MAX OPHULS I

Ele foi um exímio narrador de histórias de amor, que confirmaram sua sensibilidade romântica, sua identificação com a consciência e os apuros femininos, sua preferência por temas relacionados com a Viena do final do século, e seu gôsto pelo estilo barroco. A chave de sua brilhante encenação era o domínio do plano-sequência, especialmente da câmera continuamente em movimento e a luxúria decorativa, ambos usados sempre com notável compreensão cinematográfica.

Max Ophuls

Max (Maximilian) Ophüls nasceu em Saarbrücken, Alemanha, filho de Leopold Oppenheimer, fabricante de roupas e dono de várias lojas no país e de sua esposa Helen. Quando iniciou sua carreira teatral, Max adotou o sobrenome de Ophüls, para não criar dificuldades para os pais, porque sua família, muito respeitada no âmbito da indústria têxtil, desaprovava seu desejo ardente pelo teatro.

Ele estreou no palco em 1919 e atuou no Teatro Aachen de 1921 a 1923 porém, decepcionado com a carreira de ator, abandonou o tablado pela encenação, tornando-se o primeiro diretor do teatro da cidade de Dortmund. Em 1924, dedicou-se à produção teatral e se tornou diretor criativo do Bürgtheater de Viena. Em 1926, casou-se com a atriz Hilde Wall, com quem teve um filho, Marcel, o futuro documentarista de Le Chagrin et la Pitié/ 1971.  Em 1929, com cerca de duzentas peças no seu currículo, Ophüls iniciou sua trajetória cinematográfica como assistente de Anatole Litvak na UFA, em Berlim.

Em 1931, no período que viu a emergência do cinema sonoro, Ophüls dirigiu seu primeiro filme, a comédia curta Dann schon lieber Lebertran (Eu prefiro óleo de fígado de bacalhau), seguindo-se seu primeiro longa-metragem, Die verliebte Firma / 1932 (A Companhia Apaixonada), que gira em torno da filmagem de um musical em uma idílica aldeia alpina: quando a estrela temperamental (Anny Ahlers) abandona a produção, é substituida por uma jovem funcionária do correio local (Lien Deyers) e os rapazes da equipe se apaixonam por ela, inclusive o diretor da companhia produtora (Gustav Frölich). No mesmo ano,Ophüls realizou Die verkaufte Braut (A Noiva Vendida) em cuja trama, passada na Bohemia no século dezenove, o condutor de carruagem Hans (Willy Domgraf-Fassbaender) se apaixona pela filha do prefeito Maria (Jarmila Novotna), que está prometida para Wenzel (Paul Kemp), filho de um fazendeiro rico que, por sua vez, apaixonado por Esmeralda (Annemarie Sörensen), filha do diretor do circo. São duas comédias musicais muito divertidas, a segunda aproximando-se mais da opereta (pois foi baseada em uma composição de Smetana), e em ambas já se vislumbra a sensibilidade romântica do diretor, sua mise-en-scènefrenética, e sua capacidade de construir com exatidão os ambientes nos quais transcorre a ação.

Lien Deyers e Heinz Rühmann em Lachende erben

Conheço apenas um trecho de Lachende erben / 1933 (Herdeiros Sorridentes), a terceira comédia que Ophüls fez na UFA. É a história de um rapaz, Peter Frank (Heinz Rühman), que herda do tio uma vinícula, sob a condição de que não poderá consumir bebida alcoólica durante um mês. Como Peter não tem a reputação de ser sóbrio, as tentações se multiplicam, e ainda por cima ele se apaixona pela filha (Lien Deyers) de seu principal competidor. Nas cenas que pude ver, não identifiquei a marca do estilo ophulsiano, porém elas prometiam uma boa diversão.

Magda Schneider e Wolfgang Liebeneiner em Uma História de Amor

O último filme realizado por Ophüls na Alemanha, Uma História de Amor Liebelei / 1933, adaptação (com algumas modificações da obra original, entre elas a  exposição da futilidade e estupidez da mentalidade teutônica do “código de honra”) de uma peça de Arthur Schnitzler, é um melodrama romântico melancólico e cruel, pondo em cena dois tenentes da cavalaria do exército austríaco do imperador Francisco José, que encontram o amor com duas jovens simples e sinceras. Fritz Lobheimer (Wolfgang Liebeneiner) está vivendo um romance adulterino com a Baronesa Eggersdorff  (Olga Tschechowa), mas se apaixona pela doce e pura, Christine Weiring (Magda Schneider), filha de um modesto músico de orquestra da Ópera,  (Paul Hörbinger) enquanto seu colega Theo Berg (Willi Eichbwerger), namora Mizzi Schlager (Luise Ullrich), amiga de Christine. Quando o Barão (Gustaf Gründgens) descobre a traição da esposa, desafia Fritz para um duelo. O Barão é o primeiro a atirar e ele mata Fritz. Quando Christine é informada de sua morte, ela se joga de uma janela.

Ophüls descreve, – com a câmera flutuante de Franz Planner que às vêzes omite tanto quanto mostra (v. g. Fritz morrendo no duelo; somente a janela aberta a indicar o salto de Christine para a morte) ou deixa planos vazios no início ou no fim de uma cena -, a passagem do sonho de amor da jovem vienense para um desenlace trágico, conseguindo fazer com que os próprios personagens transmitam suas emoções, principalmente Christine. A interpretação de Magda Schneider chega a ser profundamente tocante quando ela, em um longo close-upsob o fundo musical da Quinta Sinfonia de Beethoven, expressa seu desespêro – sem chorar nem sofrer um colapso nervoso -, ao ouvir a notícia devastadora de que Fritz perdeu sua vida por causa de outra mulher. Outra atuação marcante é a de Gustaf Gründgens, usando apenas seus gestos e olhares frios, exprimindo todo seu ódio e sua raiva pela fumaça de seu cigarro e pelas suas corridas – perseguidas velozmente pela câmera – atrás do amante de sua mulher.

Os nomes dos judeus Arthur Schnitzler e Max Ophüls foram retirados dos créditos e foi feita uma versão francêsa com Magda Schneider e Wolfgang Liebeneiner com os atores francêses Simone Héllard (no papel de Mizzi), Georges Rigaud (Theo) e Abel Tarride (Weiring). Em 1933, prevendo a ascendência nazista, Ophüls foi para a França onde, de 1934 a 1940, fêz sete filmes, intercalados entre uma realização na Itália e outra na Holanda. Em 1938, ele adquiriu a cidadania francêsa. Menciono em seguida os filmes francêses, dos quais vi apenas Yoshiwara, Le Roman de Werthere De Mayerling a Sarajevo.

Prisioneiro de uma Mulher/ On a Volé un Homme / 1934 (Rot: René Pujol, Hans Wilhelm), drama romântico no qual um jovem banqueiro, Jean de Lafaye (Henri Garat), está prestes a concluir um negócio que arruinará seus concorrentes. Estes o sequestram e o levam para uma casa de campo, onde ele fica sob a guarda de uma linda aventureira (Lili Damita). O banqueiro e sua carcereira se apaixonam e conseguem escapar e ajustar contas com os que tramaram contra ele.

Divine / 1935 (Rot: Colette baseado na sua peça “L ‘envers du Music Hall”). Adapt: M. Ophüls, Jean-Georges Aurio), melodrama focalizando uma jovem do interior, Ludivine Jarisse (Simone Berriau) que, convidada por sua amiga Roberte (Yvette Lebon), atriz em um music hall de Paris, aceita substituí-la, e se torna uma vedeta no L‘Empyrée sob o nome de Divine. Um de seus colegas tenta tirar vantagem de sua ingenuidade, mas quando ela resiste, ele a envolve em um negócio de entorpecentes, do qual ela se liberta graças ao amor de Antonin, um honesto e formoso leiteiro (Georges Rigaud). Ele lhe promete casamento e ela abandona o palco, para começar uma nova vida na região de onde veio.

Georges Vitray e Simone Berriau em La Tendre Ennemie

La Tendre Enemie / 1936 (Rot: Curt Alexander, M. Ophüls baseado na peça L‘Ennemie” de André-Paul Antoine), comédia romântico-fantástica com uma história original, cáustica e irônica, impulsionada por três fantasmas, que aparecem na festa de noivado de Line, (Jacqueline Daix), filha de Annette (Simone Berriau), a mulher que todos amaram no passado. Os três – um deles, Dupont (Georges Vitray) é o pai da noiva e os outros dois são o primeiro namorado da mãe dela, um marinheiro (Lucien Nat) e o seu ex- amante, um domador de leões (Marc Valbel) – relembram como seus relacionamentos com a “inimiga” (ela mesma vítima de um casamento arranjado)  arruinaram suas vida, e intervêm junto a Annette, a fim de que ela impeça o casamento. Sensível às preces que lhe dirigem essas testemunhas do seu passado, a velha senhora cede, e sua filha poderá esposar o intrépido piloto, que escolheu para marido.

Yoshiwara / Yoshiwara / 1937 (Rot: Arnold Lipp, W. Wilhelm, Dapoigny, M. Ophüls baseado no romance de Maurice Dekobra), drama sobre amor interracial com um pano de fundo de espionagem cuja ação transcorre em 1860 quando, após a morte de seu pai, que cometera o suicídio ao verificar que estava falido, Kohana (Michiko Tanaka) vai para Yoshiwara, o bairro da prostituição de Tokyo, para ser geisha. Neste local, Serge Polenoff (Pierre Richard-Willm), oficial da Marinha Russa, portador de documentos secretos do estado-maior japonês, apaixona-se por ela, e entra em conflito com um condutor de riquixá Yasamo (Sessue Hayakawa), que também a ama. O plano de Polenoff de levar Kohana consigo para São Petersburgo é frustrado quando Yasamo o denúncia ao serviço da contra-espionagem do país. Atacado e ferido, Polenoff entrega os documentos para Kohana, pedindo-lhe que o faça chegar a qualquer um de seus companheiros de farda. Mas Kohana é presa como cúmplice de Polenoff. Desesperado, Yosama avisa a Polenoff de que ela vai ser condenada à morte, e os dois partem para tentar salvá-la; porém, Polenoff morre em razão dos ferimentos enquanto Kohana é executada.

Michiko Tanaka e Pierre Richard-Willm em Yoshiwara

Ophüls fez o que pôde para disfarçar a falta de valores de produção, que prejudicou o seu cuidado especial para com os adornos cenográficos e talvez tenha contribuído para paralizar a sua câmera deambulatória; porém mesmo assim, ele conseguiu dar um sôpro melodramático e criar alguns toques mágicos nessa história de amor irrealizável, como naquela cena em que Polenoff expõe os seus sonhos de futuro e as maravilhas do mundo ocidental para a sua bela geisha.

Pierre Richard-Willm e Annie Verney em Le Roman de Werther

Le Roman de Werther / 1938 (Prod: Nero-Film (Seymour Nebenzal). Rot: Hans Wilhelm. Adapt: H. Wilhelm, M. Ophüls), baseado em “Leiden des jungen Werthers”, romance de Johan Wolfgang von Goethe), drama romântico sobre o amor impossível de Werther (Pierre Richard-Willm), jovem poeta e músico que chega em Walheim, na Alemanha, para assumir o posto de referendário no Palácio de Justiça local e Charlotte (Annie Vernay), que está prometida ao juiz Albert (Jean Galland), superior hierárquico de Werther. Quando Werther vem a saber disso, ele passa as noites no cabaré embriagando-se e se entrega a diversas extravagâncias, que suscitam a reprovação de Albert. Werther escreve uma carta para Charlotte, contendo um apelo desesperado. Em vez de responder, Charlotte vai se confessar (“Eu não mentí e não disse a verdade”, diz ela ao padre, referindo-se ao fato de não ter dito logo a Werther que estava noiva de Albert). Por ocasião de uma discussão profissional a respeito de um assassino que matou por amor, Albert, que desconfia de algo, ordena que Werther peça demissão. Uma noite, Werther vai para o lugar no campo em que ele encontrara Charlotte, e se mata com um tiro de pistola.

Ophüls consegue traduzir fielmente um romance epistolar em termos de cinema, sem torná-lo teatral, usando sua inventividade técnica para mantê-lo sempre interessante, até o desenlace trágico, pois na sociedade paternalista na qual Charlotte vive, sempre existe um limite para a paixão. A cena mais bonita é a do pedido de casamento que Werther faz a Charlotte diante de uma bela paisagem campestre e ela abaixa a cabeça, abraçando um buquê de flores. Aquele momento em que Charlotte finalmente revela a Werther que está comprometida com outro também está carregada de muita emoção. O cineasta não usa tanto os seus movimentos de câmera extravagantes, preferindo a sobreposição (v. g. dos sinos da igreja) e a elipse (v. g. não vemos a morte de Werther, somente seu cavalo, e ouvimos o tiro).

Georges Rigaud e, Edwige Feuillère em Sans Lendemain

Sans Lendemain / 1939 (Prod: Ciné-Alliance (Gregor Rabinovitch). Rot: Hans Wilhelm. Adapt: H. Wilhelm, Jacot, Curt Alexander, M. Ophüls), melodrama tendo como figura central, Evelyn Morin (Edwige Feuillère), dançarina em uma boate. Seu marido, aventureiro sem escrúpulos, abandonou-a friamente, deixando-a com um monte de dívidas e um filho de dez anos, que ela tenta educar como pode. O acaso a faz reencontrar um antigo amor, Dr. Georges Brandon (Georges Rigaud), agora um médico canadense de prestígio, ainda apaixonado, por ela. Para dissimular sua decadência, Evelyn pede dinheiro emprestado, e passa alguns dias na companhia de Brandon como uma mulher respeitável; porém, uma imprudência de seu filho a trai.  Decidida a se redimir, ela confia a guarda do filho ao generoso amigo, que retorna para o Canadá, prometendo juntar-se a eles brevemente. Depois, desaparece no nevoeiro.

Edwige Feuillère e John Lodge em De Mayerling a Sarajevo

De Mayerling a Sarajevo / De Mayerling à Sarajevo / 1940 (Prod: BUP e Eugène Tucherer. Rot: Carl Zuckmayer. Adapt: Curt Alexander, Marcelle Maurette, Jacques Natanson, André-Paul Antoine, M. Ophüls), drama histórico versando sobre um amor que terminou em tragédia. Franz Ferdinand (John Lodge) herdeiro do Império Austro-Húngaro, apaixona-se pela condessa Sophie Chotek (Edwige Feuillère). Ele já é um problema para a côrte por causa de suas idéias progressistas e esse caso de amor não é bem visto pela Corôa, que permite a união, mas impõe condições: um casamento morganático e proibição de desfrutar de quaisquer privilégios na côrte. O imperador ainda neutraliza Franz, nomeando-o inspetor geral do exército e enviando-o para longe do lar. Em junho de 1944, temendo por sua segurança, Sophie pede permissão para acompanhar Franz a Sarajevo; de acôrdo com o protocolo, nenhuma tropa do exército deve estar a serviço de Franz enquanto ela estiver presente. Um assassino ataca. Suas mortes em 28 de junho de 1914 acendem a faísca para a Primeira Guerra Mundial.

Ophüls apresenta uma visão nostálgica do fim do Império Austro-Húngaro, justapondo um romance pessoal com a história política, pois tanto a paixão do casal como os ideais avançados de Ferdinand são igualmente oprimidos pelas regras da sociedade repressora. O amor triunfa sobre a ordem e o dever, mas vem a ser derrotado pelo destino. Um bom exemplo disso, é a cena em que Sophie é barrada no salão de baile, o melhor momento do espetáculo. Tal como ocorreu em Yoshiwara, o cineasta usa a câmera com mais sobriedade mas, nesta oportunidade, teve meios para exercitar seu pendor ornamental.

 

Isa Miranda em La Signora di Tutti

No filme italiano, La Signora di Tutti / 1934 (Rot: Curt Alexander, Hans Wilhelm, M. Ophüls baseado no romance de Salvatore Gotta), após uma tentativa de suicídio, Gabriella Murge (Isa Miranda), que adotou o nome artístico de Gaby Doriat, e ficou conhecida como “la signora di tutti” por alusão ao título mais célebre de seus filmes, é transportada com urgência para um hospital. Conduzida para a sala de operação, a estrela, sob efeito da anestesia, recorda os episódios mais marcantes de sua existência; o escândalo provocado por sua beleza quando ainda era muito jovem; o acidente fatídico de Alma  (Tatyana Pavlova), a esposa paralítica de seu amante, o rico negociante Leonardo Nanni (Memo Benassi) e a falência e morte deste, depois que ela o deixou; sua ascenção no meio cinematográfico. O único homem que Gaby amou foi Roberto Nanni (Federico Benfer), filho de Leonardo, porém Roberto preferiu se casar com a irmã de Gaby, Anna (Nelly Corradi). Não encontrando mais nenhum sentido para sua existência infeliz, Gaby escolheu o suicídio. Quando a máscara de anestésico é retirada, os médicos confirmam seu falecimento.

Isa Miranda em La Signora di Tutti

Ophüls reencontra sua melhor forma neste estudo psicológico e melodramático de uma estrela de cinema que se liberta de um mundo patriarcal exacerbado e depois se torna vítima do seu rigor. Gaby vive sempre atormentada pela lembrança do comportamento de seu pai austero por ocasião do incidente ocorrido quando cantava no côro do colégio e fôra seduzida por um professor que abandonou a família, e acabou se matando. Mais tarde, ao se tornar amante do pai de seu amado, sente novamente o mesmo tormento, chegando à histeria e às alucinações (v. g. a música no fogo). Sua última decepção, leva-a forçosamente a tirar sua própria vida. No estúdio da Cines, Ophüls recobrou sua capacidade de invenção formal, recorrendo não só à sua câmera vertiginosa  (v. g.  a correria de um assistente de direção pelo estúdio; a dansa de Roberto e Gaby no baile) como também ao uso original da música (v. g. o disco rodando na vitrola, ouvindo-se uma voz feminina cantando “eu sou a senhora de todos”, uma presença simbólica da estrela enquanto seus empresários discutem sobre ela); do retrospecto (v. g. às vêzes é Gaby que se lembra do passado, outras, seu publicista narra a biografia de sua cliente); da panorâmica (v. g. Gaby remando no lago e, paralelamente, Leonardo acompanhando-a no seu carro pela estrada); da elipse (v. g. só ouvimos a voz do pai de Gaby esbravejando); do traveling (v. g. a câmera que vai e vem sobre a mesa de reunião na empresa de Leonardo); e finalmente  um maravilhoso close-up estático de Gaby quando ouve pelo telefone Roberto lhe dizendo que se casou com Anna, no qual se nota com maior evidência o excelente trabalho de interpretação de Isa Miranda. Sua Gaby é, sem dúvida, uma das figuras mais atraentes do universo feminino ophülsiano. O filme foi premiado no Festival de Veneza.

Cena de Komedie am Geld

O filme holandês, Komedie om Geld / 1936 (A Comédia do Dinheiro), com roteiro de Walter Schlee, M. Ophüls, Alex de Haas baseado em uma idéia de W. Schlee, tem início em um circo, onde o mestre de cerimônias  (Edwin Gubbins Doorenbos) narra para os espectadores uma comédia (mais uma farsa na verdade), que tem como herói um mensageiro de banco, Brand (Herman Bouber). Ele perde uma vultosa quantia de dinheiro sob sua responsabilidade (havia um furo na sua pasta) e, embora o desfalque não possa ser provado, Brand é demitido desonrosamente. As tentativas dele e de sua filha Willie (Rini Otte) para conseguir emprego falham e o pobre homem está tentado a cometer suicídio, quando acontece um milagre: os administradores do banco lhe oferecem a posição de diretor de uma sociedade imobiliária. Os magnatas da superendividada instituição de crédito pensam que Brand escondeu o dinheiro e pretendem se recapitalizar às suas custas. Brand aceita, mas posteriormente pede demissão, por se recusar a participar de operações inescrupulosas. Depois, ele por acaso recupera a quantia perdida, e imediatamente a devolve ao seu antigo empregador. Entretanto, a côrte de justiça entende que o numerário recuperado é a prova do desfalque, e o bancário é preso. Neste momento o diretor do circo intervém: “Querido público, não vamos deixar que este drama o deixe preocupado: encontraram uma testemunha a favor do bancário, e ele foi sôlto”.

Ophüls expõe com espírito satírico o lado sombrio do poder financeiro, deixando que o relato seja conduzido pelo mestre de cerimônias do circo, que interrompe o filme em alguns instantes, para se dirigir à platéia com uma canção ou um comentário. Além da crítica ao capitalismo, o diretor nos regala com as viravoltas da câmera algumas sombras expressionistas; magníficos close-ups; uma montagem paralela do conselho dos acionistas do banco que querem tomar uma decisão “radical” com o protagonista prestes a se enforcar; um pesadêlo surrealista do humilde empregado que se tornou patrão e não tem mais a consciência tranquila; e um palácio modernista filmado de todos os ângulos.

Quando a França foi ocupada pelos alemães, em 1940, Ophüls e sua família se refugiaram na Suiça, mas um problema de cidadania com o governo suiço, resultou no fim do seu projeto de filmar École des Femmes com a trupe de Louis Jouvet, e na sua expulsão do país.

Em 1941, Ophüls chega em Hollywood, após ter atravessado os Estados Unidos de automóvel com a mulher e os filhos. Os primeiros anos na “Cidade dos Sonhos” foram muito difíceis para o diretor e seus familiares. Ele vivia graças à ajuda dos amigos refugiados ou de antigos colegas de Berlim.  Ophüls ficou desempregado até 1946, quando Preston Sturges, impressionado com Liebelei, conseguiu que ele dirigisse Vendetta Vendetta para RKO; porém a filmagem foi muito conturbada,  notadamente pelas interferências constantes de Howard Hugues. Uma discordância com Hughes causou a saída de Ophüls, substituído por Preston Sturges, que foi também demitido. Stuart Heisler e Mel Ferrer ajudaram a terminar o filme, que só foi lançado em 1950.

 

 A primeira oportunidade de Ophüls sentar atrás das câmeras em Hollywood finalmente chegou com o auxílio de Robert Siodmak, que fez o que era necessário para que ele dirigisse Douglas Fairbanks, Jr. em O Exilado / The Exile / 1947, filme que o próprio ator escreveu e produziu, para ser distribuido pela Universal. Neste filme de aventura histórica, cuja ação transcorre em 1660, caçado pelos “Cabeças Redondas” de Oliver Cromwell, o rei Charles II está exilado na Holanda. Seus amigos o pressionam para retornar à Inglaterra, mas ele lhes diz que ainda é muito cedo para isso. Charles aguarda o apêlo unânime do seu povo e se esconde na estalagem de Katie (Paule Croset, outro nome artístico de Rita Corday), uma vendedora de tulipas e se coloca a seu serviço. Enquanto os homens de Cromwell, e notadamente o Coronel Ingram (Henry Daniels), pensam que ele está tramando contra o govêrno, Charles está ocupado com pintinhos, pescando ou ajudando sua hospedeira no mercado, por quem está apaixonado. Outro inglês exilado, o ator itinerante desempregado (Robert Coote), faz-se passar pelo rei, mas a visita de uma condessa francêsa (Maria Montez), que conhece o verdadeiro soberano, traz complicações. Finalmente, os “Cabeças Redondas” descobrem o paradeiro de Charles que, perseguido, trava um duelo com o Coronel Ingram (Henry Daniell), e o mata. Os partidários de Charles chegam em seu socorro. Ele volta para o seu trono, porém os deveres do cargo lhe obrigam a abandonar Katie.

Douglas Fairbanks Jr. e Maria Montez em O Exilado

Max Ophuls e Douglas Fairbanks Jr, em um intervalo de filmagem de O Exilado

Ophüls  (nos filmes americanos seu nome aparece nos créditos como Max Opuls) perde algum tempo até que o filme comece a ficar excitante, mas aos poucos a narrativa vai crescendo de intensidade, e vão surgindo bons momentos de criação cinematográfica (v. g. o primeiro beijo de Charles e Katie; o encontro na hospedaria do rei incógnito com o chefe dos “Cabeças Redondas”; o aparecimento do falso Charles II; e, principalmente, a perseguição e o duelo no moinho). O espetáculo foi fotografado em sepia por Franz Planner, o mesmo de Liebelei. Fairbanks Jr. desempenha as cenas agitadas com a destreza herdada do pai e compõe com sabedoria a personalidade daquele monarca que descobriu no destêrro a felicidade pessoal, e logo teve de esquecê-la, para se reintegrar na sua alta função.

O segundo filme americano de Ophüls, Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1948, produzido por John Houseman para a Rampart Productions (fundada por William Dozier e sua então esposa Joan Fontaine) e distribuído pela Universal, é um melodrama (com roteiro de Howard Koch e M. Ophüls baseado na novela de Stefan Zweig), contando a história de um amor obsessivo e ilusório. O tema era perfeito para Ophüls e o diretor soube emprestar sobriedade à atmosfera do filme, evitando a pieguice e, com a força de seu estilo, impregná-lo de beleza plástica.

Louis Jourdan e Joan Fontaine em Carta de uma Desconhecida

Na Viena de 1900, pouco antes de participar de um duelo, do qual pretende fugir, Stefan Brand (Louis Jourdan), um pianista envelhecido e em decadência recebe uma longa carta de uma desconhecida, Lisa Berndle (Joan Fontaine), e se concentra na sua leitura. Ainda adolescente, Lisa se apaixonou por Stefan, que era seu vizinho. Um dia, sua mãe viúva (Mady Christians) anunciou que ia se casar com um comerciante de Linz, e era preciso que elas se mudassem para lá. No último minute antes de embarcar na estação ferroviária, Lisa decide voltar para casa, a fim de ver Stefan mais uma vez; porém surpreende-o com outra mulher. Aos dezoito anos de idade, um jovem tenente lhe propõe casamento porém, para espanto dele, ela responde que ficara noiva de um músico de Viena. Contrariando sua progenitora e seu padrasto, Lisa retorna para essa cidade e vai trabalhar como manequim em um  ateliê de moda. Todas as noites ela ronda a casa de Stefan e, uma vêz, ele lhe dirige a palavra. Eles passam então uma noite encantadora, jantando em um boxe recatado, “viajando” em um falso trem do parque de diversões, passeando pela cidade até que ele a conduz para o seu quarto. Algum tempo mais tarde, Stefan diz para Lisa que vai participar de um concerto em Milão por duas semanas, mas nunca mai volta. Lisa dá a luz uma criança e, quando o menino faz nove anos, ela se casa com um diplomata, Johann Staufer (Marcel Journet). Um dia, Lisa revê Stefan na Ópera, não resiste e,  contra o desejo do marido, vai procurá-lo. Stefan tenta seduzí-la como se nunca a tivesse visto, Liza compreende que ele a esquecera totalmente, e foge. Seu filho morre de tifo e ela foi atingida pelo mesmo mal. Uma nota acrescentada à carta, indica que Lisa morreu. O adversário de Stefan no duelo, Johann Staufer, chega com suas testemunhas. Stefan não foge. Ele está pronto para duelar e, sem dúvida, para morrer.

Max Ophuls e Joan Fontaine em um intervalo da filmagem de Carta de uma Desconhecida

Louis Jourdan e Joan Fontaine em Carta de uma Desconhecida

O drama nasce da incapacidade do egocêntrico Stefan enxergar o amor de Lisa e, ao mesmo tempo da ingenuidade, conjugada com um certo masoquismo, da jovem sonhadora. Inicialmente, Lisa está sempre escondida atrás de uma porta, de uma parede ou encoberta pelas sombras mas, mesmo quando fica diante de Stefan, ele não percebe o que ela sente por ele. Por outro lado, Lisa idealizou a figura de Stefan, e portanto não o conhece realmente pois, se conhecesse, saberia porque ele não se lembra dela. As consequências desse desconhecimento mútuo foram trágicas.  Lisa viveu toda a sua vida para Stefan e no final perdeu tudo por causa disso, e acabou morrendo. Ele, por sua vez, nunca compreendeu o que tinha até que era tarde demais. Quando ficou sabendo do que havia feito, entendeu que não havia mais razão para viver.

Joan Fontaine e Louis Jourdan em Carta de uma Desconhecida

Com a ajuda dos arranjos musicais de Daniele Amfitheatrof, direção de arte de Alexander Golitzen, fotografia de Franz Planner e figurinos de Travis Banton, Ophüls conduz o relato mórbido e fatalista, utilizando muito a câmera alta – sempre do alto de escadas fotogênicas – e os close-ups, além, é claro, de sua grua irriquieta, servindo-se outrossim da música erudita (Lizst, Mozart, Strauss) e dos cenários, para recriar com precisão os sentimentos dos personagens e os ambientes. Duas cenas simbólicas ficaram mais na memória dos espectadores. A primeira, é a do passeio no trem fictício do parque de diversões onde, em um vagão estático, Stefan e Lisa contemplam telões com paisagens pintadas da Suiça, que passam diante de sua janela, movidos febrilmente por um maquinista; a segunda, quando eles dançam ao som de uma valsa de Strauss, interpretada por uma orquestra de mulheres.

A carreira de Ophüls em Hollwood prossegue com mais dois filmes realizados em 1949: Coração Prisioneiro / Caught na Metro e Na Teia do Destino / The Reckless Moment na Columbia.

Robert Ryan e Barbara Bel Geddes em Coração Prisioneiro

Robert Ryan e Barbara Bel Geddes em Coração Prisioneiro

Em Coração Prisioneiro (Rot: Arthur Laurents baseado no romance “Wild Calendar” de Libbie Block), melodrama psicológico (e não filme noir como muitos o classificaram), Leonora Ames (Barbara Bel Geddes), que trabalha como garçonete, divide um modesto apartamento com sua companheira Maxine (Ruth Brady), e se matricula em uma escola de etiquêta para se tornar uma modelo e melhorar suas chances de subir na vida. Por acaso, seu caminho se cruza com o do multimilionário Smith Ohlrig (Robert Ryan). A princípio suspeitando que ela fosse uma caçadora de ouro, Ohlrig sente-se aos poucos atraído pelo seu decôro e pela sua resistência a um relacionamento ocasional. Os dois se casam e parece que os sonhos de Leonora vão se realizar, mas ela não estava preparada para a natureza fria e dominadora de seu marido. Deprimida, Leonora abandona Smith e obtém emprego como recepcionista em um consultório de dois médicos que atendem a uma clientela pobre, o pediatra Dr. Larry Quinada (James Mason) e o obstreta Dr. Hoffman (Frank Ferguson). O tempo passa, e Smith implora a Leonora que ela volte para ele. Ela retorna para a mansão, e tem uma nova desilusão. Leonora deixa seu marido mais uma vez e retoma sua função no consultório médico. Nasce então um romance entre Larry e Leonora, mas ela vai ter um filho de Smith, e este só lhe concederá o divórcio, se ficar com a guarda da criança. Leonora permanece na mansão de Smith, e passa seus dias isolada e triste. Uma noite, depois de um de seus acessos de raiva, Smith sofre um ataque cardíaco. Quando o bebê de Leonora nasce prematuramente e morre, Larry a convence de que a morte da criança a libertará de seus laços com o passado, e lhe permitirá começar uma nova vida com ele.

Ophüls limita-se a narrar fluentemente essa história com aspectos femininos – a moça pobre que procura um casamento rico e encontra um marido neurótico e autoritário – e sociais – a crítica ao sistema capitalista e aos valores burguêses – , mas  eventualmente surgem sinais do seu estilo típico como, por exemplo, na primeira aparição de Smith; na suntuosidade da decoração de sua mansão; na conversa entre Smith e Leonora no salão de bilhar; na cena em que Leonora e Larry dançam e ele a pede em casamento; e nos close-upsLarry e Smith quando este diz que é casado com Leonora. Paralelamente, a fotografia em claro-escuro de Lee Garmes ajuda o diretor a criar o clima dramático e a atmosfera opressiva do “cativeiro” de Leonora.

Em Na Teia do Destino (Rot: Henry Garson, Robert Soderberg baseado na história  “The Blank Wall” de Elisabeth Sanxay Holding publicada no Ladies Home Journal), drama criminal no seu subgênero filme noir (impuro), Lucia Harper (Joan Bennett) vive com sua família classe média em Balboa, no litoral da Califórnia. Na ausência do  marido, que viajou para Berlim, ela vai até Los Angeles procurar Ted Darby (Shepperd Strudwick), gigolô de meia-idade que está saindo com sua filha Bea (Geraldine Brooks). Darby pede dinheiro para deixar Bea e Lucia vai embora, indignada. Na mesma noite, Bea encontra-se com Darby na garagem de barcos. anexa à sua residência. Quando este admite que pediu dinheiro à sua mãe, Bea o golpeia na cabeça com uma lanterna, e foge assustada, sem saber que ele perdeu os sentidos, caiu sobre uma âncora, morrendo.  Pensando que Bea matou Darby, Lucia esconde o corpo dele em uma tentativa desesperada de proteger a família de um escândalo. É então que intervém um chantagista, Martin Donnelly (James Mason), oferecendo-lhe cartas de amor, que Bea trocara com Darby. Entretanto, Donnelly torna-se sensível à situação de sua vítima, passa a admirar Lucia e sua dedicação à família e, para ajudá-la, estrangula seu cúmplice Nagel (Roy Roberts) que, inconformado com a demora do pagamento da extorsão, fôra atormentá-la. Na sua fuga, Donnelly morre em um acidente de carro, após ter entregue as cartas de Bea para Lucia e se acusado falsamente da morte de Darby para a polícia.

James Mason e Joan Bennett em Na Teia do Destino

Joan Bennett em Na Teia do Destino

Lucia e Donnelly são protagonistas noirclássicos, oprimidos pelas circunstâncias. Lucia tem que manter a respeitabilidade de seu lar burguês e Donnelly é obrigado a praticar a chantagem que o sócio lhe impõe. Quando a simpatia por Lucia chega ao auge, Donnelly investe contra o parceiro com toda a sua angústia desesperada e obtém a redenção que tanto desejava. É bom notar que Lucia não é uma mulher fatal típica, mas uma daquelas heroínas igualmente poderosas que surgem nos filmes noirese penetram no labirinto de uma investigação e a fotografia de Burnett Guffey  – sem desprezar as sombras – dá mais preferência ao cinza do que ao preto e branco contrastado. Ophüls, sempre movimentando a câmera em panorâmicas e travelings velozes, soube evitar os escolhos melodramáticos da história e criar uma atmosfera de aflição, como na longa sequência praticamente muda, quando Lucia arrasta o cadáver de Darby pela praia até sair com a lancha, para se desfazer dele no mar.

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