Em 1950 Ophüls encerrou sua fase americana e retornou à França, onde realizou seus últimos quatro filmes: Conflitos de Amor/ La Ronde / 1950, O Prazer/ Le Plaisir / 1952; Desejos Proibidos / Madame D …/ 1953 e Lola Montez / Lola Montès / 1955.
Em Conflitos de Amor (Rot: Jacques Natanson e M. Ophüls baseado livremente na peça “Reigen” de Arthur Schnitzler), na Viena de 1900, o narrador (Anton Walbrook), que faz a Roda do Amor girar como um carrossel, apresenta os amores da prostituta Léocadie (Simone Signoret) com o soldado Franz (Serge Reggiani). Depois, Franz seduzindo a empregadinha Marie (Simone Simon), que iniciará no sexo o jovem de boa família, Alfred (Daniel Gélin). Alfred, por sua vez, faz sucumbir a virtude de Emma (Danielle Darrieux), uma mulher casada. Emma se reune com seu marido Charles (Fernand Gravey) no seu leito conjugal e falam sobre Stendhal. Charles busca uma aventura amorosa com a costureirinha Anna (Odette Joyeux), que é uma presa fácil do poeta-dramaturgo Robert Kuhlenkampf (Jean-Louis Barrault), que a abandona, para se encontrar com a atriz (Isa Miranda) que, por sua vez, se entregará ao conde (Gérard Philie), blasé e cerimonioso. Ele não voltará para um segundo encontro, passando a noite com Léocadie. E assim a Roda termina, onde havia começado.
A idéia do narrador omnisciente que não somente introduz os espectadores em cada história, mas assume pequenos papéis e intervém durante a transição de um episódio para outro é original e, algumas vêzes, humorística (v. g, a cena em que o mecanismo que movimenta o carrossel para, quando Alfred falha momentaneamente durante o ato sexual, e depois volta a funcionar, quando ele se recupera do fracasso copulativo ou quando o meneur du jeu corta um pedaço de celulóide, censurando um momento mais ousado da trama). Entre cada um dos encontros amorosos, volta a imagem insólita do carrossel e a melodia de uma valsa langorosa (Oscar Straus / Louis Ducreux) em perfeita harmonia com o visual ophulsiano, como sempre apoiado em suntuosos interiores (Jean D’Eaubonne) e na movimentação da câmera (Christian Matras), destacando-se o longo traveling de abertura que permite ao narrador mudar de roupa para se tornar um personagem de 1900, atravessar um palco de teatro que se transforma em um estúdio de cinema, cantar “tourne, tourne, mes personnages … “ e começar a animar a sarabanda de relacionamentos efêmeros em busca do prazer sensual. Pena que haja um excesso de dialogação em algumas situações, tornando-as um tanto monótonas.
O Prazer (Rot: Jacques Natanson, M. Ophüls) é baseado em três contos de Guy de Maupassant: Le Masque, La Maison Tellier e Le Modèle. Em Le Masque (A Máscara), um homem mascarado, elegantemente vestido, vai ao Palais de la Danse, e demonstra grande agilidade, antes de cair no salão, esgotado. Tiram-lhe a máscara, trata-se de um velho (Jean Galland). Um médico (Claude Dauphin) o acode e o leva para casa, onde sua esposa (Gaby Morlay), resignada, lhe explica que seu marido, ex-cabelereiro outrora muito estimado pelas mulheres, continua comparecendo nos bailes, na tentativa de recuperar o frescor de sua juventude. La Maison Tellier (A Casa Tellier) é um bordel frequentado tanto por marujos como por “respeitáveis senhores”. Uma noite, os frequentadores do local encontram a porta fechada. Os burguêses ficam desolados e os homens do mar brigam entre si. A cafetina Madame Julia (Madeleine Renaud) e suas “pensionistas” partiram para uma aldeia da Normandia, a fim de assistirem à primeira comunhão da filha do irmão de Julia, o carpinteiro Joseph Rivet (Jean Gabin). Na igreja, comovidas, elas vertem lágrimas nostálgicas de sua pureza perdida e, por contágio, fazem chorar todos os presentes. No caminho de volta, elas colhem flores nos campos para enfeitar a Maison Tellier e, quanto a Rivet, ele fica atraído particularmente por Madame Rosa (Danielle Darrieux), uma das “pensionistas”. Em Le Modèle (A Modêlo), Jean (Daniel Gélin), um jovem pintor, apaixona-se por uma de suas modêlos, Joséphine (Simone Simon). Quando ele se cansa dela e tenta romper o relacionamento, a jovem se joga pela janela do ateliê. O remorso obrigará Jean a cuidar de Joséphine, imobilizada em uma cadeira de rodas, por toda a sua vida. Esta última história é contada, tal como as duas precedentes, por um narrador (Jean Servais) que desta vez aparece como um amigo de Jean.
Para Ophüls, a adaptação (livre) dos três contos de Maupassant serviu de pretexto para um exercício diretorial de uma virtuosidade deslumbrante (travelings rodopiantes no salão de dança e volantes em uma visita à Mansão Tellier vista unicamente do exterior; interposição de objetos e partes do cenários entre a câmera e os personagens), e para uma reflexão sobre o prazer (a futilidade do prazer evocada melancolicamente em A Máscara; sua gravidade, mostrada com tristeza mórbida em A Modelo, e sua inocência e simplicidade, apresentada com ironia e alegria no parêntese bucólico de A Casa Tellier) e a felicidade ( “a felicidade não é alegre”, conclui o narrador). Armam-se assim cenas inesquecíveis: o mau humor dos clientes do lupanar; a viagem de trem e a intrusão de Julien Ledentu (Pierre Brasseur), um caixeiro viajante excitado pela prova das ligas; as lágrimas de Rosa e de suas companheiras na igreja; o lirismo no campo florido, digno de Jean Renoir; o agradecimento murmurado por Madame Rosa a Rivet, que se desculpa timidamente por haver faltado com o respeito; o silêncio da noite campestre que não deixa as moças dormirem; Rosa e um menino que tem igualmente medo do escuro, adormecendo tranquilos nos braços um do outro; o contraponto entre os prazeres mundanos e os rústicos, com sua natureza, e a pureza da gente rural.
Em Desejos Proibidos (Rot: M. Ophüls, Marcel Achard, Annette Wademant baseado no romance homônimo ade Louise de Vilmorin), para pagar suas dívidas, a Condessa de … (Danielle Darrieux) resolve se desfazer de um par de brincos de diamantes em forma de coração, presente de casamento de seu marido, o Conde André de … (Charles Boyer). Vende-os ao joalheiro da família (Jean Debucourt), rogando sigilo, e simula tê-los perdido na Ópera. O zêlo do administrador do teatro conduz o caso à polícia e, em consequência, aos jornais. Preocupado com a situação, o joalheiro leva as jóias ao Conde que torna a comprá-los, para presenteá-los agora a uma amante (Lia de Leo), que está remetendo para Constantinopla … sem bilhete de volta. Lá os brincos são vendidos para alimentar a roleta e comprados por um diplomata italiano, Barão Frabrizio Donati (Vittorio de Sica). Quando Donati assume seu novo pôsto em Paris, ele fica encantado pela Condessa, e quando o Conde (que também é general) parte para manobras militares, o Barão tem oportunidade de cortejá-la e lhe oferecer os brincos. Habituado e lisongeado com a atração que a mulher desperta nos salões, o Conde não leva a sério o flerte. O mesmo acontece com a mulher e o diplomata, até descobrirem que se amam. Ela tenta esquecê-lo, viajando. mas em vão. O barão lhe escreve sem parar, e ela acaba se encontrando com ele. A condessa se embaraça nas suas mentiras para fazer crer a seu marido que reencontrou seus brincos. O general a obriga a dar os brincos para uma sobrinha, os revende, e a Condessa os compra, considerando-os agora como relíquias. Furioso, o general desafia o rival para um duelo. A Condessa, que havia ofertado os brincos para o altar da Virgem para salvar o barão, corre para impedir o combate mas, ao ouvir o primeiro tiro (que, presumivelmente, matou o diplomata), sofre um ataque cardíaco e morre.
A história – que poderia ser um vaudeville agradável, mas se torna um drama com observações sarcásticas sobre a Belle Époque – é organizada engenhosamente em torno da circulação de um par de pedras preciosas e esta circularidade é tratada no mesmo estilo barroco que se tornou a marca pessoal de Ophüls. Grande requinte nos cenários (Jean D’Eaubonne) e figurinos (Georges Annenkov, Rosine Delamare), ângulos e enquadramentos bem estudados (Christian Matras), diálogos nos quais transparece o espírito fino de Marcel Achard, bela partitura (Oscar Straus / George Van Parys), interpretação insubstituível do trio central, despontando porém Danielle Darrieux, que soube criar com inteligência a personagem fútil e frívola de Madame de …. , completam o quadro, e confirmam que a arte do cineasta vienense atingiu o seu apogeu.
No seu lançamento, Lola Montès (Rot: Cecil Saint-Laurent, M. Ophüls, Annette Vademan baseado no romance de Saint-Laurent “La Vie Extraordinaire de Lola Montès”) foi mal recebido pelo público, a tal ponto que os produtores o retiraram de cartaz, para ser apresentado de novo com uma redução considerável da metragem e uma montagem que tornava a narrativa linear, retirando exatamente o que melhor caracterizava a originalidade da técnica empregada pelo diretor. De modo que ele só foi visto na edição original, com os flash-backs, muito mais tarde.
Em 1880, Maria Dolorès Porriz y Montez, dançarina e cortesã conhecida como Lola Montès (Martine Carol), é exibida em um circo gigantesco em New Orleans, onde Monsieur Loyal, um mestre de cerimônias (Peter Ustinov), com a ajuda da trupe, ilustra passagens de sua vida, e os espectadores podem interrogá-la sobre seu passado. Cinco retrospectos de lembranças de Lola pontuam a representação. 1. Na Itália, Lola termina sua aventura com Franz Lizt (Will Quadflieg), que se tornara tediosa; 2. Em Paris, para se esquivar de um casamento por interêsse com um barão velho e rico, Lola se entrega, e depois se casa, com o tenente Thomas James (Ivan Desny), o amante de sua mãe. 3. Na Escócia, Lola se liberta do marido alcoólatra e brutal. 4. Em Nice, Lola interrompe sua dança para esbofetear o maestro Pirotto (Claude Pinoteau), seu amante, após ter descoberto que ele era casado. Em seguida, perante toda a platéia, ela entrega à mulher dele (Jacqueline Canterelle) o bracelete que o músico lhe dera. 5. Na Baviera, onde foi concorrer a um concurso de Ópera, ela se torna amante do Rei Ludwig I (Anton Walbrook), e depois é obrigada a deixar o país, porque sua presença desagradou a população, causando uma revolta. Na sua fuga, Lola é protegida por um estudante (Oskar Werner), que se propõe a desposá-la; porém ela recusa, porque um futuro menos pacífico, mais corajoso, mais digno dela, a tenta: o circo. Doente, em plena decadência, Lola executa todas as noites um salto mortal e, após ser encerrada em uma gaiola dourada, fica exposta aos espectadores, que pagam um dólar para beijar sua mão.
Na versão restaurada de Lola Montès, pode-se perceber a ambição formal do cineasta, como sempre fazendo a câmera (Christian Matras) acompanhar a marcha dos personagens ou se movimentar eufóricamente, para nos mostrar o reverso de um espetáculo, aquilo que ninguém viu: o rosto interior de Lola, sua intimidade e, ao mesmo tempo, denunciar a exploração da decadência de uma mulher fatal lendária em benefício da curiosidade indecente dos espectadores, que lhe fazem perguntas indiscretas. A crítica de Ophüls estava adiante de seu tempo e foi sublinhada por uma encenação onde o seu rebuscamento estético chegou a um ponto culminante, servido pelas cores berrantes e pelo CinemaScope.
As cenas de circo são todas memoráveis com seus motivos purpúreos e dourados que sugerem esplendor e suntuosidade, mas cuja acumulação revela sua natureza opressiva e mórbida, pois Lola é de fato uma prisioneira desse mundo, uma heroína despossuída de si mesma, fatigada, debilitada, e quase em agonia. Já os retrospectosque fazem reviver em desordem alguns momentos de uma existência tumultuada, eles são tratados mais convencionalmente e, por contraste, em cores mais suaves. Os cenários de Jean d’Eaubonne e o vestuário de Annenkov e Marcel Escoffier (para Martine Carol) também contribuem para o delírio barroco ophülsiano. Entretanto, o brilho plástico e toda aquela algazarra permanente no picadeiro em torno de uma figura imóvel que mal se sustenta em pé e se exprime por uma voz inaudível, não foi capaz de disfarçar algumas lentidões no ritmo da narrativa. Martine Carol, super estrela e símbolo erótico do cinema francês na época, era uma atriz de recursos limitados, mas se saiu muito bem, principalmente nas sequências circenses compondo sóbriamente uma máscara de morta-viva, enquanto Monsieur Loyal explorava comercialmente o relato de sua vida escandalosa.
O último filme Max Ophüls, exibido no Brasil como Lola Montez, talvez tenha sido um dos motivos que apressaram sua morte em Hamburgo aos 54 anos de idade, no dia 26 de marco de 1957, vitimado por uma doença cardíaca, de que sofria há muito tempo, dois anos após tentar desesperadamente preservar a integridade de sua obra.
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