabelecimento); e Il Documento / 1939 (comédia  passada no século dezenove, tendo como personagem central o mordomo de um conde, supostamente de posse de um documento comprometedor, que obriga um escroque  a se regenerar). Os Apuros do Senhor Max Calúnia, são mais duas comédias muito divertidas da pentalogia pequeno-burguêsa, tal como as outras, estreladas pelo então jovem galã Vittorio De Sica.

Cena de Os Apuros do Senhor Max

Vittorio De Sica em Calúnia

Assia Noris e Amedeo Nazzari em Centomila Dollari

O trabalho de Camerini nos anos quarenta foi uma prova de sua inegável habilidade para dominar todos os gêneros. Ele fez primeiro uma comédia, Centomila Dollari / 1940, cuja história merece ser lembrada – Lily (Assia Noris), telefonista no Gran Hotel, está prestes a se casar com seu primo Paolo (Arturo Bragaglia). Um milionário americano (Amedeo Nazzari) de passagem lhe oferece mil dólares, com a condição que ela aceite simplesmente jantar com ele. Indignada, a jovem recusa, mas Paolo e seus familiares se convencem, diante da enormidade da quantia, que a proposta é inocente, e obrigam Lily a aceitar. Durante a refeição os dois protagonistas se apaixonam um pelo outro. Lily faz crer ao seu noivo, que ela aliás despreza, que o encontro não foi tão casto como previsto. Paolo consegue reconquistá-la simulando uma tentativa de suicídio. Porém o milionário entra rocambolescamente na igreja conduzindo uma ambulância, interrompe a cerimônia nupcial, e os dois enamorados fogem em direção ao campo.

Depois, o cineasta volta-se para o drama com Uma Romântica Aventura / Una Romantica Avventura (adaptação de um conto de Thomas Hardy); o romance histórico com Os Noivos / I Promessi Sposi (baseado no romance de Mazzoni); o drama criminal com História de Amor / Una Storia D’Amore; o drama romântico com T’Amerò Sempre; o drama de guerra com Due Lettere Anonime: o fantástico com L’Angelo E Il Diavolo; a aventura com A Filha do Capitão / La Figlia Del Capitano, adaptação do conto de Pouchkine; e finalmente volta à comédia com O Sonho das Ruas / Molti Sogni Per Le Strade.

Cesare Danova e Irasema Dilian em A Filha do Capitão

Anna Magnani e Massimo Girotti em O Sonho das Ruas

Em 1943, o cineasta se separou de Assia Noris e se casou com uma austríaca, Mattilde (Tully) Hruska com a qual passaria o resto da vida. Em 1945, ele fez parte da comissão de depuração do cinema com Umberto Barbaro, Mario Chiari, Luchino Visconti, Alfredo Guarini e Mario Soldati. A comissão condenou a seis meses de suspensão de atividade, por colaboração como o fascismo, os cineastas Goffredo Alessandrini, Augusto Genina e Carmine Gallone. Em 1946, ele se inscreveu no Partido Socialista e fez parte de uma comissão de cineastas para a elaboração da nova lei sobre cinema. Foi presidente da ANAC (Associazione nazionale autori cinematografici).

Silvana Magano e Kirk Douglas em Ulysses

Durante os anos 50, 60 e 70, Camerini realizou: O Flagelo de Deus / Il Brigante Musolino/ 1950; Duas Mulheres É Demais / Due Moglie Sono Troppe / 1951; Esposa Por Uma Noite / Moglie Per Una Notte/ 1952; Gli Eroi Della Domenica / 1953; Ulysses / Ulisse / 1954; A Bela Moleira / La Bella Mugnaia/ 1955; foi um dos roteiristas de Guerra e Paz / War and Peace/ 1956 de King Vidor / 1956; Irmã Letizia / Suor Letizia/ 1956; Férias no Paraíso / Vacanza A Ischia / 1957; Primeiro Amor / Primo Amore / 1959; Via Margutta / 1960; Crime em Monte Carlo / Crimen / 1960; Legenda Heróica / I Brigante Italiani / 1961; Kali-Yug, A Fúria dos Bárbaros / Kali Yug, La Dea Della Vendetta / 1963 e Il Mistero Del Templo Indiano / 1963; Crime Quase Perfeito / Delitto Quasi Perfecto/ 1966; Io Non Vedo Tu Non Parli Lui Non Sente / 1971; Don Camillo E I Giovanni D’Oggi / 1972. Nenhum desses filmes se iguala às suas comédias dos anos trinta – que representam  o coração e a espinha dorsal da obra cameriniana -, sobressaindo apenas pelos seus valores de produção, Ulysses (que deveria ter sido rodado por G. W. Pabst, mas o contrato dele com Ponti-De Lurentiis foi rescindido) e A Bela Moleira (refilmagem de Il Capello a Tre Punte).

Marcelo Mastroianni, Sophia Loren e Vittorio De Sica em A Bela Moleira

Em 1975, Camerini participa de uma retrospectiva parcial de seus filmes dos anos trinta no Festival de Pesaro. Em 1981, morre em Salò nas margens do Lago di Garda.