Já escreví artigos sobre os westerns de Anthony Mann, Delmer Daves, John Ford, John Sturges, Sam Peckinpah, Andre De Toth, Raoul Walsh e estava faltando outro diretor que usou seu talento para nos brindar com algumas obras notáveis do “cinema americano por excelência”: William Wellman.
Jovem inquieto e rebelde, ele foi preso por roubo de carro (queria apenas dar uma volta) e expulso da escola secundária, para se destacar como jogador de hockey no gêlo, chamando a atenção de Douglas Fairbanks, fã deste esporte. Fairbanks lhe disse: “Se algum dia precisar de emprego, vai para Hollywood, e me procure”. Durante a Primeira Grande Guerra, Wellman incorporou-se à esquadrilha Lafayette Flying Corps, unidade de elite francêsa integrada exclusivamente por pilotos norte-americanos. Nesta ocasião, recebeu o apelido de “Wild Bill”, porque se oferecia como voluntário para voar sozinho em missões perigosas, penetrando muitas vezes nas linhas inimigas em vôo razante. Ferido em combate, recebeu a Croix de Guerre e outras condecorações. Após seu restabelecimento, prestou serviço como instrutor de vôo na Base Rockwell em San Diego.
Desligado após o armistício, conheceu a atriz Helene Chadwick, e se introduziu no mundo do cinema. Lembrando-se do convite de Fairbanks, ao saber que o ator ia dar uma festa no seu campo de polo particular, vestiu seu uniforme cheio de medalhas e, depois de fazer umas piruetas no ar, aterrissou suavemente na extremidade do campo em frente dos anfitriões e de seus convidados A estratégia surtiu efeito e Fairbanks contratou-o como ator de seu próximo filme Audaz e Caprichoso / The Knickerbocker Buckaroo / 1919. Em três anos, Wellman foi progredindo de mensageiro a aderecista e assistente de direção e, em 1923, finalmente estreou como diretor na Fox, responsabilizando-se pelo filme Redenção de uma Alma / The Man Who Won, com Dustin Farnum interpretando um personagem por coincidência chamado Wild Bill. Gradualmente, Wellman passou de diretor de filmes de baixo orçamento (entre eles seis westerns com Buck Jones) para as grandes produções e, em 1927 já havia firmado uma reputação, que lhe permitiu assinar um contrato com a Paramount para a realização de Asas / Wings, primeiro filme premiado com o Oscar.
Do final dos anos vinte até 1939, Wellman, como diretor contratado de um estúdio, realizou – entremeados com produções rotineiras de Hollywood – filmes importantes, alguns brutalmente realistas, outros poéticos, comoventes, nos quais se distinguia a sua habilidade técnica: Mendigos da Vida / Beggars of Life / 1928, O Inimigo Público / The Public Enemy / 1930, O Preço do Dever / The Star Witness / 1931, Safe in Hell / 1931, Fome Por Glória / Heroes for Sale / 1933, Idade Perigosa / Wild Boys of the Road / 1933, O Bandoleiro do Eldorado / The Robin Hood of El Dorado / 1935, Garota do Interior / Small Town Girl / 1936, Nasce uma Estrela / A Star is Born / 1937, Beau Geste / Beau Geste / 1939, Luz Que Se Apaga / The Light That Failed / 1939.
O prestígio de Wellman aumentou ainda mais nos anos 40 e 50 com Consciências Mortas / The Ox-Bow Incident / 1943; Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944, Também Somos Seres Humanos / The Story of G. I. Joe / 1945, Jornada Gloriosa / Gallant Journey, Céu Amarelo / Yellow Sky / 1948, O Preço da Glória / Battleground / 1949, Assim São Os Fortes / Across the Wide Missouri / 1951 e O Poder da Mulher / Westward the Women / 1951. Recordo brevemente neste artigo seus melhores westerns.
O GRITO DAS SELVAS / THE CALL OF THE WILD.
Em Skagway no Yukon, em 1900, durante a corrida do ouro, o garimpeiro Clark Thornton (Clark Gable) perde todo seu dinheiro em um jôgo de cartas. “Shorty” Hoolihan (Jack Oakie), récem saído da cadeia após ter cumprido pena de seis mêses por ter aberto correspondência indevidamente, revela a Thornton a existência de uma carta que ele leu, enviada por um garimpeiro doente, Martin Blake, pouco antes de morrer, para seu filho John (Frank Conroy), que continha um mapa indicando o local de uma mina de ouro. Shorty guardou-o na memória e embora reconhecendo que deve estar faltando alguns detalhes, propõe a Thornton uma sociedade, depois de ter contado a ele que John Blake e sua esposa deixaram Skagway naquele dia, com o mapa, em direção à mina. Quando vão comprar seus mantimentos, Jack e Shorty encontram Mr. Smith (Reginald Owen), inglês rico e sádico que deseja comprar um indomável cão São Bernardo chamado Buck, para que possa matá-lo. Porém é Thornton quem compra Buck, nascendo uma grande amizade entre o dono e seu animal. Durante a jornada em direção à mina, Thornton e Shorty encontram a mulher de John Blake, Claire (Loretta Young), cercada por lobos, e ela explica que seu marido desapareceu há dias, procurando alimento. Acreditando que ele está morto, Thornton obriga Claire a seguir com eles para Dawson. No caminho, eles simpatizam um com o outro e ela concorda em se associar aos dois parceiros, para encontrar o ouro. Após alguns acontecimentos, chegam à mina e Shorty parte para registrar a posse. Enquanto isso, John Blake, que estava vivo, é obrigado a conduzir Mr. Smith até a mina e, lá chegando, o inglês manda um de seus capangas agredí-lo. Smith rende Thornton e Claire, e leva o ouro; mas morre com seus homens, quando sua canoa vira na correnteza de um rio. Depois que Buck encontra Blake, Thornton o leva para a cabana, onde ele e Claire cuidam dele. Claire diz a Thornton que, embora o ame, Blake precisa dela. Depois que os Blake partem, Buck se junta aos lobos e se torna papai e Thorton fica sozinho no inverno. Porém no verão Shorty retorna com o registro da mina e uma esposa índígena, que ele ganhou em um jogo de dados, para ser a cozinheira deles.
Este northernwestern (passado acima do Paralelo 49 v. g. Canadá ou Alasca) é uma adaptação livre (e audaciosa, tendo em vista o Código de Censura aplicado na época) do romance clássico de Jack London, na qual o papel do cão Buck é diminuído e o foco principal da história passa a ser o romance entre Thornton e Claire. As primeiras sequências, por sua violência, situam o ambiente e o caráter dos personagens e o movimento rápido da ação dá vivacidade ao filme. Os numerosos exteriores nas montanhas e florestas cobertas pela neve são esplendidamente fotografadas por Charles Rosher. A amizade entre Thornton e Buck é realmente tocante e este cão magnífico representa como um verdadeiro artista. Muito bonita a cena em que Thorton brinca com Buck e o acaricia, a fim de lhe suprimir o irresistível desejo de se reunir com a mata e seus congêneres e também a cena em que Claire faz um carinho no animal encontrando a mão de Thorton fazendo a mesma coisa, manifestando assim seu amor recíproco sem se falarem.
BANDOLEIRO DO ELDORADO / THE ROBIN HOOD OF EL DORADO.
Em 1849, o México havia cedido a Califórnia para os Estados Unidos, tornando a vida quase impossível para a população mexicana devido a afluência de americanos sedentos por terras e ouro. O fazendeiro Joaquin Murietta (Warner Baxter) caça e mata os estupradores que assassinaram sua mulher Rosita (Margo) e é considerado um fora-da-lei. A recompensa pela sua captura aumenta, quando ele subsequentemente mata um grupo de americanos bêbados, que lincharam brutalmente seu meio-irmão. Unindo-se ao bandido Three-Fingered Jack (J. Carroll Naish), Murietta torna-se um vingador, parecido com o Zorro, saqueando e aterrorizando os grileiros ianques. Quando Joaquin decide deixar a vida de bandidagem, ele e seus homens são atacados. Uma batalha sensacional resulta na morte de Three-Fingered Jack e o massacre dos homens de Joaquin. Ferido, ele escapa apenas para morrer junto à sepultura de sua querida esposa.
Biografia romanceada do líder de um grupo de bandidos da Califórnia em meados do século XIX. Interessado pelo tema da injustiça (que desenvolveria em Consciências Mortas), Wellman arranjou circunstâncias atenuantes suficientes para absolver Murieta. A narrativa é dinâmica e contém boas cenas, como o enforcamento do meio-irmão do herói enquanto este é chicoteado; a festa no acampamento, colorida de exotismo, e a perseguição entre matas e rochas até o fugitivo cair morto sobre o túmulo de sua amada.
CONSCIÊNCIAS MORTAS / THE OX-BOW INCIDENT.
Reflexão sombria sobre a intolerância e um requisitório contra o linchamento, mostrando a insensibilidade humana e a histeria da multidão em uma comunidade da fronteira. Em Bridge’s Well, no Nevada, um grupo de cidadãos raivosos e neuróticos, tomando a lei em suas próprias mãos, enforca três suspeitos, Donald Martin (Dana Andrews), Juan Martines (Anthony Quinn) e Halva Harvey (Francid Ford), de um roubo de gado, e depois descobrem que eles eram inocentes. Dois vaqueiros, Gil Carter (Henry Fonda) e Art Croft (Harry Morgan), que estão de passagem pela cidade, testemunham os fatos e, após a tragédia, Gil lê em voz alta a carta de adeus que Martin escrevera para a sua famíla.
As primeiras cenas do filme transmitem a sensação de vazio e decadência que aflige a maioria dos membros da patrulha (um ex-oficial confederado pomposo que guarda uma segredo de família, uma senhora moralista fanática, um agitador demagogo etc.), sugerindo que a crueldade e a violência coletivas decorrem da incapacidade dessas pessoas de superar as suas deficiências e o seu desespero. Wellman faz uma descrição minuciosa e circunstanciada da expedição punitiva, imprimindo-lhe grande dramaticidade, optando pela filmagem dos exteriores em estúdio para acentuar o tom sombrio e claustrofóbico da história.
BUFFALO BILL / BUFFALO BILL.
Caçador de búfalos, cavaleiro do correio expresso, e batedor do exército, William Cody (Joel McCrea) salva a vida de Louisa (Maureen O’Hara) – filha do Senador Frederici (Moroni Olsen) – com quem vem a se casar. A destruição em massa dos animais traz como consequência a fome entre os Cheyennes que, indignados, declaram guerra aos brancos. Cody põe o chefe Yellow Hand (Anthony Quinn) fora de combate e o governo obtém a vitória. Amargurado pela morte de seu filho e por um sentimento de culpa, ele vai a Washington para defender a causa dos índios. Já famoso como Buffalo Bill graças ao jornalista Ned Buntline (Thomas Mitchell), Cody reconstitui em um espetáculo circense as suas façanhas do passado.
Cinebiografia romanceada de William Frederick Cody, visto aqui como um democrata, denunciando a ganância e a corrupção de capitalistas e políticos. Filmado em soberbo Technicolor e com uma sequência de ação espetacular (a batalha no racho, com duração de nove minutos, incluindo a luta corpo-a-corpo entre Buffalo Bill e Yellow Hand – filmada no estilo típico de Wellman a maior parte da ação escondida do público), o filme antecipa a defesa dos peles-vermelhas feita em Flechas de Fogo/ Broken Arrow, de Delmer Daves, seis anos depois.
CÉU AMARELO / YELLOW SKY.
Sete assaltantes de banco, Strech (Gregory Peck), Dude (Richard Widmark), Lenghty (John Russell), Half Pint (Harry Morgan), Bull Run (Robert Arthur), Walrus (Charles Kemper) e Jed (Robert Adler) penetram em um deserto de sal para escapar de seus perseguidores. Eles chegam a Yellow Sky, uma cidade fantasma. Os únicos habitantes são um velho garimpeiro (James Barton) e sua neta Mike (Anne Baxter). Os bandidos acreditam que o velho tenha uma fortuna escondida e pretendem se apoderar dela. Strech começa a se interessar pela jovem e isto provoca divergências entre ele e o resto do bando.
Logo no início do filme ocorre um trecho memorável: a longa e extenuante travessia do deserto salgado até a chegada ao saloon, onde os assaltantes contemplam o quadro de uma mulher nua. Luxúria, ambição, ciúme, desconfiança e violência são as matérias brutas com as quais Wellman desenvolve as tensões e os conflitos entre o bando de fora-da-lei. Paralelamente a filmagem em locação e a magnífica fotografia (de Joe MacDonald) contrastada (notadamente nas cenas no Vale da Morte e no duelo final) dão integridade visual e consistência ao espetáculo, que foi rodado também na pitoresca Lone Pine.
ASSIM SÃO OS FORTES / ACROSS THE WIDE MISSOURI
Crônica da vida dos caçadores de peles de castor e seu relacionamento com os índios no tempo da Fronteira Selvagem. Entre as cenas de harmonia racial – o líder dos caçadores, Flint Mitchell (Clark Gable), casa-se com a índia Kamiah (Maria Elena Marques), com quem tem um filho -, explode a ira de Iron Shirt (Ricardo Montalban), índio orgulhoso que resiste ao expansionismo comercial dos brancos.
Filmado na linda paisagem do Colorado, o relato conserva a forma de um diário, desenvolvendo os acontecimentos na sua cronologia. Duas sequências inesquecíveis: o último ataque de Iron Shirt, no qual Kamiah morre com uma flechada no peito e o cavalo (que carrega o bebê) sai em desabalada carreira, perseguido por Flint; o cacique vestido com a armadura, passando no meio de uma briga cômica entre os caçadores.
O PODER DA MULHER / WESTWARD THE WOMEN.
Em Chicago, um rico fazendeiro da Califórnia, Roy Whitman (John McIntire), contrata o batedor Nuck Wyatt (Robert Taylor) para guiar uma caravana de cento e quarenta mulheres, esposas por correspondência dos homens de seu rancho. Decidido a vencer todos os obstáculos, Buck impõe uma disciplina rígida. Na viagem, as mulheres aprendem a lutar contra as intempéries, a doença, a sede, os índios. Após este rito de passagem, conquistam o direito de não serem apresentadas imediatamente aos seus futuros parceiros: arrancando os toldos das carroças, elas confeccionam seus vestidos e se tornam novamente femininas.
A idéia (fornecida por Frank Capra, autor da história) de um comboio de futuras esposas enfrentando os perigos de uma travessia pelo deserto é original e Wellman trata o assunto com muita propriedade, providenciando as cenas de ação espectaculares, sem se esquecer do romance (o herói misógino também encontra a mulher de sua vida) nem a emoção (o silêncio sepulcral quando ressoam os nomes das mortas após o ataque dos peles-vermelhas; a mulher que deu à luz durante o percurso e veio ao baile com seu bebê, sendo convidada para dançar).
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Parabens Mestre pelo artigo e sem duvida eu considero "The ox-bow incident" junto com "Shane" os westerns que mais me marcaram quando os vi pela primeira vez.
Este final de ano esta muito bom com mais este seu artigo que o ano novo que se aproxima possa nos trazer mais de suas excelentes crônicas cinematográficas.
Abs
Gosto de ouvir as preferências de leitores ode boa cultura cinematográfica como você porque me dão a esperança de que grande cinema clássico não está esquecido.
Saudações Mestre AC!
Felicita-lo por mais este trabalho, que desta vez realça este grande cineasta, William A. Wellman, hoje quase um tanto esquecido, mas que fez inúmeras obras de importância cinematográfica. Seus faroestes são de extremo expressionismo e realismo, com temáticas bem avançadas para o seu tempo. Grandiosa matéria que nos presenteia como leitores, Prof. AC.
Aproveito para avisar-lhe que pretendo convida-lo brevemente para um evento que ocorrerá na Escola de Rádio do Rio de Janeiro, em fevereiro, uma sessão de autógrafos do meu primeiro livro, “Paladino do Oeste”, volume integrante da Coleção TV ESTRONHO (ED. Estronho, São José dos Pinhais), escrito junto ao amigo Saulo Adami, que como deve saber, foi colaborador também da saudosa “Cinemin”. O livro fala não somente sobre a série de TV estrelada pelo ator de cinema Richard Boone como também enquadramos o universo do Western, em todos os seus estilos e maneiras como foi feito. Deixo desde já meu email para contato para saber mais detalhes sobre o livro e o evento a acontecer: paulotelles2016@bol.com.br
Quero aproveitar e lhe desejar votos de felicidade, saúde e sucesso para 2019, que continue sempre transmitindo seus conhecimentos sobre a Sétima Arte para nós, seus assíduos leitores.
Grande Abraço!
PAULO TELLES
Blog Filmes Antigos Club
http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com/
Prezado Paulo. Fico feliz de saber que você vai lançar seu primeiro livro sobre Have Gun Will Travel, o qual certamente agradará em cheio os fãs dos seriados antigos de TV e dos westerns em geral.Se não me falha a memória o Paladin gostava de citar Keats e Shelley e despachava seus adversários com uma Colt. 44. Richard Boone era muito bom e demonstrou seu talento na tela grande também. No tempo em que eu escrevia no Amigão sobre os seriados da TV para a Manchete a convite do Artur da Távola este seriado não estava passando e portanto não pude comentá-lo, pormem lembro-me um pouco dele, pois já sou um ancião e acompanhei a televisão desde sua introdução no Brasil.