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BETTY BOOP

Ela foi a primeira grande estrela na história da animação, distinguindo-se de outras figuras femininas dos cartoons por não ser definida pelo seu relacionamento a um personagem masculino, como Minnie Mouse ou Olive Oyl (Olívia Palito). Criada por Max Fleischer como caricatura de uma flapper da Era do Jazz com um rosto grande e redondo de bebê em um corpo pequenino, voz de criança, olhos grandes, pestanas longas, usando sempre um vestido bem curtinho e uma liga na perna esquerda, essa linda criatura tornou-se mundialmente conhecida nas telas dos cinemas, seduzindo milhares de fãs.

Betty surgiu em 9 de agosto de 1930 em Dizzy Dishes, sexto desenho deste ano da série Talkartoon do estúdio Fleischer. Destinada a ser a companheira de Bimbo, o astro canino da série, ela fez uma breve aparição como uma cantora de cabaré, parecendo uma poodle francêsa de bochechas inchadas e orelhas curvadas. Durante os seus próximos filmes sua aparência foi sendo gradualmente modificada, até assumir a forma totalmente humana daquela graciosa bonequinha curvilínea e sensual.

Este personagem foi inventado por um veterano da equipe de Fleischer, Grim Natwick, inspirando-se na cantora popular Helen Kane e mais tarde outros dois animadores, Shamus Culhane e Al Eugster, se juntaram a ele como “especialistas” em desenhar Betty Boop. Betty permaneceu como membro do repertório da companhia de Fleischer por todo o ano de 1931, quando finalmente começou a se destacar nos cartoons e firmar a sua própria personalidade.

Helen Kane

Em 1932 Betty tornou-se a estrela dos Talkartoons e lançou sua própria série, que começou com o filme Cine Variedade / Stopping the Show e terminou com A Conquista pela Música / Rhythm on the Reservation, lançado em 7 de julho de 1939, tendo sido aclamada como “The Queen of the Animated Film”.

Em maio de 1932, Helen Kane moveu ação judicial contra Max Fleischer e a Paramount Publix Corporation por terem explorado sua personalidade e imagem. Embora Helen tivesse alcançado a fama no final dos anos vinte como “The Boop-Oop-A-Doo Girl”, estrela do palco, do disco, e de filmes para a Paramount, sua carreira estava quase no fim em 1931. O caso foi levado à Côrte de Justiça de Nova York e, embora as alegações de Helen parecessem válidas à primeira vista, ficou provado que sua aparência não era única. Tanto Helen como o personagem Betty Boop tinham semelhança com a estrela da Paramount Clara Bow. No seu depoimento, Fleischer disse que Betty Boop era puramente um produto de sua imaginação, detalhado pelos membros de sua equipe. Por outro lado, um antigo teste para um filme sonoro, revelou que Helen havia imitado o estilo vocal de uma cantora negra, Baby Esther, da boate Cotton Club no Harlem.

Mae Questel e Max Fleischer

A voz de Betty foi fornecida por Margie Hines, Ann Rotschild, Harriet Lee, Kate Wright, Bonnie Poe e principalmente Mae Questel. A frase “boop-oop-a-doop” foi popularizada por Helen Kane na canção “I Wanna Be Loved By You”, que ela interpretou no musical da Broadway “Good Boy”, produzido em 1928. Mae, cujo verdadeiro nome era Mae Kwestel, emprestou a voz também para Olívia Palito dos desenhos de Popeye e inclusive substituiu Jack Mercer algumas vêzes como a voz do célebre marinheiro.

Betty Boop em Cine Variedade

No seu primeiro desenho oficial, Cine Variedade, Betty Boop aparece como uma artista do vaudeville que faz imitações de Fanny Brice e Maurice Chevalier (a pedido deles) e recebe uma ovação tão grande, que o próximo número de acrobacia do programa não consegue ser executado. Dois desenhos de Betty, Minnie the Moocher e Snow-White, foram construídos em torno de canções de sucesso de Cab Calloway.  Minnie the Moocher definiu o personagem de Betty como uma adolescente da era moderna em discordância com os velhos costumes de seu país. No desenho, após um desentendimento com seus rigorosos progenitores, ela foge de casa acompanhada por seu amigo Bimbo, e os dois se perdem em uma caverna, onde um fantasma em forma de morsa com a voz e movimentos de Calloway canta “Minnie the Moocher”, acompanhado por outros fantasmas e esqueletos. Estas assombrações fazem com que Betty e Bimbo retornem em segurança do lar. Em O Espelho Mágico Snow White, Betty e Koko entram em outra caverna, onde Koko começa a cantar (com a voz de Calloway) “St. James Infirmary Blues”, transforma-se em um fantasma, e continua a sua performance, sempre imitando os passos de dança do grande músico negro.

Betty Boop Secretária

Entretanto, o sexo sempre foi, durante certo tempo, a maior razão de ser do personagem de Betty Boop e de seus filmes. No desenho Betty Boop Secretária / Betty Boop’s Big Boss / 1933, a nossa heroína responde a um anúncio de emprego e quando o patrão pergunta, “O que você sabe fazer?”, Betty responde com uma interpretação coquete de “You’d Be Surprised”. Em Beleza do Circo / Boop-Oop-a-Doop / 1932, Betty é uma artista de circo.  O diretor do circo observa-a lascivamente enquanto ela faz um número de equilibrista no arame, cantando “Do Something”. Quando Betty retorna para a sua tenda, ele segue-a, massageia sensualmente suas pernas, e a ameaça com a perda do emprego, se ela não ceder aos seus instintos. Betty suplica-lhe para que cesse o assédio, cantando “Don’t Take My Boop-Oop-A-Doop Away”. Koko, o palhaço, está praticando seu malabarismo do lado de fora da tenda e ouve a luta lá dentro. Ele sai em socorro de Betty, lutando com o diretor do circo, que o coloca dentro de um canhão e o dispara. Mas Koko se escondera dentro do canhão e derruba seu oponente com um porrete. Koko então indaga sobre o estado físico de Betty e ela responde com a canção “No, he couldn’t take my boop-oop-a-doop away”.

Betty com Popeye em Marinheiro Matadouro                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

Com a adoção do Código de Produção em 1934, o personagem de Betty Boop sofreu mudanças substanciais. Seu corpo foi imediatamente coberto; ela ficou sem a liga, a saia curta e o decote. Os indivíduos devassos que a assediavam foram substituídos por um cachorrinho Pudgy  (em Seu Caro Amiguinho / Betty Boop’s Little Pal / 1934) e um namoradinho humano, Freddie (em Salva do Vilão / She Wronged Him Right / 1934). Os desenhos de Betty serviram também para introduzir dois outros personagens: o marinheiro Popeye em Marinheiro Matamouro / Popeye the Sailor / 1933 e o velho inventor Grampy em Betty e seu Vovô / Betty Boop and Grampy / 1935, e o papel de Betty foi diminuindo em favor de seus novos parceiros. Problema semelhante ocorreu no mesmo período com o Mickey Mouse de Walt Disney, que estava sendo eclipsado pela popularidade de seus parceiros Pato Donald, Pluto e Pateta, sem falar no Popeye de Max Fleischer.

Os animadores tentaram manter os desenhos de Betty interessantes, colocando-a ao lado de personagens populares dos quadrinhos como Henry (Pinduca), The Little King (O Reizinho) e Little Jimmy e, quando se deu a substituição da era das flappers e do jazz – que ela representava – pelas grandes orquestras da era do suíngue, o estúdio Fleischer  tentou desenvolver um personagem neste estilo em Meneia Menina / Sally Swing / 1938 porém não obteve êxito.

Na sua derradeira aparição em A Conquista pela Música, Betty dirige um carro conversível rotulado “Betty Boop’s Swing Band” através de uma reserva de nativos americanos, onde ela apresenta o povo à música do suíngue e cria uma “Swinging Sioux Band”.  Em 11 de agosto de 1939 foi lançado oficialmente mais um desenho de Betty Boop, Polícia por Correspondência / Yip, Yip Yppy, mas Betty não participou dele – foi produzido apenas para o cumprimento  de contrato.

 

Lydia Campos

No Brasil, Betty Boop conquistou muitos admiradores, surgindo várias imitadoras da deliciosa figurinha: a argentina Lydia Campos, que apresentava suas imitações no rádio (era “a Betty Bop da PRA-9” e imitava também o Pato Donald e Popeye) e nos palcos dos cinemas; a espanhola Rosita Castilho (ou Rosa de Castillo), que era também cantora de tangos e foxes e representava no cassino Estância das Mercês em Curitiba e no palco do Palácio-Theatro da mesma cidade; e Cida Tibiriçá, uma das artistas mais populares do rádio paulistano, que inclusive trabalhou no filme brasileiro Fazendo Fita / 1935 (cantando a marcha-carnavalesca “Metamorfose” (Eu Vou na Frente) de Hudson Gaia). Em 1938, passou pelo Brasil, outra imitadora de Betty, a portuguêsa Celeste Grijó, filha do conhecido ator Pinto Grijó, que era radicada na Espanha.

Celeste Grijó

Entre 1934 e 1937 a King Features Syndicate distribuiu os quadrinhos de Betty Boop, desenhados por David Francis “Bud” Counihan. Em 23 de julho de 1934 começaram as tiras diárias e, a partir de 2 de dezembro, as páginas dominicais coloridas. No Brasil, A Gazeta Infantil de São Paulo publicou os quadrinhos de Betty Boop.

Finalmente, como já mencionei no meu artigo “Homenagem ao Camondongo Mickey”, em abril de 1936, Betty Boop foi retratada por Arací Côrtes – na revista “Aleluia” de Joraci Camargo, encenada no Teatro Recreio do Rio de Janeiro -, ao lado de Oscarito (Popeye), Eva Todor (Mickey), Willi Thompson (Al Jolson) e Janot e Lou (Frankenstein e sua noiva).

                                                                FILMOGRAFIA

1930

 

Dizzy Dishes

Dizzy Dishers

Barnacle Bill

Mysterious Mose

1931

The Bum Bandit

Silly Scandals

A Iniciação De Bimbo / Bimbo’s Initiation

Bimbo’s Express

Minding The Baby

Mask-A-Raid

Jack And The Beanstalk

Dizzy Red Riding Hood

Dizzy Red Riding Hood

 

1932

Any Rags

Beleza Do Circo / Boop-Oop-A-Doop

Minnie The Moocher

Swim Or Sink

Crazy Town

A Mestra da Dança / The Dancing Fool

A Morena Bondosa / A Hunting We Will Go

Chess Nuts

Entrada Grátis / Admission Free

O Expresso De Caxanguai / The Betty Boop Limited

Rudy Vallee Melodies

Cine Variedade / Stopping The Show

O Restaurante De Betty Boop / Betty Boop Bizzy Bee

Betty Boop Doutora / Betty Boop, M.D.

Bamboleios De Betty / Betty Boop ‘s Bamboo Isle

De Pernas Para o Ar / Betty Boop’s Ups And Downs

Betty Boop Para Presidente / Betty Boop For President

O Museu de Betty Boop

I’ll Be Glad When You’re Dead You Rascal You

O Museu De Betty Boop / Betty Boop’s Museum

 

 

1933

Por Causa De Um Espirro / Betty Boop’s Ker-Choo

Exposição De Inventos / Betty Boop’s Crazy Inventions

Bola de Cristal / Is My Palm Red

A Casa Mágica / Betty Boop’s Penthouse

 

O Espelho Mágico

 

O Espelho Mágico / Snow White

O Aniversário De Betty / Betty Boop’s Birthday Party

O Piquenique De Betty / Betty Boop’s May Party

Betty Secretária  / Betty Boop’s Big Boss

Betty Boop No País da Carochinha / Mother Goose Land

Marinheiro Matamouro / Popeye The Sailor

Velho da Montanha / The Old Man Of The Mountain

A Mina Encantada / I Heard

Manhã, Tarde e Noite / Morning Noon And Night

Festa Fantástica / Betty Boop’s Halloween Party

Parada de Soldadinhos De Chumbo / Parade Of The Wooden Soldiers

Parada de Soldadinhos de Chumbo

1934

Salva do Vilão / She Wronged Him Right

Sonho De Uma Noite De Inverno / Red Hot Mama

Tudo Ri / Ha! Ha! Ha!

Betty Boop No País Das Maravilhas / Betty In Blunderland

A Transformista / Betty Boop’s Rise To Fame

Betty Boop No Tribunal / Betty Boop’s Trial

Betty Vira Sereia / Betty Boop’s Lifeguard

Maria Borralheira / Poor Cinderella

Namorada De Soldado / There’s Something About A Soldier

Seu Caro Amiguinho / Betty Boop’s Little Pal

Herói e Vilão / Betty Boop’s Prize Show

Sempre Da Pontinha / Keep In Style

When My Ship Comes In

1935

Arte Feita, Arte Desfeita / Baby Be Good

O Gato Faz Das Suas / Taking The Blame

Na Paz Do Campo / Stop That Noise

A Mosca Tonta / Swat The Fly

Não! Mil Vêzes Não! / No! No! A Thousand Times No!

A Little Soap And Water

A Language All My Own

Betty e Seu Vovô / Betty Boop And Grampy

Judge For A Day

Noite de Estrelas / Making Stars

Vem Cá, Passarinho / Betty Boop, With Henry, The Funniest Living American

1936

Herói Canino / Little Nobody

Betty e o Reizinho

Betty e o Reizinho / Betty Boop And The Little King

Dó, Ré, Mi …  Au!  / Not Now

Inflação de Deflação / Betty Boop And Little Jimmy

Castigo Sem Razão / We Dit It

Uma Canção Por Dia / A Song A Day

A Máquina de Vigor / More Pep

Por Mau Exemplo / You’re Not Built That Way

Final Feliz / Happy You And Merry Me

Training Pigeons

As Invenções do Vovô (com Grampy)

As Invenções do Vovô / Grampy’s Indoor Outing

Sejamos Humanos / Be Human

Amigos Novos / Making Friends

1937

O Vovô Chega A Tempo / House Cleaning Blues

Whoops! I’m A Cowboy

O Vendedor de Bugigangas / The Hot Air Salesman

Palco em Polvorosa / Pudgy Takes A Bow-Wow

Remorso Canino / Pudgy Picks A Fight

O Engraçado Castigado / The Impractical Joker

Ensaios de Bombeiros ou Bombeiros de Betty / Ding Dong Doggie

O Perfeito Candidato / The Candid Candidate

Hotel do Bom Sorriso / Service With A Smile

Teatro Zoológico / The New Deal Show

O Caçador Saiu Caçado / The Foxy Hunter

Fugindo Aos Selvagens / Zula Hula

Fugindo aos Selvagens

1938

Perdido No Subterrâneo / Riding The Rails

Tudo À Moderna / Be Up To Date

Amor À Maneira Clássica / Honest Love And True

Saída Do Tinteiro / Out of The Inkwell

Vamos À Lição / Swing School

Pudgy And The Lost Kitten

Buzzy Boop At Concert / Concerto de Gala

Cão de Guarda / Pudgy The Watchman

Buzzy Boop At The Concert

Meneia, Menina / Sally Swing

On With The New

O Herói Saiu Burlado / Pudgy In Thrills And Chills

1939

O Tocador de Realejo / My Friend The Monkey

Entre Montanheses / / Musical Mountaineers

Corvos na Seara / The Scared Crows

Betty em A Conquista pela Música

A Conquista Pela Música / Rhythm on The Reservation

Obs. Encontrei o título em português Cantices de Totó, exibido em janeiro de 1936 no Cine Glória / RJ e em abril de 1938 no Cine Rex / Rj e também, Politica Rimada, exibido no Cinema Imperial de Santa Catarina em junho de 1935, mas não foi possível identificar o título original. Podem ser novos títulos de desenhos já identificados … ou não.

OS WESTERNS DE WILLIAM WELLMAN

Já escreví artigos sobre os westerns de Anthony Mann, Delmer Daves, John Ford, John Sturges, Sam Peckinpah, Andre De Toth, Raoul Walsh e estava faltando outro diretor que usou seu talento para nos brindar com algumas obras notáveis do “cinema americano por excelência”: William Wellman.

Jovem inquieto e rebelde, ele foi preso por roubo de carro  (queria apenas dar uma volta) e expulso da escola secundária, para se destacar como jogador de hockey no gêlo, chamando a atenção de Douglas Fairbanks, fã deste esporte. Fairbanks lhe disse: “Se algum dia precisar de emprego, vai para Hollywood, e me procure”. Durante a Primeira Grande Guerra, Wellman incorporou-se à esquadrilha Lafayette Flying Corps, unidade de elite francêsa integrada exclusivamente por pilotos norte-americanos. Nesta ocasião, recebeu o apelido de “Wild Bill”, porque se oferecia como voluntário para voar sozinho em missões perigosas, penetrando muitas vezes nas linhas inimigas em vôo razante. Ferido em combate, recebeu a Croix de Guerre e outras condecorações. Após seu restabelecimento, prestou serviço como instrutor de vôo na Base Rockwell em San Diego.

Desligado após o armistício, conheceu a atriz Helene Chadwick, e se introduziu no mundo do cinema. Lembrando-se do convite de Fairbanks, ao saber que o ator ia dar uma festa no seu campo de polo particular, vestiu seu uniforme cheio de medalhas e, depois de fazer umas piruetas no ar, aterrissou suavemente na extremidade do campo em frente dos anfitriões e de seus convidados A estratégia surtiu efeito e Fairbanks contratou-o como ator de seu próximo filme Audaz e Caprichoso / The Knickerbocker Buckaroo / 1919. Em três anos, Wellman foi progredindo de mensageiro a aderecista e assistente de direção e, em 1923, finalmente estreou como diretor na Fox, responsabilizando-se pelo filme Redenção de uma Alma / The Man Who Won, com Dustin Farnum interpretando um personagem por coincidência chamado Wild Bill. Gradualmente, Wellman passou de diretor de filmes de baixo orçamento (entre eles seis westerns com Buck Jones) para as grandes produções e, em 1927 já havia firmado uma reputação, que lhe permitiu assinar um contrato com a Paramount para a realização de Asas Wings, primeiro filme premiado com o Oscar.

Do final dos anos vinte até 1939, Wellman, como diretor contratado de um estúdio, realizou – entremeados com produções rotineiras de Hollywood – filmes importantes, alguns brutalmente realistas, outros poéticos, comoventes, nos quais se distinguia a sua habilidade técnica:  Mendigos da Vida / Beggars of Life / 1928, O Inimigo Público / The Public Enemy / 1930, Preço do Dever / The Star Witness / 1931, Safe in Hell / 1931, Fome Por Glória Heroes for Sale / 1933, Idade Perigosa / Wild Boys of the Road / 1933, O Bandoleiro do Eldorado / The Robin Hood of El Dorado / 1935, Garota do Interior / Small Town Girl / 1936,  Nasce uma Estrela / A Star is Born / 1937, Beau Geste / Beau Geste / 1939, Luz Que Se Apaga / The Light That Failed / 1939.

O prestígio de Wellman aumentou ainda mais nos anos 40 e 50 com Consciências Mortas / The Ox-Bow Incident / 1943; Buffalo Bill / Buffalo Bill / 1944, Também Somos Seres Humanos / The Story of G. I. Joe / 1945, Jornada Gloriosa / Gallant Journey, Céu Amarelo / Yellow Sky / 1948, O Preço da Glória / Battleground / 1949, Assim São Os Fortes / Across the Wide Missouri / 1951 e O Poder da Mulher / Westward the Women / 1951. Recordo brevemente neste artigo seus melhores westerns.

Loretta Young e Clark Cable em Grito das Selvas

O  GRITO DAS SELVAS / THE CALL OF THE WILD.

Em Skagway no Yukon, em 1900, durante a corrida do ouro, o garimpeiro Clark Thornton (Clark Gable) perde todo seu dinheiro em um jôgo de cartas. “Shorty” Hoolihan (Jack Oakie), récem saído da cadeia após ter cumprido pena de seis mêses por ter aberto correspondência indevidamente, revela a Thornton a existência de uma carta que ele leu, enviada por um garimpeiro doente, Martin Blake, pouco antes de morrer, para seu filho John (Frank Conroy), que continha um mapa indicando o local de uma mina de ouro. Shorty guardou-o na memória e embora reconhecendo que deve estar faltando alguns detalhes, propõe a Thornton uma sociedade, depois de ter contado a ele que John Blake e sua esposa deixaram Skagway naquele dia, com o mapa, em direção à mina. Quando vão comprar seus mantimentos, Jack e Shorty encontram Mr. Smith  (Reginald Owen), inglês rico e sádico que deseja comprar um indomável cão São Bernardo chamado Buck, para que possa matá-lo. Porém é Thornton quem compra Buck, nascendo uma grande amizade entre o dono e seu animal. Durante a jornada em direção à mina, Thornton e Shorty encontram a mulher de John Blake, Claire (Loretta Young), cercada por lobos, e ela explica que seu marido desapareceu há dias, procurando alimento. Acreditando que ele está morto, Thornton obriga Claire a seguir com eles para Dawson. No caminho, eles simpatizam um com o outro e ela concorda em se associar aos dois parceiros, para encontrar o ouro. Após alguns acontecimentos, chegam à mina e Shorty parte para registrar a posse. Enquanto isso, John Blake, que estava vivo, é obrigado a conduzir Mr. Smith até a mina e, lá chegando, o inglês manda um de seus capangas agredí-lo. Smith rende Thornton e Claire, e leva o ouro; mas morre com seus homens, quando sua canoa vira na correnteza de um rio. Depois que Buck encontra Blake, Thornton o leva para a cabana, onde ele e Claire cuidam dele. Claire diz a Thornton que, embora o ame, Blake precisa dela. Depois que os Blake partem, Buck se junta aos lobos e se torna papai e Thorton fica sozinho no inverno. Porém no verão Shorty retorna com o registro da mina e uma esposa índígena, que ele ganhou em um jogo de dados, para ser a cozinheira deles.

Jack Oakie e Clark Gable em O Grito das Selvas

Este northernwestern (passado acima do Paralelo 49 v. g. Canadá ou Alasca) é uma adaptação livre (e audaciosa, tendo em vista o Código de Censura aplicado na época) do romance clássico de Jack London, na qual o papel do cão Buck é diminuído e o foco principal da história passa a ser o romance entre Thornton e Claire. As primeiras sequências, por sua violência, situam o ambiente e o caráter dos personagens e o movimento rápido da ação dá vivacidade ao filme. Os numerosos exteriores nas montanhas e florestas cobertas pela neve são esplendidamente fotografadas por Charles Rosher. A amizade entre Thornton e Buck é realmente tocante e este cão magnífico representa como um verdadeiro artista. Muito bonita a cena em que Thorton brinca com Buck e o acaricia, a fim de lhe suprimir o irresistível desejo de se reunir com a mata e seus congêneres e também a cena em que Claire faz um carinho no animal encontrando a mão de Thorton fazendo a mesma coisa, manifestando assim seu amor recíproco sem se falarem.

Warner Baxter em O Bandoleiro do Eldorado

BANDOLEIRO DO ELDORADO / THE ROBIN HOOD OF EL DORADO.

Em 1849, o México havia cedido a Califórnia para os Estados Unidos, tornando a vida quase impossível para a população mexicana devido a afluência de americanos sedentos por terras e ouro. O fazendeiro Joaquin Murietta (Warner Baxter) caça e mata os estupradores que assassinaram sua mulher Rosita (Margo) e é considerado um fora-da-lei. A recompensa pela sua captura aumenta, quando ele subsequentemente mata um grupo de americanos bêbados, que lincharam brutalmente seu meio-irmão. Unindo-se ao bandido Three-Fingered Jack (J. Carroll Naish), Murietta torna-se um vingador, parecido com o Zorro, saqueando e aterrorizando os grileiros ianques. Quando Joaquin decide deixar a vida de bandidagem, ele e seus homens são atacados. Uma batalha sensacional resulta na morte de Three-Fingered Jack e o massacre dos homens de Joaquin. Ferido, ele escapa apenas para morrer junto à sepultura de sua querida esposa.

Biografia romanceada do líder de um grupo de bandidos da Califórnia em meados do século XIX. Interessado pelo tema da injustiça (que desenvolveria em Consciências Mortas), Wellman arranjou circunstâncias atenuantes suficientes para absolver Murieta. A narrativa é dinâmica e contém boas cenas, como o enforcamento do meio-irmão do herói enquanto este é chicoteado; a festa no acampamento, colorida de exotismo, e a perseguição entre matas e rochas até o fugitivo cair morto sobre o túmulo de sua amada.

Cena de Consciências Mortas

CONSCIÊNCIAS MORTAS / THE OX-BOW INCIDENT.

Reflexão sombria sobre a intolerância e um requisitório contra o linchamento, mostrando a insensibilidade humana e a histeria da multidão em uma comunidade da fronteira. Em Bridge’s Well, no Nevada, um grupo de cidadãos raivosos e neuróticos, tomando a lei em suas próprias mãos, enforca três suspeitos, Donald Martin (Dana Andrews), Juan Martines (Anthony Quinn) e Halva Harvey (Francid Ford), de um roubo de gado, e depois descobrem que eles eram inocentes. Dois vaqueiros, Gil Carter (Henry Fonda) e Art Croft (Harry Morgan), que estão de passagem pela cidade, testemunham os fatos e, após a tragédia, Gil lê em voz alta a carta de adeus que Martin escrevera para a sua famíla.

As primeiras cenas do filme transmitem a sensação de vazio e decadência que aflige a maioria dos membros da patrulha (um ex-oficial confederado pomposo que guarda uma segredo de família, uma senhora moralista fanática, um agitador demagogo etc.), sugerindo que a crueldade e a violência coletivas decorrem da incapacidade dessas pessoas de superar as suas deficiências e o seu desespero. Wellman faz uma descrição minuciosa e circunstanciada da expedição punitiva, imprimindo-lhe grande dramaticidade, optando pela filmagem dos exteriores em estúdio para acentuar o tom sombrio e claustrofóbico da história.

Joel McCrea e Maureen O’Hara em Buffalo Bill

BUFFALO BILL / BUFFALO BILL.

Caçador de búfalos, cavaleiro do correio expresso, e batedor do exército, William Cody (Joel McCrea) salva a vida de Louisa (Maureen O’Hara) – filha do Senador Frederici (Moroni Olsen) – com quem vem a se casar. A destruição em massa dos animais traz como consequência a fome entre os Cheyennes que, indignados, declaram guerra aos brancos. Cody põe o chefe Yellow Hand (Anthony Quinn) fora de combate e o governo obtém a vitória. Amargurado pela morte de seu filho e por um sentimento de culpa, ele vai a Washington para defender a causa dos índios. Já famoso como Buffalo Bill graças ao jornalista Ned Buntline (Thomas Mitchell), Cody reconstitui em um espetáculo circense  as suas façanhas do passado.

Wellman, McCrea e o montador James B. Clark na filmagem de Buffalo Bill

Cinebiografia romanceada de William Frederick Cody, visto aqui como um democrata, denunciando a ganância e a corrupção de capitalistas e políticos. Filmado em soberbo Technicolor e com uma sequência de ação espetacular (a batalha no racho, com duração de nove minutos, incluindo  a luta corpo-a-corpo entre Buffalo Bill e Yellow Hand – filmada no estilo típico de Wellman  a maior parte da ação escondida do público), o filme antecipa a defesa dos peles-vermelhas feita em Flechas de Fogo/ Broken Arrow, de Delmer Daves, seis anos depois.

 

CÉU AMARELO / YELLOW SKY.

Sete assaltantes de banco, Strech (Gregory Peck), Dude (Richard Widmark), Lenghty (John Russell), Half Pint (Harry Morgan), Bull Run (Robert Arthur), Walrus (Charles Kemper) e Jed (Robert Adler) penetram em um deserto de sal para escapar de seus perseguidores. Eles chegam a Yellow Sky, uma cidade fantasma. Os únicos habitantes são um velho garimpeiro (James Barton) e sua neta Mike (Anne Baxter). Os bandidos acreditam que o velho tenha uma fortuna escondida e pretendem se apoderar dela. Strech começa a se interessar pela jovem e isto provoca divergências entre ele e o resto do bando.

Cena de Céu Amarelo

Cena de Céu Amarelo

Logo no início do filme ocorre um trecho memorável: a longa e extenuante travessia do deserto salgado até a chegada ao saloon, onde os assaltantes contemplam o quadro de uma mulher nua. Luxúria, ambição, ciúme, desconfiança e violência são as matérias brutas com as quais Wellman desenvolve as tensões e os conflitos entre o bando de fora-da-lei. Paralelamente a filmagem em locação e a magnífica fotografia (de Joe MacDonald) contrastada (notadamente nas cenas no Vale da Morte e no duelo final) dão integridade visual e consistência ao espetáculo, que foi rodado também na pitoresca Lone Pine.

Clark Cable em Assim São Os Fortes

Ricardo Montalban em Assim São Os Fortes

ASSIM SÃO OS FORTES / ACROSS THE WIDE MISSOURI

Crônica da vida dos caçadores de peles de castor e seu relacionamento com os índios no tempo da Fronteira Selvagem. Entre as cenas de harmonia racial – o líder dos caçadores, Flint Mitchell (Clark Gable), casa-se com a índia Kamiah (Maria Elena Marques), com quem tem um filho -, explode a ira de Iron Shirt (Ricardo Montalban), índio orgulhoso que resiste ao expansionismo comercial dos brancos.

Filmado na linda paisagem do Colorado, o relato conserva a forma de um diário, desenvolvendo os acontecimentos na sua cronologia. Duas sequências inesquecíveis: o último ataque de Iron Shirt, no qual Kamiah morre com uma flechada no peito e o cavalo (que carrega o bebê) sai em desabalada carreira, perseguido por Flint; o cacique vestido com a armadura, passando no meio de uma briga cômica entre os caçadores.

Cena de O Poder da Mulher

O PODER DA MULHER / WESTWARD THE WOMEN.

Em Chicago, um rico fazendeiro da Califórnia, Roy Whitman (John McIntire), contrata o batedor Nuck Wyatt (Robert Taylor) para guiar uma caravana de cento e quarenta mulheres, esposas por correspondência dos homens de seu rancho. Decidido a vencer todos os obstáculos, Buck impõe uma disciplina rígida. Na viagem, as mulheres aprendem a lutar contra as intempéries, a doença, a sede, os índios. Após este rito de passagem, conquistam o direito de não serem apresentadas imediatamente  aos seus futuros parceiros: arrancando os toldos das carroças, elas confeccionam seus vestidos e se tornam novamente femininas.

A idéia (fornecida por Frank Capra, autor da história) de um comboio de futuras esposas enfrentando os perigos de uma travessia pelo deserto é original e Wellman trata o assunto com muita propriedade, providenciando as cenas de ação espectaculares, sem se esquecer do romance (o herói misógino também encontra a mulher de sua vida) nem a emoção (o silêncio sepulcral quando ressoam os nomes das mortas após o ataque dos peles-vermelhas; a mulher que deu à luz durante o percurso e veio ao baile com seu bebê, sendo convidada para dançar).

OS FALSOS CARLITOS DO CINEMA

Houve vários imitadores de Carlitos e algumas vezes é difícil distinguir quais deles foram imitações inocentes ou “homenagens”, ou contrafacções de má fé do personagem universalmente célebre criado por Charles Chaplin.

O caso mais famoso levado aos tribunais foi contra o ator mexicano Carlos Amador (1892-1974). Embora Amador tivesse pouca semelhança física com o Charles Chaplin original, ele assumiu o pseudônimo de Charlie Alpin e em 1920 estrelou um filme intitulado The Race Track, produzido pela Western Feature Productions, no qual vestia-se como o Vagabundo (com roupa e maquilagem idênticos), copiava os maneirismos de Chaplin, e recriava seus lances cômicos rotineiros. Em 11 de julho de 1925 a Suprema Côrte do Estado da Califórnia decidiu a favor de Chaplin e ordenou que os negativos de The Race Track fossem destruídos. Por intermédio de seus advogados, Amador recorreu da decisão, mas não logrou êxito.

Charles Amador

Amador apareceu em três filmes da Vitagraph estrelados por Larry Semon (Scamps and Scandals; Well, I’ll Be; His Home Sweet Home e ao lado de James Parrott, Jobyna Ralston e Billy West em Bone Dry, todos de 1919, nenhum deles exibido no Brasil. No México foi o protagonista de: El Inocente / 1930; Terrible Pesadilla / 1931; El Dia DelTrabajo / 1935, também inéditos em nossas telas.

Bobby Dunn

Surgiram outras cópias ou “tributos” relacionados  com os atores Bobbie Dunn, Ray Hughes, e outros na Europa, como “Monsieur Jack” (André Sechan) e “Charlie Kaplin” (Ernst Bosser), e há também quem acuse o consagrado Harold Lloyd de ter se inspirado no trabalho de Chaplin para criar o seu personagem, Lonesome Luke; porém os imitadores mais famosos de Carlitos foram Billy West e Billie Ritchie.

 

Harold Lloyd como Lonesome Luke

O imigrante russo Roy B. Weissberg – que passou a usar o nome de William B. West quando estreou no palco aos quatorze anos de idade em 1909 – , usando idêntico traje e maquilagem do tipo chapliniano, copiava tão bem os seus gestos e movimentos, que chegou a fazer com que muitos espectadores o confundissem com o verdadeiro Carlitos, por exemplo, no filme The Rogue, no qual aparecia com Oliver Hardy.

West copiava Chaplin desavergonhadamente, mas com muita habilidade e conquistou o público pela força de seu próprio nome. Em 1917 e 1918 participou de muitos filmes produzidos pela King Bee ao lado de Oliver Hardy, revezando-se na direção Charles Parrott (Charles Chase) e Arvid G. Gillstrom, comparecendo também a atriz Leatrice Joy em alguns deles. Em 1922, abandonou a imitação de Chaplin em favor de um personagem mais elegante, de chapéu de palha e um bigodinho pintado a lapis que aparecia nas comédias feitas na Joan Film Sales Company e depois na Arrow Film Corporation. A partir de 1925, tornou-se produtor de alguns filmes com Oliver Hardy e Bobby Ray e das comédias com a personagem das histórias em quadrinhos “Winnie Winkle” (de Martin Branner), protagonizadas por sua esposa, Ethelyn Gibson.

Billy West em um de seus filmes, tendo a seu lado, à esquerda, Oliver Hardy (de bigode)

Billy West e seu novo personagem

Como ator, assumiu ainda pequenos papéis nos anos 30 primeiro para pequenas companhias independentes e depois para a Columbia (v. g. como um vagabundo em O Venturoso Vagabundo / Hallelujah I’m a Bum / 1933; como um repórter em Aconteceu Naquela Noite It Happened One Night/ 1934; como um ascensorista em O Homem Que Nunca Pecou / The Whole Town’s Talking / 1935). Na Columbia, atuou ainda como assistente de direção e, eventualmente, como gerente do Columbia Grill Restaurant. Morreu em 21 de julho de 1975 de um ataque cardíaco, quando estava saindo da pista de corridas do Hollywood Park. Chaplin nunca moveu ação judicial contra West e consta que certa vez ele viu a companhia de West filmando em uma rua de Hollywood e disse para West: “Você é um ótimo imitador”.

Billy West em O Bode Expiatório

No Brasil, Billy West era muito apreciado, sendo anunciado como “o único rival do aplaudido Carlito”. Embora os anúncios nos jornais da época só mencionassem os títulos em português, conseguí identificar os títulos originais (com exceção de um) dos filmes de West exibidos no Brasil, quais sejam: O Herói / The Hero; O Rival de Cupido ou Torpedeado por Cupido / Cupid’s RivalO Vilão / The Villain; Padeiros e Padarias / Dough NutsCamarins e Camarotes / Back Stage; O Bode Expiatório / The Goat; O Cozinheiro Principal ou O Mestre Cozinheiro / The Chief Cook; Aventuras Prodigiosas de Billy; Polícia Janota / The Fly Cop;  O Vadio The Hobo;  O Maçador / The Pest;  O Pequeno Lambão ou Rapazinho Lambão / The Candy Kid.

Billie Richtie, cujo verdadeiro nome era William Monro, nasceu em Glasgow na Escócia em 1878 e ingressou na Karno Fun Factory and Comedy Troupe, excursionando pelo mundo com Charles Chaplin e Stan Laurel, entre outros. Em 1916, ele deixou a Karno e começou a fazer filmes silenciosos para a companhia L-Ko, fundada por Henry “Pathé” Lehrman (distribuídos pela Universal), transferindo-se depois para o Sunshine Studios da Fox. As iniciais L-KO significavam Lehrman Knock-Out.

Billie Ritchie

Ritchie sempre alegou que Chaplin copiou a maquilagem de seu personagem de bêbado, que criara no palco na Inglaterra e depois reapareceu em solo americano no espetáculo “A Night in the English Music Hall”, embora ele próprio tenha sido apontado como um dos plagiadores de Carlitos. Seu personagem fílmico, chamado  Bill Smith, tinha semelhanças com Carlitos (mesma maquilagem, roupas, bigode e chapéu côco, giros com a bengala, atitudes, maneira de caminhar), porém apresentava uma peculiaridade substancial que o diferenciava do herói chapliniano: era um bêbado rude e agressivo e não um vagabundo mas um homem de uma pretenciosa e indefinida classe social.

Em 1919, avestruzes usados na filmagem de uma comédia atacaram o ator. Este acidente foi um dos muitos exemplos da prática comum de Lehrman de colocar atores em situações perigosas como, por exemplo, deixar vários leões sôltos entre os extras. Em outro filme, Billie foi catapultado para o ar por meio de mangueiras de água de alta pressão. O ataque machucou Billie seriamente e, nos dois anos seguintes, ele ficou confinado ao leito, vindo a falecer vítima de um cancer no estômago em 6 de julho de 1921, aos 42 anos de idade, deixando sua esposa Winifred e uma filha de vinte anos, Wyn. Winifred, parceira de Billie no teatro, foi empregada por Chaplin como responsável pelo guarda-roupa, mostrando que não havia animosidade entre os dois comediantes. Existem três versões quanto à questão de direitos autorais: 1. Chaplin nunca entrou com ação contra Ritchie; 2. Ele moveu ação judicial, mas por alguma razão a tentativa falhou; 3. Eles na verdade processaram-se mutuamente, porém ambas as ações foram julgadas improcedentes.

Billie Ritchie

Billie Richtie fez inúmeros filmes como ator, mas só encontrei nos jornais brasileiros da época (sem poder identificar alguns títulos originais) anúncios de: Endiabrados; A Vingança; Os Policiais Precisam CasarCasamento Fatal / The Fatal Marriage; Leões Esfomeados no Expresso da Meia-Noite / Roaring Lions in the Midnight ExpressLeões a Domicílio; Escapada e Lizzie ou  A Fuga de Lizzie/ Lizzie’s Escape; Amor e Cirurgia / Love and Cirurgy; Pondo Tudo em Papas ou Tudo em PapasA Sogra de Billie; Cupido no Hospital / Cupid in a Hospital, Pecado Dominical. Apareceram ainda outros títulos  em português de comédias que podem ser de Ritchie (v. g. Quando Lizzie Vai Ao Mar), mas sem confirmação. Os periódicos nacionais costumavam chamar Billie de “professor de Carlito e Fatty”. Fatty era Fatty Arbuckle, o queridíssimo Chico Bóia.

Houve ainda um tal de Cardo Charlot, apresentado nos anúncios dos jornais brasileiros no final dos anos dez como “Carlito em carne e osso, autêntico cômico da Studio-Film”. O ilegítimo Carlitos estreou no Teatro República com o seu parceiro Dick. Depois de curta temporada, foi mostrar seus dotes de mímica no Teatro Phoenix e, em seguida, no Grande Circo Pavilhão 7 de Setembro. Nessa oportunidade, destacava-se no programa determinada cena cômica, assim esclarecida: “esta pantomima foi registrada como fita cinematográfica, em 4 partes, na 1ª Companhia da Estudio-Films, no ano de 1914, e figura sob o título Carlito, Hussard da Morte” (cf. Correio da Manhã / RJ de  26 de maio de 1918). O emérito cronista e estudioso da nossa música e cultura popular, Jota Efegê, manifestou-se a respeito do dito anúncio: “Artimanha,  publicidade apócrifa, ou real, procurava-se com ela convencer o público  da legitimidade do famoso cômico, nos palcos e picadeiros cariocas” (Meninos, eu vi, Funarte, 2007).

José Vassalo Jr. / Carlitinhos

 

Finalmente, Jurandyr Noronha, pesquisador do cinema e cineasta, anotou no seu precioso Dicionário de Cinema Brasileiro 1896-1036, EMC Edições, 2008 o título de dois filmes carlitianos: Carlitinhos / 1921 e Carlitomania / 1931. O primeiro,  dirigido por José Medina, era uma comédia de 20 minutos, produzida pela Rossi Film, na qual a imitação de Charles Chaplin foi feita por um menino, José Vassalo Jr. Sobre o segundo, J. Noronha diz apenas que era um misto de ficção e documentário dirigido por Waldemar P. Zornig, sobre antigos profissionais que falam sobre os imitadores de Carlitos. Na revista Cinearte, recolhí mais estas informações: Carlitomania foi produzido pela S. A. Cinematográfica Paulista e seu ator principal era o mesmo José Vassalo, a esta altura, já adulto.

 

FRANK LLOYD

Diretor tecnicamente habilidoso, esquecido por alguns dicionários de cinema, ele realizou um punhado de clássicos de Hollywood nos anos 30, notabilizando-se especialmente no melodrama de época e aventura marítima, romântica ou histórica. Com seu estilo simples e despretencioso arrebatou o Oscar de Melhor Diretor por A Divina Dama / The Divine Lady em 1929 e Cavalcade / Cavalcade em 1933. O próprio Cavalcade e outro filme que dirigiu, O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935, também conquistaram o troféu da Academia e, além disso, outros dois filmes, Regeneração / Weary River e O Parasita / Drag, concorreram ao prêmio por Melhor Direção em 1929. Releva notar que Lloyd funcionou muitas vêzes também como roteirista e produtor.

Frank Lloyd

Sua carreira cinematográfica se estende dos tempos pioneiros do cinema silencioso, quando estreou como ator em 1913, através da “idade de ouro” de Hollywood nos anos 20, 30 e 40, até sua despedida como diretor em duas modestas produções na Republic em 1954 e 1955. Lloyd sempre se sentiu confortável sob o sistema de estúdio e nunca desejou ser um “autor”, mas sim proporcionar ao público um bom divertimento.

Frank William George Lloyd (1886-1960) nasceu em Glasgow, Escócia, filho de um engenheiro naval. Após atuar como ator em Londres, incluindo quinze semanas no Shepherd’s Bush Theatre, emigrou para o Canadá em 1909, e ali trabalhou em uma fazenda até que um encontro casual em Winipeg com a Walker Theatrical Enterprises, pequena companhia itinerante, encorajou-o a voltar para o teatro. Quando se apresentou em Edmonton, Alberta, conheceu sua futura esposa Alma Heller, que interpretava papéis de criada na Lewis and Lake Company.

Como ator, Lloyd também subiu ao palco no Century Theatre de Los Angeles em 1913 e, seguindo o conselho de um colega, pediu e obteve emprego na Universal, comparecendo em mais de cinquenta filmes, a maioria de um e dois rolos, quase sempre como vilão. Destes, o mais importante foi o drama histórico de seis rolos, Damon e Pythias / Damon and Pythias / 1914, estrelado por William Worthington e Herbert Rawlinson nos papéis título sob a direção de Otis Turner. Lloyd tinha o papel proeminente de Dyonisius, “o tirano de Siracusa” e a revista The Moving Picture World descreveu sua performance como “conscienciosa”.

Cena de Damon and Pythias

Lloyd atuou sob as ordens de outros diretores, inclusive a mais famosa das diretoras do cinema mudo, Lois Weber, porém foi com Otis Turner, então descrito como  “O Decano dos Diretores da Universal“, que ele aprendeu o ofício de realizador de filmes. Quando Turner fez uma viagem de férias a Nova York, a Frank Lloyd foi oferecida a oportunidade de assumir a direção, realizando ao todo 40 filmes de um e dois rolos.

No verão de 1915, Lloyd deixou a Universal para ingressar na recém-formada Pallas Pictures Inc., cujos filmes eram distribuídos pela Paramount e que, ao contrário da Universal, estava empenhada em produzir somente longas-metragens. A Pallas estava associada e dividia o estúdio com a Oliver Morosco Photoplay Co. e, dentro de poucas semanas, Lloyd estava dirigindo filmes para ambas as companhias.

O primeiro filme de Lloyd na Pallas foi The Gentleman from Indiana/ 1915, superprodução estrelada por Dustin Farnum, que ele dirigiria novamente em David Garrick / David Garrick/ 1916, baseado em uma peça sobre o famoso ator inglês do século XVIII e em Depois da Batalha/ The Call of the Cumberlands/ 1916, baseado em uma peça de ambiente rural. Além desses dois, Lloyd dirigiu mais nove filmes para a Pallas / Oliver Morosco / Paramount: Jane / 1915, The Reform Candidate / 1915, The Tongues of Men / 1916,  Madame La PresidenteMadame la Presidente / 1916, The Code of Marcia Gray / 1916, The Making of Maddalena / 1916, Casamento Internacional /  An International Marriage / 1916, The Stronger Love / 1916 e A IntrigaThe Intrigue.

William Farnum em A Tale of Two Cities

Entre 1916 e o final de sua carreira na Pallas e 1922, início de seu contrato com a Associated First National, Lloyd prestou serviço à Fox e à Goldwyn. Ele dirigiu um total de 28 longas – metragens, sendo 15 filmes na Fox ( Pecado de MãeSins of Her Parent/ 1916, O Poder do AmorThe Kingdom  of Love / 1917, O Preço do Silêncio / The Price of Silence/ 1917*, Thermidor/ A Tale of Two Cities / 1917*, Métodos Americanos / American Methods / 1917*, Febre de Vingança/ When a Man Sees Red / 1917*, Coração de Leão/ The Heart of a Lion/ 1917*, Os Miseráveis / Les Miserables / 1918*, O Cancro da Sociedade/ The Blindness of Divorce / 1918, Sangue Nobre / True Blue / 1918*, O Vingador Peregrino / Riders of the Purple Sage / 1918*, A Volta do Vingador / The Rainbow Trail / 1918*, Sacrifício de Irmão / For Freedom / 1918*, Justa Vingança / The Man Hunter / 1919*, A Sombra do Presídio / Pitfalls of a Big City / 1919) e 13 filmes na Goldwyn (O  Mundo e Suas Mulheres / The World and the Woman / 1919,  Os Amores de Letty / The Loves o fLetty / 1919, Sublime Dignidade / The Woman in Room 13 / 1920, A Horda de PrataThe Silver Horde / 1920, A Ré Misteriosa / Madame X / 1920, Sedutor Pela Voz / The Great Lover / 1920, O Lírio do Reino Florido / A Tale of Two Worlds / 1921, Uma Voz na Escuridão / A Voice in the Dark / 1921, Caminhos do Destino / Roads to Destiny / 1921, Vítima da SociedadeThe Invisible Power / 1921, Tentações Fatais / The Grim Comedian / 1921, A Vitória do Amor/ The Man From Lost River / 1921); O Dilúvio / The Sin Flood / 1922.

Norma Talmadge em A Duquesa de Langeais

Cena de O Dilúvio

Nessse período merece destaque os 11 filmes estrelados por William Farnum (marcados com asterisco), as adaptações de A Tale of Two Cities de Charles Dickens (Thermidor) e Les Miserables (Os Miseráveis) de Victor Hugo bem com os dois westerns de Zane Grey (O Vingador Peregrino e A Volta do Vingador), que seriam refilmados pela Fox em 1925 com Tom Mix. Os filmes mais importantes de Lloyd na Goldwyn foram: O Mundo e Suas Mulheres, drama tendo como pano de fundo a revolução russa, estrelado pela cantora de ópera Geraldine Farrar e seu marido Lou Tellegen; A Ré Misteriosa, o célebre melodrama baseado na peça de Alexandre Bisson, com Pauline Frederick no papel principal; e O Dilúvio, drama psicológico  com Richard Dix e Helene Chadwick, envolvendo um grupo eclético de pessoas confinadas em um saloon no rio Mississipi vítimas de uma inundação.

Deixando a Goldwyn, Lloyd tornou-se o que pode ser basicamente descrito como um realizador semi-independente, dirigindo filmes para serem distribuídos pela Associated First National Pictures. Sob contrato com a Jackie Coogan Productions  (formada pelo pai de Jackie, assessorado pelo produtor independente Sol Lesser), ele dirigiu Oliver Twist / Oliver Twist / 1922 e sob contrato com a Norma Talmadge Film Corporation e/ou Joseph M. Schenck Productions, ele dirigiu a esposa de Schenck, em quatro filmes: A Duquesa de Langeais / The Eternal Flame / 1922; A Voz do Minarete / The Voice from the Minaret; Dentro da Lei / Within the Law (este para Joseph M. Schenck Productions) e Cinzas de Vingança / Ashes of Vengeance (todos de 1923).

Lon Chaney e Jackie Coogan em Oliver Twist

Nesta fase de sua trajetória artística distinguem-se Oliver Twist (Charles Dickens) e A Duquesa de Langeais (Honoré de Balzac) por sua origens literárias nobres. Na realização de Oliver Twist, um dos filmes nos quais Lloyd funcionou também como adaptador, ele teve sob sua orientação, no papel título, o gracioso e espontâneo Jackie Coogan – que se tornara um astro graças ao seu desempenho ao lado de Charles Chaplin em O Garoto The Kid / 1921 e Lon Chaney como Fagin. Em A Duquesa de Langeais, adaptado livremente por Frances Marion, o diretor contou com a presença de Norma Talmadge como a coquette Antoine de Langeais, que acaba se tornando freira.

Reconhecendo a posição de destaque que Lloyd conquistara na indústria, a Associated First National (que a partir de 1924 tornou-se também produtora sob a denominação de First National Pictures) ofereceu-lhe um contrato generoso, cobrindo seus serviços também como produtor. Assim, entre 1924 e 1926, Lloyd produziu e dirigiu: Os Bois Negros ou O Que As Mulheres Querem / Black Oxen/ 1914, com Corinne Griffith; O Gavião do Mar / The Sea Hawk / 1924, com Milton Sills, Enid Bennett); Vigília Silenciosa / The Silent Watcher / 1924, com Bessie Love; O Segredo do Marido / Her Husband’s Secret / 1925, com Antonio Moreno, Patsy Ruth Milller; À Mercê da Sorte / Winds of Chance / 1925 e Uma Grande Aventura / The Splendid Road / 1925, ambos com Anna Q. Nilsson; e Missão de Amor/ The Wise Guy / 1926, com Mary Astor, Betty Compson.

Milton Sills e Enid Bennet em O Gavião do Mar                                                                                     

Desde a infância, Lloyd gostava de tudo que estivesse relacionado com o mar, navios e marinheiros e em Gavião do Mar, o mais famoso dos filmes citados, ele pôde transmitir esta afeição, dedicando-se a uma pesquisa intensa a respeito da história mourisca e cuidando para que esta produção não contivesse tomadas de miniaturas de navios flutuando em um tanque. Preferiu usar galeões espanhóis do século XVI de verdade, construídos especialmente para o filme e as réplicas de tamanho natural foram consideradas tão bem recriadas, que a Warner Bros. usou-as repetidamente em outros filmes náuticos. As melhores cenas são as de combate entre os galeões, porém o restante do espetáculo é demasiadamente longo e estático, e as cenas de ação com Milton Sills, não são tão espetaculares como as de Douglas Fairbanks, por exemplo, em O Pirata Negro / The Black Pirate, realizado em 1926.

Ainda na década de 20, Lloyd fez dois filmes para a Famous Players-Lasky / Paramount (O Capitão Sazarac / The Eagle of the Sea / 1926, com Florence Vidor e Ricardo Cortez, filme de aventura marítima envolvendo um grupo de patriotas francêses que tenta resgatar Napoleão de Santa Helena e as atividades do pirata Jean Lafitte – rebatizado de Sazarac – e Filhos do Divórcio / Children of Divorce / 1927, drama romântico com Clara Bow como uma jovem pressionada pela mãe mercenária a se casar por dinheiro) e mais seis filmes para a First National (Adoração / Adoration / 1928, com Billie Dove, Antonio Moreno; Regeneração / Weary River / 1929; A Divina Dama / The Divine Lady / 1929; O Parasita / Drag / 1929; Ruas de Amargura / Dark Streets / 1929 e Febre de Juventude / Young Nowheres / 1929).

Richard Barthelmess em Regeneração

Corinne Griffith e Victor Varconi em A Divina Dama

Ainda na First National, Lloyd dirigiu Richard Barthelmess (com quem havia feito Regeneração, O Parasita e Febre da Juventude, todos exibidos em versões muda e sonora) em O Filho dos Deuses / Son of the Gods / 1930 e O Chicote / The Lash / 1930 (filmado em Vitascope, 65mm); The Way of All Men / 1930 com Douglas Fairbanks Jr.; The Right of Way / 1931 com Conrad Nagel e Loretta Young e foi emprestado à Fox para assumir a direção de Lágrimas de Amor/ East Lynne / 1931, com Ann Harding, Clive Brook e à Caddo Co. de Howard Hughes para dirigir e produzir  Idade para Amar / The Age of Love / 1931, com Charles Starrett e Lois Wilson.

Lágrimas de Amor, melodrama sobre uma infeliz heroína da Era Vitoriana, Lady Isobel Dane (Ann Harding) que, após um casamento desfeito (com Conrad Nagel) e uma aventura amorosa frustrada (com Clive Brook), fica cega, passando ainda por outros tormentos; sob astuta direção de Lloyd e belíssima foto de John Seitz, o filme obteve indicação para o Oscar.

Lloyd fez em seguida, ainda na Fox, A Dama Errante / A Passport to Hell / 1932, com Elissa Landi e Paul Lukas; Cavalcade / Cavalcade / 1933, com Diana Wynyard, Clive Brook; Romance Antigo / Berkeley Square / 1933, com Leslie Howard, Heather Angel; Lábios de Fogo / Hoop-La / 1933, com Clara Bow, Preston Foster; e Cinderela à Força / Servant’s Entrance / 1934, com Janet Gaynor, Lew Ayres.

Diana Wyniard e Clive brook em Cavalcade

Elegante adaptação da peça de Noel Coward, que mostra os acontecimentos históricos do início do século XX e suas consequências sobre uma família da classe média inglesa, Cavalcade ganhou o Oscar de Melhor Filme, Direção e Cenografia (William S. Darling). Frank Borzage pensou que poderia ocupar a direção, mas foi substituído por Lloyd e as cenas de guerra ficaram a cargo de William Cameron Menzies. Frase de anúncio: “A marcha do tempo medida por um coração humano – um coração de mulher!”.

Heather Angel e Leslie Howard em Romance Antigo

Em Romance Antigo, fantasia romântica baseada na peça de John L. Balderston sobre o rapaz que passa a fazer frequentes incursões na Londres do século XVIII, reencarnando-se em um antepassado, Leslie Howard transmite com perfeição a tristeza sentimental do protagonista e seu desempenho proporcionou-lhe indicação para o Oscar da Academia.

O período mais fértil de Frank Lloyd como mestre dos filmes de aventura marítima romântica ou histórica foram os anos de 1935 a 1939, quando ele realizou sucessivamente: O Grande Motim / Mutiny on the Bounty/ 1935 (MGM), Sob Duas Bandeiras / Under Two Flags / 1936 (20thCentury-Fox), A Donzela de Salem / Maid of Salem / 1937 (Paramount), Uma Nação em Marcha / Wells Fargo / 1937 (Paramount), Se Eu Fora Rei / If I Were King / 1938 (Paramount) e A Conquista do Atlântico / Rulers of the Sea / 1939 (Paramount).

Charlese Laughton Clark Cable em O grande Motim

A MGM adquiriu os direitos de filmagem da trilogia campeã de vendas de Charles Nordoff e James Norman Hall (Mutiny on the Bounty, Men Against The Sea, Pitcairn Island) e os roteiristas aproveitaram material dos dois primeiros livros, baseando-se também no diário do Capitão Bligh que relatava os fatos reais sobre um motim ocorrido durante uma viagem do navio HMS Bounty com 46 pessoas a bordo e ordens para transportar mudas de fruta-pão do Taiti para as Índias Ocidentais. Construiu-se duas réplicas perfeitas do Bounty e dois meses levaram as filmagens nos Mares do Sul, com muitos prejuízos por causa do mau tempo. A produção de Irving Thalberg custou dois milhões de dólares, cifra bem elevada em tempo de Depressão e arrebatou o Oscar. Ao prêmio da Academia concorreram também Clark Gable, Charles Laughton, Franchot Tone, o compositor Herbert Stothart, os roteiristas Talbot Jennings, Jules Furthman e Carey Wilson e a montadora Margareth Booth. Laughton compôs um Capitão Bligh muito mais cruel que o verdadeiro, papel com o qual ficaria eternamente identificado.

Após terminar O Grande Motim, Lloyd retornou para a Fox (denominada 20th Century-Fox a partir de 1935,) a fim de fazer um último filme, Sob Duas Bandeiras, antes de se transferir para a Paramount, onde havia trabalhado nos anos 20. Os exteriores dessaaventura romântica na Legião Estrangeira, extraída do romance de Ouida – com Ronald Colman como o legionário disputado por Cigarette, a simples camponesa que acompanha a tropa (Claudette Colbert, substituindo Simone Simon) e pela aristocrática Lady Venetia (Rosalind Russell), e vem a ser alvo da inveja do enciumado comandante do forte, interpretado por Victor MacLaglen – foram rodados no deserto do Arizona. Otto Brower encarregou-se das cenas de batalha em locação, ficando Lloyd ocupado com as cenas mais íntimas, filmadas no estúdio. Darryl F. Zanuck interferiu arbitrariamente na montagem. Lloyd anunciou que nunca mais trabalharia na 20thCentury-Fox e cumpriu sua promessa. Frase de publicidade: “Um amor tão quente quanto as areias do Saara”.

Em Donzela de Salem, primeiro filme de Lloyd na Paramount (onde tinha a sua unidade de produção denominada Frank Lloyd Pictures), envolvendo fanatismo e superstição na Nova Inglaterra do século XVII, Claudette Colbert interpreta a jovem inocente acusada de feitiçaria; Fred MacMurray, o rebelde da Virginia, que a salva da fogueira após um julgamento de grande tensão; e Bonita Granville, a menina que motiva todo o conflito do filme, acusando a heroína falsamente. Filmado em estúdio no Paramount Ranch ao norte de Los Angeles e em locação em Santa Cruz, passando por uma velha aldeia de Salem em 1692. No primeiro script, cuidadosamente pesquisado por Lloyd e seus roteiristas, a personagem de Claudette Colbert morria na fogueira; mas Joseph Breen, o chefe da Production Code Administration, observou que, apesar da lenda, as feiticeiras em Salem eram enforcadas. Foi uma decepção para o diretor pois, pela primeira vez havia contratado formalmente o consultor técnico, Lance Baxter, que já havia feito pesquisa para ele informalmente na filmagem de Cavalcade e Sob Duas Bandeiras.

Joel McCrea e Frances Dee em Uma Nação em Marcha

Uma Nação em Marcha, mostra ficcionalmente a criação da Wells Fargo através da história do mensageiro Ramsay MacKay (Joel McCrea) e de sua esposa sulista, Justine (Frances Dee). Depois de passar por alguns dissabores como o de ter sido roubado quando transportava o dinheiro dos mineiros para San Francisco, Ramsay faz a firma prosperar mas, durante a Guerra Civil, suas carruagens são atacadas quando transportavam ouro para Washington. Ramsay encontra-se com o presidente Lincoln e concorda em apoiar a União, porém como o irmão mais novo de Justine foi morto lutando pelos Confederados, seu casamento é abalado. O filme é um pouco longo, mas cheio de ação.

Ronald Colman e Frances Dee em Se Eu Fôra Rei

Desprezando a exatidão histórica, o roteiro de Preston Sturges para Se Eu Fora Rei, enriqueceu com toques cômicos deliciosos a peça de Justin Huntly McCarthy, inspirada na figura de François Villon. Basil Rathbone foi indicado para o Oscar pela espirituosa composição do Rei Luís XI e Ronald Colman era mesmo o ator ideal para viver o personagem do poeta vagabundo da Idade Média, apaixonado pela dama Katherine de Vaucelles  (Frances Dee).

O enredo fictício de A Conquista do Atlântico– baseado na viagem verídica do SS Savannah em 1819 – descreve os esforços de um jovem marujo, David Gillespie (Douglas Fairbanks) e um mecânico visionário, John Shaw (o ator britânico Will Fyffe), para construir o primeiro navio a vapor a atravessar o Atlântico Norte de Liverpool para Nova York.   David fora imediato de um navio a vela comandado pelo brutal Capitão Oliver (George Bancroft), que naturalmente não fica contente em perder um bom imediato e ver a criação de um método de transporte rival. David namora Mary (Margaret Lockwood), filha de Shaw e o filme acompanha este romance e as tentativas e aflições de David e Shaw até que o navio chega a seu destino – mas infelizmente Shaw, ferido por uma explosão, morre, abençoando a união de David e Mary.

 Nos anos 40, Lloyd produziu e dirigiu Flama da Liberdade / The Howards of Virginia / 1940 na Columbia, com Cary Grant, Martha Scott, e voltou para a Universal, onde iniciara sua carreira em 1913, agora como produtor semi-independente à frente de sua Frank Lloyd Productions Pictures, Inc.  Na Universal, produziu e dirigiu Paixão e Vingança / The Lady From Cheyenne / 1941, com Loretta Young, Robert Preston e Esta Mulher me Pertence  / This Woman is Mine  / 1941, com Franchot Tone, John Carroll; e apenas produziu: Sabotador / Saboteur / 1942 de Alfred Hitchcock; A Indomável / The Spoilers / 1942 de Ray Enright; Espião Invisível / The Invisible Agent / 1942.

 

Flama da Liberdade conta a história de Matt Howard (Cary Grant), jovem fazendeiro dos meados do século XVIII, amigo de Thomas Jefferson (Richard Carlson), que se casa com Jane Peyton (Martha Scott), filha de uma família rica de Williamsburg, e depois, contra o desejo de sua esposa – cujo irmão (Cedric Hardwicke) é leal ao governo britânico -, se junta aos colonistas na luta revolucionária. A maioria dos pontos altos da Revolução Americana são recriados inclusive os tumultos causados pelo Stamp Act, o Boston Tea Party, e o discurso inflamatório  “Give me Liberty” de Patrick Henry.

Loretta Young e Robert Preston em Paixão e Vingança

Paixão e Vingança é um western feminista com uma história inventada sobre a adoção do voto feminino em 1869 no Território do Wyoming. O figurão Jim Cork (Edward Arnold) espera manipular a venda de lotes da cidade para obter mais poder, mas a professora Annie Morgan (Loretta Young) compra um dos melhores lotes, atrapalhando seu plano. O advogado de Cork, Steve Lewis (Robert Preston), resgata-a de um sequestro ordenado por Cork e tenta persuadí-la a abandonar a política, porém Annie, é dura na queda e, juntamente com outras mulheres, levam Cork ao tribunal e ainda conseguem convencer os legisladores a aprovar o sufrágio feminino.

Esta Mulher Me Pertence é uma aventura marítima passada em 1810, tendo como personagens centrais uma cantora, Julie Morgan (Carol Bruce) que, apaixonada por um caçador de peles canadense, Ovide (John Carroll), segue-o como clandestina em uma viagem no navio “Tonquin” para o Oregon, sem saber que se trata de uma expedição organizada por Robert Stevens (Franchot Tone), homem de confiança do investidor milionário John Jacob Astor. Quando é descoberta, o Capitão Thorne (Walter Brennan) não tem intenção de retornar ao cais, e assim começam a se desenrolar os acontecimentos, como a queda de Julie ao mar e seu salvamento por Ovide, ataque dos índios, explosão do “Tonquin”, dois homens a bordo cortejando a mesma mulher etc. O filme foi relançado em 1969 com o título de Fury at Sea.

Ao irromper o Segundo Conflito Mundial na Europa, a comunidade britânica em Hollywood se movimentou para levantar fundos para o British War Relief e o resultado foi Para Sempre e Um Dia / Forever and a Day / 1943, no qual um repórter americano, Gates Trimble Pomfret  (Kent Smith) quer vender a casa que pertence à sua família, mas a atual ocupante, Lesley Trimble (Ruth Warrick) pensa que esta deve ser preservada como um monumento àqueles que viveram ali. Ela lhe conta a história do prédio desde sua construção em 1804 até o presente. O filme termina com a casa sendo bombardeada pela blitz nazista, mas Gates e Lesley resolvem reconstruí-la.

Anna Neagle, Ray Milland e Claude Rains em Para Sempre e Um Dia

Produzido pela Anglo-American Film Co e distribuído pela RKO, com um elenco de dezenas de atores e atrizes na sua maioria de nacionalidade britânica (Victor MacLaglen, Ray Milland, Anna Neagle, Jessie Mathews, Claude Rains, Charles Laughton, Ida Lupino, Brian Aherne, Merle Oberon, Cedric Hardwicke, Nigel Bruce, Donald Crisp, Ian Hunter, June Duprez, Edmund Gwenn, Reginald Gardiner, Gene Lockhart, Roland Young, Robert Coote, Gladys Cooper, Dame May Witty, Richard Haydn, Elsa Lanchester) e alguns americanos (Buster Keaton, Robert Cummings, Kent Smith, Ruth Warrick etc.), vários roteiristas e sete diretores nascidos na Europa (Edmund Goulding, Cedric Hardwicke, Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson, Herbert Wilcox, René Clair), Para Sempre e Um Diacomeçou a ser filmado em maio de 1941, antes de Pearl Harbor, e a contribuição de Frank Lloyd foi na direção  das cenas de abertura e encerramento  do espetáculo.

Em 1944, com o pôsto de major, Lloyd foi indicado para o comando da 13thAir Force Combat Camera Unit e nesta época dirigiu Air Pattern – Pacific, documentário de 42 minutos, distribuído pelo Office of War Information.  Em junho de 1944, ele foi condecorado com a Legion of Merit pelo presidente Roosevelt pelo seu trabalho em missões de fotografia de combate no Sul do Pacífico. Como civil, Lloyd retornou a Guam em 1945, para servir como coordenador de uma produção para o Army Air Corps de um short emTechnicolor de 35 minutos, The Last Bomb (mostrando vários bombardeios sobre Tóquio e terminando com a explosão causada pela bomba atômica), narrado por Reed Hadley e distribuído pela Warner Bros.

Silvia Sidney e James Cagney em Sangue Sob o Sol

No último filme de Lloyd na década de 40, Sangue Sobre o Sol / Blood on the Sun / 1945 (produzido pela William Cagney Productions), James Cagney, é Nick Condon, editor americano de um jornal de Tóquio nos anos 30 (e bom lutador de judô), que encontra um colega (Wallace Ford) morto logo depois de sua esposa, por ter obtido  uma informação sobre um plano militar japonês expansionista. Nick obtém a mesma informação e, com a ajuda de uma mestiça chamada Iris (Silvia Sidney), luta por sua sobrevivência e tenta levar a notícia para fora do país. O filme apresenta o estereotipo do japonês enganoso e risonho Na cena final do filme, em frente aos portões da Embaixada Americana, Nick é confrontado pelos seus perseguidores. Os japoneses verificam que ele não tem o documento que estão procurando, e tentam se fazer de bonzinhos. “Vocês têm um ditado, perdoa seus inimigos”, diz um japonês sorridente. “Certo, perdoa seus inimigos, mas antes faça com ele o que ele quis fazer com você”, responde Nick.

Cena de A Última Barricada

Lloyd só voltou a filmar, após a morte de sua esposa Alma, em 16 de março de 1952. Em vez de ficar gozando a aposentadoria em seu rancho, ele se consolou, assinando um contrato de dois anos com a Republic, onde fez seus derradeiros filmes, Xangai,  Cidade Maldita / The Shanghai Story / 1954, drama de espionagem passado em Shanghai após a tomada comunista da China com Ruth Roman e Edmond O’Brien, e A Última Barricada  / The Last Command / 1955, filmado em Trucolor, focalizando Jim Bowie (Sterling Hayden) e a secessão do Texas do Mexico, que levou ao episódio histórico do Alamo. Tal como já vinha acontecendo inúmeras vezes com os filmes de Lloyd, as cenas de ação foram assinadas por outros, neste caso, pelo diretor veterano da Republic, William Witney.

Em 1954, Lloyd casou-se com a roteirista divorciada, Virginia Kellog, quase vinte anos mais moça do que ele. Virginia fora indicada duas vezes para o Oscar por Fúria Sanguinária / White Heat/ 1949 e À Margem da Vida / Caged / 1950. Não somente Llloyd decidiu se afastar definitivamente da direção, mas também sua esposa anunciou que estava abrindo mão de sua carreira para ser apenas Mrs. Frank Lloyd.