Arquivo diários:agosto 30, 2018

W. S. VAN DYKE

Ele era um diretor típico de estúdio, técnico competente e confiável, conhecido por sua fidelidade ao orçamento e compromisso com o cronograma de trabalho. Por sua rapidez e eficiência como realizador ganhou o apelido de “One Take Woody” e seus filmes eram bem aceitos pelo público e, consequentemente, muito lucrativos.

W. S. Van Dyke

Woodbridge Strong Van Dyke II, conhecido como W. S. Van Dyke (1889 – 1943), era natural de San Diego, Califórnia, filho de Laura Winston e Woodbridge Strong Van Dyke, jovem advogado sócio do escritório de advocacia Hunsaker and Britt, e nasceu no dia seguinte da morte de seu pai aos 24 anos de idade. Mrs. Van Dyke mudou-se para San Francisco quando Woody tinha três anos de idade e aderiu à companhia de repertório Morosco Players, onde seu filho estreou no palco em um papel infantil na peça “Damon and Pythias”.

Mãe e filho continuaram atuando em companhias ambulantes, mas aos quatorze anos, Van Dyke, tendo completado seus estudos secundários, desejou entrar para uma universidade ou para uma escola de comércio. Como o dinheiro que ganhavam não era suficiente, ele resolveu ir para Seattle e viver com sua avó, até encontrar emprego fora do tablado. Alto e espantosamente forte, passava facilmente por um rapaz de dezoito anos, e assim exerceu várias atividades: empregado de um armazém, rapazinho de recados em uma estação ferroviária, vendedor de aspiradores de pó de porta em porta etc. Depois de terminar o curso de comércio, Van Dyke foi para Ashford, Washington, a fim de trabalhar em uma serraria, e lá conheceu Zina Ashford, filha do dono da única loja da cidade, que recebeu o seu nome. Após o casamento, Van Dyke reuniu-se novamente com sua mãe na companhia de repertório, e levou sua esposa com ele. Bonitão e simpático, ele interpretava os papéis principais contracenando com sua mãe, formando uma combinação inusitada, e poucas pessoas sabiam que eles eram mãe e filho, porque Mrs. Van Dyke continuara a ser anunciada como Laura Winston.

Woody, Ruth Mannix e filhos

Van Dyke chegou ao cinema por intermédio do ator Walter Long, que era amigo de sua progenitora, e o introduziu na equipe de Intolerância / Intolerance / 1916, de David Wark Griffith, primeiramente como figurante, passando depois a um dos vários segundo assistentes de direção que depois, tal como ele, se tornariam diretores (Tod Browning, Jack Conway, Allan Dwan, Victor Fleming, Sidney Franklyn, Christy Cabanne, George William Hill). Foi Van Dyke quem mostrou a Mr. Griffith como devia ser um rei babilônico, improvisando a maquilagem adequada e deixou o “Pai do Cinema” apoplético quando, ao conduzir uma biga, quase estragou a investida contra a cidade da Babilônia. Promovido a segundo assistente de direção, ele sempre dava um jeito de ficar perto do diretor, observando o que ele estava fazendo. Maravilhado com tudo o que via, convenceu-se de que havia encontrado o seu nicho. Não era o palco. Eram os filmes.

W. S. Van Dyke

Quando Griffith decidiu se dedicar a produções menos pretenciosas, teve que diminuir sua equipe, e Van Dyke estava entre os que foram dispensados; mas logo foi aproveitado como assistente de James Young, um dos diretores mais importantes do Famous Players-Lasky Studio. Young reconheceu talento no seu novo assistente e deixou que ele cuidasse de toda a sua montagem. Embora trabalhasse para Jesse L. Lasky, Van Dyke considerava Mr. Young como seu patrão, e ficou sempre perto dele, tal como fizera com Griffith. Quando Young foi para o Essanay Studios em Chicago, ele convidou Van Dyke para acompanhá-lo.

Os donos da Essanay eram o astro-cowboy “Broncho Billy” Anderson e George K. Spoor. “Broncho Billy” logo notou que Van Dyke tinha facilidade para escrever, especialmente histórias de cowboys, e o deixou inventar algumas para ele. Durante esse período na Essanay, Woody organizou a escala de trabalho das produções, tentnado colocar uma ordem, ajudando o estúdio a poupar dinheiro. Satisfeito, Spoor convidou-o para se encarregar do novo estúdio da companhia na Califórnia, para onde ele foi, acompanhado pela mãe, que já havia abandonado o teatro e aceitado um emprego na Vitagraph.

Na Essanay, Van Dyke dirigiu em 1917: The Land of the Long Shadows, The Range Boss, Open Places e Men of the Desert (todos estrelados por Jack Gardner) e Gift of Gab e Julinha Vai para o CéuSadie Goes to Heaven em 1918, o primeiro ainda com Gardner, e o segundo com Mary McAllister. Ainda em 1918, Van Dyke dirigiu ainda A Dama do EsconderijoThe Lady of the Dugout, western curiosamente estrelado por Al e Frank Jennings, os famosos ex-ladrões de banco na vida real, produzido por uma companhia fundada pelo próprio Jennings. Van Dyke fez também um short com Al Jennings intitulado Fate’s Frame-Up / 1919.

Depois dessa experiência inusitada, Woody começou a fazer seriados: O Homem de Ferro / The Hawk’s Trail / 1920 / Cia. Prod: Burston Films, com King Baggot; Vivo ou Morto / Daredevil Jack / 1920 / Cia. Prod: Pathé, com o pugilista Jack Dempsey; A Dupla Aventura / Double Adventure / 1921 / Cia. Prod: Pathé, com Charles Hutchinson; A Flecha Vingadora / The Avenging Arrow / 1921 e A Águia Branca / White Eagle / 1922, ambos também da Pathé, com Ruth Roland.

Ainda em 1922, Louis Burston percebeu que Van Dyke trabalhava mais rápido e melhor do que qualquer outro na sua equipe e o contratou para fazer dois filmes com seu astro, David Butler: o western The Milky Way (Cia. Prod: Western Pictures Exploitation Co.) e a comédia According to Hoyle. (Cia. Prod: David Butler Productions). Como resultado da qualidade do seu trabalho nestes dois filmes, Van Dyke teve a oportunidade de dirigir Não Te Esqueças de Mim / Forget Me Not / 1922, (Cia. Prod: Louis Burston Productions), história dramática de uma menina orfã, interpretada por Bessie Love. Quando Louis B. Myer, então um dos produtores independentes mais importantes da cidade, viu o filme, contratou Burston, David Butler e Van Dyke, para fazerem oito filmes, mas um acidente de automóvel tirou a vida de Burston, e Mayer cancelou o contrato, tendo em vista que, sem ele para supervisionar a produção, o estúdio não conseguiu um financiador.

Gareth Hughes e Bessie Love em Não Te Esqueças de Mim

Até ingressar na Metro-Goldwyn-Mayer, Van Dyke dirigiu 18 filmes (sendo um não creditado e por pouco tempo) para diversas companhias, entre os quais se destacam os estrelados por Buck Jones na Fox: O Novo Patrão / The Boss of Camp Four / 1922 (Fox, com Buck Jones); Diante do Perigo / You Are in Danger também conhecido como The Little Girl Next Door /1923 (Blair Coan Prod., com Pauline Starke); Anjo Exterminador / The Destroying Angel /1923 (Arthur F. Beck, Prod., com Leah Baird); The Miracle Makers / 1923 (Leah Baird Prod., com Leah Baird); Ruth, a Veloz / Ruth of The Range (Ruth Roland Serials – Pathé, seriado com Ruth Roland. Obs. O diretor Ernest C. Warde foi substituído temporariamente por Van Dyke e depois Frank Leon Smith entrou em seu lugar); Mentiras de Amor / Loving Lies / 1924 (Associated Authors, com Evelyn Brent, Monte Blue); Ladrões Terríveis / The Beautiful Sinner / 1924 (Perfection Pictures, com William Fairbanks, Eva Novak); A Força do Destino / Half a Dollar Bill / 1924 (Graf Prod., com Anna Q. Nilsson); Ou Tudo ou Nada / Winner Take All / 1924 (Fox, com Buck Jones, Peggy Shaw); Combatendo Por Quem Ama / The Battling Fool / 1924 (Perfection Pictures, William Fairbanks, Eva Novak); Corta-Vento / Gold Heels (Fox, com Robert Agnew, Peggy Shaw); O Nível do Amor / Barriers Burned Away / 1925 (Encore Pictures, com Mabel Ballin); Corações e Esporas / Hearts and Spurs / 1925 (Fox, com Buck Jones, Carole Lombard); O Estouro da Boiada / The Trail Rider /1925 (Fox, com Buck Jones); Amor Soberano / Ranger of the Big Pines / 1925 (Vitagraph, com Kenneth Harlan); O Lobo dos Montes / The Timber Wolf / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Preço do Deserto / The Desert’s Price / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Pacificador / The Gentle Cyclone / 1926 (Fox, com Buck Jones)

“Van Dyke, gostaríamos de tê-lo conosco”. “Não existe nenhum lugar no qual eu mais gostaria de estar, Mr. Mayer!” Eles se acertaram quanto ao salário, apertaram as mãos e Van Dyke disse: “Quando começo?”. “Agora mesmo”, respondeu Mayer. “Nós temos um novo astro sob contrato e depois da maneira esplêndida com que você lidou com Buck Jones, estamos convencidos de que você é o homem certo para o trabalho”. “Quem é o seu astro, Mr. Mayer?”. O astro era Tim McCoy. Assim teve início a longa carreira de Van Dyke na MGM, a companhia na qual realizou seus melhores filmes.

Nessa fase inicial, ele dirigiu o popular cowboy em 7 filmes (Surpresas de um Beijo / War Paint / 1926, com Pauline Starke; Espadas e Corações / Winners of the Wilderness / 1927, com Joan Crawford; Califórnia / Califórnia / 1927, com Dorothy Sebastian; Demônios Brancos / Foreign Devils / 1927, com Claire Windsor; Despojadores do Deserto / Spoilers of the West / 1927, com Marjorie Daw; Ódio Fraternal / Wyoming / 1928 e O AventureiroThe Adventurer / 1928, sendo que, neste último, ele substituiu, sem ser creditado, o diretor russo Viktor Tourjansky, afastado da produção por desentendimento com Irving Thalberg. No mesmo período, Van Dyke fez, ainda para a MGM: Sob a Águia Imperial / Under The Black Eagle / 1928, drama sobre um cão (Flash), que salva vidas durante a Primeira Guerra Mundial, estrelado por Ralph Forbes e Marceline Day e dois filmes para a efêmera H. C. Weaver Prod.: The Heart of the Yukon / 1927 e Olhos Felinos / The Eyes of the Totem / 1927, ambos com Anne Cornwall no elenco.

Monte Blue e Raquel Torres em Deus Branco

Filmagem de Deus Branco

Cenas de Deus Branco

Cena de Deus Branco

 

O próximo compromisso de Van Dyke foi um ponto decisivo na sua trajetória artística. Em novembro de 1927, A Metro-Goldwyn- Mayer concebeu um projeto de filme de aventura (que seria Deus Branco / White Shadows of the South Seas / 1928), introduzindo uma idéia nova: ficção, com um pano de fundo autêntico. Van Dyke desejava esta incumbência, porém o estúdio achou que a história requeria alguém que conhecesse bem as ilhas dos Mares do Sul, e trouxeram Robert Flaherty por causa de seu êxito fotografando O Homem  Perfeito / Moana of the South Seas  e Nanook do Norte / Nanook of the North.  A Van Dyke ofereceram o encargo de diretor associado, mas na divulgação do filme algum redator abreviou  a palavra “associate” e ela pareceu significar assistente. Segundo o Film Daily noticiou, “Flaherty cuidaria de todas as tomadas atmosféricas e da direção da expedição enquanto Van Dyke seria encarregado das sequências dramáticas.” Van Dyke passou três meses filmando no Tahiti, primeiramente em colaboração com o célebre documentarista, tornando-se depois  o único diretor, e durante esse tempo manteve um diário que em 1996 veio a ser publicado pela Scarecrow Press e anotado por Rudy Behlmer. O filme descrevia como a chegada do homem branco corrompeu as comunidades primitivas; daí o título . Monte Blue e Raquel Torres foram trazidos de Hollywood para os papéis principais , porém os ilhéus interpretaram a si mesmos.  A MGM decidiu adicionar música sincronizada e efeitos sonoros, e até uma palavra falada: “Hello”. Ponto alto do espetáculo  foram as imagens belíssimas que Clyde de Vinna extraiu das exóticas locações, sendo com toda justiça premiado como  o Oscar de Melhor Fotografia. O filme até hoje impressiona como uma fusão muito bem executada de drama, travelogue e ilustração romântica dos usos e costumes dos Mares do Sul.

No outono de 1928, Van Dyke estava de novo nos Mares do Sul, desta vez para filmar O Pagão / The Pagan / 1929, filme mudo com sequências musicadas sincronizadas pelo processo Movietone, apresentando um tema musical, “The Pagan Love Song”, que se popularizou por toda a nação.

Doroty Janis e Ramon Novarro em O Pagão.

Renne Adoree e Ramon Novarro em O Pagão

A equipe técnica era quase a mesma de Deus Branco, incluindo o fotógrafo Clyde De Vinna, e nos papéis principais estavam Ramon Novarro, Renee Adoree, Dorothy Janis, e Donald Crisp. Conjugando romance com o esplendor visual do ambiente paradisíaco a trama focaliza um mestiço, Henry Shoesmith, Jr. (Ramon Novarro), filho de um branco com uma nativa, que herdou um armazém e uma fazenda, mas está mais interessado em absorver as belezas naturais do que administrar seu negócio. Quando se apaixona por Tito (Dorothy Janis), jovem polinésia, também mestiça, Henry incorre na ira de um comerciante branco brutal, Roger Slater (Donald Crisp), que se diz guardião da moça, e acha que é seu “dever Cristão” civilizá-la, mas também a deseja. Renee Adoree faz o papel de uma prostituta de bom coração que gosta de Henry. No Brasil o filme foi ansiosamente aguardado pelo público graças a imensa propaganda que lhe dispensaram e a curiosidade de ouvir Ramon cantando, daí resultando um êxito retumbante, o qual aliás, ocorreu no mundo inteiro.

Cena de Trader Horn

Van Dyke na filmagem de Trader Horn

Harry Carey, Duncan Renaldo e Edwina Booth em Trader Horn

Cena de Trader Horn

Trader Horn / Trader Horn / 1931 clássico filme de aventuras na África, rodado em locação, sob árduas condições, foi outro tremendo sucesso de bilheteria mundial. Foram contratados Harry Carey para ser Trader Horn, Duncan Renaldo, Little Peru, e Edwina Booth, Nina T. a “Deusa Branca”. Van Dyke disse-lhes francamente sobre os perigos que teriam que enfrentar, e perguntou se ainda desejavam ir. Todos concordaram. Edwina contraiu febre tropical e nunca se recuperou totalmente, abrindo um rumoroso caso judicial contra a MGM. Insatisfeito com o copião apresentado por Van Dyke, o chefe de produção da MGM, Irving Thalberg mandou refazer algumas cenas e adicionou outras filmadas em estúdio e no México. Sua persistência valeu, pois, além da boa rentabilidade, o filme foi indicado para o Oscar.]

Leslie Howard e Conchita Montenegro em Delírio de Amor

Lionel Barrymore e Kay Francis em Mãos Culpadas

Lawrence Tibbett e Lupe Velez em Melodia Cubana

Ainda em 1931, Dyke fez três filmes mais modestos, porém interessantes: Delírio de Amor / Never the Twain Shall Meet, Mãos Culpadas / Guilty Hands e Melodia Cubana / Cuban Love Song. O primeiro, é um drama romântico no qual Conchita Montenegro é Tamea, a quase selvagem nativa de uma ilha da Polinésia, filha de um dos capitães dos navios de Dan Pritchard (Leslie Howard) que, ao morrer, a deixara sob a proteção do rico armador. Apesar de ser noivo de Maisie (Karen Morley), Dan se apaixona por Tamea, e vai viver com ela na ilha, mas se decepciona devido às diferenças culturais. O título original do filme é uma frase do poema de Rudyard Kipling, “East is east and west is west, and never the twain shall meet”, sempre citado como um exemplo das atitudes de Kipling em relação a raça e império. O segundo filme é um drama criminal no qual Lionel Barrymore interpreta um advogado, Richard Grant que, como ele diz para uns amigos logo no início da narrativa, entende que há casos nos quais o assassinato é justificado – e que é possível cometê-lo, sem ser descoberto. Ao saber que um cliente seu, Gordon Rich (Alan Mowbray), está seduzindo sua filha inocente, Barbara (Madge Evans), ele o mata, e depois ameaça incriminar Marjorie West (Kay Francis), sua amante de longa data, tudo terminando com um final surpreendente. O terceiro filme, é um musical romântico que conta a história de um fuzileiro naval, Terry (o barítono Lawrence Tibbett) que se apaixona por uma vendedora de amendoim, Nenita (Lupe Velez) em Havana. Ele vai lutar na França durante a Primeira Guerra Mundial, retorna ferido para o seu país e se casa com sua antiga namorada, Crystal (Karen Morley). Passam-se os anos, ele se lembra de Nenita, vai procurá-la em Havana, mas fica sabendo que ela faleceu, e lhe deixara um filho. Quando volta para casa é recebido por Crystal, que quer continuar a ser sua esposa e mãe de Terry Jr. Jimmy Durante e Ernest Torrence são os companheiros de Terry e se ocupam dos momentos cômicos.

Johnny Weissmuller e Maureen O’Sullivan em Tarzan, o Filho das Selvas

Maureen O’Sullivan e Johnny Weissmuller em Tarzan, o Filho das Selvas

Cena de Tarzan, o Filho das Selvas

A MGM não sabia o que fazer com as tomadas que haviam sobrado de sua produção, Trader Horn, quando surgiu a idéia de aproveitá-las em um filme de Tarzan. Escolhido para dirigir o primeiro exemplar da série, Van Dyke começou a procurar o ator ideal para o Rei das Selvas e, afinal, escolheu o campeão olímpico Johnny Weissmuller. Johnny foi o intérprete mais popular do personagem de Edgar Rice Burroughs, estrelando 12 filmes, sendo seis da MGM ao lado de Maureen O’ Sullivan. A de Van Dyke, Tarzan, o Filho das Selvas / Tarzan the Ape Man / 1932 e a segunda, A Companheira de Tarzan / Tarzan and His Mate / 1934, dirigida por Cedrick Gibbons e Jack Conway, são consideradas as melhores, não só pelos cuidados de produção como pelo erotismo, surpreendente para a época. A partir de 1934, o Código Hays obrigou Jane a vestir trajes menos sumários. Por seu charme absoluto (sem esquecer as macaquices de Cheeta) a série desafiou o tempo.

Depois de Tarzan, O Filho das Selvas, vieram: Injustiça / Night Court / 1932; Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933; O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933; Esquimó / Eskimo / 1933; Amor Selvagem / Laughing Boy / 1934; Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, uns melhores do que outros, mas todos – com exceção de um – cativantes.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Injustiça, drama criminal eficaz sobre um magistrado corrupto (Walter Huston) que, não obstante a vigilância de um colega honrado (Lewis Stone), persegue um chofer de taxi (Phillips Holmes) e sua esposa (Anita Page), achando que eles têm a posse de um documento, comprovando seus malfeitos, e chega até a condenar a jovem inocente à prisão. O anúncio do filme no Brasil dizia: “Uma mulher atirada à lama da desonra pela própria Justiça”.

Myrna Loy e Warner Baxter em Pela Vida de Um Homem

Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933, agradável mistura de filme de gangster com comédia (emoldurada pela cenografia suntuosa de Cedric Gibbons), tendo Warner Baxter como Jackson Durant, um advogado criminal que recorre a uma garota de programa muito esperta Gertie Waxted (Myrna Loy) para expor as atividades de um chefão do crime (C. Henry Gordon). “Esta garota vai ser uma grande estrela”, declarou Van Dyke sobre Myrna Loy, que até então vinha desempenhando somente pequenos papéis exóticos. O próprio diretor se encarregou de concretizar a sua predicão escolhendo Myrna para formar a dupla famosa de A Ceia dos Acusados / The Thin Man, realizado no ano seguinte. Van Dyke dirigiu-a em um total de oito filmes.

Walter Huston e Max Baer em O Pugiiista e a Favorita

O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933, comédia romântica   divertida – sobre uma artista de boate Belle Mercer Morgan (Myrna Loy), que conquista o coração de um pugilista Steve Morgan (Max Baer) -, cujo climax é um combate (de mentirinha) entre o personagem de Baer e Primo Carnera. A filmagem desta cena foi um acontecimento no set, uma vez que Baer e Carnera disputavam na vida real o título de campeão de peso pesado. O ex-campeão Jack Dempsey era outra atração no papel do árbitro e Walter Huston era o empresário de Steve. Frances Marion ganhou uma indicação para o Oscar de Melhor História Original. Durante a realização de O Pugilista e a Favorita, Van Dyke foi apresentado a Ruth Mannix, sobrinha de Eddie Mannix, alto executivo da MGM e mais tarde gerente do estúdio. Após obter o divórcio de sua esposa Zina em janeiro de 1935 (por deserção pois ela o deixara em 1923), ele se casou com Ruth em fevereiro do mesmo ano em Nova Orleans. Eles tiveram três filhos: Barbara, Woodbridge III e Winston.

Cena de Esquimó

Cena de Esquimó

Esquimó / Eskimo / 1933, docudrama antropológico sobre um caçador esquimó Mala (interpretado por um nativo do norte do Alasca) procurado pela policia por ter matado o comerciante branco, que estuprou sua mulher. Após ter ido aos Mares do Sul para filmar Deus Branco e à África para filmar Trader Horn, Van Dyke dirigiu-se ao Ártico, onde filmou (com a ajuda inestimável de Clyde De Vinna e seus assistentes), as belas paisagens eternamente brancas, cenas da vida selvagem mostrando caçadas de morsas e baleias, milhares de renas em disparada, curiosidades do modus vivendi dos esquimós. Os nativos falam em língua esquimó, traduzida com legendas. Van Dyke aparece como um guarda da Polícia Montada do Canadá e Conrad Nervig arrebatou o Oscar de Melhor Montagem.

Lupe Velez e Ramon Novarro em Amor Selvagem

Amor Selvagem / Laughing Boy /1934, drama romântico em ambiente de western, girando em torno de um índio Navajo, Laughing Boy (Ramon Novarro), que, contra o desejo de sua família, casa-se com uma índia, Slim Girl (Lupe Velez), de moral questionável, devido ao contato com o homem branco, e tratada como uma desterrada. Slim tenta se comportar como uma boa esposa indígena, mas retorna aos maus costumes, ocasionando uma tragédia. Ao surpreendê-la com um amante, Laughing Boy desfecha uma flecha contra ele, porém atinge Slim Girl pelas costas. Ao morrer em seus braços, Slim pede perdão a Laughing Boy, e promete esperá-lo no Paraíso. O filme é moroso e Ramon (com uma peruca horrível) soa falso como índio, ainda mais trabalhando ao lado de índios navajos verdadeiros. Tanto ele como Lupe foram desastradamente escolhidos para interpretar seus personagens. O diretor tentou dar autenticidade ao relato inserindo tomadas de fundo projetado e acelerando as cenas de luta, mas isso só serviu para distrair a atenção do espectador. Incomodada com a interferência do Código Hays, a MGM lançou o filme discretamente. Ele foi desprezado pelos críticos e resultou em um fracasso de bilheteria. Foi logo depois desse fiasco que Ramon veio ao Brasil, apresentando-se com sucesso ao lado de sua irmã bailarina, Carmencita Samaniego,  no palco do Palácio-Theatro e arrebatando o público ao cantar em português, “Se a Lua Contasse” de Custódio Mesquita, já conhecida pela voz de Aurora Miranda.

Clark Gable e william Powell em Vencido pela Lei

Van Dyke dirige Vencido pela Lei

Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, drama criminal focalizando dois amigos de infância que seguem caminhos diferentes na vida. Jim Wade (William Powell), promotor público, tem de acusar Blackie Gallaghan (Clark Gable), que se tornara um delinquente e matara um bandido, para salvar a vida de Jim. Eleanor (Myrna Loy) começa como amante de Gable, mas depois se apaixona por Powell. A história original sensibilizou os membros da Academia rendendo um Oscar a seu autor Arthur Caesar. Bem preparada pelos roteiristas Joseph L. Mankiewicz e Oliver Garrett e conduzida fluentemente por Van Dyke, caiu também no gôsto do público. O filme adquiriu fama ainda por outro motivo: John Dillinger acabara de assistí-lo, quando foi morto pelos agentes do FBI, ao sair do cinema.

Myrna Loy, Asta e William Powell em A Ceia dos Acusados

Myrna Loy e William Powell em A Ceia dos Acusados

Filmagem de A Comédia dos Acusados

Baseado no romance de Dashiel Hammett, A Ceia dos Acusados / The Thin Man / 1934 mistura comédia sofisticada com policial de mistério e lança o mais charmoso casal de detetives de Hollywood, Nick e Nora Charles , saborosamente interpretados por William Powell e Myrna Loy. Van Duke, talvez inspirado pelo espirituoso e bem elaborado roteiro adaptado da obra de Dashiel Hammett elaborado por Albert Hackett e Francis Goodrich, improvisou bastante durante as filmagens, que levaram apenas 16 dias para serem feitas, fato raro na produção classe “A”. O filme foi indicado para o Oscar, o mesmo ocorrendo com Van Dyke, William Powell, Hackett e Goodrich e, de 1936 a 1947, o estúdio MGM realizou uma série de mais cinco exemplares (três dos quais também sob a direção de Van Dyke: A Comédia dos Acusados / After the Thin Man / 1936, O Hotel dos Acusados / Another Thin Man / 1939 e A Sombra dos Acusados / Shadow of the Thin Man / 1941) com os mesmos personagens, os mesmos predicados de um bom passatempo, e o cãozinho Asta, uma atração à parte.

Robert Montgomery, Joan Crawford e Clark Gable em Quando o Diabo Atiça

Depois de A Ceia dos Acusados, Van Dyke realizou outros dois bons entretenimentos: Amor Que Regenera / Hide-Out / 1934 e Quando o Diabo Atiça / Forsaking All Others / 1934. No primeiro filme, um gângster “Lucky” Wilson (Robert Montgomery) é ferido ao fugir da polícia e vaiesconder em uma propriedade rural. Alí ele se apaixona pela filha do fazendeiro, Pauline (Maureen O’Sullivan), e diante dos exemplos positivos das pessoas boas que a cercam, adota seus valores, regenerando-se. No segundo filme, Jeff Williams (Clark Gable) retorna do exterior a fim de propor casamento à socialite Mary Clay (Joan Crawford), a quem amava secretamente desde a infância, sem saber que Mary concordou em se casar com Dillon Todd (Robert Montgomery), por quem ela era apaixonada desde criança. Estes três grandes astros da MGM formam o triângulo amoroso nesta comédia romântica cujo roteiro, escrito por Joseph L. Mankiewicz, surpreende pela quantidade de cenas pastelão. Até Joan Crawford em certo ponto do relato se vê fazendo acrobacia em uma bicicleta, para acabar caindo em um chiqueiro. Van Dyke conseguiu que o filme alcançasse a sua finalidade: simplesmente divertir.

Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em Oh, Marieta!

O ano de 1935 marcou o encontro de Van Dyke com a soprano Jeanette MacDonald e o barítono Nelson Eddy. A opereta Oh, Marieta! / Naughty Marietta / 1935,e passada a maior parte na Lousiana dos tempos coloniais, reúne pela primeira vez na tela a dupla famosa. Com roteiro agradável de John Lee Mahin, Frances Goodrich e Albert Hackett, score de Victor Herbert, do qual sobressai “Ah, Sweet Mystery of Life”, e direção competente de Van Dyke, a realização agradou em cheio o público, tendo sido escolhida para concorrer ao Oscar.

Jeanette MacDonald e NelsonEddy em Rose Marie

Era inevitável que a combinação de Jeanette MacDonald e Nelson Eddy tivesse que ser repetida tal como havia sido o caso de William Powell e Myrna Loy depois de A Ceia dos Acusados. Van Dyke dirigiu mais quatro filmes com eles – Rose Marie / Rose Marie /1936, Cancão de Amor / Sweethearts / 1938 Divino Tormento / Bitter Sweet / 1940 e Casei-me Com um Anjo / I Married an Angel / 1942 -, todos mantendo o mesmo nível artístico, e outros diretores se encarregaram dos demais.

Van Dyke, Nelson Eddy e Jeanette MacDonald conversam durante a filmagem de Canção de Amor

Entre os anos de 1935 até o final de sua carreira cinematográfica o prolífico Van Dyke incumbiu-se de mais 17 filmes, além dos já citados: Só Assim Quero Viver / I Live My Life / 1935 (comédia sofisticada com Joan Crawford e Brian Aherne); Cidade do Pecado / San Francisco / 1936; A Mulher do Meu Irmão / His Brother’s Wife / 1936 (drama romântico com Barbara Stanwyck e Robert Taylor; O Diabo é um Poltrão / The Devil is a Sissy / 1936 (comédia dramática com Freddie Bartholomew, Jackie Cooper e Mickey Rooney); Do Amor Ninguém Foge / Love on the Run / 1936 (comédia romântica com Joan Crawford, Clark Gable e Franchot Tone); Seu Criado, Obrigado / Personal Property / 1937 (comédia romântica com Jean Harlow e Robert Taylor); O Mundo Ensinou-me a Matar / They Gave Him a Gun / 1937 (drama criminal com Spencer Tracy, Franchot Tone e Gladys George); Rosalie / Rosalie / 1937 (adaptação de um musical da Broadway, renovado pelas canções de Cole Porter, com Nelson Eddy e Eleanor Powel) ; Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938; O Amor de um Espia / Stand Up and Fight / 1939 (drama histórico com Robert Taylor, Wallace Beery e Florence Rice);

Que Mundo Maravilhoso! / It’s a Wonderful World / 1939 (screwball comedy com Claudette Colbert e James Stewart); Andy Hardy é o Tal / Andy Hardy Gets Spring Fever / 1939 (comédia romântica da série Andy Hardy com Mickey Rooney, Lewis Stone e Ann Rutherford); A Mulher Que Eu Quero / I Take This Woman / 1940 (drama com Spencer Tracy e Hedy Lamarr); Nem Só Os Pombos Arrulham / I Love You Again / 1940 (comédia screwball com William Powell e Myrna Loy); Fúria no Céu / Rage in Heaven / 1941 (thriller psicológico com Robert Montgomery, Ingrid Bergman e George Sanders); Ciúme Não é Pecado / The Feminine Touch (comédia com Rosalind Russell, Dom Ameche e Kay Francis); Seu Grande Triunfo / Dr. Kildare ‘s Victory /1942 (drama criminal da série Dr. Kildare com Lew Ayres e Lionel Barrymore); Cairo / Cairo / 1942 (comédia-dramática com Jeanette MacDonald e Robert Young) e Sublime Alvorada / Journey for Margaret (drama passado durante a Segunda Guerra Mundial com Robert Young, Laraine Day e Margaret O’Brien).

Entre esses 17 filmes não há nenhum ruim, merecendo todos uma cotação entre regular e bom, com exceção de Cidade do Pecado e Maria Antonieta, que se destacam com uma melhor avaliação.

Clark Gable e Spencer Tracy em Cidade do Pecado

D.W. Griffith e W.S.Van Dyke na filmagem de Cidade do Pecado


Clark Gable, Jack Holt, Spencer Tracy e Jeanette MacDonald em Cidade do Pecado

A MGM gastou cerca de um milhão de dólares na produção de Cidade do Pecado, adaptação feita por Anita Loos da história de Robert Hopkins, cujo climax é a espetacular recriação do terremoto que devastou San Francisco em 1906, sequência com efeitos especiais a cargo de James Basevi e seus colaboradores, entre eles, no montage, Slavo Vorkapich. Blackie Norton (Clark Gable) é o dono de um cabaré em Barbary Coast e o Padre Tim Mullin (Spencer Tracy), seu amigo de infância. Ambos, cada um por motivos diferentes, se preocupam com Mary Blake (Jeanettte MacDonald), cantora cortejada por outro empresário Jack Burley (Jack Holt). Indicado para o Oscar, o filme faturou quatro milhões de dólares. Van Dyke, Spencer Tracy, Robert Hopkin e Joseph Newman (como assistente de diretor) também receberam indicações. Quando Van Dyke soube que David Wark Griffith ia visitar o seu set, ele mandou colocar o nome dele em uma cadeira de diretor: como gesto de seu profundo respeito pelo mestre, entregou-lhe a direção de uma das cenas do terremoto, e se colocou atrás dele ao fundo, observando-o.

Tyrone Power e Norma Shearer em Maria Antonieta

Van Dyke, Norma Shearer e Tyrone Power no intervalo de filmagem de Maria Antonieta

Retornando às telas depois de ficar afastada dois anos por causa da morte do marido, Irving Thalberg, Norma Shearer encabeçou o elenco de Maria Antonieta produção magnificente baseada na biografia de Stefan Zweig, que já vinha sendo planejada desde 1933. Para formar o par romântico, a MGM foi buscar Tyrone Power (Conde Fersen) na Fox e, para representar Luis XVI, depois de cogitado Charles Laughton, trouxe Robert Morley da Inglaterra. Depois de Norma Shearer (indicada para o Oscar) é Robert Morley (também indicado) quem marca melhor a presença, seguido por John Barrymore no pitoresco Louis XV. O diretor de arte Cedric Gibbons foi outro indicado para a estatueta da Academia. Às vésperas do primeiro dia de filmagem, Louis B. Mayer e o produtor Hunt Stromberg resolveram substituir o diretor Sidney Franklin pelo rápido Van Dyke.

Robert Morley e Norma Shearer em Maria Antonieta

Além de sua capacidade profissional, o cineasta ficou conhecido por ter empregado atores que estavam sem trabalho e em dificuldades. Ele também atuou anônimamente, refilmando cenas de filmes de outros diretores, com as quais o estúdio não estava satifeito (v. g. em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937) ou, alternativamente, filmando cenas adicionais julgadas necessárias para uma boa continuidade.

Diagnosticado com câncer e um sério problema cardíaco no início dos anos 40, sendo um Cientista Cristão convicto, Van Dyke se recusou a se submeter a qualquer tratamento médico de suas doenças. Sua saúde deteriorou-se muito em 1943, e ele cometeu suicídio em 5 de fevereiro do mesmo ano. Tinha 53 anos de idade.