OS FALSOS CARLITOS DO CINEMA

dezembro 8, 2018

Houve vários imitadores de Carlitos e algumas vezes é difícil distinguir quais deles foram imitações inocentes ou “homenagens”, ou contrafacções de má fé do personagem universalmente célebre criado por Charles Chaplin.

O caso mais famoso levado aos tribunais foi contra o ator mexicano Carlos Amador (1892-1974). Embora Amador tivesse pouca semelhança física com o Charles Chaplin original, ele assumiu o pseudônimo de Charlie Alpin e em 1920 estrelou um filme intitulado The Race Track, produzido pela Western Feature Productions, no qual vestia-se como o Vagabundo (com roupa e maquilagem idênticos), copiava os maneirismos de Chaplin, e recriava seus lances cômicos rotineiros. Em 11 de julho de 1925 a Suprema Côrte do Estado da Califórnia decidiu a favor de Chaplin e ordenou que os negativos de The Race Track fossem destruídos. Por intermédio de seus advogados, Amador recorreu da decisão, mas não logrou êxito.

Charles Amador

Amador apareceu em três filmes da Vitagraph estrelados por Larry Semon (Scamps and Scandals; Well, I’ll Be; His Home Sweet Home e ao lado de James Parrott, Jobyna Ralston e Billy West em Bone Dry, todos de 1919, nenhum deles exibido no Brasil. No México foi o protagonista de: El Inocente / 1930; Terrible Pesadilla / 1931; El Dia DelTrabajo / 1935, também inéditos em nossas telas.

Bobby Dunn

Surgiram outras cópias ou “tributos” relacionados  com os atores Bobbie Dunn, Ray Hughes, e outros na Europa, como “Monsieur Jack” (André Sechan) e “Charlie Kaplin” (Ernst Bosser), e há também quem acuse o consagrado Harold Lloyd de ter se inspirado no trabalho de Chaplin para criar o seu personagem, Lonesome Luke; porém os imitadores mais famosos de Carlitos foram Billy West e Billie Ritchie.

 

Harold Lloyd como Lonesome Luke

O imigrante russo Roy B. Weissberg – que passou a usar o nome de William B. West quando estreou no palco aos quatorze anos de idade em 1909 – , usando idêntico traje e maquilagem do tipo chapliniano, copiava tão bem os seus gestos e movimentos, que chegou a fazer com que muitos espectadores o confundissem com o verdadeiro Carlitos, por exemplo, no filme The Rogue, no qual aparecia com Oliver Hardy.

West copiava Chaplin desavergonhadamente, mas com muita habilidade e conquistou o público pela força de seu próprio nome. Em 1917 e 1918 participou de muitos filmes produzidos pela King Bee ao lado de Oliver Hardy, revezando-se na direção Charles Parrott (Charles Chase) e Arvid G. Gillstrom, comparecendo também a atriz Leatrice Joy em alguns deles. Em 1922, abandonou a imitação de Chaplin em favor de um personagem mais elegante, de chapéu de palha e um bigodinho pintado a lapis que aparecia nas comédias feitas na Joan Film Sales Company e depois na Arrow Film Corporation. A partir de 1925, tornou-se produtor de alguns filmes com Oliver Hardy e Bobby Ray e das comédias com a personagem das histórias em quadrinhos “Winnie Winkle” (de Martin Branner), protagonizadas por sua esposa, Ethelyn Gibson.

Billy West em um de seus filmes, tendo a seu lado, à esquerda, Oliver Hardy (de bigode)

Billy West e seu novo personagem

Como ator, assumiu ainda pequenos papéis nos anos 30 primeiro para pequenas companhias independentes e depois para a Columbia (v. g. como um vagabundo em O Venturoso Vagabundo / Hallelujah I’m a Bum / 1933; como um repórter em Aconteceu Naquela Noite It Happened One Night/ 1934; como um ascensorista em O Homem Que Nunca Pecou / The Whole Town’s Talking / 1935). Na Columbia, atuou ainda como assistente de direção e, eventualmente, como gerente do Columbia Grill Restaurant. Morreu em 21 de julho de 1975 de um ataque cardíaco, quando estava saindo da pista de corridas do Hollywood Park. Chaplin nunca moveu ação judicial contra West e consta que certa vez ele viu a companhia de West filmando em uma rua de Hollywood e disse para West: “Você é um ótimo imitador”.

Billy West em O Bode Expiatório

No Brasil, Billy West era muito apreciado, sendo anunciado como “o único rival do aplaudido Carlito”. Embora os anúncios nos jornais da época só mencionassem os títulos em português, conseguí identificar os títulos originais (com exceção de um) dos filmes de West exibidos no Brasil, quais sejam: O Herói / The Hero; O Rival de Cupido ou Torpedeado por Cupido / Cupid’s RivalO Vilão / The Villain; Padeiros e Padarias / Dough NutsCamarins e Camarotes / Back Stage; O Bode Expiatório / The Goat; O Cozinheiro Principal ou O Mestre Cozinheiro / The Chief Cook; Aventuras Prodigiosas de Billy; Polícia Janota / The Fly Cop;  O Vadio The Hobo;  O Maçador / The Pest;  O Pequeno Lambão ou Rapazinho Lambão / The Candy Kid.

Billie Richtie, cujo verdadeiro nome era William Monro, nasceu em Glasgow na Escócia em 1878 e ingressou na Karno Fun Factory and Comedy Troupe, excursionando pelo mundo com Charles Chaplin e Stan Laurel, entre outros. Em 1916, ele deixou a Karno e começou a fazer filmes silenciosos para a companhia L-Ko, fundada por Henry “Pathé” Lehrman (distribuídos pela Universal), transferindo-se depois para o Sunshine Studios da Fox. As iniciais L-KO significavam Lehrman Knock-Out.

Billie Ritchie

Ritchie sempre alegou que Chaplin copiou a maquilagem de seu personagem de bêbado, que criara no palco na Inglaterra e depois reapareceu em solo americano no espetáculo “A Night in the English Music Hall”, embora ele próprio tenha sido apontado como um dos plagiadores de Carlitos. Seu personagem fílmico, chamado  Bill Smith, tinha semelhanças com Carlitos (mesma maquilagem, roupas, bigode e chapéu côco, giros com a bengala, atitudes, maneira de caminhar), porém apresentava uma peculiaridade substancial que o diferenciava do herói chapliniano: era um bêbado rude e agressivo e não um vagabundo mas um homem de uma pretenciosa e indefinida classe social.

Em 1919, avestruzes usados na filmagem de uma comédia atacaram o ator. Este acidente foi um dos muitos exemplos da prática comum de Lehrman de colocar atores em situações perigosas como, por exemplo, deixar vários leões sôltos entre os extras. Em outro filme, Billie foi catapultado para o ar por meio de mangueiras de água de alta pressão. O ataque machucou Billie seriamente e, nos dois anos seguintes, ele ficou confinado ao leito, vindo a falecer vítima de um cancer no estômago em 6 de julho de 1921, aos 42 anos de idade, deixando sua esposa Winifred e uma filha de vinte anos, Wyn. Winifred, parceira de Billie no teatro, foi empregada por Chaplin como responsável pelo guarda-roupa, mostrando que não havia animosidade entre os dois comediantes. Existem três versões quanto à questão de direitos autorais: 1. Chaplin nunca entrou com ação contra Ritchie; 2. Ele moveu ação judicial, mas por alguma razão a tentativa falhou; 3. Eles na verdade processaram-se mutuamente, porém ambas as ações foram julgadas improcedentes.

Billie Ritchie

Billie Richtie fez inúmeros filmes como ator, mas só encontrei nos jornais brasileiros da época (sem poder identificar alguns títulos originais) anúncios de: Endiabrados; A Vingança; Os Policiais Precisam CasarCasamento Fatal / The Fatal Marriage; Leões Esfomeados no Expresso da Meia-Noite / Roaring Lions in the Midnight ExpressLeões a Domicílio; Escapada e Lizzie ou  A Fuga de Lizzie/ Lizzie’s Escape; Amor e Cirurgia / Love and Cirurgy; Pondo Tudo em Papas ou Tudo em PapasA Sogra de Billie; Cupido no Hospital / Cupid in a Hospital, Pecado Dominical. Apareceram ainda outros títulos  em português de comédias que podem ser de Ritchie (v. g. Quando Lizzie Vai Ao Mar), mas sem confirmação. Os periódicos nacionais costumavam chamar Billie de “professor de Carlito e Fatty”. Fatty era Fatty Arbuckle, o queridíssimo Chico Bóia.

Houve ainda um tal de Cardo Charlot, apresentado nos anúncios dos jornais brasileiros no final dos anos dez como “Carlito em carne e osso, autêntico cômico da Studio-Film”. O ilegítimo Carlitos estreou no Teatro República com o seu parceiro Dick. Depois de curta temporada, foi mostrar seus dotes de mímica no Teatro Phoenix e, em seguida, no Grande Circo Pavilhão 7 de Setembro. Nessa oportunidade, destacava-se no programa determinada cena cômica, assim esclarecida: “esta pantomima foi registrada como fita cinematográfica, em 4 partes, na 1ª Companhia da Estudio-Films, no ano de 1914, e figura sob o título Carlito, Hussard da Morte” (cf. Correio da Manhã / RJ de  26 de maio de 1918). O emérito cronista e estudioso da nossa música e cultura popular, Jota Efegê, manifestou-se a respeito do dito anúncio: “Artimanha,  publicidade apócrifa, ou real, procurava-se com ela convencer o público  da legitimidade do famoso cômico, nos palcos e picadeiros cariocas” (Meninos, eu vi, Funarte, 2007).

José Vassalo Jr. / Carlitinhos

 

Finalmente, Jurandyr Noronha, pesquisador do cinema e cineasta, anotou no seu precioso Dicionário de Cinema Brasileiro 1896-1036, EMC Edições, 2008 o título de dois filmes carlitianos: Carlitinhos / 1921 e Carlitomania / 1931. O primeiro,  dirigido por José Medina, era uma comédia de 20 minutos, produzida pela Rossi Film, na qual a imitação de Charles Chaplin foi feita por um menino, José Vassalo Jr. Sobre o segundo, J. Noronha diz apenas que era um misto de ficção e documentário dirigido por Waldemar P. Zornig, sobre antigos profissionais que falam sobre os imitadores de Carlitos. Na revista Cinearte, recolhí mais estas informações: Carlitomania foi produzido pela S. A. Cinematográfica Paulista e seu ator principal era o mesmo José Vassalo, a esta altura, já adulto.

 

5 Responses to “OS FALSOS CARLITOS DO CINEMA”

  1. Parabéns Mestre ,duas excelentes crônicas em 2 dias é muito bom para os admiradores da historia do cinema,

  2. Este artigo é simplesmente excepcional. Informações raras e preciosas, além de interessantíssimas. Fatos como este enriquecem a história do cinema. Leitura obrigatória. Fica a vontade de saber mais sobre todas estas pessoas que capitalizaram sobre a criação memorável de Chaplin.

  3. Prezado Nardini. Você como sempre muito gentil.

  4. Daniel, meu caro amigo, você é um cineasta dotado de extenso saber cinematográfico e qualquer elogio de sua parte é sempre benvindo. Espero que a Itália saiba reconhecer seu imenso talento.

  5. Caro Igor. Seu trabalho sobre Chaplin no Rio de Janeiro é estupendo. Fico contente de ter contribuído – ainda que minimamente – para o surgimento de um excelente pesquisador do cinema clássico. A cultura cinematográfica é muito deficiente em nosso país, principalmente no que diz respeito aos diretores do período silencioso e décadas de 30, 40 e 50. Mas tenho certeza de que você vai preencher esta lacuna e resgatar a obra dos verdadeiros mestres de outrora. Conte comigo para qualquer orientação que se fizer necessária. Um forte abraço.

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