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VINCENT SHERMAN

Ele era um exemplo típico de “diretor de estúdio”, artesão competente e cuidadoso, realizador de um punhado de obras de qualidade e lembrado particularmente pelos filmes que fez nos anos quarenta na Warner Bros. onde, por causa de sua habilidade para orientar os melodramas do estúdio, se tornou o diretor favorito de estrelas como Bette Davis, Joan Crawford, Ann Sheridan e Ida Lupino.

Vincent Sherman

Vincent Sherman (1906 – 2006), cujo verdadeiro nome é Abraham Orovitz (na verdade Horovitz, mas seu pai tirou o H “para americanizá-lo”), nasceu em Vienna, Georgia. Estudou na Oglethorpe University em Atlanta e, quando sua família se mudou para esta cidade, ele arranjou um emprego na Enterprise Distributing Company como vendedor de westernsmudos de Buddy Roosevelt e Buffalo Bill Jr., filmes de ação com Reed Howes e alguns filmes “de sociedade”, como eram chamados aqueles nos quais os homens apareciam de terno e as mulheres com vestidos e todos ficavam parados mais ou menos no mesmo lugar e falavam por intertítulos – porque o som ainda não havia sido inventado (cf. Studio Affairs – My Life as a Film Director Vincent Sherman, University of Kentucky,1996).

Passado algum tempo, Abraham trabalhou como repórter policial no Atlanta Journal e se matriculou na Faculdade de Direito da cidade; porém acabou se convencendo de que seu destino era o teatro, e partiu para Nova York, onde viviam alguns parentes, na companhia de James Larwood, seu colega na Oglethorpe University, com o qual havia escrito uma peça intitulada “The Steeple”.

James arrumou um lugar em um jornal e Abraham procurou um agente ou produtor que o ajudasse a se tornar ator. O recepcionista do escritório do agente Chamberlain Brown lhe perguntou como se chamava e ele respondeu: “Abe Orovitz”. “Não vai dar, ninguém conseguirá pronunciá-lo e muito menos soletrá-lo. Vamos conseguir algo mais simples. Como é o nome de solteira de sua mãe?”. Abe falou: “Schurman or Sheerman, não tenho certeza”.  O recepcionista pensou em voz alta: “Sherman, nada mau, Qual é o primeiro nome do seu pai?”. Abe disse: “Harry”. “Este é um nome muito comum. Qual o primeiro nome de sua mãe?”. A resposta foi: “Vinnie”. O recepcionista repetiu o nome várias vezes. “Vinnie, Vinnie, Vincent. … e concluiu: “Tudo bem, garoto. Este será o seu nome daqui em diante – Vincent Sherman. Volte amanhã e eu vou tentar marcar uma entrevista com Mr. Brown”. No dia seguinte, Sherman se encontrou com um ator que ele conhecera e lhe contou o que aconteceu. “Boa sorte”, ele lhe desejou, sorrindo. “Mas cuidado. Mr. Brown é bicha”. Espantado, Abe achou que era melhor ficar longe do escritório de Brown, e nunca mais voltou (cf. Studio Affairs).

Depois de muitas tentativas frustradas, Sherman finalmente atuou como figurante no Theatre Guild na peça “Marco Millions” de Eugene O’Neill, estrelada por Alfred Lunt no papel de Marco Polo e dirigida por Rouben Mamoulian e depois em “Volpone”, na versão de Stefan Zweig da peça de Ben Johnson, na qual Lunt fazia o papel de Mosca. Subsequentemente, Sherman foi contratado para estudar o papel de alguns atores para substituí-los em caso de necessidade, chegando a interpretar os pequenos papéis para os quais se preparara.

Vincent Sherman e John Barrymore em O Conselheiro

Após mais alguma atividade nos palcos – entre elas, como um rapaz judeu pobre que, espancado pela polícia e preso por fazer discursos comunistas, é defendido por um  advogado também judeu (Otto Kruger) na peça de Elmer Rice “Counsellor at Law” -, Sherman foi convidado para repetir o mesmo papel na versão cinematográfica (aqui intituladaO Conselheiro), personificando o advogado (que Paul Muni também interpretara no teatro).

No ano seguinte, Sherman apareceu em  filmes B da Columbia – Asas da Velocidade / Speed Wings / 1934 (Dir: Otto Brower com Tim McCoy); Detetive Invisível / Hell Bent for Love/ 1934 também conhecido como Highway Patrol (Dir: D. Ross Lederman com Tim McCoy); Girl in Danger / 1934 (Dir: D. Ross Lederman com Ralph Bellamy); O Crime de Helen Stanley / The Crime of Helen Stanley / 1934 (D. Ross Lederman com Ralph Bellamy); One is Guilty / 1934 (Dir: Lambert Hillyer com Ralph Bellamy), estes três últimos da série Inspector Trent – e da Warner (Alibi da Meia-Noite / Midnight Alibi / 1934 (Dir: Alan Crosland com Richard Barthelmess);  O Caso do Cão Uivador / Case of the Howling Dog/ 1934 (Dir: Alan Crosland com Warren William).

Entre 1935 e 1938, Sherman atuou em / ou dirigiu as peças: “Judgement Day”, “Volpone”, “Sailors of Catarro”, “Black Pit”, “Waiting for Lefty”, “Battle Hymn”, Bitter Stream”, “It Can’t Happen Here”, “Dead End” e outras. Em 1938, convidado por Bryan Foy, chefe do departamento de filmes  classe B da Warner, ele escreveu scripts para alguns filmes: No Limiar do Crime / Crime School (Dir: Lewis Seiler com Humphrey Bogart e os Dead End Kids); Filhos Sem Lar / My Bill (Dir: John Farrow com Kay Francis); Coração do Norte / Heart of the North (Dir: Lewis Seiler com Dick Foran); Contra a Lei / King of the Underworld (Dir: Lewis Seiler com Humphrey Bogart e Kay Francis); O Orgulho do Turfe  / Pride of the Blue Grass (Dir: William McGann com Edith Fellows); e finalmente assumiu a direção de A Volta do Dr. X / The Return of Dr. X. / 1939.

 

Neste filme de horror / ficção científica, Humphrey Bogart, ainda no início de carreira, interpreta o papel de um criminoso que morreu na cadeira elétrica e, ressuscitado por um cientista, necessita de sangue humano fresco para continuar sua ressurreição. Sherman ainda não dominava a técnica (não conhecia nada de lentes, ângulos, cortes) mas, com a ajuda do fotógrafo Syd Hickox, foi em frente, e fez um trabalho que agradou ao público e ao seu patrão, Jack Warner.

Graças aos irmãos gêmeos roteiristas Julius e Philip Epstein, que o indicaram para substituir Anatole Litvak na direção da comédia-dramática Desafio ao Destino/ Saturday’s Children / 1940 – baseada em uma peça de Maxwell Anderson sobre uma moça (Ann Shirley) que se casa com um inventor cheio de sonhos (John Garfield) e os dois enfrentam uma vida de privações econômicas -, Sherman obteve mais um sucesso de público e elogio dos patrões.

Porém Brian Foy não tinha a intenção de abrir mão dele e o trouxe de volta para o departamento B, onde ele fez: O Homem Que Falou Demais/ The Man Who Talked Too Much / 1940, drama de tribunal no qual um promotor (George Brent) que renunciou ao seu cargo por ter enviado um inocente para a cadeia, envolve-se com um gangster (Richard Barthelmess) e depois se volta contra ele para defender seu irmão  (William Lindigan); Fugindo ao Destino/ Flight from Destiny/ 1941, drama criminal no qual um professor de filosofia (Thomas Mitchell), ao saber que só tem seis meses de vida, comete um assassinato, para ajudar dois jovens amantes (Geraldine Fitzgerald, Jeffrey Lynn); e A Voz da Liberdade / Underground/ 1941, drama de guerra sobre as atividades de uma estação de rádio clandestina na Alemanha e uma família  (da qual fazem parte Jeffrey Lynn e Philip Dorn) separada pelo Nazismo.

Cena de Balas contra a Gestapo, vendo-se no centro Peter Lorre, Humphrey Bogart, Edward Brophy e Kaaren Verne

Este último filme obteve o aplauso dos resenhistas e o apoio da bilheteria, e elevou Sherman à categoria de diretor de filme classe A. Seu primeiro compromisso nesta condição foi o divertido Balas Contra a Gestapo / All Trough the Night / 1942, estrelado por Humphrey Bogart  (que a esta altura já havia feito O Último Refúgio / High Sierra  e Relíquia Macabra/ The Maltese Falcon). Tal como A Voz da Liberdade, foi um filme de propaganda de guerra – só que, desta vez, conjugando ação, suspense e comédia -, focalizando um grupo de apostadores profissionais de Nova York que desbarata um bando de sabotadores nazistas (Conrad Veidt, Peter Lorre, Judith Anderson).

Sherman dirigiu em seguida seu melhor filme até então, É Difícil Ser Feliz / The Hard Way/ 1943, drama com Ida Lupino em grande forma no papel de uma mulher ambiciosa e dominadora que impele sua irmã (Joan Leslie) mais nova e talentosa para o mundo do entretenimento, a fim de que ambas possam sair da pobreza. Durante a filmagem, Ida se desentendeu com Sherman e, abalada também pela morte de seu pai, teve que ser internada em um hospital. No primeiro dia em que voltou para frente das câmeras, ela teve uma crise de histeria e, quando pôde voltar ao trabalho, as desavenças com o diretor aumentaram. Na estréia do filme, ela saiu no meio da projeção. Compreendendo muito bem as atrizes temperamentais, Sherman telefonou para Ida em busca de uma reconciliação. Ela estava encantadora, como se eles nunca tivessem brigado.

Ida Lupino e Paul Henreid em Viveremos Outra Vez

Ida fez mais dois filmes sob as ordens de Sherman, o drama Viveremos Outra Vez In Our Time / 1944 e a comédia Que Falta Faz Um Marido / Pillow to Post / 1945, ambos passados em ambiente da Segunda Guerra Mundial, o primeiro na Polonia às vésperas da invasão nazista e o segundo nos Estados Unidos, na frente doméstica – o primeiro melhor do que o segundo, mas nenhum dos dois  no mesmo nível artístico de É Difícil Ser Feliz.

Bette Davis e Miriam Hopkins em Uma Velha Amizade

Sherman precisou de muita autoridade para conduzir Bette Davis  (a maior atração do estúdio) e Miriam Hopkins no sólido drama Uma Velha Amizade / Old Acquaintance / 1943, pois a dupla havia atuado antes em Eu Soube Amar The Old Maid / 1939 (Dir: Edmund Goulding) e desde então, começaram a surgir comentários sobre a rivalidade entre elas. Houve de fato certa competição e ciúme na filmagem de Uma Velha Amizade, Miriam querendo chamar mais atenção do que Bette. Quando Miriam terminou sua participação no filme, ela e Bette não estavam mais se falando. No enredo, elas são duas amigas de infância: uma, romancista respeitada pelos críticos, mas pouco lida; a outra, autora de romances de amor populares que vendem bem. Só que, na tela, apesar das rivalidades e temperamentos diferentes, a amizade entre as duas continua através dos tempos.

Sherman orienta Bette Davis na filmagem de Vaidosa

Como Sherman revelou em sua autobiografia, foi durante a filmagem de Uma Velha Amizade, que Bette Davis declarou que estava apaixonada por ele, mas eles só iniciaram o  caso, quando estavam filmando Vaidosa / Mr. Skeffington / 1944 -depois que o marido dela, Arthur Farnesworth faleceu. Sherman ainda teria um relacionamento tempestuoso com Joan Crawford e outro mais breve – apenas uma tarde – com Rita Hayworth, quando estavam filmando Uma Víuva em Trinidad / Affair in Trinidad/ 1952. Sua esposa Hedda, supostamente sabia desses casos, mas os aceitou como inevitáveis no ambiente cinematográfico.

Bette Davis em Vaidosa

Cena de Vaidosa vendo-se  Walter Abel,  Bette Davis e Claude Rains

Em Vaidosa, outro filme muito bom de Sherman, Bette protagoniza uma mulher da alta sociedade de Nova York muito cortejada e obcecada por sua própria beleza. Ela se casa por conveniência com um banqueiro judeu (Claude Rains). Os anos passam, ela envelhece, perde a beleza. Mas o marido fica cego, após ser torturado pelos nazistas e, para ele, ela será sempre bela. Bette Davis e Claude Rains foram ambos indicados para o Oscar.

Depois de Vaidosa, Sherman fez o já citado Que Falta Faz um Marido com Ida Lupino e, devido ao êxito comercial deste filme, o produtor Alex Gottlieb mandou chamá-lo quando Michael Curtiz se negou a dirigir a continuação de uma comédia que  dirigira intitulada Janie Tem Dois Namorados / Janie/ 1944.  A sequência também foi rejeitada por Joyce Reynolds, a jovem atriz que criou o papel. Sherman tentou se esquivar, mas Jack Warner insistiu, e ele acabou aceitando, porque gostou do elenco que incluia Joan Leslie (Janie), Robert Hutton (seu marido), Edward Arnold e Ann Harding (o pai e a mãe de Janie), Robert Benchley (o sogro de Leslie). Uma novata, Dorothy Malone, fez sua estréia no papel da “outra mulher”. O filme intitulou-se Janie Se Casa/ Janie Gets Married, mas foi um fracasso comercial.

Seguiram-se na filmografia de Sherman dois filmes que merecem destaque, produzidos especificamente para realçar a figura da “Oomph Girl”, Ann Sheridan: A Sentença / Nora Prentiss / 1947 e A Cruz de um Pecado/ The Unfaithful/ 1947.

Kent Smith e Ann Sheridan em A Sentença

Em A Sentença, um médico casado, Dr. Richard Talbot (Kent Smith) atende uma cantora de boate, Nora Prentiss (Ann Sheridan), e os dois iniciam um romance. Quando ele não cumpre sua promessa de pedir o divórcio, Nora resolve aceitar o convite de seu patrão e admirador, para atuar na nova boate em Nova York. Talbot então forja sua própria morte, trocando de identidade com um paciente morto, e parte com Nora. Mas acaba sendo condenado por ter matado a si mesmo. O desespero do médico e seu fim patético e irônico dão certo conteúdo noirao filme, sem falar na fotografia expressionista de James Wong Howe.

Zachary Scott, Ann Sheridan e Lew Ayres (o advogado que defende a assassina) em A Cruz de um Pecado

A Cruz de um Pecado, refilmagem disfarçada de A Carta / The Letter / 1940 de William Wyler, conta a mesma história de uma mulher aparentemente irrepreensível (Ann Sheridan) que foi infiel ao marido e mente sobre as circunstâncias que a levaram a matar um homem, mas transfere a ação para Los Angeles logo após a Segunda Guerra Mundial, e tem um desfecho diferente, a adúltera reconciliando-se com o esposo (Zachary Scott). Mesmo sem contar com um roteiro pronto, Sherman deu início à filmagem, e conseguiu realizar um drama eficiente, no qual analisa mais uma vez com êxito a psicologia feminina.

Viceca Londfors e Errol Flynn em As Aventuras de Don Juan

Após ter sido contemplado com um novo contrato mais vantajoso, Sherman foi requisitado – a pedido de Errol Flynn por recomendação de Ann Sheridan – para dirigir As Aventuras de Don Juan / The Adventures of Don Juan / 1949, projeto que já vinha sendo desenvolvido pela Warner desde 1945, mas que não pudera ser concretizado por falta de um bom scripte de uma greve de diretores de arte. Aos 38 anos de idade, Flynn já estava começando a sofrer os efeitos do que ele chamaria nas suas memórias de “My Wicked, Wicked Ways”, e precisou ser dublado em várias cenas de ação. Durante o climático duelo com o vilão (Robert Douglas), Sherman não conseguia encontrar alguém para dar aquele salto de uma imensa escadaria até que o futuro Tarzan Jock Mahoney aparecesse. Apesar de todos os problemas Sherman e o produtor Jerry Wald conseguiram realizar um filme suntuoso (com indicações para o Oscar de Figurinos, Direção de Arte e Decoração de Interiores) e movimentado, embelezado pelo glorioso Technicolor e com o acompanhamento da música inspirada de Max Steiner.

Depois de um grande espetáculo de reconstituição histórica como As Aventuras de Don Juan, Sherman quis abordar uma história simples, que investigasse somente a condição humana e escolheu uma adaptação de “The Hasty Heart”, peça de John Patrick que a Warner havia comprado há alguns meses; porém Jack Warner lhe pediu que fizesse também um outro filme, para dar trabalho a seis atores que estavam ganhando sem fazer nada: Edmond O’Brien, Gordon Mac Rae, Virginia Mayo, Viveca Lindfors, Dane Clark e Richard Rober.

Patricia Neal e Richard Todd em Coração Amargurado

Assim surgiram Coração Amargurado / The Hasty Heart/ 1949 e Alguém Deixou Este Mundo / Backfire / 1950. O primeiro, produzido pela ABPC (Associated British Pictures Corporation), da qual a Warner detinha 40% das ações, e rodado em Elstree, é um drama de guerra supercomovente com Ronald Reagan, Patricia Neal e Richard Todd, este último em uma performance que lhe proporcionou uma indicação para o Oscar como um escocês orgulhoso e nada sociável, mortalmente ferido que não sabe que vai morrer, mas acaba descobrindo o seu destino. O segundo, com aqueles atores citados que estavam na boa vida, é um drama criminal com o tema noir – mas sem o estilo visual dark– do veterano de guerra envolvido com o desaparecimento de um amigo e uma narrativa com sete retrospectos, cheia de peripécias que se sucedem em um ritmo rápido, fazendo com que o espectador se esqueça do excesso de coincidências.

Joan Crawford, David Brian e Kent Smith em Os Desgraçados Não Choram

Os três próximos filmes, dirigidos como sempre com segurança e sapiência técnica por Sherman, tiveram como estrela Joan Crawford, dois deles, Os Desgraçados Não Choram / The Damned Don’t Cry/ 1950 (Joan como uma mulher humilde que se torna amante do líder de uma quadrilha que explora o jôgo, a prostituição e o tráfico de entorpecentes) e Adeus, Meu Amor/ Goodbye My Fancy / 1951 (Joan como uma deputada que retorna à escola que cursara para receber um título honorário e renova um antigo romance), foram produzidos pela Warner, e o terceiro, A Dominadora / Harriet Craig/ 1950 (adaptação da peça laureada de George Kelly com uma interpretação correta de Joan no papel da mulher egoísta e despótica, mas não tão persuasiva quanto a de Rosalind Russell na versão anteriormente levada à tela com maior precisão por Dorothy Arzner) para a Columbia.

Joan Crawford e Robert Young em Adeus, meu Amor

Após filmar um western apenas regular, Estrela do Destino / The Lone Star/ 1952, na MGM com Clark Gable e Ava Gardner, Sherman dirigiu Rita Hayworth em Uma Viúva em Trinidad / Affair in Trinidad/ 1951 na Columbia, quase uma refilmagem de Gilda/ Gilda / 1946) que, sem ser espetáculo desprezível, é inferior ao filme de Charles Vidor.

Rita Hayworth recebe instruções de Sherman na filmagem de Uma Viúva em Trinidad

Tal como muitos indivíduos talentosos de Hollywood durante os anos cinquenta, Sherman sofreu os efeitos da HUAC (House Un-American Activities), tendo sido colocado, não em uma lista negra, mas em uma lista cinza menos conhecida, sob a alegação de ter apoiado organizações e roteiristas comunistas. Apesar de todos os esforços para limpar seu nome, ele não conseguiu arrumar emprego em Hollywood, e partiu para a Europa, onde dirigiu  Defendo o Meu Amor/ Difendo il Mi Amore/ 1955 (com Martine Carol, Gabrielle Ferzetti, Vittorio Gassman), tendo sido filmadas cenas adicionais, com as quais não concordava, por Giulio Macchi. Sherman nunca viu o filme finalizado.

Quando seu nome foi retirado da lista cinza (por interferência de um congressista que fazia parte da HUAC e era amigo de seu agente), Sherman pôde trabalhar novamente, refilmando 70% do que Robert Aldrich havia rodado de Clima de Violência / The Garment Jungle / 1957 / Columbia (drama criminal sobre a influência de escroques na atividade dos sindicatos da indústria de roupas, valorizado pela admirável fotografia em preto-e-branco de Joseph Biroc e as interpretações de Lee J. Cobb e Richard Boone); Sementes de Paixão / The Naked Earth / 1958 / Twentieth Century-Fox (aventura africana rotineira com Richard Todd e Juliette Greco) e  O Moço de Filadélfia / The Young Philadelphians / 1959 / Warner (melodrama desenrolado na alta sociedade com um herói arrivista (Paul Newman) e alguns conflitos de classe, com bom acabamento cenográfico e interpretações consciensiosas de Newman, Barbara Rush e Alexis Smith).

Paul Newman e Barbara Rush em O Moço de Filadélfia

Nos anos sessenta, Sherman dirigiu corretamente, mas com pouco ardor, O Gigante de Gelo/ Ice Palace/ 1960 / Warner (história melodramática de Edna Ferber abordando a amizade de dois homens (Richard Burton, Robert Ryan), que se torna rivalidade paralelamente à transformação do Alaska de território em Estado) e   Escândalos Ocultos/ A Fever in the Blood / 1961 / Warner, drama focalizando um julgamento criminal, onde vários candidatos a governador (um senador (Don Ameche), um promotor (Jack Kelly) e um juiz da Suprema Côrte (Efrem Zimbalist)  usam para favorecer suas ambições políticas. Ainda na mesma década, a Twentieth Century-Fox requisitou Sherman para dirigir Debbie Reynolds (por sugestão dela) em Furacão de Saias/ The Second Time Around / 1961 / Twentieth Century-Fox (western cômico tendo como centro das atenções uma jovem viúva (Debbie Reynolds) que parte para uma pequena cidade do Oeste, trabalha em uma fazenda, é cortejada por um vizinho (Andy Griffith) e pelo dono do cassino local (Steve Forrrest), e acaba se elegendo xerife).

O último filme de Vincent Sherman foi Cervantes, O Jovem Rebelde  / The Young Rebel / 1967, co-produção ítalo-franco-espanhola (Landau-Unger/Alexander Salkind) perturbada por problemas financeiros (devido ao qual, por exemplo, em vez das quatro semanas previstas a colossal batalha naval de Lepanto foi filmada em apenas três dias) e com o ator alemão Horst Buchholz sem vigor interpretativo para personificar uma figura de tanta personalidade como o autor do imortal Don Quixote. O filme foi remendado grosseiramente na montagem à revelia do cineasta  e, apesar de contar no seu elenco com atores de prestígio como Gina Lollobrigida, José Ferrer, Louis Jourdan, Francisco Rabal e Fernando Rey, encerrou melancolicamente a carreira cinematográfica do cineasta. Ele continuou trabalhando na televisão até 1983.

AS COMÉDIAS DA EALING

Em 1901, o produtor pioneiro Will Barker fundou a Autoscope Company e, no mesmo ano, construiu um estúdio ao ar livre – um palco, andaimes e um fundo de cenário – em Stamfort Hill, norte de Londres. Em 1907, Barker comprou uma mansão em Ealing, oeste da capital londrina, e edificou três estúdios com paredes e tetos de vidro para as suas produções cinematográficas. Em 1911, ele realizou seu primeiro filmes de dois rolos, Henry VIII, no qual o consagrado ator de teatro Sir Herbert Beerbohm Tree (pai de vários filhos ilegítimos entre eles Carol Reed e Peter Reed, progenitor de Oliver Reed) interpretou o papel do Cardeal Wolsey. Em 1913, Barker estava preparando seus atores para o estrelato entre eles Blanche Forsythe e Fred Paul, que apareceram em East Lynne, primeiro filme britânico de seis rolos, dirigido por Bert Haldane. Em 1915, Barker colocou a nova estrela Blanche Forsythe no papel principal de um drama histórico, Jane Shore, a Rosa de Yorke /  Jane Shore, empregando centenas de figurantes, e foi comparado a Griffith.

Will Barker

Em 1920, Barker vendeu o estúdio para a General Film Renters Company, que logo encerrou suas atividades. Durante algum tempo, as instalações foram usadas por produtores independentes e eventualmente, em 1929, compradas pela Associated Radio Pictures Company que, em 1931, construiu um novo estúdio muito perto do velho Barker Studio. A firma era encabeçada pelo ator-empresário Sir Gerald du Maurier, Reginald Baker (contador), Stephen Courtauld (diretor financeiro, membro da riquíssima família da indústria têxtil) e Basil Dean.

Sir Gerald du Maurier

Basil Dean

Dean começou no mundo do espetáculo como ator aos dezoito anos de idade e depois produziu muitas peças e filmes. Ele foi o orientador mais influente do estúdio durante os anos 30 e responsável pelo desenvolvimento da carreira de dois artistas do music-hall, que se tornaram os astros mais populares e bem pagos do período: Gracie Fields e George Formby.

Em 1931, o estúdio mudou seu nome para Associated Talking Pictures e, tal como os demais estúdios do Reino Unido, fez seus próprios filmes e alugou espaço para outras companhias produtoras. Na segunda metade dos anos trinta, David Lean trabalhou na Associated Talking Pictures como montador e Ronald Neame como cinegrafista. Em 1938, após un desentendimento com os Courtald, Dean deixou a companhia e Michael Balcon – que havia sido fundador e presidente da Gainsborough Films, diretor de produção na Gaumont British, e encarregado da produção na MGM-British -, tornou-se o novo chefe do estúdio. Na sua gestão, Balcon trouxe vários ex-colegas da Gaumont British para trabalharem juntos entre eles o ator-diretor Walter Forde e os diretores Sidney Gilliat e Robert Stevenson.

Ealing Studios nos anos 50

Michael Balcon

Ao mesmo tempo, a denominação do estúdio mudou de Associated Talking Pictures para Ealing Studios. Balcon era homem de equipe, encorajando idéias e iniciativas. Durante vinte anos em Ealing ele formou um grupo de diretores talentosos, muitos dos quais haviam sido montadores com Charles Crichton, Charles Frend, Robert Hamer, Leslie Norman e Thorold Dickinson e roteiristas como Alexander Mackendrick, Harry Watt e Basil Dearden, que formou uma longa parceria com o produtor-diretor-cenógrafo Michel Relph. Balcon também deu força para muitos novos roteiristas, inclusive T.E.B. Clarke que escreveu o roteiro de Hue and Cry/ 1947.

Alberto Cavalcanti

Em 1942, o brasileiro Alberto Cavalcanti, diretor, produtor, roteirista e diretor de arte se juntou a Balcon e introduziu a influência documentarista nos filmes de ficção. Cavalcanti fez no Estúdio Ealing, 48 Horas/ Went the Day Well?/ 1942; Champagne Charlie/ 1944, Nicholas Nickleby (na TV) / The Life and Adventures of Nicholas Nickleby / 1947. Entre os filmes produzidos no estúdio nos anos quarenta e cinquenta , distinguiram-se ainda: Johnny Frenchman/ 1945; Na Solidão da Noite/ Dead of Night/ 1945; The Loves of Joanna Godden/ 1947; Corações Aflitos/ The Captive Heart/ 1946; A Manada / TheOverlanders / 1946; Frieda/ Frieda / 1947; It Always Rains on Sunday/ 1947; Heróis Anônimos/ Against the Wind  / 1948, Sarabanda/ Saraband for Dead Lovers / 1948; Epopéia Trágica / Scott of the Antarctic/ 1948; A Lâmpada Azul / The Blue Lamp / 1950; Martírio do Silêncio / Mandy / 1950; Mar Cruel / The Cruel Sea  / 1953; A Morte de um Herói / The Ship That Died of Shame/ 1955; Justiça Final / The LongArm / 1956.

Apesar de ter oferecido ao público bons filmes de todos os gêneros, o estúdio ficou famoso pelo ciclo de comédias inteligentes, produzidas a partir do final dos anos quarenta e na década de cinquenta, que consolidaram o estilo característico do humor britânico e conservam até hoje intacto todo o seu encanto.

Para homenagear o esforço do conhecido estúdio inglês aqui estão algumas informações sobre as suas seis melhores comédias:

UM PAÍS DE ANEDOTA / PASSPORT TO PIMLICO / 1949 (84 min.)

Dir: Henry Cornelius. Rot: T. B. Clarke. Foto: Lionel Barnes. Dir. Arte: Roy Oxley. Mús: Georges Auric. Mont: Michael Truman.

No verão, em Pimlico, bairro residencial do centro de Londres, faz muito calor. Quando o merceeiro Arthur Pemberton (Stanley Holloway) tenta convencer a assembléia local a construir uma piscina e um playground em um terreno vazio, uma bomba – vestígio do conflito mundial recentemente terminado – explode, e ele descobre um tesouro medieval e também um tratado, transferindo o bairro de Pimlico ao ducado de Borgonha. Este tratado, faz dos habitantes de Pimlico cidadãos estrangeiros em território britânico e, portanto, não submetidos às leis do país. A primeira reação do grupo é acabar com o regime de restrições em que vivem. Assim rasgam seus cartões de racionamento e permanecem nos bares dançando e bebendo depois da hora regulamentar de fechamento. Legalmente, os argumentos dos Pimlicanos são irrefutáveis. Os meios diplomáticos se alarmam e o govêrno toma providências: instala barreiras aduaneiras nos limites do bairro, corta o fornecimento de água e energia elétrica, e ordena o bloqueio alimentar aos nativos de Pimlico. Em pleno metrô, a alfândega controla as entradas e saídas. Mas os próprios habitantes de outros bairros manifestam sua solidariedade, fazendo com que víveres sejam entregues aos seus novos vizinhos de fronteira. Por fim, um compromisso é encontrado: os habitantes de Pimlico “emprestarão” seu tesouro à Corôa que, em troca, lhes pagará juros.

Cena de Um País de Anedota

Um País de Anedota marca o início do período curto (1949-1955), mas admirável, durante o qual os estúdios Ealing empreenderam a tarefa de redefinir a comédia inglesa, impondo-lhe a sua marca. O filme passa uma nostalgia através da união social dos anos de guerra, lembrada afetuosamente como “the finest hour” (o melhor momento) da Inglaterra. Isto fica mais explícito em duas sequências mais para o final do filme: a primeira, em um cinejornal louvando a resistência da “pequena e corajosa Borgonha” – exatamente como a Grã- Bretanha se viu na primeira parte da Segunda Guerra Mundial – e a segunda, em um longa sequência de montagem, na qual a populacão de Londres vem em auxílio dos borgonheses assolados pela fome, arremessando-lhes víveres de carros e trens – evocando diretamente o celebrado “espírito de Dunquerque”.

Cena de Um País de Anedota

Cena de Um País de Anedota

Esta investigação do caráter britânico (ou especificamente inglês) está no âmago de Um País de Anedota.Apesar de sua resistência obstinada, os borgonheses nunca perdem de vista a sua verdadeira identidade nacional, como a frase mais memorável do filme deixa claro: “Nós sempre fomos ingleses e e sempre seremos ingleses, e é exatamente porque somos ingleses que estamos defendendo nosso direito de sermos borgonheses”.

Com um espírito de fantasia parecido com o de René Clair, de quem ele foi um colaborador (em Um Fantasma Camarada/ The Ghost Goes West), Henry Cornelius usou com inteligência todos os elementos cômicos de um assunto de total novidade, desencadeando, em um ritmo delirante, peripécias que chegam a um absurdo total. Os intérpretes ajudam muito, cada qual compondo seu tipo com autoridade.

ALEGRIA A GRANEL / WHISKY GALORE / 1949 (82 min.)

Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Compton Mackenzie, Angus Macphail, Foto: Gerald Gibbs. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Ernest Irving. Mont: Joseph Sterling.

Em 1943, em plena guerra, os habitantes de uma ilha perdida no litoral escocês, se vêem diante de uma situação terrível: não há mais whisky! E neste período de racionamento não serão as quatro garrafas permitidas pelas autoridades ao pub local que irão satisfazer as gargantas desses grandes consumidores da bebida. Então, quando vem a notícia de que o SS Cabinet Minister está afundando ao largo da ilha com seu carregamento de 50 mil caixas de whisky, a população fica em um estado de excitação próxima do delírio. Uma vasta operação de salvamento é elaborada e cabe ao capitão Waggett (Basil Radford), comandante da milícia, impedir a pilhagem. Ele avisa aos funcionários da alfândega, que vasculham a cidade, mas não encontram nada.

Cena de Alegria a Granel

Alegria a Granelfoi adaptado de um romance de Compton Mackenzie que, por sua vez se baseou na história verdadeira de um famoso incidente em 1941, no qual o SS Politician – cuja carga incluia 22 mil caixas de whisky – naufragou perto das ilhas Hébridas de Eriskay e South Ulst; dezenas de barcos de todas as ilhas vizinhas logo partiram para o local, resgatando 7 mil caixas.

Cena de Alegria a Granel

O filme é uma celebração do espírito rebelde dos ilhéus, como também uma homenagem aos poderes revigorantes do scotch, que restaura magicamente uma comunidade em profunda depressão por causa do desejo de um “pequeno trago”. Ao contrário da comédia suave de Um País de Anedota, o humor de Alegria a Granelassume às vêzes um tom mordaz às custas do pomposo burocrata Wagget, cujos esforços para frustrar a busca dos ilhéus por whisky, resulta apenas na sua própria ruina.

Cena de Alegria a Granel

Uma sequência memorável da luta dos indivíduos teimosos (e simpáticos) contra  uma autoridade mais poderosa é aquela em que os ilhéus,  avisados a tempo, de que os funcionários da alfândega irão chegar com Waggett – que os havia acionado – escondem as garrafas de whisky em todos os lugares inimagináveis entre eles dentro de um bueiro, de um saco de água quente, de uma caixa registradora e, em uma imagem final, dentro de uma cama portátil, que será ocupada por alguém com ar de inocente.

AS OITO VÍTIMAS / KIND HEARTS AND CORONETS / 1949 (106 min.)

Dir: Robert Hamer. Rot: R. Hamer, John Dighton baseado romance “Israel Rank” de Roy Horniman. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: Mozart. Mont: Peter Tanner.

Em 1868 na Inglaterra, às vésperas de ser executado por assassinato, Louis Mazzini (Dennis Price), duque d’Ascoyne, escreve suas memórias. Ele é descendente de uma família de nobres, cuja mãe havia sido deserdada, por ter se casado com um cantor italiano plebeu, morto logo após o seu nascimento. Sabendo que apenas oito parentes ainda vivos (Alec Guinness) o separam do honroso título nobiliárquico, Mazzini resolve eliminá-los uma a um. Ele consegue realizar seu objetivo, mas a Scotland Yard o prende, acusando-o de um crime, que ele não cometeu: a morte do marido de sua amiga de infância, Sibella (Joan Greenwood), que se tornara sua amante e ficara enciumada por ele ter se casado com Edith (Valerie Hobson), a viúva de sua primeira vítima. Julgado pelos seus pares, a Câmara dos Lordes o condena à morte. Pouco antes de sua execução, Sibella, que havia tramado tudo, lhe propõe um acordo: ela irá inocentá-lo, exibindo a carta que seu marido, arruinado, havia deixado, antes de se suicidar. Em troca, Mazzini deverá fazer desaparecer sua esposa e se casar, com ela. As memórias de Mazzini terminam assim. De manhã, o carrasco se apresenta, mas a execução é suspensa. Sibella manteve sua promessa. Porém ele percebe que esquecera o manuscrito, que relatava seus assassinatos, no interior da prisão…

 

Essa sátira social macabra – estigmatizando a aristocracia inglesa – que estabelece suas próprias leis baseadas no desprezo do gênero humano e na segregação – mistura ironia e cinismo, e é exposta em um tom sêco e dissimulado, eminentemente britânico.

O jovem arrivista, fleugmático e determinado, nos faz entrar no seu jôgo e, sem sentirmos remorso ou consciência pesada, nos tornamos seu cúmplice. No filme o crime perde o seu sentido de violência e aparece sob um manto de suavidade e “finura”. A platéia aguarda a eliminação dos d’Ascoynes com ansiedade e não pode reprimir uma gargalhada à medida que as vítimas vão sendo eliminadas.

Cena de As Oito Vítimas

São muito divertidos os meios engenhosos pelos quais Mazzini se livra dos seus parentes – sobressaindo aquele empregado na morte de Rufus d’Ascoyne, um general do exército entediante, que vive relembrando suas batalhas no seu clube. Quando um garçom lhe traz um pote com caviar, ele interrompe seu relato para observar: “Eu costumava ter muito desta coisa na Criméia. Algo que os russkies(um termo desdenhoso para se referir aos russos) fazem realmente bem”. Em seguida ele espeta a faca no pote e uma bomba escondida dentro dela explode, fazendo-o em pedacinhos.

Dennis Price no final de As Oito Vítimas

Além da boa história e dos diálogos incisivos e espirituosos, o sucesso de As Oito Vítimas deveu-se à composição múltipla de Alec Guiness, interpretando oito papéis diferentes  (inclusive o de uma solteirona sufragista), pequena proeza que o ator realizou com desenvoltura e humor bem como à atuação primorosa de Dennis Price, que encarnou com frieza o vingador intimamente ferido pelas humilhações sofridas, porque o desdém que ele sentia pelos seus familiares era incompatível com a expressão visível de qualquer sentimento de ordem afetiva.

O título do filme é derivado de um verso de Alfred Tennyson, que se tornou um provérbio inglês – Kind hearts are more than coronets-, que significa um bom coração vale mais do que os títulos de nobreza.

O MISTÉRIO DA TORRE / THE LAVENDER HILL MOB / 1951 (78 min.)

Dir: Charles Crichton. Rot: T.E.B. Clarke (premiado com o Oscar). Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: William Kellner. Mús: George Auric. Mont: Seth Holt.

Há vinte anos, Henry Holland (Alec Guinness), modesto funcionário do Banco da Inglaterra, em uma rotina impressionante, controla o transporte de barras de ouro da fundição para o Banco, mas acalenta o sonho de se tornar milionário, roubando um dos carregamentos. A primeira dificuldade é a negociação das barras na própria Inglaterra. O jeito então é exportá-las, impasse que o acaso resolve, fazendo-o conhecer um fabricante de “souvenirs”, Alfred Pendlebury (Stanley Holloway), cuja especialidade são moldes de chumbo da Tôrre Eiffel, que em Paris são vendidos aos turistas. O plano é executado com o auxílio de dois ladrões profissionais, Shorty (Alfie Bass) e Lackery (Sidney James), os incidentes se multiplicam, o roubo torna-se assunto do Estado, e uma desabalada perseguição tem início. Penburry é preso, Holland consegue fugir com seis estatuetas de ouro, mas ele será apreendido um ano depois no Rio de Janeiro, onde conseguiu levar durante algum tempo a vida faustosa dos seus sonhos.

Stanley Holloway e Alec Guinness em O Mistério da Torre

Stanley Holloway e Alec Guinness em O Mistério da Torre

Filmagem de O Mistério da Torre

 

Esta comédia policial mostra a aventura de um modesto bancário que se liberta da sua rotina, utilizando sua velha fama de honestidade e sua paciência adquirida como burocrata, para praticar um roubo meticulosamente arquitetado mas, mesmo assim, sujeito ao imprevisto. É o acaso que motiva as sequências mais animadas do filme como, por exemplo, a perseguição de Holland e Pendlebury com a tremenda confusão que eles armam para a Scotland Yard, utilzando o rádio (uma sátira irreverente à polícia inglesa) ou a descida vertiginosa da Tôrre Eiffel pelas escadas em espiral empreendida pelos dois principais membros do bando, para impedir que um grupo de colegiais leve, de volta à Inglaterra, a “evidência” do seu malfeito.

Cena de O Mistério da Torre

Outro momento muito engraçado com um notável sentido de sátira ocorre quando Pendlebury e Holland resolvem embarcar apressadamente da França para a Inglaterra e enfrentam cômicamente uma série de exigências aduaneiras. A visita ao colégio também arranca boas risadas do público, notadamente quando a aluna gorducha insiste em ficar com a sua tôrre apesar das propostas de “propina” por parte dos dois ladrões.

Alec Guinees e Audrey Hepburn (em uma ponta) em O Mistério da Torre

Alec Guiness está magnífico no papel do humilde e aparentemente inofensivo fiscal do banco que se transforma no chefe brilhante e eficiente da quadrilha de Lavander Hill e Stanley Holloway é um coadjuvante à sua altura em termos interpretativos.

O HOMEM DO TERNO BRANCO / THE MAN IN THE WHITE SUIT / 1951 (85 min.)                                                                                                                           Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Roger MacDougall, A. Mackendrick, John Dighton baseado peça de MacDougall. Foto: Douglas Slocombe. Dir. Arte: Jim Morahan, Mús: Benjamin Frankel. Mont: Bernard Gribble.

Sidney Stratton (Alec Guinness), servente do laboratório de pesquisa de uma fábrica textil, mas formado em química, tem uma idéia-fixa, na qual trabalha clandestinamente – a invenção de um tecido que jamais suja ou rasga. Após várias peripécias, Stratton conclui com êxito suas pesquisas. O fio indestrutível é triunfantemente exbido a Mr. Birnley (Cecil Parker), o dono da fábrica, mas o herói se esquecera de que o objetivo da indústria não é fabricar senão produtos que tenham de ser periodicamente substituidos. Tendo à frente o poderoso (e decrépito) Sir John Kierlaw (Ernest Thesiger), os grandes industriais exigem que Stratton lhes dê a fórmula, que jamais será utilizada e os sindicatos operários, com mêdo do desemprêgo, desejam a mesma coisa. Capital e Trabalho se unem para perseguir o inventor intransigente.

Cena de O Homem do Terno Branco

Esta história tragicômica mostra bem a cupidez dos patrões e o egoismo com que enfrentam qualquer progresso que não resulte em lucros e o egoismo basicamente igual dos operários, que vêem no progresso a alteração de seu “status quo” e, por isso, se reunem aos donos da fábrica para combater o invento revolucionário. Há uma cena, em que o inventor, perseguido nas ruas pelos Rolls-Royces dos patrões em pânico e por seus colegas de fábricas enfurecidos, pode contar com o auxílio de uma criança (que despista os perseguidores), mas não com o auxílio de uma velhinha de uma casa de cômodos, pois ela percebe que o tecido não sujável e indestrutível vai privá-la de seu meio de vida – a lavagem de roupa.

Alec Guinness em O Homem do Terno Branco

O filme faz uma crítica ácida tanto da empresa como da mão de obra sindicalizada e, como contraste, apoia e avaliza o espírito individualista do cidadão médio. Vestindo o imaculável terno branco feito com o seu tecido prodigioso, que brilha na obscuridade, Stratton parece um “cavaleiro andante, iluminando seu caminho pelo mundo” como define Daphne (Joan Greenwood), a filha do industrial – a certa altura da narrativa vemos uma imagem dele lutando com uma tampa de uma lata de lixo como se fosse um escudo. O terno evidentemente simboliza pureza, inocência, e a verdade desinteressada da ciência.

Cena de O Homem do Terno Branco

Cena de O Homem do Terno Branco

Alec Guinness e Joan Greenwood em O Homem do Terno Branco

O diretor soube utilizar todos os recursos da técnica, inclusive o som – o barulho  do complicado aparelho do inventor que nós ouvimos como leitmotiv ao longo de todo o filme, exprime às mil maravilhas a marcha inexorável e angustiante do progresso, e produz um efeito cômico irresístivel. No final, a multidão ataca o homem do terno branco, e a estrutura do tecido – para alegria de todos – subitamente se desintegra, deixando-o de cueca, humilhado. Porém, na cena derradeira do filme, quando Stratton se afasta da câmera, surge a música-tema associada ao aparelho barulhento do inventor, sugerindo que talvez ele consiga superar o problema da instabilidade de sua roupa e vai começar tudo de novo.

QUINTETO DA MORTE / THE LADYKILLERS / 1955 (97 min.)

Dir: Alexander Mackendrick. Rot: Willliam Rose. Foto: Otto Heller em Technicolor. Dir. Arte: Jim Morahan. Mús: Tristram Cary. Mont: Jack Harris,

Mrs. Wilberforce (Katie Johnson), velhinha cândida e bondosa, hospeda no seu sobrado antigo em Londres o “professor” Marcus (Alec Guinness), figura estranha e dentuça com testa larga e cabelos desgrenhados, que se diz músico, membro de um quarteto de cordas, e obtém permissão para ensaiar (invariavelmente o minueto de Bocherini) em seus aposentos com os amigos. Os outros “músicos” são: One Round, brutamontes de voz surda com cara de pugilista (Danny Green); Claude, o falso “Major” Courtney (Cecil Parker), gorducho bigodudo com um sorriso nervoso; Harry (Peter Sellers), rapaz meio desastrado com aparência de delinquente juvenil e Louis (Herbert Lom), sujeito com pinta de assassino profissional. Marcus expõe aos companheiros os planos de um roubo, que lhes renderá 60 mil libras. O assalto é bem sucedido e os cinco bandidos pedem para a velha apanhar a mala com o produto do roubo, que eles esconderam na estação de King’s Cross, pois ela é a última pessoa no mundo capaz de atrair suspeitas da polícia. Mrs. Wilbeforce concorda, acreditando que se trata de uma encomenda do interior para o seu hóspede. Quando finalmente ela percebe com que gente está metida, os cinco delinquentes procuram intimidá-la, dizendo-lhe que, para todos os efeitos, ela é cúmplice do assalto. Porém o retrato austero do seu falecido marido, um capitão da marinha mercante que afundou com seu barco, inspira Mrs. Wilberforce: ela e o “quinteto” comparecerão à delegacia para devolver o dinheiro. Diante disso, os larápios resolvem eliminá-la. Os cinco tiram a sorte, mas quem executará a tarefa? As discussões conduzem a brigas e os cinco bandidos acabam por se matarem entre si (apenas o último morre acidentamente).  Ao contar sua história para a polícia, Mrs. Wilberforce é considerada doida e aconselhada a ficar com a grana.

A Lady e os Killers

 

Esta comédia criminal macabro-satírica, que fechou com chave de ouro o ciclo do estúdio Ealing, contém vários elementos noir (tipos sinistros e inquietantes, passos e silhuetas ameaçadoras na noite, assalto a carro blindado, iluminação em claro-escuro (apesar do uso da cor), uma série de mortes, e a presença de uma mulher fatal (embora muito peculiar); mas tais elementos são usados para se obter efeitos cômicos da melhor qualidade.

Cena de Quinteto da Morte

Abundante em achados humorísticos  (v. g. a sequência do chá das velhas senhoras ao qual os criminosos são obrigados a participar; a mala que contém o produto do roubo transportada até a casa de Mrs. Wilberforce por dois policiais, pois ela fôra parar na delegacia por ter descido de um taxi a fim de defender um cavalo da irritação de um verdureiro, provocando um conflito, tratado em tom de pastelão; o enterro do “Major”, seu corpo colocado dentro de um carrinho de mão, empurrado pelo brutamontes e acompanhado pelo cérebro do grupo com se fosse um padre; a morte do “professor” Marcus atingido pelo sinal ferroviário e caindo dentro de um vagão), possuindo em cada personagem um tipo curioso e em cada ator um especialista em composição (sobressaindo naturalmente a interpretação deliciosa de Katie Johnson – então com 87 anos), o espetáculo é inusitado e imensamente divertido.           .

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