Arquivo diários:agosto 16, 2018

O PERIGO DE IR AO CINEMA NA AMÉRICA

Durante os primeiros cinquenta anos do Cinema Americano o ato de ir ao cinema era um processo arriscado, cheio de perigos físicos e morais. Os incêndios de filmes eram inúmeros, ceifando muitas vidas assim como os assaltos a cinemas, que se tornaram particularmente comuns durante a Grande Depressão. Disputas trabalhistas provocavam a explosão de bombas nos cinemas enquanto que assassinos, prostitutas e molestadores exerciam suas atividades nas salas escuras. Isso sem falar da propagação de doenças, tanto reais (v. g. gripe) como imaginárias (v. g. fadiga ocular), devido a locais de exibição sanitariamente precários e mal ventilados.

Os espectadores ainda se confrontavam com um conjunto de perigos morais combatidos por Leis Puritanas que proibiam exibição de filmes aos domingos. Prêmios e loterias nos palcos dos cinemas eram outro problema, condenados por políticos e clérigos por serem considerados um jogo imoral.

Em inúmeras ocasiões, ocorreram desabamentos do teto ou o elevado número de pessoas na sala de espera fez o assoalho desmoronar. Em outras vezes, os espectadores causavam distúrbios durante a projeção do filme, fazendo barulho, gritando palavras obcenas, jogando objetos contra a tela ou em outros membros da platéia, brigando entre si ou vandalizando o cinema. O pânico provocado por um alarme falso de incêndio ou um simples cheiro de fumaça também era um transtorno.

Fiquei ao par de tudo isto ao ler “The Perils of Moviegoing in America: 1896-1950” de Gary D. Rhodes (Continuum Press, 2012), pesquisa profunda, original e inédita sobre a prática de assistir filmes nas primeiras décadas do cinema. O autor, professor com doutorado da Queen’s University de Belfast, Irlanda do Norte, consultou centenas de jornais, revistas especializadas e outros documentos, e organizou seu livro em sete capítulos, cada qual abordando um perigo associado com o assunto tratado.

No primeiro capítulo, Rhodes investiga os inúmeros incêndios relacionados com a projeção de filmes que ocorreram entre 1897 e 1950, verdadeira praga nos primeiros tempos do novo invento, provocados por luzes muito quentes e próximas de materiais inflamáveis, como o celulóide em cabines de projeção improvisadas dentro de edifícios destinados a outros propósitos que o de exibir filmes – quando o filme de nitrato pegava fogo, ele queimava rapidamente, pois seu grau de combustão era 15 vezes maior que o da madeira, em parte porque gerava o seu próprio oxigênio.

Gary D. Rhodes

Rhodes cita vários incêndios ocorridos em diversas cidades dos Estados Unidos como, por exemplo, um ocorrido na cidade de Seneca Falls em 1889, quando as chamas do projetor incendiaram as cortinas e, durante o pânico, uma mulher deixou cair seu filhinho ao desmaiar; felizmente um fazendeiro conseguiu retornar pelo meio da multidão a fim de salvar a criança. Outro acidente mais dramático relatado por Rhodes, aconteceu em Lockport, Nova York em 1907. Albert Phillips, um projecionista de 21 anos do Arcana Theatre liderou o combate ao fogo que saiu de uma lâmpada que estava colocada diretamente sobre o seu projetor. Ajudado por duas pessoas da platéia, ele calmamente encaminhou as pessoas para a saída do cinema. Em consequência, todos escaparam ilesos. Todos menos Phillips. Mesmo quando suas roupas já estavam pegando fogo, ele permaneceu no recinto em um esforço inútil para extinguir as chamas com suas próprias mãos. Quando os bombeiros entraram na cabine de projeção, encontraram seu corpo carbonizado ao lado do projetor.

Incêndios criminosos também causaram muitos danos. Após alguns deles, bombeiros encontravam sinais como latas de gasolina entre os destroços mas geralmente tinham muita dificuldade em identificar os culpados. A sociedade secreta Mão Negra foi supostamente responsável por um incêndio em um cinema em Nova York. Um fato nada surpreendente foi a descoberta de que alguns incendiários mal intencionados eram exibidores que necessitavam do dinheiro do seguro.

Cinema Lyric

Muitos empregados dos cinemas ajudaram a fazer parar o pânico. Quando o barulho de uma tempestade levou uma jovem a gritar, “Fogo!”, em Hartford, Connecticut em 1911, um projecionista escreveu às pressas em um slide e exibiu na tela a mensagem: “Não corram para fora. Somente os pecadores têm medo de trovão”. Músicos que trabalhavam em cinemas obtiveram muito sucesso em interromper o pânico. No Cinema Lyric em Wheeling, West Virginia no mesmo ano de 1911, uma pianista de 13 anos de idade, Amy Harris gritou para a platéia “Permaneçam sentados”, e tocou uma marcha excitante, para impedir a fuga precipitada dos espectadores. Esses são apenas alguns exemplos do que Rhodes relata no seu magnífico livro.

No segundo capítulo, ele examina os roubos, centenas dos quais ocorreram entre os primórdios do cinema até os anos 40. Excluídos os bancos, poucos estabelecimentos – especialmente em tempos de dificuldades econômicas como o da Grande Depressão – tinham normalmente mais dinheiro à mão do que os cinemas. E ao contrário dos bancos, eles raramente contavam com guardas de segurança. Os roubos em cinemas eram em geral de diferentes categorias. Quando os nickelodeons começaram a proliferar, os batedores de carteira roubavam os espectadores enquanto eles aguardavam na fila, na sala de espera, no banheiro ou enquanto assistiam o filme. Mais tarde, com o advento do filme de longa-metragem, os ladrões começaram a roubar as receitas da bilheteria. Alguns esperavam que os cinemas fechassem, arrombando cofres. Outros assaltavam cinemas durante as suas horas de operação, frequentemente ameaçando as pessoas com armas de fogo. Alguns batedores de carteira eram muito inventivos. Rhodes cita um caso ocorrido em um cinema de Nova York em 1923, quando um deles jogou pimenta malagueta no homem sentado ao seu lado. Assim que o homem começou a espirrar, o ladrão meteu a mão no seu bolso e levou dez dólares.

North Center Theater

Bandidos inteligentes perceberam que podiam roubar o dinheiro de um cinema sem estar dentro dele. Em 1926, dois ladrões sequestraram o tesoureiro do North Center Theater em Chicago, obrigando-o a entrar no cinema e abrir o seu cofre. Um dos sequestros mais lucrativos ocorreu em Kansas City. Os ladrões prenderam a esposa de um gerente de cinema em 1930 até que o marido lhes entregasse oito mil dólares. Ele fez tudo o que lhe mandaram e os malfeitores libertaram sua mulher sem um arranhão.

Porém o negócio de roubar cinemas foi se tornando mais perigoso. Em 1929, oito bandidos roubaram o Fox Folly no Brooklyn durante a exibição de um filme. A polícia chegou e houve um tiroteiro. Em 1929, em Mansfield, Ohio, dois homens armados disfarçados de mulher penetraram na sala do gerente Edward Rafter. Apesar das ameaças, ele se recusou a abrir o cofre e se agarrou a um dos bandidos. O pistoleiro desfechou quatro tiros, três dos quais atingiram Rafter. A dupla fugiu sem levar nada, deixando um Rafter ensaguentado, murmurando: “Eu fiz o que pude, fiz o que pude”. Ele morreu alguns dias depois no hospital.

Assalto e tiroteio no Hollywood Boulevard

Rhodes encerra o segundo capítulo relatando três estudos de caso sobre roubos de cinemas, um dos quais relativo ao do Grauman Chinese Theatre no dia 15 de julho de 1929, com perseguição e troca de tiros entre um policial e os assaltantes pelo Hollywood Boulevard.

O terceiro capítulo explora o problema do contágio e doença nos nickelodeons. Nos primeiros tempos da exibição cinematográfica na América, muitos especialistas argumentavam que a experiência de ver filmes poderia ser perigosa, causando por exemplo uma “fraqueza dos nervos”. Em Nova York, uma mulher assistia uma exibição de The Forest Ranger (Essanay, 1910). Quando os índios na tela escalpelaram suas vítimas, a mulher deu um grito e caiu da sua poltrona, deixando seu bebê cair também. Acendendo as luzes da sala de projeção, a administração se deparou com a mulher se convulsionando, supostamente induzida pelo filme. O bebê não sofreu nada, mas a mulher teve que ser conduzida para um hospital próximo, onde as convulsões continuaram. Os médicos informaram ao The New York Times que ela estava quase morta.

Outra idéia era a de que ver muitos filmes afetava a visão, causando fadiga ocular, que ganhou um novo nome em 1908: “Picturitis”. Um estudo mais condenatório foi feito por Ernest A. Dench o qual declarou que ver filmes por muito tempo era um “mal” para os olhos e contou a historia de uma jovem que teve problemas de retina danificada pela visão de filmes tremeluzentes. O optometrista aconselhou-a a não ver filmes de novo, senão “a paralisia do nervo ótico poderia ocorrer”. O medo contínuo da “Picturitis” levou a uma variedade de novas invenções, para tentar eliminar o tremor das imagens na tela, tais como o Vanoscope ou a Glifograph Screen. Aos poucos, o medo foi desaparecendo. Houve um pequeno retorno dele, quando os estúdios lançaram o programa duplo, porém logo ninguém mais tocou no assunto.

Havia também o temor de apanhar doenças contagiosas dentro dos nickelodeons, que eram insalubres e abafados. Vários produtos emergiram nos anos 10 para ajudar a melhorar esse ambiente desde desinfetantes a perfumes desodorizantes, destacando-se os sistemas de ventilação à base de ozônio. Entre as doenças possíveis de contágio estavam, varíola, escarlatina, difteria, coqueluche, poliomielite e a gripe.

Antes do final de outubro de 1918 (quando a Gripe Espanhola, pandemia do virus influenza que se espalhou por quase toda parte do mundo), o U. S. Surgeon General anunciou que os cinemas e outros prédios públicos deveriam ser fechados em toda a comunidade americana, embora alguns médicos achassem que isto não fosse necessário. Alguns estados interromperam a exibição de filmes dentro de suas fronteiras e, nas cidades onde os cinemas puderam continuar abertos, as receitas de bilheteria cairam tanto que alguns exibidores acharam melhor fechar suas portas voluntariamente. No início de 1919, a epidemia de gripe se dissipou, mas outras ocorreram durante os anos vinte embora o número de cinemas fechados fosse diminuindo na medida em que o tempo passava.

Porém o debate sobre como ventilar os cinemas tomou novo vigor, surgindo vários sistemas fabricados por companhias como a Typhoon e Arctic Nu-Air. O método preferido durante o referido decênio foi o ”Mushroom Ventilation”, que utilizava túneis sob o cinema para soltar ar através de orifícios no auditório. Nos meados da década, uma quantidade de cinemas havia instalado ar condicionado e, por volta de 1932, aproximadamente 300 cinemas dos Estados Unidos já tinham feito o mesmo.

O capítulo quarto cobre as centenas de bombas que detonaram durante a projeção de filmes entre 1912 e 1941. Durante os anos vinte, o State, tornou-se o mais famoso palácio do cinema de Hammond, Indiana. Uma noite, em novembro de 1927, várias bombas explodiram, transformando a sua bela e ornamentada arquitetura em um monte de destroços. Meses se passaram até a polícia prender dois homens em março de 1928. Um deles assinou uma confissão, revelando que se tratava de um golpe do magnata William Kleiheg para entrar com um pedido de indenização junto a companhia seguradora. Kleiheg pagou 2.500 dólares ao projecionista Joseph Million para colocar as bombas.

Cinema Hammond destruído

Outras foram usadas por motivo de vendeta entre donos de cinema concorrentes ou por mera intenção de pregar uma peça em alguém e criar um caos, sendo usadas, nesses casos, bombas de mau cheiro. Entretanto, a maioria delas jogadas em cinemas não foram resultado de vinganças ou travessuras. A maior parte foi fruto de disputas entre os sindicatos e as administrações dos cinemas. As razões dessas disputas variaram através dos anos. Por exemplo, com o advento do cinema falado no final dos anos vinte muitos donos de cinema decidiram despedir os músicos de suas orquestras. Como consequência, músicos sindicalizados coordenaram ataques com bombas a esses cinemas.

Porém os projecionistas (ou “operadores” como eram mais comumente chamados) preocupavam mais os administradores dos cinemas do que qualquer outra espécie de empregado. Embora os sindicatos desaprovassem formalmente suas ações, eles foram responsáveis pela maioria dos ataques, pois viam como ininigo os mesmos cinemas que empregavam operadores não sindicalizados ou que empregavam membros de um sindicato rival. Algumas vezes eles coordenaram várias explosões no mesmo dia. Em abril de 1934, bombardeadores em Pittsburgh, colocaram dinamite em quatro cinemas para explodirem na mesma manhã. No mesmo ano, em New England, atentados abalaram quatro cinemas em três diferentes cidades em uma mesma noite.

Cinema Mayfair

Durante a Grande Depressão, cinemas de Nova York também sofreram ataques de bombas. Dois cinemas da cadeia Loew foram atingidos em 1932. Quatrocentos espectadores sairam correndo do Cinema Mayfair após a explosão de bombas de mau cheiro em 1934. Em fevereiro de 1937 bombas de gás explodiram simultaneamente em seis cinemas na área da Broadway. Cada qual estava com a lotação quase completa o que significa que aproximadamente 6 mil espectadores tiveram que escapar do gás. Na tarde de 12 de setembro de 1937, Manhattan e o Bronx experimentaram a mais elaborada e coordenada série de ataques jamais montada nos Estados Unidos, quando bombas de gás explodiram em 21 cinemas diferentes. Rhodes dá outros exemplos e, tal como fez no final do segundo capítulo, encerra este, narrando três estudos de caso sobre o assunto.

O capítulo quinto aponta os molestadores e assassinos, que se aproveitavam do escuro do cinema para as suas práticas libidinosas ou criminosas bem como a atividade sexual consentida e a prostituição ilegal que aconteciam nesse ambiente.

Já em 1907, dois padres em Pasterson, New Jersey, aconselharam as mulheres jovens a não frequentar nickelodeons e, em 1915, a cidade de Dallas decretou leis especificamente proibindo conduta “lasciva, indecente ou vulgar” nos cinemas. Os reformadores apontavam a escuridão como o principal problema e uma das críticas mais virulentas dos nickelodeons, Anna Richardson, ofereceu uma solução bem simples: “Luz”. Alguns donos de cinema concordaram. Um deles em Yanktown, South Dakota anunciou que seu cinema tinha luz suficiente no auditório para “ler um jornal sem dificuldade”. Delegacias de Polícia e o Corpo de Bombeiros determinaram uma melhor iluminação nas salas e um senador da Califórnia, chegou a propor um projeto de lei que proibia toda sessão de cinema que não fosse à luz do dia.

Inventores também responderam a esse movimento tentando criar projetos que superariam o motivo pelo qual a escuridão parecia ser necessária: uma qualidade de imagem aceitável. Em 1910, o Variety publicou uma reportagem sobre o processo “Photoplane”, inventado por S. L. Rothapfel e no ano seguinte a Moving Picture World descreveu o “Casey Process” como extraordinário. Porém, apesar do anúncio ocasional de novos projetores e telas, a maioria das salas de cinema permaneceram escuras durante os anos dez e na décadas que se seguiram.

Em consequência, algumas cidades procuraram outras espécies de respostas. Em 1914, autoridades de Chicago promoveram a idéia de segregar a platéia em três setores, uma para homens, uma para mulheres e uma para homens e mulheres que vieram assistir o filme juntos. Embora este plano pudesse limitar a possibilidade para as prostitutas encontrar seus clientes, ele não impediria a atividade entre os casais que entraram no cinema juntos e por isso a idéia não vingou. Nos anos dez, algumas comunidades designaram policiais femininas para manter uma vigilância cuidadosa sobre os espectadores, mas a preocupação com os contatos indesejáveis continuou.

Em 1913, o Atlanta Constitution declarou que as sessões de cinema eram “lugares de procriação de vício” como a prostituição, e uma conferência de clérigos em Nova York abordou até o tema de que mulheres jovens estavam sendo recrutadas para a prostituição durante as sessões de cinema.

Conforme Rhodes nos informa, uma boa quantidade de “paqueradores”” e predadores sexuais de mulheres e crianças, também se aproveitou, da escuridão das salas de cinema, assim como, embora menos comumente, assassinos e vítimas de suicídio. O autor descreve inúmeros casos ocorridos em cinemas bem como as providências que foram tomadas a respeito. Em muitos casos os “paqueradores” foram presos e condenados, mas nem todos aceitaram tranquilamente a sua punição. Após ter sido preso por assediar uma moça em um cinema em Chicago em 1936, Robert Chrisouslas de 40 anos despejou sua raiva para Irving Fehlberg, o gerente do cinema, para o qual atirou e matou. Logo depois da meia-noite no dia 15 de outubro de 1937 o estado de Illinois executou Chrisouslas na cadeira elétrica.

O capítulo sexto investiga o dilema moral de assistir filmes aos domingos e a resultante luta contra as Leis Puritanas (“Blue Laws” como eram conhecidas) inspiradas no livro do Genesis, 2.2-3. Para protegê-las e expandí-las, formaram-se diversas organizações religiosas, sendo a Lord’s Day Alliance a mais influente com escritório na 5a Avenida em Nova York. Mas nem todos clérigos e fiéis a apoiaram questionando inclusive a base Bíblica para o fechamento dos cinemas no sétimo dia da semana. Alguns párocos preferiram exibir filmes religiosos aos domingos em suas próprias igrejas.

A indústria promoveu várias campanhas contra esse tipo de legislação. Em 1921, a Universal produziu uma comédia de dois rolos, Blue Sunday, na qual a dupla cômica Eddy Lyons e Lee Moran se encontrava “em toda situação concebível em conexão com o mais azul dos Domingos Azuis”. Porém em muitas ocasiões as autoridades foram inflexíveis. Em um cinema em 1927, por exemplo, um policial marchou para o auditório durante uma exibição, instruiu o organista para parar de tocar e – enquanto as luzes ainda estavam apagadas – usou uma lanterna e leu uma proclamação, ordenando que os espectadores se dispersassem dentro de uma hora ou seriam presos. Um grupo tão grande recusou-se a sair, que a polícia só conseguiu forçar um vigésimo deles a entrar no seu carro de patrulha.

Cinema Belmont

O capítulo sete conclui o livro com um estudo sobre os prêmios e loterias nos palcos dos cinemas. Eles já existiam desde os primeiros tempos dos nickelodeons, mas se intensificaram durante a Grande Depressão, quando os prêmios aumentaram de valor, apesar das restrições morais e legais que eles sofriam. No verão de 1933, Spyros Cardas, gerente do Cinema Belmont em Los Angeles, inventou a “Catalina Night”, premiando o ganhador felizardo com duas viagens para a Catalina Island e duas caixas de cerveja. Para evitar a acusação de jogatina, Cardas distribuia cartões tanto para as pessoas que haviam comprado ingresso como para o público em geral que estava fora do cinema, separando assim a possibilidade de ganhar o prêmio da necessidade de comprar entrada. Cards acreditava que, como um vencedor em potencial não precisava pagar para poder ouvir o anúncio de sua vitória e receber o prêmio, a Catalina Night” era legal. Mas, em agosto de 1933, um juiz municipal entendeu que a “Catalina Night” privilegiava aqueles que estavam dentro do cinema no momento do sorteio e condenou Cardas por ter violado a lei da Califórnia sobre loterias. Entretanto, a Superior Court of Los Angeles County, revogou a sentença de primeira instância, abrindo caminho para mais distribuições de prêmios nos cinemas através da América.

Uma das loterias mais famosas foi a “Bank Night”, lançada por Charles Yeager em um pequeno cinema em Las Cruces, New Mexico em 1933, e depois espalhada por todo o país. Embora ele não pudesse estar presente no primeiro sorteio, telefonou para o gerente do cinema, e soube de duas notícias: de um lado, os jornais locais e um grupo de cidadãos se queixaram dizendo que se tratava de um jogo imoral. De outro, o cinema faturou mais com a “Bank Night” do que havia ganho durante toda a semana precedente. Em consequência, Yeager e seu patrão, Frank H. “Rick” Ricketson, Jr., um advogado dono de uma cadeia de cinemas, formaram uma companhia chamada Affiliated Enterprises, para explorar a “Bank Night” como uma franquia alugada aos cinemas por 5 a 50 dólares por semana, dependendo do seu tamanho. No esquema da “Bank Night”, qualquer pessoa podia assinar seu nome em um livro colocado no saguão do cinema, sem ser obrigada a comprar um ingresso. Um número era escrito ao lado da assinatura e depois os números eram colocados em um cilindro giratório. Na noite do sorteio uma pessoa (preferencialmente uma menina) era selecionada na platéia, para tirar um número do cilindro. As regras determinavam que o feliz possuidor deste número deveria reclamar o prêmio dentro cinco, dez ou quinze minutos (a critério do gerente do cinema) a partir do momento em que o número vencedor fosse anunciado. Não era necessário que o vencedor estivesse no auditório, na calçada, ou em casa. Desde que chegasse no cinema dentro do tempo estabelecido, ele poderia reclamar o prêmio. Os que estavam fora do cinema eram informados do resultado por um alto falante ou pela colocação do nome do vencedor na bilheteria. Se um vencedor não aparecesse para reclamr seu prêmio, o dinheiro ficava acumulado para o sorteio da próxima semana. Em muitos casos, muitas semanas se passaram antes que um vencedor aparecesse. Prosseguindo na sua impressionante pesquisa, Rhodes se refere a vários problemas ocorridos com a “Bank Night” envolvendo batalhas legais de toda espécie, incluindo até responsabilidade por acidentes e tragédias como, por exemplo, o caso do senhor Fred Jung, um carpinteiro de 65 anos desempregado que, ao ouvir seu número anunciado como vencedor do prêmio de 400 dólares, sofreu um ataque cardíaco e morreu mais tarde na mesma noite. E houve ainda seu enfrentamento contra os competidores: Screeno, Cash Night, Gold Mine, Treasury Nights etc.

Cenas de Cinema de Bairro

Os males da “Bank Night” foram expressos em uma comédia curta de Hal Roach, Cinema de Bairro / Neighborhood House / 1936 na qual Charley Chase (interpretando ele mesmo) vai à uma “Bank Night com sua esposa Rosina (Rosina Lawrence) e sua filha Mary (Darla Hood). Quando o gerente do cinema (George Meeker) pede um voluntário, Mary corre para o palco para retirar o número do felizardo que vai receber o prêmio de 500 dólares. A príncipio ela acidentalmente recita o número de Charley, levantando assim as suspeitas da platéia. Então o gerente lê o mesmo número corretamente que, coincidentemente, é o de Mary. Charley corre para o palco com a finalidade de acalmar a multidão cada vez mais enfurecida, e pede ao gerente para tirar um novo número. É quando Rosina vence. A assistência indignada persegue Charley até sua casa e seu patrão (Dick Elliott) imediatamente o despede. Para apaziguar os ânimos, Charley insiste em devolver o dinheiro, a fim de que o cinema faça outra “Bank Night.” A turba o congratula, embora insistindo que o juiz da cidade (Gus Leonard) tire o novo número. Sua excitação se transforma em fúria novamente quando o patrão de Charley vence.

Enfim, “The Perils of Moviegoing in America” (do qual dei apenas uma amostra) é um livro que recomendo entusiasticamente para todos os que se interesssam pela História do Cinema, e ele me fez lembrar dois acidente trágicos que aconteceram aqui no nosso país: o pseudo incêndio do Cinema Oberdan em São Paulo e o desabamento do Cinema Rink em Campinas.

Cinema Rink

O Cinema Oberdan, inaugurado em 1927 pela Empresa Taddeo de Cinemas de Fernando Taddeo e irmão, era uma sala elegantíssima, luxuosa e entre os cinemas do bairro do Brás o mais moderno de sua época. Decorado com grandes estátuas, teto ricamente ornamentado com azulejos portugueses e com uma cúpula que se assemelhava a do Teatro Municipal, era uma sala (de 1216 lugares), que vivia lotada tanto em seus horários noturnos como em suas concorridas matinês. Tudo ia bem até o fatídico dia 11 de abril de 1938, quando uma idéia infeliz de um garoto deu início a uma tragédia que contabilizaria 32 mortos (31 crianças e 1 mulher). Um menino que assistia à matinê, sentindo fortes dores de barriga, tentou o auxílio de um lanterninha para se dirigir até o banheiro e, não encontrando nenhum, ele seguiu sozinho até lá. Sem ter tempo de chegar, ele acabou por fazer parte de suas necessidades no caminho e, ao se encontrar no toalete, as luzes estavam desligadas. Não tendo como se limpar no escuro, o menino decidiu atear fogo em um pequeno pedaço de jornal. Uma pessoa viu a chama e pensando que se tratava de um incêndio, gritou “fogo!”. Imediatamente começou uma correria desesperada que provocou todas essas mortes, a maioria por pisoteamento. O filme que estava sendo exibido naquele momento era Criminosos do Ar / Criminals of the Air / 1937, produzido pela Columbia, com Rita Hayworth em início de carreira. Por causa do terrível acidente, o seriado que viria em seguida, Ameaça das Selvas / Jungle Menace / 1937, com Frank Buck, não pôde ser exibido.

Cinema Oberdan

Na tarde do dia 16 de setembro de 1951, um domingo, a notícia correu célere pelo Brasil afora. Cerca de 1.200 pessoas, na maioria crianças, constituiam a assistência imensa da matinê do Cinema Rink em Campinas, quando teve início a projeção do segundo filme do programa duplo, Amar foi Minha Ruína / Leave Her to Heaven / 1945 (o primeiro havia sido A Noiva Era Ele / I Was a Male War Bride / 1949). Eram precisamente, 15.30 horas, quando um barulho impressionante foi ouvido e a parte central do telhado veio abaixo, soterrando centenas de pessoas. O balanço trágico desse desabamento assim se traduziu: mortos – 19 crianças e 11 adultos; feridos – mais de duzentos. O Cinema Rink fora inaugurado em 1878, inicialmente com uma casa de espetáculos especializada em patinação, possuindo também um salão para bailes e conferências; a partir de 1901 passou a haver sessões regulares do Cinematógrafo.

Cinema Alhambra

Outro acidente lamentável foi o incêndio do Cinema Alhambra, que pertencia ao empresário Francisco Serrador, situado na Praça Mahatma Gandhi, e com capacidade para 1448 espectadores. Funcionou de 9 de junho de 1932 a 9 de abril de 1939. Depois do seu fechamento para ser demolido, foi atingido por um grande incêndio em 11 de março de 1940. Uma explosão no depósito que guardava os celulóides facilmente inflamáveis dos cinemas da Empresa Serrador na Cinelândia, iniciou o incêndio, que destruiu a sala de projeção e os pisos superiores do edifício, praticamente não atingindo as lojas que haviam no pavimento térreo viradas para a rua. Parte de sua estrutura foi aproveitada para a construção, que já era prevista, do Edifício Serrador. Felizmente só decorreram prejuízos materiais, perdendo-se os guarda- roupas, malas e cenários da Companhia Procópio Ferreira, que estavam guardados em uma das salas do prédio, no qual não havia ninguém por ocasião do sinistro.