Arquivo mensais:agosto 2018

W. S. VAN DYKE

Ele era um diretor típico de estúdio, técnico competente e confiável, conhecido por sua fidelidade ao orçamento e compromisso com o cronograma de trabalho. Por sua rapidez e eficiência como realizador ganhou o apelido de “One Take Woody” e seus filmes eram bem aceitos pelo público e, consequentemente, muito lucrativos.

W. S. Van Dyke

Woodbridge Strong Van Dyke II, conhecido como W. S. Van Dyke (1889 – 1943), era natural de San Diego, Califórnia, filho de Laura Winston e Woodbridge Strong Van Dyke, jovem advogado sócio do escritório de advocacia Hunsaker and Britt, e nasceu no dia seguinte da morte de seu pai aos 24 anos de idade. Mrs. Van Dyke mudou-se para San Francisco quando Woody tinha três anos de idade e aderiu à companhia de repertório Morosco Players, onde seu filho estreou no palco em um papel infantil na peça “Damon and Pythias”.

Mãe e filho continuaram atuando em companhias ambulantes, mas aos quatorze anos, Van Dyke, tendo completado seus estudos secundários, desejou entrar para uma universidade ou para uma escola de comércio. Como o dinheiro que ganhavam não era suficiente, ele resolveu ir para Seattle e viver com sua avó, até encontrar emprego fora do tablado. Alto e espantosamente forte, passava facilmente por um rapaz de dezoito anos, e assim exerceu várias atividades: empregado de um armazém, rapazinho de recados em uma estação ferroviária, vendedor de aspiradores de pó de porta em porta etc. Depois de terminar o curso de comércio, Van Dyke foi para Ashford, Washington, a fim de trabalhar em uma serraria, e lá conheceu Zina Ashford, filha do dono da única loja da cidade, que recebeu o seu nome. Após o casamento, Van Dyke reuniu-se novamente com sua mãe na companhia de repertório, e levou sua esposa com ele. Bonitão e simpático, ele interpretava os papéis principais contracenando com sua mãe, formando uma combinação inusitada, e poucas pessoas sabiam que eles eram mãe e filho, porque Mrs. Van Dyke continuara a ser anunciada como Laura Winston.

Woody, Ruth Mannix e filhos

Van Dyke chegou ao cinema por intermédio do ator Walter Long, que era amigo de sua progenitora, e o introduziu na equipe de Intolerância / Intolerance / 1916, de David Wark Griffith, primeiramente como figurante, passando depois a um dos vários segundo assistentes de direção que depois, tal como ele, se tornariam diretores (Tod Browning, Jack Conway, Allan Dwan, Victor Fleming, Sidney Franklyn, Christy Cabanne, George William Hill). Foi Van Dyke quem mostrou a Mr. Griffith como devia ser um rei babilônico, improvisando a maquilagem adequada e deixou o “Pai do Cinema” apoplético quando, ao conduzir uma biga, quase estragou a investida contra a cidade da Babilônia. Promovido a segundo assistente de direção, ele sempre dava um jeito de ficar perto do diretor, observando o que ele estava fazendo. Maravilhado com tudo o que via, convenceu-se de que havia encontrado o seu nicho. Não era o palco. Eram os filmes.

W. S. Van Dyke

Quando Griffith decidiu se dedicar a produções menos pretenciosas, teve que diminuir sua equipe, e Van Dyke estava entre os que foram dispensados; mas logo foi aproveitado como assistente de James Young, um dos diretores mais importantes do Famous Players-Lasky Studio. Young reconheceu talento no seu novo assistente e deixou que ele cuidasse de toda a sua montagem. Embora trabalhasse para Jesse L. Lasky, Van Dyke considerava Mr. Young como seu patrão, e ficou sempre perto dele, tal como fizera com Griffith. Quando Young foi para o Essanay Studios em Chicago, ele convidou Van Dyke para acompanhá-lo.

Os donos da Essanay eram o astro-cowboy “Broncho Billy” Anderson e George K. Spoor. “Broncho Billy” logo notou que Van Dyke tinha facilidade para escrever, especialmente histórias de cowboys, e o deixou inventar algumas para ele. Durante esse período na Essanay, Woody organizou a escala de trabalho das produções, tentnado colocar uma ordem, ajudando o estúdio a poupar dinheiro. Satisfeito, Spoor convidou-o para se encarregar do novo estúdio da companhia na Califórnia, para onde ele foi, acompanhado pela mãe, que já havia abandonado o teatro e aceitado um emprego na Vitagraph.

Na Essanay, Van Dyke dirigiu em 1917: The Land of the Long Shadows, The Range Boss, Open Places e Men of the Desert (todos estrelados por Jack Gardner) e Gift of Gab e Julinha Vai para o CéuSadie Goes to Heaven em 1918, o primeiro ainda com Gardner, e o segundo com Mary McAllister. Ainda em 1918, Van Dyke dirigiu ainda A Dama do EsconderijoThe Lady of the Dugout, western curiosamente estrelado por Al e Frank Jennings, os famosos ex-ladrões de banco na vida real, produzido por uma companhia fundada pelo próprio Jennings. Van Dyke fez também um short com Al Jennings intitulado Fate’s Frame-Up / 1919.

Depois dessa experiência inusitada, Woody começou a fazer seriados: O Homem de Ferro / The Hawk’s Trail / 1920 / Cia. Prod: Burston Films, com King Baggot; Vivo ou Morto / Daredevil Jack / 1920 / Cia. Prod: Pathé, com o pugilista Jack Dempsey; A Dupla Aventura / Double Adventure / 1921 / Cia. Prod: Pathé, com Charles Hutchinson; A Flecha Vingadora / The Avenging Arrow / 1921 e A Águia Branca / White Eagle / 1922, ambos também da Pathé, com Ruth Roland.

Ainda em 1922, Louis Burston percebeu que Van Dyke trabalhava mais rápido e melhor do que qualquer outro na sua equipe e o contratou para fazer dois filmes com seu astro, David Butler: o western The Milky Way (Cia. Prod: Western Pictures Exploitation Co.) e a comédia According to Hoyle. (Cia. Prod: David Butler Productions). Como resultado da qualidade do seu trabalho nestes dois filmes, Van Dyke teve a oportunidade de dirigir Não Te Esqueças de Mim / Forget Me Not / 1922, (Cia. Prod: Louis Burston Productions), história dramática de uma menina orfã, interpretada por Bessie Love. Quando Louis B. Myer, então um dos produtores independentes mais importantes da cidade, viu o filme, contratou Burston, David Butler e Van Dyke, para fazerem oito filmes, mas um acidente de automóvel tirou a vida de Burston, e Mayer cancelou o contrato, tendo em vista que, sem ele para supervisionar a produção, o estúdio não conseguiu um financiador.

Gareth Hughes e Bessie Love em Não Te Esqueças de Mim

Até ingressar na Metro-Goldwyn-Mayer, Van Dyke dirigiu 18 filmes (sendo um não creditado e por pouco tempo) para diversas companhias, entre os quais se destacam os estrelados por Buck Jones na Fox: O Novo Patrão / The Boss of Camp Four / 1922 (Fox, com Buck Jones); Diante do Perigo / You Are in Danger também conhecido como The Little Girl Next Door /1923 (Blair Coan Prod., com Pauline Starke); Anjo Exterminador / The Destroying Angel /1923 (Arthur F. Beck, Prod., com Leah Baird); The Miracle Makers / 1923 (Leah Baird Prod., com Leah Baird); Ruth, a Veloz / Ruth of The Range (Ruth Roland Serials – Pathé, seriado com Ruth Roland. Obs. O diretor Ernest C. Warde foi substituído temporariamente por Van Dyke e depois Frank Leon Smith entrou em seu lugar); Mentiras de Amor / Loving Lies / 1924 (Associated Authors, com Evelyn Brent, Monte Blue); Ladrões Terríveis / The Beautiful Sinner / 1924 (Perfection Pictures, com William Fairbanks, Eva Novak); A Força do Destino / Half a Dollar Bill / 1924 (Graf Prod., com Anna Q. Nilsson); Ou Tudo ou Nada / Winner Take All / 1924 (Fox, com Buck Jones, Peggy Shaw); Combatendo Por Quem Ama / The Battling Fool / 1924 (Perfection Pictures, William Fairbanks, Eva Novak); Corta-Vento / Gold Heels (Fox, com Robert Agnew, Peggy Shaw); O Nível do Amor / Barriers Burned Away / 1925 (Encore Pictures, com Mabel Ballin); Corações e Esporas / Hearts and Spurs / 1925 (Fox, com Buck Jones, Carole Lombard); O Estouro da Boiada / The Trail Rider /1925 (Fox, com Buck Jones); Amor Soberano / Ranger of the Big Pines / 1925 (Vitagraph, com Kenneth Harlan); O Lobo dos Montes / The Timber Wolf / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Preço do Deserto / The Desert’s Price / 1925 (Fox, com Buck Jones); O Pacificador / The Gentle Cyclone / 1926 (Fox, com Buck Jones)

“Van Dyke, gostaríamos de tê-lo conosco”. “Não existe nenhum lugar no qual eu mais gostaria de estar, Mr. Mayer!” Eles se acertaram quanto ao salário, apertaram as mãos e Van Dyke disse: “Quando começo?”. “Agora mesmo”, respondeu Mayer. “Nós temos um novo astro sob contrato e depois da maneira esplêndida com que você lidou com Buck Jones, estamos convencidos de que você é o homem certo para o trabalho”. “Quem é o seu astro, Mr. Mayer?”. O astro era Tim McCoy. Assim teve início a longa carreira de Van Dyke na MGM, a companhia na qual realizou seus melhores filmes.

Nessa fase inicial, ele dirigiu o popular cowboy em 7 filmes (Surpresas de um Beijo / War Paint / 1926, com Pauline Starke; Espadas e Corações / Winners of the Wilderness / 1927, com Joan Crawford; Califórnia / Califórnia / 1927, com Dorothy Sebastian; Demônios Brancos / Foreign Devils / 1927, com Claire Windsor; Despojadores do Deserto / Spoilers of the West / 1927, com Marjorie Daw; Ódio Fraternal / Wyoming / 1928 e O AventureiroThe Adventurer / 1928, sendo que, neste último, ele substituiu, sem ser creditado, o diretor russo Viktor Tourjansky, afastado da produção por desentendimento com Irving Thalberg. No mesmo período, Van Dyke fez, ainda para a MGM: Sob a Águia Imperial / Under The Black Eagle / 1928, drama sobre um cão (Flash), que salva vidas durante a Primeira Guerra Mundial, estrelado por Ralph Forbes e Marceline Day e dois filmes para a efêmera H. C. Weaver Prod.: The Heart of the Yukon / 1927 e Olhos Felinos / The Eyes of the Totem / 1927, ambos com Anne Cornwall no elenco.

Monte Blue e Raquel Torres em Deus Branco

Filmagem de Deus Branco

Cenas de Deus Branco

Cena de Deus Branco

 

O próximo compromisso de Van Dyke foi um ponto decisivo na sua trajetória artística. Em novembro de 1927, A Metro-Goldwyn- Mayer concebeu um projeto de filme de aventura (que seria Deus Branco / White Shadows of the South Seas / 1928), introduzindo uma idéia nova: ficção, com um pano de fundo autêntico. Van Dyke desejava esta incumbência, porém o estúdio achou que a história requeria alguém que conhecesse bem as ilhas dos Mares do Sul, e trouxeram Robert Flaherty por causa de seu êxito fotografando O Homem  Perfeito / Moana of the South Seas  e Nanook do Norte / Nanook of the North.  A Van Dyke ofereceram o encargo de diretor associado, mas na divulgação do filme algum redator abreviou  a palavra “associate” e ela pareceu significar assistente. Segundo o Film Daily noticiou, “Flaherty cuidaria de todas as tomadas atmosféricas e da direção da expedição enquanto Van Dyke seria encarregado das sequências dramáticas.” Van Dyke passou três meses filmando no Tahiti, primeiramente em colaboração com o célebre documentarista, tornando-se depois  o único diretor, e durante esse tempo manteve um diário que em 1996 veio a ser publicado pela Scarecrow Press e anotado por Rudy Behlmer. O filme descrevia como a chegada do homem branco corrompeu as comunidades primitivas; daí o título . Monte Blue e Raquel Torres foram trazidos de Hollywood para os papéis principais , porém os ilhéus interpretaram a si mesmos.  A MGM decidiu adicionar música sincronizada e efeitos sonoros, e até uma palavra falada: “Hello”. Ponto alto do espetáculo  foram as imagens belíssimas que Clyde de Vinna extraiu das exóticas locações, sendo com toda justiça premiado como  o Oscar de Melhor Fotografia. O filme até hoje impressiona como uma fusão muito bem executada de drama, travelogue e ilustração romântica dos usos e costumes dos Mares do Sul.

No outono de 1928, Van Dyke estava de novo nos Mares do Sul, desta vez para filmar O Pagão / The Pagan / 1929, filme mudo com sequências musicadas sincronizadas pelo processo Movietone, apresentando um tema musical, “The Pagan Love Song”, que se popularizou por toda a nação.

Doroty Janis e Ramon Novarro em O Pagão.

Renne Adoree e Ramon Novarro em O Pagão

A equipe técnica era quase a mesma de Deus Branco, incluindo o fotógrafo Clyde De Vinna, e nos papéis principais estavam Ramon Novarro, Renee Adoree, Dorothy Janis, e Donald Crisp. Conjugando romance com o esplendor visual do ambiente paradisíaco a trama focaliza um mestiço, Henry Shoesmith, Jr. (Ramon Novarro), filho de um branco com uma nativa, que herdou um armazém e uma fazenda, mas está mais interessado em absorver as belezas naturais do que administrar seu negócio. Quando se apaixona por Tito (Dorothy Janis), jovem polinésia, também mestiça, Henry incorre na ira de um comerciante branco brutal, Roger Slater (Donald Crisp), que se diz guardião da moça, e acha que é seu “dever Cristão” civilizá-la, mas também a deseja. Renee Adoree faz o papel de uma prostituta de bom coração que gosta de Henry. No Brasil o filme foi ansiosamente aguardado pelo público graças a imensa propaganda que lhe dispensaram e a curiosidade de ouvir Ramon cantando, daí resultando um êxito retumbante, o qual aliás, ocorreu no mundo inteiro.

Cena de Trader Horn

Van Dyke na filmagem de Trader Horn

Harry Carey, Duncan Renaldo e Edwina Booth em Trader Horn

Cena de Trader Horn

Trader Horn / Trader Horn / 1931 clássico filme de aventuras na África, rodado em locação, sob árduas condições, foi outro tremendo sucesso de bilheteria mundial. Foram contratados Harry Carey para ser Trader Horn, Duncan Renaldo, Little Peru, e Edwina Booth, Nina T. a “Deusa Branca”. Van Dyke disse-lhes francamente sobre os perigos que teriam que enfrentar, e perguntou se ainda desejavam ir. Todos concordaram. Edwina contraiu febre tropical e nunca se recuperou totalmente, abrindo um rumoroso caso judicial contra a MGM. Insatisfeito com o copião apresentado por Van Dyke, o chefe de produção da MGM, Irving Thalberg mandou refazer algumas cenas e adicionou outras filmadas em estúdio e no México. Sua persistência valeu, pois, além da boa rentabilidade, o filme foi indicado para o Oscar.]

Leslie Howard e Conchita Montenegro em Delírio de Amor

Lionel Barrymore e Kay Francis em Mãos Culpadas

Lawrence Tibbett e Lupe Velez em Melodia Cubana

Ainda em 1931, Dyke fez três filmes mais modestos, porém interessantes: Delírio de Amor / Never the Twain Shall Meet, Mãos Culpadas / Guilty Hands e Melodia Cubana / Cuban Love Song. O primeiro, é um drama romântico no qual Conchita Montenegro é Tamea, a quase selvagem nativa de uma ilha da Polinésia, filha de um dos capitães dos navios de Dan Pritchard (Leslie Howard) que, ao morrer, a deixara sob a proteção do rico armador. Apesar de ser noivo de Maisie (Karen Morley), Dan se apaixona por Tamea, e vai viver com ela na ilha, mas se decepciona devido às diferenças culturais. O título original do filme é uma frase do poema de Rudyard Kipling, “East is east and west is west, and never the twain shall meet”, sempre citado como um exemplo das atitudes de Kipling em relação a raça e império. O segundo filme é um drama criminal no qual Lionel Barrymore interpreta um advogado, Richard Grant que, como ele diz para uns amigos logo no início da narrativa, entende que há casos nos quais o assassinato é justificado – e que é possível cometê-lo, sem ser descoberto. Ao saber que um cliente seu, Gordon Rich (Alan Mowbray), está seduzindo sua filha inocente, Barbara (Madge Evans), ele o mata, e depois ameaça incriminar Marjorie West (Kay Francis), sua amante de longa data, tudo terminando com um final surpreendente. O terceiro filme, é um musical romântico que conta a história de um fuzileiro naval, Terry (o barítono Lawrence Tibbett) que se apaixona por uma vendedora de amendoim, Nenita (Lupe Velez) em Havana. Ele vai lutar na França durante a Primeira Guerra Mundial, retorna ferido para o seu país e se casa com sua antiga namorada, Crystal (Karen Morley). Passam-se os anos, ele se lembra de Nenita, vai procurá-la em Havana, mas fica sabendo que ela faleceu, e lhe deixara um filho. Quando volta para casa é recebido por Crystal, que quer continuar a ser sua esposa e mãe de Terry Jr. Jimmy Durante e Ernest Torrence são os companheiros de Terry e se ocupam dos momentos cômicos.

Johnny Weissmuller e Maureen O’Sullivan em Tarzan, o Filho das Selvas

Maureen O’Sullivan e Johnny Weissmuller em Tarzan, o Filho das Selvas

Cena de Tarzan, o Filho das Selvas

A MGM não sabia o que fazer com as tomadas que haviam sobrado de sua produção, Trader Horn, quando surgiu a idéia de aproveitá-las em um filme de Tarzan. Escolhido para dirigir o primeiro exemplar da série, Van Dyke começou a procurar o ator ideal para o Rei das Selvas e, afinal, escolheu o campeão olímpico Johnny Weissmuller. Johnny foi o intérprete mais popular do personagem de Edgar Rice Burroughs, estrelando 12 filmes, sendo seis da MGM ao lado de Maureen O’ Sullivan. A de Van Dyke, Tarzan, o Filho das Selvas / Tarzan the Ape Man / 1932 e a segunda, A Companheira de Tarzan / Tarzan and His Mate / 1934, dirigida por Cedrick Gibbons e Jack Conway, são consideradas as melhores, não só pelos cuidados de produção como pelo erotismo, surpreendente para a época. A partir de 1934, o Código Hays obrigou Jane a vestir trajes menos sumários. Por seu charme absoluto (sem esquecer as macaquices de Cheeta) a série desafiou o tempo.

Depois de Tarzan, O Filho das Selvas, vieram: Injustiça / Night Court / 1932; Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933; O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933; Esquimó / Eskimo / 1933; Amor Selvagem / Laughing Boy / 1934; Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, uns melhores do que outros, mas todos – com exceção de um – cativantes.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Injustiça, drama criminal eficaz sobre um magistrado corrupto (Walter Huston) que, não obstante a vigilância de um colega honrado (Lewis Stone), persegue um chofer de taxi (Phillips Holmes) e sua esposa (Anita Page), achando que eles têm a posse de um documento, comprovando seus malfeitos, e chega até a condenar a jovem inocente à prisão. O anúncio do filme no Brasil dizia: “Uma mulher atirada à lama da desonra pela própria Justiça”.

Myrna Loy e Warner Baxter em Pela Vida de Um Homem

Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933, agradável mistura de filme de gangster com comédia (emoldurada pela cenografia suntuosa de Cedric Gibbons), tendo Warner Baxter como Jackson Durant, um advogado criminal que recorre a uma garota de programa muito esperta Gertie Waxted (Myrna Loy) para expor as atividades de um chefão do crime (C. Henry Gordon). “Esta garota vai ser uma grande estrela”, declarou Van Dyke sobre Myrna Loy, que até então vinha desempenhando somente pequenos papéis exóticos. O próprio diretor se encarregou de concretizar a sua predicão escolhendo Myrna para formar a dupla famosa de A Ceia dos Acusados / The Thin Man, realizado no ano seguinte. Van Dyke dirigiu-a em um total de oito filmes.

Walter Huston e Max Baer em O Pugiiista e a Favorita

O Pugilista e a Favorita / The Prizefighter and the Lady / 1933, comédia romântica   divertida – sobre uma artista de boate Belle Mercer Morgan (Myrna Loy), que conquista o coração de um pugilista Steve Morgan (Max Baer) -, cujo climax é um combate (de mentirinha) entre o personagem de Baer e Primo Carnera. A filmagem desta cena foi um acontecimento no set, uma vez que Baer e Carnera disputavam na vida real o título de campeão de peso pesado. O ex-campeão Jack Dempsey era outra atração no papel do árbitro e Walter Huston era o empresário de Steve. Frances Marion ganhou uma indicação para o Oscar de Melhor História Original. Durante a realização de O Pugilista e a Favorita, Van Dyke foi apresentado a Ruth Mannix, sobrinha de Eddie Mannix, alto executivo da MGM e mais tarde gerente do estúdio. Após obter o divórcio de sua esposa Zina em janeiro de 1935 (por deserção pois ela o deixara em 1923), ele se casou com Ruth em fevereiro do mesmo ano em Nova Orleans. Eles tiveram três filhos: Barbara, Woodbridge III e Winston.

Cena de Esquimó

Cena de Esquimó

Esquimó / Eskimo / 1933, docudrama antropológico sobre um caçador esquimó Mala (interpretado por um nativo do norte do Alasca) procurado pela policia por ter matado o comerciante branco, que estuprou sua mulher. Após ter ido aos Mares do Sul para filmar Deus Branco e à África para filmar Trader Horn, Van Dyke dirigiu-se ao Ártico, onde filmou (com a ajuda inestimável de Clyde De Vinna e seus assistentes), as belas paisagens eternamente brancas, cenas da vida selvagem mostrando caçadas de morsas e baleias, milhares de renas em disparada, curiosidades do modus vivendi dos esquimós. Os nativos falam em língua esquimó, traduzida com legendas. Van Dyke aparece como um guarda da Polícia Montada do Canadá e Conrad Nervig arrebatou o Oscar de Melhor Montagem.

Lupe Velez e Ramon Novarro em Amor Selvagem

Amor Selvagem / Laughing Boy /1934, drama romântico em ambiente de western, girando em torno de um índio Navajo, Laughing Boy (Ramon Novarro), que, contra o desejo de sua família, casa-se com uma índia, Slim Girl (Lupe Velez), de moral questionável, devido ao contato com o homem branco, e tratada como uma desterrada. Slim tenta se comportar como uma boa esposa indígena, mas retorna aos maus costumes, ocasionando uma tragédia. Ao surpreendê-la com um amante, Laughing Boy desfecha uma flecha contra ele, porém atinge Slim Girl pelas costas. Ao morrer em seus braços, Slim pede perdão a Laughing Boy, e promete esperá-lo no Paraíso. O filme é moroso e Ramon (com uma peruca horrível) soa falso como índio, ainda mais trabalhando ao lado de índios navajos verdadeiros. Tanto ele como Lupe foram desastradamente escolhidos para interpretar seus personagens. O diretor tentou dar autenticidade ao relato inserindo tomadas de fundo projetado e acelerando as cenas de luta, mas isso só serviu para distrair a atenção do espectador. Incomodada com a interferência do Código Hays, a MGM lançou o filme discretamente. Ele foi desprezado pelos críticos e resultou em um fracasso de bilheteria. Foi logo depois desse fiasco que Ramon veio ao Brasil, apresentando-se com sucesso ao lado de sua irmã bailarina, Carmencita Samaniego,  no palco do Palácio-Theatro e arrebatando o público ao cantar em português, “Se a Lua Contasse” de Custódio Mesquita, já conhecida pela voz de Aurora Miranda.

Clark Gable e william Powell em Vencido pela Lei

Van Dyke dirige Vencido pela Lei

Vencido pela Lei / Manhattan Melodrama / 1934, drama criminal focalizando dois amigos de infância que seguem caminhos diferentes na vida. Jim Wade (William Powell), promotor público, tem de acusar Blackie Gallaghan (Clark Gable), que se tornara um delinquente e matara um bandido, para salvar a vida de Jim. Eleanor (Myrna Loy) começa como amante de Gable, mas depois se apaixona por Powell. A história original sensibilizou os membros da Academia rendendo um Oscar a seu autor Arthur Caesar. Bem preparada pelos roteiristas Joseph L. Mankiewicz e Oliver Garrett e conduzida fluentemente por Van Dyke, caiu também no gôsto do público. O filme adquiriu fama ainda por outro motivo: John Dillinger acabara de assistí-lo, quando foi morto pelos agentes do FBI, ao sair do cinema.

Myrna Loy, Asta e William Powell em A Ceia dos Acusados

Myrna Loy e William Powell em A Ceia dos Acusados

Filmagem de A Comédia dos Acusados

Baseado no romance de Dashiel Hammett, A Ceia dos Acusados / The Thin Man / 1934 mistura comédia sofisticada com policial de mistério e lança o mais charmoso casal de detetives de Hollywood, Nick e Nora Charles , saborosamente interpretados por William Powell e Myrna Loy. Van Duke, talvez inspirado pelo espirituoso e bem elaborado roteiro adaptado da obra de Dashiel Hammett elaborado por Albert Hackett e Francis Goodrich, improvisou bastante durante as filmagens, que levaram apenas 16 dias para serem feitas, fato raro na produção classe “A”. O filme foi indicado para o Oscar, o mesmo ocorrendo com Van Dyke, William Powell, Hackett e Goodrich e, de 1936 a 1947, o estúdio MGM realizou uma série de mais cinco exemplares (três dos quais também sob a direção de Van Dyke: A Comédia dos Acusados / After the Thin Man / 1936, O Hotel dos Acusados / Another Thin Man / 1939 e A Sombra dos Acusados / Shadow of the Thin Man / 1941) com os mesmos personagens, os mesmos predicados de um bom passatempo, e o cãozinho Asta, uma atração à parte.

Robert Montgomery, Joan Crawford e Clark Gable em Quando o Diabo Atiça

Depois de A Ceia dos Acusados, Van Dyke realizou outros dois bons entretenimentos: Amor Que Regenera / Hide-Out / 1934 e Quando o Diabo Atiça / Forsaking All Others / 1934. No primeiro filme, um gângster “Lucky” Wilson (Robert Montgomery) é ferido ao fugir da polícia e vaiesconder em uma propriedade rural. Alí ele se apaixona pela filha do fazendeiro, Pauline (Maureen O’Sullivan), e diante dos exemplos positivos das pessoas boas que a cercam, adota seus valores, regenerando-se. No segundo filme, Jeff Williams (Clark Gable) retorna do exterior a fim de propor casamento à socialite Mary Clay (Joan Crawford), a quem amava secretamente desde a infância, sem saber que Mary concordou em se casar com Dillon Todd (Robert Montgomery), por quem ela era apaixonada desde criança. Estes três grandes astros da MGM formam o triângulo amoroso nesta comédia romântica cujo roteiro, escrito por Joseph L. Mankiewicz, surpreende pela quantidade de cenas pastelão. Até Joan Crawford em certo ponto do relato se vê fazendo acrobacia em uma bicicleta, para acabar caindo em um chiqueiro. Van Dyke conseguiu que o filme alcançasse a sua finalidade: simplesmente divertir.

Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em Oh, Marieta!

O ano de 1935 marcou o encontro de Van Dyke com a soprano Jeanette MacDonald e o barítono Nelson Eddy. A opereta Oh, Marieta! / Naughty Marietta / 1935,e passada a maior parte na Lousiana dos tempos coloniais, reúne pela primeira vez na tela a dupla famosa. Com roteiro agradável de John Lee Mahin, Frances Goodrich e Albert Hackett, score de Victor Herbert, do qual sobressai “Ah, Sweet Mystery of Life”, e direção competente de Van Dyke, a realização agradou em cheio o público, tendo sido escolhida para concorrer ao Oscar.

Jeanette MacDonald e NelsonEddy em Rose Marie

Era inevitável que a combinação de Jeanette MacDonald e Nelson Eddy tivesse que ser repetida tal como havia sido o caso de William Powell e Myrna Loy depois de A Ceia dos Acusados. Van Dyke dirigiu mais quatro filmes com eles – Rose Marie / Rose Marie /1936, Cancão de Amor / Sweethearts / 1938 Divino Tormento / Bitter Sweet / 1940 e Casei-me Com um Anjo / I Married an Angel / 1942 -, todos mantendo o mesmo nível artístico, e outros diretores se encarregaram dos demais.

Van Dyke, Nelson Eddy e Jeanette MacDonald conversam durante a filmagem de Canção de Amor

Entre os anos de 1935 até o final de sua carreira cinematográfica o prolífico Van Dyke incumbiu-se de mais 17 filmes, além dos já citados: Só Assim Quero Viver / I Live My Life / 1935 (comédia sofisticada com Joan Crawford e Brian Aherne); Cidade do Pecado / San Francisco / 1936; A Mulher do Meu Irmão / His Brother’s Wife / 1936 (drama romântico com Barbara Stanwyck e Robert Taylor; O Diabo é um Poltrão / The Devil is a Sissy / 1936 (comédia dramática com Freddie Bartholomew, Jackie Cooper e Mickey Rooney); Do Amor Ninguém Foge / Love on the Run / 1936 (comédia romântica com Joan Crawford, Clark Gable e Franchot Tone); Seu Criado, Obrigado / Personal Property / 1937 (comédia romântica com Jean Harlow e Robert Taylor); O Mundo Ensinou-me a Matar / They Gave Him a Gun / 1937 (drama criminal com Spencer Tracy, Franchot Tone e Gladys George); Rosalie / Rosalie / 1937 (adaptação de um musical da Broadway, renovado pelas canções de Cole Porter, com Nelson Eddy e Eleanor Powel) ; Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938; O Amor de um Espia / Stand Up and Fight / 1939 (drama histórico com Robert Taylor, Wallace Beery e Florence Rice);

Que Mundo Maravilhoso! / It’s a Wonderful World / 1939 (screwball comedy com Claudette Colbert e James Stewart); Andy Hardy é o Tal / Andy Hardy Gets Spring Fever / 1939 (comédia romântica da série Andy Hardy com Mickey Rooney, Lewis Stone e Ann Rutherford); A Mulher Que Eu Quero / I Take This Woman / 1940 (drama com Spencer Tracy e Hedy Lamarr); Nem Só Os Pombos Arrulham / I Love You Again / 1940 (comédia screwball com William Powell e Myrna Loy); Fúria no Céu / Rage in Heaven / 1941 (thriller psicológico com Robert Montgomery, Ingrid Bergman e George Sanders); Ciúme Não é Pecado / The Feminine Touch (comédia com Rosalind Russell, Dom Ameche e Kay Francis); Seu Grande Triunfo / Dr. Kildare ‘s Victory /1942 (drama criminal da série Dr. Kildare com Lew Ayres e Lionel Barrymore); Cairo / Cairo / 1942 (comédia-dramática com Jeanette MacDonald e Robert Young) e Sublime Alvorada / Journey for Margaret (drama passado durante a Segunda Guerra Mundial com Robert Young, Laraine Day e Margaret O’Brien).

Entre esses 17 filmes não há nenhum ruim, merecendo todos uma cotação entre regular e bom, com exceção de Cidade do Pecado e Maria Antonieta, que se destacam com uma melhor avaliação.

Clark Gable e Spencer Tracy em Cidade do Pecado

D.W. Griffith e W.S.Van Dyke na filmagem de Cidade do Pecado


Clark Gable, Jack Holt, Spencer Tracy e Jeanette MacDonald em Cidade do Pecado

A MGM gastou cerca de um milhão de dólares na produção de Cidade do Pecado, adaptação feita por Anita Loos da história de Robert Hopkins, cujo climax é a espetacular recriação do terremoto que devastou San Francisco em 1906, sequência com efeitos especiais a cargo de James Basevi e seus colaboradores, entre eles, no montage, Slavo Vorkapich. Blackie Norton (Clark Gable) é o dono de um cabaré em Barbary Coast e o Padre Tim Mullin (Spencer Tracy), seu amigo de infância. Ambos, cada um por motivos diferentes, se preocupam com Mary Blake (Jeanettte MacDonald), cantora cortejada por outro empresário Jack Burley (Jack Holt). Indicado para o Oscar, o filme faturou quatro milhões de dólares. Van Dyke, Spencer Tracy, Robert Hopkin e Joseph Newman (como assistente de diretor) também receberam indicações. Quando Van Dyke soube que David Wark Griffith ia visitar o seu set, ele mandou colocar o nome dele em uma cadeira de diretor: como gesto de seu profundo respeito pelo mestre, entregou-lhe a direção de uma das cenas do terremoto, e se colocou atrás dele ao fundo, observando-o.

Tyrone Power e Norma Shearer em Maria Antonieta

Van Dyke, Norma Shearer e Tyrone Power no intervalo de filmagem de Maria Antonieta

Retornando às telas depois de ficar afastada dois anos por causa da morte do marido, Irving Thalberg, Norma Shearer encabeçou o elenco de Maria Antonieta produção magnificente baseada na biografia de Stefan Zweig, que já vinha sendo planejada desde 1933. Para formar o par romântico, a MGM foi buscar Tyrone Power (Conde Fersen) na Fox e, para representar Luis XVI, depois de cogitado Charles Laughton, trouxe Robert Morley da Inglaterra. Depois de Norma Shearer (indicada para o Oscar) é Robert Morley (também indicado) quem marca melhor a presença, seguido por John Barrymore no pitoresco Louis XV. O diretor de arte Cedric Gibbons foi outro indicado para a estatueta da Academia. Às vésperas do primeiro dia de filmagem, Louis B. Mayer e o produtor Hunt Stromberg resolveram substituir o diretor Sidney Franklin pelo rápido Van Dyke.

Robert Morley e Norma Shearer em Maria Antonieta

Além de sua capacidade profissional, o cineasta ficou conhecido por ter empregado atores que estavam sem trabalho e em dificuldades. Ele também atuou anônimamente, refilmando cenas de filmes de outros diretores, com as quais o estúdio não estava satifeito (v. g. em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937) ou, alternativamente, filmando cenas adicionais julgadas necessárias para uma boa continuidade.

Diagnosticado com câncer e um sério problema cardíaco no início dos anos 40, sendo um Cientista Cristão convicto, Van Dyke se recusou a se submeter a qualquer tratamento médico de suas doenças. Sua saúde deteriorou-se muito em 1943, e ele cometeu suicídio em 5 de fevereiro do mesmo ano. Tinha 53 anos de idade.

O PERIGO DE IR AO CINEMA NA AMÉRICA

Durante os primeiros cinquenta anos do Cinema Americano o ato de ir ao cinema era um processo arriscado, cheio de perigos físicos e morais. Os incêndios de filmes eram inúmeros, ceifando muitas vidas assim como os assaltos a cinemas, que se tornaram particularmente comuns durante a Grande Depressão. Disputas trabalhistas provocavam a explosão de bombas nos cinemas enquanto que assassinos, prostitutas e molestadores exerciam suas atividades nas salas escuras. Isso sem falar da propagação de doenças, tanto reais (v. g. gripe) como imaginárias (v. g. fadiga ocular), devido a locais de exibição sanitariamente precários e mal ventilados.

Os espectadores ainda se confrontavam com um conjunto de perigos morais combatidos por Leis Puritanas que proibiam exibição de filmes aos domingos. Prêmios e loterias nos palcos dos cinemas eram outro problema, condenados por políticos e clérigos por serem considerados um jogo imoral.

Em inúmeras ocasiões, ocorreram desabamentos do teto ou o elevado número de pessoas na sala de espera fez o assoalho desmoronar. Em outras vezes, os espectadores causavam distúrbios durante a projeção do filme, fazendo barulho, gritando palavras obcenas, jogando objetos contra a tela ou em outros membros da platéia, brigando entre si ou vandalizando o cinema. O pânico provocado por um alarme falso de incêndio ou um simples cheiro de fumaça também era um transtorno.

Fiquei ao par de tudo isto ao ler “The Perils of Moviegoing in America: 1896-1950” de Gary D. Rhodes (Continuum Press, 2012), pesquisa profunda, original e inédita sobre a prática de assistir filmes nas primeiras décadas do cinema. O autor, professor com doutorado da Queen’s University de Belfast, Irlanda do Norte, consultou centenas de jornais, revistas especializadas e outros documentos, e organizou seu livro em sete capítulos, cada qual abordando um perigo associado com o assunto tratado.

No primeiro capítulo, Rhodes investiga os inúmeros incêndios relacionados com a projeção de filmes que ocorreram entre 1897 e 1950, verdadeira praga nos primeiros tempos do novo invento, provocados por luzes muito quentes e próximas de materiais inflamáveis, como o celulóide em cabines de projeção improvisadas dentro de edifícios destinados a outros propósitos que o de exibir filmes – quando o filme de nitrato pegava fogo, ele queimava rapidamente, pois seu grau de combustão era 15 vezes maior que o da madeira, em parte porque gerava o seu próprio oxigênio.

Gary D. Rhodes

Rhodes cita vários incêndios ocorridos em diversas cidades dos Estados Unidos como, por exemplo, um ocorrido na cidade de Seneca Falls em 1889, quando as chamas do projetor incendiaram as cortinas e, durante o pânico, uma mulher deixou cair seu filhinho ao desmaiar; felizmente um fazendeiro conseguiu retornar pelo meio da multidão a fim de salvar a criança. Outro acidente mais dramático relatado por Rhodes, aconteceu em Lockport, Nova York em 1907. Albert Phillips, um projecionista de 21 anos do Arcana Theatre liderou o combate ao fogo que saiu de uma lâmpada que estava colocada diretamente sobre o seu projetor. Ajudado por duas pessoas da platéia, ele calmamente encaminhou as pessoas para a saída do cinema. Em consequência, todos escaparam ilesos. Todos menos Phillips. Mesmo quando suas roupas já estavam pegando fogo, ele permaneceu no recinto em um esforço inútil para extinguir as chamas com suas próprias mãos. Quando os bombeiros entraram na cabine de projeção, encontraram seu corpo carbonizado ao lado do projetor.

Incêndios criminosos também causaram muitos danos. Após alguns deles, bombeiros encontravam sinais como latas de gasolina entre os destroços mas geralmente tinham muita dificuldade em identificar os culpados. A sociedade secreta Mão Negra foi supostamente responsável por um incêndio em um cinema em Nova York. Um fato nada surpreendente foi a descoberta de que alguns incendiários mal intencionados eram exibidores que necessitavam do dinheiro do seguro.

Cinema Lyric

Muitos empregados dos cinemas ajudaram a fazer parar o pânico. Quando o barulho de uma tempestade levou uma jovem a gritar, “Fogo!”, em Hartford, Connecticut em 1911, um projecionista escreveu às pressas em um slide e exibiu na tela a mensagem: “Não corram para fora. Somente os pecadores têm medo de trovão”. Músicos que trabalhavam em cinemas obtiveram muito sucesso em interromper o pânico. No Cinema Lyric em Wheeling, West Virginia no mesmo ano de 1911, uma pianista de 13 anos de idade, Amy Harris gritou para a platéia “Permaneçam sentados”, e tocou uma marcha excitante, para impedir a fuga precipitada dos espectadores. Esses são apenas alguns exemplos do que Rhodes relata no seu magnífico livro.

No segundo capítulo, ele examina os roubos, centenas dos quais ocorreram entre os primórdios do cinema até os anos 40. Excluídos os bancos, poucos estabelecimentos – especialmente em tempos de dificuldades econômicas como o da Grande Depressão – tinham normalmente mais dinheiro à mão do que os cinemas. E ao contrário dos bancos, eles raramente contavam com guardas de segurança. Os roubos em cinemas eram em geral de diferentes categorias. Quando os nickelodeons começaram a proliferar, os batedores de carteira roubavam os espectadores enquanto eles aguardavam na fila, na sala de espera, no banheiro ou enquanto assistiam o filme. Mais tarde, com o advento do filme de longa-metragem, os ladrões começaram a roubar as receitas da bilheteria. Alguns esperavam que os cinemas fechassem, arrombando cofres. Outros assaltavam cinemas durante as suas horas de operação, frequentemente ameaçando as pessoas com armas de fogo. Alguns batedores de carteira eram muito inventivos. Rhodes cita um caso ocorrido em um cinema de Nova York em 1923, quando um deles jogou pimenta malagueta no homem sentado ao seu lado. Assim que o homem começou a espirrar, o ladrão meteu a mão no seu bolso e levou dez dólares.

North Center Theater

Bandidos inteligentes perceberam que podiam roubar o dinheiro de um cinema sem estar dentro dele. Em 1926, dois ladrões sequestraram o tesoureiro do North Center Theater em Chicago, obrigando-o a entrar no cinema e abrir o seu cofre. Um dos sequestros mais lucrativos ocorreu em Kansas City. Os ladrões prenderam a esposa de um gerente de cinema em 1930 até que o marido lhes entregasse oito mil dólares. Ele fez tudo o que lhe mandaram e os malfeitores libertaram sua mulher sem um arranhão.

Porém o negócio de roubar cinemas foi se tornando mais perigoso. Em 1929, oito bandidos roubaram o Fox Folly no Brooklyn durante a exibição de um filme. A polícia chegou e houve um tiroteiro. Em 1929, em Mansfield, Ohio, dois homens armados disfarçados de mulher penetraram na sala do gerente Edward Rafter. Apesar das ameaças, ele se recusou a abrir o cofre e se agarrou a um dos bandidos. O pistoleiro desfechou quatro tiros, três dos quais atingiram Rafter. A dupla fugiu sem levar nada, deixando um Rafter ensaguentado, murmurando: “Eu fiz o que pude, fiz o que pude”. Ele morreu alguns dias depois no hospital.

Assalto e tiroteio no Hollywood Boulevard

Rhodes encerra o segundo capítulo relatando três estudos de caso sobre roubos de cinemas, um dos quais relativo ao do Grauman Chinese Theatre no dia 15 de julho de 1929, com perseguição e troca de tiros entre um policial e os assaltantes pelo Hollywood Boulevard.

O terceiro capítulo explora o problema do contágio e doença nos nickelodeons. Nos primeiros tempos da exibição cinematográfica na América, muitos especialistas argumentavam que a experiência de ver filmes poderia ser perigosa, causando por exemplo uma “fraqueza dos nervos”. Em Nova York, uma mulher assistia uma exibição de The Forest Ranger (Essanay, 1910). Quando os índios na tela escalpelaram suas vítimas, a mulher deu um grito e caiu da sua poltrona, deixando seu bebê cair também. Acendendo as luzes da sala de projeção, a administração se deparou com a mulher se convulsionando, supostamente induzida pelo filme. O bebê não sofreu nada, mas a mulher teve que ser conduzida para um hospital próximo, onde as convulsões continuaram. Os médicos informaram ao The New York Times que ela estava quase morta.

Outra idéia era a de que ver muitos filmes afetava a visão, causando fadiga ocular, que ganhou um novo nome em 1908: “Picturitis”. Um estudo mais condenatório foi feito por Ernest A. Dench o qual declarou que ver filmes por muito tempo era um “mal” para os olhos e contou a historia de uma jovem que teve problemas de retina danificada pela visão de filmes tremeluzentes. O optometrista aconselhou-a a não ver filmes de novo, senão “a paralisia do nervo ótico poderia ocorrer”. O medo contínuo da “Picturitis” levou a uma variedade de novas invenções, para tentar eliminar o tremor das imagens na tela, tais como o Vanoscope ou a Glifograph Screen. Aos poucos, o medo foi desaparecendo. Houve um pequeno retorno dele, quando os estúdios lançaram o programa duplo, porém logo ninguém mais tocou no assunto.

Havia também o temor de apanhar doenças contagiosas dentro dos nickelodeons, que eram insalubres e abafados. Vários produtos emergiram nos anos 10 para ajudar a melhorar esse ambiente desde desinfetantes a perfumes desodorizantes, destacando-se os sistemas de ventilação à base de ozônio. Entre as doenças possíveis de contágio estavam, varíola, escarlatina, difteria, coqueluche, poliomielite e a gripe.

Antes do final de outubro de 1918 (quando a Gripe Espanhola, pandemia do virus influenza que se espalhou por quase toda parte do mundo), o U. S. Surgeon General anunciou que os cinemas e outros prédios públicos deveriam ser fechados em toda a comunidade americana, embora alguns médicos achassem que isto não fosse necessário. Alguns estados interromperam a exibição de filmes dentro de suas fronteiras e, nas cidades onde os cinemas puderam continuar abertos, as receitas de bilheteria cairam tanto que alguns exibidores acharam melhor fechar suas portas voluntariamente. No início de 1919, a epidemia de gripe se dissipou, mas outras ocorreram durante os anos vinte embora o número de cinemas fechados fosse diminuindo na medida em que o tempo passava.

Porém o debate sobre como ventilar os cinemas tomou novo vigor, surgindo vários sistemas fabricados por companhias como a Typhoon e Arctic Nu-Air. O método preferido durante o referido decênio foi o ”Mushroom Ventilation”, que utilizava túneis sob o cinema para soltar ar através de orifícios no auditório. Nos meados da década, uma quantidade de cinemas havia instalado ar condicionado e, por volta de 1932, aproximadamente 300 cinemas dos Estados Unidos já tinham feito o mesmo.

O capítulo quarto cobre as centenas de bombas que detonaram durante a projeção de filmes entre 1912 e 1941. Durante os anos vinte, o State, tornou-se o mais famoso palácio do cinema de Hammond, Indiana. Uma noite, em novembro de 1927, várias bombas explodiram, transformando a sua bela e ornamentada arquitetura em um monte de destroços. Meses se passaram até a polícia prender dois homens em março de 1928. Um deles assinou uma confissão, revelando que se tratava de um golpe do magnata William Kleiheg para entrar com um pedido de indenização junto a companhia seguradora. Kleiheg pagou 2.500 dólares ao projecionista Joseph Million para colocar as bombas.

Cinema Hammond destruído

Outras foram usadas por motivo de vendeta entre donos de cinema concorrentes ou por mera intenção de pregar uma peça em alguém e criar um caos, sendo usadas, nesses casos, bombas de mau cheiro. Entretanto, a maioria delas jogadas em cinemas não foram resultado de vinganças ou travessuras. A maior parte foi fruto de disputas entre os sindicatos e as administrações dos cinemas. As razões dessas disputas variaram através dos anos. Por exemplo, com o advento do cinema falado no final dos anos vinte muitos donos de cinema decidiram despedir os músicos de suas orquestras. Como consequência, músicos sindicalizados coordenaram ataques com bombas a esses cinemas.

Porém os projecionistas (ou “operadores” como eram mais comumente chamados) preocupavam mais os administradores dos cinemas do que qualquer outra espécie de empregado. Embora os sindicatos desaprovassem formalmente suas ações, eles foram responsáveis pela maioria dos ataques, pois viam como ininigo os mesmos cinemas que empregavam operadores não sindicalizados ou que empregavam membros de um sindicato rival. Algumas vezes eles coordenaram várias explosões no mesmo dia. Em abril de 1934, bombardeadores em Pittsburgh, colocaram dinamite em quatro cinemas para explodirem na mesma manhã. No mesmo ano, em New England, atentados abalaram quatro cinemas em três diferentes cidades em uma mesma noite.

Cinema Mayfair

Durante a Grande Depressão, cinemas de Nova York também sofreram ataques de bombas. Dois cinemas da cadeia Loew foram atingidos em 1932. Quatrocentos espectadores sairam correndo do Cinema Mayfair após a explosão de bombas de mau cheiro em 1934. Em fevereiro de 1937 bombas de gás explodiram simultaneamente em seis cinemas na área da Broadway. Cada qual estava com a lotação quase completa o que significa que aproximadamente 6 mil espectadores tiveram que escapar do gás. Na tarde de 12 de setembro de 1937, Manhattan e o Bronx experimentaram a mais elaborada e coordenada série de ataques jamais montada nos Estados Unidos, quando bombas de gás explodiram em 21 cinemas diferentes. Rhodes dá outros exemplos e, tal como fez no final do segundo capítulo, encerra este, narrando três estudos de caso sobre o assunto.

O capítulo quinto aponta os molestadores e assassinos, que se aproveitavam do escuro do cinema para as suas práticas libidinosas ou criminosas bem como a atividade sexual consentida e a prostituição ilegal que aconteciam nesse ambiente.

Já em 1907, dois padres em Pasterson, New Jersey, aconselharam as mulheres jovens a não frequentar nickelodeons e, em 1915, a cidade de Dallas decretou leis especificamente proibindo conduta “lasciva, indecente ou vulgar” nos cinemas. Os reformadores apontavam a escuridão como o principal problema e uma das críticas mais virulentas dos nickelodeons, Anna Richardson, ofereceu uma solução bem simples: “Luz”. Alguns donos de cinema concordaram. Um deles em Yanktown, South Dakota anunciou que seu cinema tinha luz suficiente no auditório para “ler um jornal sem dificuldade”. Delegacias de Polícia e o Corpo de Bombeiros determinaram uma melhor iluminação nas salas e um senador da Califórnia, chegou a propor um projeto de lei que proibia toda sessão de cinema que não fosse à luz do dia.

Inventores também responderam a esse movimento tentando criar projetos que superariam o motivo pelo qual a escuridão parecia ser necessária: uma qualidade de imagem aceitável. Em 1910, o Variety publicou uma reportagem sobre o processo “Photoplane”, inventado por S. L. Rothapfel e no ano seguinte a Moving Picture World descreveu o “Casey Process” como extraordinário. Porém, apesar do anúncio ocasional de novos projetores e telas, a maioria das salas de cinema permaneceram escuras durante os anos dez e na décadas que se seguiram.

Em consequência, algumas cidades procuraram outras espécies de respostas. Em 1914, autoridades de Chicago promoveram a idéia de segregar a platéia em três setores, uma para homens, uma para mulheres e uma para homens e mulheres que vieram assistir o filme juntos. Embora este plano pudesse limitar a possibilidade para as prostitutas encontrar seus clientes, ele não impediria a atividade entre os casais que entraram no cinema juntos e por isso a idéia não vingou. Nos anos dez, algumas comunidades designaram policiais femininas para manter uma vigilância cuidadosa sobre os espectadores, mas a preocupação com os contatos indesejáveis continuou.

Em 1913, o Atlanta Constitution declarou que as sessões de cinema eram “lugares de procriação de vício” como a prostituição, e uma conferência de clérigos em Nova York abordou até o tema de que mulheres jovens estavam sendo recrutadas para a prostituição durante as sessões de cinema.

Conforme Rhodes nos informa, uma boa quantidade de “paqueradores”” e predadores sexuais de mulheres e crianças, também se aproveitou, da escuridão das salas de cinema, assim como, embora menos comumente, assassinos e vítimas de suicídio. O autor descreve inúmeros casos ocorridos em cinemas bem como as providências que foram tomadas a respeito. Em muitos casos os “paqueradores” foram presos e condenados, mas nem todos aceitaram tranquilamente a sua punição. Após ter sido preso por assediar uma moça em um cinema em Chicago em 1936, Robert Chrisouslas de 40 anos despejou sua raiva para Irving Fehlberg, o gerente do cinema, para o qual atirou e matou. Logo depois da meia-noite no dia 15 de outubro de 1937 o estado de Illinois executou Chrisouslas na cadeira elétrica.

O capítulo sexto investiga o dilema moral de assistir filmes aos domingos e a resultante luta contra as Leis Puritanas (“Blue Laws” como eram conhecidas) inspiradas no livro do Genesis, 2.2-3. Para protegê-las e expandí-las, formaram-se diversas organizações religiosas, sendo a Lord’s Day Alliance a mais influente com escritório na 5a Avenida em Nova York. Mas nem todos clérigos e fiéis a apoiaram questionando inclusive a base Bíblica para o fechamento dos cinemas no sétimo dia da semana. Alguns párocos preferiram exibir filmes religiosos aos domingos em suas próprias igrejas.

A indústria promoveu várias campanhas contra esse tipo de legislação. Em 1921, a Universal produziu uma comédia de dois rolos, Blue Sunday, na qual a dupla cômica Eddy Lyons e Lee Moran se encontrava “em toda situação concebível em conexão com o mais azul dos Domingos Azuis”. Porém em muitas ocasiões as autoridades foram inflexíveis. Em um cinema em 1927, por exemplo, um policial marchou para o auditório durante uma exibição, instruiu o organista para parar de tocar e – enquanto as luzes ainda estavam apagadas – usou uma lanterna e leu uma proclamação, ordenando que os espectadores se dispersassem dentro de uma hora ou seriam presos. Um grupo tão grande recusou-se a sair, que a polícia só conseguiu forçar um vigésimo deles a entrar no seu carro de patrulha.

Cinema Belmont

O capítulo sete conclui o livro com um estudo sobre os prêmios e loterias nos palcos dos cinemas. Eles já existiam desde os primeiros tempos dos nickelodeons, mas se intensificaram durante a Grande Depressão, quando os prêmios aumentaram de valor, apesar das restrições morais e legais que eles sofriam. No verão de 1933, Spyros Cardas, gerente do Cinema Belmont em Los Angeles, inventou a “Catalina Night”, premiando o ganhador felizardo com duas viagens para a Catalina Island e duas caixas de cerveja. Para evitar a acusação de jogatina, Cardas distribuia cartões tanto para as pessoas que haviam comprado ingresso como para o público em geral que estava fora do cinema, separando assim a possibilidade de ganhar o prêmio da necessidade de comprar entrada. Cards acreditava que, como um vencedor em potencial não precisava pagar para poder ouvir o anúncio de sua vitória e receber o prêmio, a Catalina Night” era legal. Mas, em agosto de 1933, um juiz municipal entendeu que a “Catalina Night” privilegiava aqueles que estavam dentro do cinema no momento do sorteio e condenou Cardas por ter violado a lei da Califórnia sobre loterias. Entretanto, a Superior Court of Los Angeles County, revogou a sentença de primeira instância, abrindo caminho para mais distribuições de prêmios nos cinemas através da América.

Uma das loterias mais famosas foi a “Bank Night”, lançada por Charles Yeager em um pequeno cinema em Las Cruces, New Mexico em 1933, e depois espalhada por todo o país. Embora ele não pudesse estar presente no primeiro sorteio, telefonou para o gerente do cinema, e soube de duas notícias: de um lado, os jornais locais e um grupo de cidadãos se queixaram dizendo que se tratava de um jogo imoral. De outro, o cinema faturou mais com a “Bank Night” do que havia ganho durante toda a semana precedente. Em consequência, Yeager e seu patrão, Frank H. “Rick” Ricketson, Jr., um advogado dono de uma cadeia de cinemas, formaram uma companhia chamada Affiliated Enterprises, para explorar a “Bank Night” como uma franquia alugada aos cinemas por 5 a 50 dólares por semana, dependendo do seu tamanho. No esquema da “Bank Night”, qualquer pessoa podia assinar seu nome em um livro colocado no saguão do cinema, sem ser obrigada a comprar um ingresso. Um número era escrito ao lado da assinatura e depois os números eram colocados em um cilindro giratório. Na noite do sorteio uma pessoa (preferencialmente uma menina) era selecionada na platéia, para tirar um número do cilindro. As regras determinavam que o feliz possuidor deste número deveria reclamar o prêmio dentro cinco, dez ou quinze minutos (a critério do gerente do cinema) a partir do momento em que o número vencedor fosse anunciado. Não era necessário que o vencedor estivesse no auditório, na calçada, ou em casa. Desde que chegasse no cinema dentro do tempo estabelecido, ele poderia reclamar o prêmio. Os que estavam fora do cinema eram informados do resultado por um alto falante ou pela colocação do nome do vencedor na bilheteria. Se um vencedor não aparecesse para reclamr seu prêmio, o dinheiro ficava acumulado para o sorteio da próxima semana. Em muitos casos, muitas semanas se passaram antes que um vencedor aparecesse. Prosseguindo na sua impressionante pesquisa, Rhodes se refere a vários problemas ocorridos com a “Bank Night” envolvendo batalhas legais de toda espécie, incluindo até responsabilidade por acidentes e tragédias como, por exemplo, o caso do senhor Fred Jung, um carpinteiro de 65 anos desempregado que, ao ouvir seu número anunciado como vencedor do prêmio de 400 dólares, sofreu um ataque cardíaco e morreu mais tarde na mesma noite. E houve ainda seu enfrentamento contra os competidores: Screeno, Cash Night, Gold Mine, Treasury Nights etc.

Cenas de Cinema de Bairro

Os males da “Bank Night” foram expressos em uma comédia curta de Hal Roach, Cinema de Bairro / Neighborhood House / 1936 na qual Charley Chase (interpretando ele mesmo) vai à uma “Bank Night com sua esposa Rosina (Rosina Lawrence) e sua filha Mary (Darla Hood). Quando o gerente do cinema (George Meeker) pede um voluntário, Mary corre para o palco para retirar o número do felizardo que vai receber o prêmio de 500 dólares. A príncipio ela acidentalmente recita o número de Charley, levantando assim as suspeitas da platéia. Então o gerente lê o mesmo número corretamente que, coincidentemente, é o de Mary. Charley corre para o palco com a finalidade de acalmar a multidão cada vez mais enfurecida, e pede ao gerente para tirar um novo número. É quando Rosina vence. A assistência indignada persegue Charley até sua casa e seu patrão (Dick Elliott) imediatamente o despede. Para apaziguar os ânimos, Charley insiste em devolver o dinheiro, a fim de que o cinema faça outra “Bank Night.” A turba o congratula, embora insistindo que o juiz da cidade (Gus Leonard) tire o novo número. Sua excitação se transforma em fúria novamente quando o patrão de Charley vence.

Enfim, “The Perils of Moviegoing in America” (do qual dei apenas uma amostra) é um livro que recomendo entusiasticamente para todos os que se interesssam pela História do Cinema, e ele me fez lembrar dois acidente trágicos que aconteceram aqui no nosso país: o pseudo incêndio do Cinema Oberdan em São Paulo e o desabamento do Cinema Rink em Campinas.

Cinema Rink

O Cinema Oberdan, inaugurado em 1927 pela Empresa Taddeo de Cinemas de Fernando Taddeo e irmão, era uma sala elegantíssima, luxuosa e entre os cinemas do bairro do Brás o mais moderno de sua época. Decorado com grandes estátuas, teto ricamente ornamentado com azulejos portugueses e com uma cúpula que se assemelhava a do Teatro Municipal, era uma sala (de 1216 lugares), que vivia lotada tanto em seus horários noturnos como em suas concorridas matinês. Tudo ia bem até o fatídico dia 11 de abril de 1938, quando uma idéia infeliz de um garoto deu início a uma tragédia que contabilizaria 32 mortos (31 crianças e 1 mulher). Um menino que assistia à matinê, sentindo fortes dores de barriga, tentou o auxílio de um lanterninha para se dirigir até o banheiro e, não encontrando nenhum, ele seguiu sozinho até lá. Sem ter tempo de chegar, ele acabou por fazer parte de suas necessidades no caminho e, ao se encontrar no toalete, as luzes estavam desligadas. Não tendo como se limpar no escuro, o menino decidiu atear fogo em um pequeno pedaço de jornal. Uma pessoa viu a chama e pensando que se tratava de um incêndio, gritou “fogo!”. Imediatamente começou uma correria desesperada que provocou todas essas mortes, a maioria por pisoteamento. O filme que estava sendo exibido naquele momento era Criminosos do Ar / Criminals of the Air / 1937, produzido pela Columbia, com Rita Hayworth em início de carreira. Por causa do terrível acidente, o seriado que viria em seguida, Ameaça das Selvas / Jungle Menace / 1937, com Frank Buck, não pôde ser exibido.

Cinema Oberdan

Na tarde do dia 16 de setembro de 1951, um domingo, a notícia correu célere pelo Brasil afora. Cerca de 1.200 pessoas, na maioria crianças, constituiam a assistência imensa da matinê do Cinema Rink em Campinas, quando teve início a projeção do segundo filme do programa duplo, Amar foi Minha Ruína / Leave Her to Heaven / 1945 (o primeiro havia sido A Noiva Era Ele / I Was a Male War Bride / 1949). Eram precisamente, 15.30 horas, quando um barulho impressionante foi ouvido e a parte central do telhado veio abaixo, soterrando centenas de pessoas. O balanço trágico desse desabamento assim se traduziu: mortos – 19 crianças e 11 adultos; feridos – mais de duzentos. O Cinema Rink fora inaugurado em 1878, inicialmente com uma casa de espetáculos especializada em patinação, possuindo também um salão para bailes e conferências; a partir de 1901 passou a haver sessões regulares do Cinematógrafo.

Cinema Alhambra

Outro acidente lamentável foi o incêndio do Cinema Alhambra, que pertencia ao empresário Francisco Serrador, situado na Praça Mahatma Gandhi, e com capacidade para 1448 espectadores. Funcionou de 9 de junho de 1932 a 9 de abril de 1939. Depois do seu fechamento para ser demolido, foi atingido por um grande incêndio em 11 de março de 1940. Uma explosão no depósito que guardava os celulóides facilmente inflamáveis dos cinemas da Empresa Serrador na Cinelândia, iniciou o incêndio, que destruiu a sala de projeção e os pisos superiores do edifício, praticamente não atingindo as lojas que haviam no pavimento térreo viradas para a rua. Parte de sua estrutura foi aproveitada para a construção, que já era prevista, do Edifício Serrador. Felizmente só decorreram prejuízos materiais, perdendo-se os guarda- roupas, malas e cenários da Companhia Procópio Ferreira, que estavam guardados em uma das salas do prédio, no qual não havia ninguém por ocasião do sinistro.

 

DULCINA E CACILDA NO CINEMA

Elas fizeram a glória do nosso teatro, mas tivemos poucas oportunidades de vê-las na tela. Dulcina apareceu somente em um filme de longa-metragem e Cacilda atuou apenas em dois.

Dulcina de Moraes de Azevedo (1908-1996) veio ao mundo em Valença no Estado do Rio, durante uma excursão pelo Brasil da companhia de Francisco Santos, na qual seus pais, Conchita (nascida em Cuba, filha de pais espanhóis) e Átila de Moraes, trabalhavam. Ela começou sua carreira profissional na Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Correia e Niccolino Viggiani, estreando no Teatro Trianon, aos quinze anos de idade, na peça “Travessuras de Berta”, de Antonio Guimarães, em um pequeno papel no segundo ato, suscitando este comentário do crítico Mario Nunes no Jornal do Brasil: “louve-se também a Srta. Dulcina de Moraes, cujas rápidas passagens pela cena evidenciam a sua vocação para o palco”. Na mesma companhia, contracenou em “Zuzu” (o maior sucesso da temporada) com dois futuros monstros sagrados dos palcos brasileiros: Procópio Ferreira e Jaime Costa.

Dulcina de Moraes

Porém a grande chance ocorreu quando outro ator eminente, Leopoldo Fróes, viu-se em sérias dificuldades para arranjar uma atriz que faria o papel de Jeaninne em “Lua Cheia” de André Birabeau. No seu livro Dulcina e o Teatro de Seu Tempo, Sergio Viotti conta em detalhes como foi o teste da jovem Dulcina diante de Fróes e do ensaiador Eduardo Vieira, e conclui com a percepção dela de que o papel seria seu: “Eu espiei com o rabo de olho, num movimento de cabeça, e vi que o Fróes também estava reagindo ao que eu estava dizendo. Ele estava me ouvindo, Atentíssimo! Vieira aproximou a cabeça da dele. O Fróes, sem desviar os olhos de cima de mim, disse alguma coisa. Dava pra perceber que era aprovação. Era o sinal que eu estava esperando. Que até aquela hora eu estava meio perdida. Aí, eu sentí toda a segurança da vida. Ninguém mais ia me botar medo. Nem nada. Aí começou a leitura das minhas cenas. O elenco já estava familiarizado com o texto. Já haviam feito umas leituras antes, sem mim. Eu dei tudo. Tudo. Me sentí à altura daquelas senhoras elegantes. Como se estivesse bem vestida. Bem vestidísssima. Igualzinha a elas. De chapéu! Não tinha mais jeito. Eu sentí que o papel ia ser meu. Sabia que já era meu. E foi.”

Dulcina e Conchita

Dulcina e Procópio Ferreira em 1948

Na sua biografia, As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, Raimundo Magalhães Júnior conta que no jornal A Notícia, o nome de Dulcina chegou a ser colocado acima do de Fróes. Depois de dizer que ele se havia portado admiravelmente em “Lua Cheia”, vinha este período: “A nota de maior êxito, porém, proporcionou-nos a estreante da noite de ontem, senhorita Dulcina de Moraes (Jeaninne), que foi uma verdadeira revelação e vale por uma boa promessa”.

Em 1931, Dulcina casa-se com o mineiro de Santa Rita de Cássia, Odilon Azevedo (1904-1966), filho de um fazendeiro próspero, formado em advocacia, escritor, jornalista que, incentivado por Renato Viana e apresentado a Leopoldo Fróes por Mario Nunes, tornou-se ator. Dulcina e Odilon trabalharam na companhia familiar que Átila de Moraes organizou com seu cunhado (marido de Esther, a irmã caçula de Dulcina), Manuel Durães. Mais tarde, em 1934, essa mesma companhia haveria de se transformar na Cia. Dulcina-Odilon estreando no Rio de Janeiro para inaugurar o Teatro Rival, na rua Alvaro Alvim, com a peça de Oduvaldo Viana “Amor”, um êxito sem precedentes.

Dulcina exibindo seu vestido

Desse momento se inicia a fama de Dulcina, não só por suas qualidades como atriz como também por apresentar-se sempre muito bem vestida em modelos que eram copiados pelas fãs que acorriam aos seus espetáculos. Em 1939, a Companhia transferiu-se do Rival para o Alhambra, da Empresa Serrador, até então cinema e, em breve, Dulcina e Odilon inaugurariam um novo teatro, o Regina, na Rua Alvaro Alvim, que alguns anos comprariam anos após, tornando-o o Teatro Dulcina.

Dulcina

Antes disso, em 1937, o casal viajou para os Estados Unidos, onde teve contato com um teatro de densidade cultural e, ao regressar, começou a planejar mudanças no seu repertório, até então voltado mais para o gosto popular. Animados também pela qualidade das peças apresentadas pelo diretor francês Louis Jouvet, que excursionou pelo Brasil em 1942, Dulcina e Odilon pediram apoio ao governo para a famosa temporada de 1944-45 no Teatro Municipal onde a companhia apresentou “César e Cleopatra” e “Santa Joana” de Bernard Shaw; “Anfitrião 38”, de Jean Giraudoux; “Rainha Vitória” de Lawrence Housman; “O Pirata” de S.N. Behrman e “Chuva” de Somerset Maugham.

Dulcina como Cleopatra

Em 1946, realizaram uma temporada em Buenos Aires, integrando um elenco argentino e representando em espanhol. Como recordou Brício de Abreu, em “Esses Populares Tão Desconhecidos”, a crítica e o público consagraram de forma definitiva a nossa grande atriz, que obteve com “Chuva” (o seu maior êxito no Brasil) um dos sucessos maiores de sua carreira. Era a primeira vez que uma atriz brasileira se apresentava em país estrangeiro, representando em uma língua que não era a sua, dominando completamente o público.

Dulcina em Chuva

De volta à sua pátria, Dulcina e Odilon ainda realizaram várias temporadas de sucesso até que resolveram criar, em 1955, a Fundação Brasileira de Teatro que, com os seus vários cursos e espetáculos, prestaram reais serviços ao nosso teatro. A FBT funcionou primeiramente no prédio do Teatro Dulcina e mais tarde, em 1972, em Brasília, sob a denonimação de Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Em 21 de abril de 1980, foi inaugurado o Teatro Dulcina na nova capital do país.

Dulcina recebida pelo Presidente Getulio Vargas

O único filme de Dulcina, 24 Horas de Sonho, foi exibido na cadeia de cinemas de Luís Severiano Ribeiro, no circuito liderado pelo Cine São Luís, em setembro de 1941. O anúncio do Correio da Manhã dizia: “Uma nova Dulcina! Um Odilon que você ainda não conhece! O par de artistas que o palco já consagrou, agora ainda mais vitoriosos e brilhantes – na tela, em um filme leve, agradável, divertido!”. Entretanto, o filme não obteve aprovação unânime da crítica.

O crítico de A Noite, que assinava R., lamentou: “Na verdade, este filme não representa nada na carreira artística notável da senhora Dulcina de Moraes, que tanto se elevou como intérprete de “Amor”… Não representa nada, não é bem o termo. Representa algo desfavorável, estando abaixo do seu nível de intérprete, de sua categoria de grande comediante da ribalta … 24 Horas de Sonho não é filme, não é teatro, não é cinema, é uma salada, uma mistura inextricável … A culpa máxima é do Sr. Chianca de Garcia, que continua a nos dar coisas características e inexpressivas, sem nenhum valor artístico ou nexo cinematográfico, resolvendo os problemas da película ou por omisssão, ou da maneira mais primária possível”.

Dulcina e Odilon em 23 Horas de Sonho

A apreciação de Maria Andréia na revista Carioca, foi bastante severa: “Falando de 24 Horas de Sonho, devemos acentuar a grande melhoria do som e da fotografia, em condições muito superiores do que as que já temos visto; os cenários esforçaram-se por ser elegantes e “distingués” e em algumas passagens o conseguiram. O mais desagradável em tudo foi um argumento lamentável: as “24 Horas de Sonho” parecem mais vinte e quatro horas de pesadêlo na imaginação de uma criança. O tema é dos mais explorados: uma criatura que quer suicidar-se e resolve gozar, antes, alguns momentos de prazer; no fim, justamente daquelas últimas horas de vida, encontra o “mocinho” aquele que lhe há de fazer a felicidade da vida inteira. Temos visto isto em todas as variantes que lhe pode dar o cérebro de um escritor que encontra qualquer coisa de mais original. Dulcina julga-se antes num palco que diante de uma câmera e emprega aquelas mesmas mímicas, aquela voz arrastada e aqueles exageros que tanto destoam na arte cinematográfica. Aliás, este é o grande mal do cinema: artistas de teatro que pensam que assim é que se faz cinema, daí provem tudo o que fere o nosso senso artístico e a descrença do público pelo cinema brasileiro”.

Chianca de Garcia, Odilon, Fernando de Barros, Dulcina e Adhemar Gonzaga  na filmagem de 24 Horas de Sonho

O comentarista de Cinearte mostrou-se mais benevolente: “Vale a pena ser visto. É uma boa realização do cinema brasileiro, especialmente na parte técnica. Som, fotografia, ambientes luxuosos, movimentação de “câmera”, exteriores variados, tudo mostra os recursos técnicos de uma realização segura e marcante igualando o filme brasileiro às produções americanas do gênero. Uma coisa porém, não está a altura do progresso obtido e por vezes tenta desvalorisar o filme – o argumento. A história da campeã de suicídios que passa 24 horas de vida luxuosa no Rio, pretende ser moderna no gênero das comédias de Hollywood – mas consegue ser apenas artificial dando ao filme uma certa frieza. Assim mesmo há efeitos cômicos interessantes, como o “tratamento” pelo lado da fantasia – mas quando o argumento tem intenções dramáticas levadas a sério pela direção, o filme não convence … Dulcina está feliz na sua estréia; adapta-se ao cinema, revelando personalidade boa para os filmes, leve, desembaraçada, juvenil e, muito expontânea, principalmente na cenas cômicas”.

Graças a Sra. Alice Gonzaga, podemos ver o filme hoje e, na minha opinião, ele tem os seus méritos. A história diz respeito a uma moça, Clarice (Dulcina), que tem a mania de suicídio. Já havia tentando matar-se 43 vezes, sem sucesso. Conhece um motorista de taxi, Cícero (Aristóteles Pena), que tenta demovê-la da idéia, mas ela continua firme no seu propósito de suicidar-se. Cícero propõe a Clarice que passe suas últimas 24 horas realizando todos os seus sonhos, como hospedar-se no Copacabana Palace, encomendar roupas caras e fazer-se passar por uma baronesa. Tudo caminha bem até que aparece Roberto (Odilon), um empregado do hotel, por quem ela se apaixona.

Dulcina e Odilon em 24 Horas de Sonho

Essa imitação das comédias românticas norte-americanas não tem o mesmo brilho das suas congêneres de Hollywood, mas a meu ver é uma produção digna de respeito com um argumento (de Joracy Camargo) interessante e divertido, uma técnica razoável dentro das possibilidades dos nossos estúdios na época, interpretações corretas (distinguindo-se Dulcina, que está muito a vontade diante das câmeras) e, quanto à direção de Chianca de Garcia, se ele não foi tão feliz com relação principalmente ao ritmo, como no seu filme português A Aldeia da Roupa Branca, também não merece desprezo.

Conforme nos informa Lécio Augusto Ramos no seu verbete sobre Dulcina na Enciclopédia do Cinema Brasileiro (org. Fernão Ramos, Luiz Felipe Miranda, Senac, 2004), antes de 24 Horas de Sonho, Dulcina havia tido duas experiências com o cinema. Em 1935, participou de testes de câmera na Cinédia para o elenco do projeto Canção da Felicidade, baseada na peça de sucesso de Oduvaldo Viana, que acabou não se concretizando. Em 1937, depois da viagem que fizeram a Terra do Cinema, Dulcina e Odilon resolveram produzir a peça “Hollywood”, sobre a decadência de uma grande estrela do cinema americano. Decidiram então incluir um pequeno curta-metragem para ambientar a peça, mostrando um dos antigos sucessos da atriz. Intitulado A Mulher que Passa, o filme curto foi realizado na Cinédia (dirigido por Adhemar Gonzaga e fotografado por Edgar Brasil), tendo Dulcina contracenando com o ator Mario Salaberry.

Cacilda Becker

Cacilda Becker Iaconis (1921-1969) nasceu em Pirassununga, São Paulo – filha de um caixeiro-viajante descendente de imigrantes italianos calabrêses, Edmundo Radamés Iaconis e de Alzira Leonor Becker com ascendência alemã na Saxônia – tendo sido registrada no Cartório do Registro Civil como Yaconis pelo pai, que optou pelo Y no sobrenome. Em 1927, a família mudou-se para São Paulo, e foi então que, após onze anos de desacêrtos conjugais, Edmundo abandonou a família para viver com outra mulher e embarcou esposa e três filhas (Cacilda e sua irmãs Dirce e Cleyde) de volta para Pirassununga.

Em 1930, sete meses depois do retorno à cidade natal, Cacilda subiu pela primeira na vida em um palco durante o Festival da Escola de Instrução Militar, que contava com a participação de estudantes normalistas e de crianças “encantadoras, entre as quais ela (aos oito anos de idade) se incluia. Como relata Luís André do Prado na sua excelente biografia, “Cacilda Becker fúria santa”, de onde colhí a maior parte dos dados sobre a grande atriz, o bailado apresentado por Cidinha (a música era Canção do Amor Pagão), foi o ponto máximo do festival. Um repórter profetizou: “Esta menina na arte coreográfica, será uma grande artista”.

Cacilda Becker em 1942

Passado algum tempo, a mãe de Cacilda tornou-se professora do Estado, começando a lecionar em uma escola rural em São Simão, perto de Pirassununga, tendo sido depois transferida em 1932 para o Grupo Escolar de São Vicente no município do mesmo nome vizinho à cidade de Santos. Em 1933, Cacilda prestou exame de admissão para o curso ginasial na Associação Instrutiva José Bonifácio (escola particular e “mista”) onde, com o incentivo de sua professora de música, dona Oraida Amaral, na festa de encerramento do ano de 1935, ela dançou A Dança Ritual do Fogo de Manuel de Falla, causando tal sensação, que a direção do colégio ofereceu gratuitamente o curso todo de Cacilda e das suas irmãs. Esta apresentação amadora foi, pode-se dizer, o início da ascensão da estrelinha Cacilda Becker em sua curta carreira de bailarina em Santos, que duraria de fins de 1935 a 1940, tendo sempre a Dança Ritual do Fogo como carro-chefe.

Após ter concluído o curso de normalista, Cacilda apenas deu aulas até que, com o apoio de Miroel Silveira, que se tornara seu amigo e incentivador, conseguiu fazer um teste de atriz no Teatro do Estudante do Brasil (TEB), então orientado pela escritora Maria Jacinta, em substituição a Paschoal Carlos Magno, que retornara a Londres para assumir o consulado de Liverpool. Maria Jacintha confiara a Miroel a tradução de um texto que pretendia encenar, e ele aproveitou para indicar Cacilda para um teste de atriz, pois estava certo de que a carreira de bailarina da amiga não tinha futuro.

Cleyde Yáconis, Cacilda Becker e Paschoal Carlos Magno

A estréia de Cacilda no palco foi em 1941 na peça “3.200 Metros de Altitude”, de Julien Luchaire, sob os auspícios do Serviço Nacional de Teatro – SNT, no Teatro Ginástico. Ela acabou fazendo também uma substituição de última hora no elenco de “Dias Felizes” de Claude-André Puget, apresentada na inauguração do novo palco do Fluminense Football Clube, recebendo calorosos elogios e um vaticínio promissor por parte de Raimundo Magalhães Junior: “Possuindo uma bela figura, uma dicção clara, expressiva, com verdadeira virtuosidade interpretativa, essa jovem estreante pode ser aproveitada com brilho em qualquer dos nossos elencos profissionais, pois se mostrará à altura das responsabilidades que lhe foram confiadas”.

Após sua estréia brilhante, Cacilda recebeu duas propostas. Dulcina e Odilon ofereceram-lhe um papel em “Nunca me deixarás” de Margaret Kennedy enquanto Raul Roulien lhe propunha outro em “Prometo ser Infiel” de Dario Niccodemi (ambos os títulos traduzidos dos originais). Seguindo orientação de Miroel Silveira, Cacilda optou pela companhia Dulcina-Odilon; porém depois, percebendo a pouca chance que teria de aparecer dividindo um palco com Dulcina, ela repentinamente abandonou os ensaios de “Nunca me Deixarás”, para se juntar ao elenco de “Prometo Ser Infiel, cuja atriz principal era Laura Suarez

Cacilda Becker e Abdias do Nascimento em Otelo

Depois de trabalhar um certo tempo na Companhia de Comédias Íntimas de Roulien, Cacilda ingressou, em 1943, no Grupo Universitário de Teatro- GUT. Em 1944, foi para a Companhia de Comédias de Bibi Ferreira. Em 1945, voltou para o GUT. Em 1947, colaborou com Os Comediantes na remontagem do “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues e em outras peças dirigidas por Zigmunt Turkov e Ziembinski. No mesmo ano, participou de uma festa comemorativa da existência do Teatro Experimental do Negro – TEN, aparecendo em uma cena de Otelo de Shakespeare, ela como Desdêmona e Abdias do Nascimento como o Mouro de Veneza. Na festa do TEN, Cacilda reencontrou Miroel Silveira, agora à frente do grupo Os V Comediantes, no qual ela se integrou, participando, em 1947, da terceira remontagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, que eu gostaria muito de ter visto, pois nela, além de Cacilda (Lúcia) estavam também Maria Della Costa (Alaíde) e Olga Navarro (Madame Clessi). Em 1948, protagoniza “A Mulher do Próximo” de Abílio Pereira de Almeida, um dos espetáculos inaugurais do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC em sua fase amadora. Entre 1949 e 1955, Cacilda esteve presente em quase todas as montagens do TBC, destacando-se “Entre Quatro Paredes”, de Jean Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia, Sergio Cardoso!), “Pega-Fogo” de Jules Renard, “Seis Personagens à Procura de um Autor” de Luigi Pirandello e “Maria Stuart”de Schiller.

Cacilda Becker e Maria della Costa em Vestido de Noiva

Cacilda em Pega-Fogo

Cacilda e Walmor Chagas em Maria Stuart

Em 1953, ela trabalhou na televisão no teleteatro intitulado Teatro Cacilda Becker, estreando com “A Dama das Camélias”. Em 1957, despede-se do TBC e funda com Walmor Chagas, Cleyde Yaconis e Fredi Kleemann, o Teatro Cacilda Becker – TCB, onde encantou o público em “Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite”, de Eugene O’Neill, “A Visita da velha Senhora”, de F. Dürrenmat, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf? “, de Edward Albee, “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia e Sergio Cardoso!) e outros belos espetáculos. Em 1969, durante uma sessão de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, a atriz sofreu um derrame cerebral, e faleceu 38 dias depois aos 48 anos de idade.

Cacilda em A Dama das Camélias

Ziembinski e Cacilda em Jornada de um Longo Dia Para Dentro da Noite

Nydia Licia, Sergio Cardoso e Cacilda em Entre Quatro Paredes

Cacilda e Walmor Chagas em Esperando Godot

Foi Celso Guimarães, o famoso locutor e rádio-ator da Rádio Nacional, que comunicou por um telefonema a Cacilda que a Atlântida Cinematográfica estava interessada em tê-la como protagonista de sua nova produção,  Luz dos Meus Olhos. O filme conta a história de um pianista cego, Roberto (Celso Guimarães), que vive como afinador de piano. Um dia, ao atravessar uma rua, encontra-se com um moleque chamado Basilio (Grande Otelo), que se prontifica a acompanhá-lo como seu guia. Auxiliando-se mutuamente, nasce entre ambos uma forte amizade. Certa tarde, chamado para afinar um piano em uma residência, ao dedilhar as primeiras notas de sua canção predileta, Luz dos meus Olhos, a filha da sua cliente, Suzana (Cacilda Becker), ao ouví-la do seu quarto, reconhece imediatamente a melodia, que fora composta para ela por Renato, no tempo em que estudavam em uma academia de música. Em retrospectos, o espectador fica sabendo que os dois se estimavam muito, mas o amor não vingara porque, ao sentir os sintomas de cegueira, Renato se afastara da moça. De volta ao presente, descobrimos que Suzana está noiva. O guia tenta bancar o cupido, mas quem afinal reaproxima Roberto de Suzana é o próprio rival, que rompe com a noiva, ao perceber que ela gosta mesmo é de Roberto.

Cacilda Becker em Luz dos Meus Olhos

Luz dos Meus Olhos chegou às telas em setembro de 1947, recebendo pouco apoio da crítica e do público. Cumpriu o período obrigatório de exibição para filmes brasileiros e saiu de cartaz. Originalmente o filme tinha cem minutos de duração, mas seu master foi perdido durante um incêndio que destruiu quase todo o acervo da Atlântida e hoje só restam dele 58 minutos em cópia de 16mm.

Jonald em A Noite comentou: “O ponto alto do conjunto, que merece citação em primeiro lugar, é o desempenho de Grande Otelo. Possuindo qualidades natas para o sentido cinematográfico, atua de maneira espontânea e natural, chegando, por vezes, a entusiasmar… Não há dúvida alguma de que Celso Guimarães e Cacilda Becker, respectivamente nos meios radiofônico e teatral, têm provado seus merecimentos. Neste celulóide, apesar de Celso ter momentos bens razoáveis, há outros em que trai – particularmente pela inflexão da voz – a ascendência do rádio. Sente-se também que faltou melhor direção, pois defeitos mais acentuados são encontrados em Cacilda, além do mais, pouco fotogênica … O cenário, de autoria de Paulo Wanderley, revela uma série de concepções interessantes, algumas aproveitadas pelo diretor e outras não … Considerada em conjunto, a direção é nítidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”. Mais adiante, Jonald faz restrições à parte técnica, apontando falhas na iluminação e a presença de algo mais de meia dúzia de sombras de microfone, em movimento, no fundo das cenas, e conclui: “Considerada em conjunto, a direção é nitidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”.

Cacilda Becker e Celso Guimarães em Luz dos Meus Olhos

Moniz Viana escreveu no Correio da Manhã: “O que Luz dos Meus Olhos põe em evidência – e não é o primeiro, nem será o último a fazê-lo – é a falta de conhecimento cinematográfico que vem caracterizando quase todos os filmes do Brasil”. Porém Moniz fez uma ressalva em favor da nova estrela da tela: “A estreante Cacilda Becker vai melhor que qualquer veterano, parecendo um elemento bem aproveitável. Com um diretor mais diligente, teria, é fora de dúvida, se sobressaído mais”.

Só pude ver o filme em uma versão reduzida, mas deu para notar a pobreza técnica e a má continuidade (as sequências são cortadas de um modo brusco) dessa imitação de melodrama mexicano mas, em compensação, a ótima performance de Grande Otelo, o melhor de todos em cena por sua extroversão e talento humorístico (v. g. a imitação que ele faz de uma cantora portuguêsa) e a beleza da valsa-tema composta pelo diretor José Carlos Burle, interpretada por Silvio Caldas (e depois gravada por Jorge Goulart). Quanto a Cacilda, não vislumbrei nenhum defeito na sua interpretação e concordo totalmente com as impressões de Moniz Viana.

Lançado em outubro de 1954, Floradas na Serra, com roteiro de Fábio Carpi baseado no romance de Dinah Silveira de Queirós e direção de Luciano Salce, foi o derradeiro filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz que, atolada em dívidas, fecharia suas portas logo em seguida. Reproduzo a seguir alguns trechos dos comentários de quatro críticos de cinema importantes, que escreviam na época.

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Decio Vieira Ottoni (Diário Carioca): “Floradas na Serra (Vera Cruz, Colúmbia) a última, a menos sensacional e a melhor produção da falecida companhia de São Bernardo do Campo continua em cartaz esta semana num grupo de cinemas de segunda categoria, valendo o sacrifício por ser a obra que melhor caracteriza as possibilidades do filme nacional até agora. É um filme tecnicamente limpo, desenvolve uma situação dramática fundada num fato social de estreita correspondência com a realidade. Sua narrativa, segura e econômica, não exibe as incorreções contundentes da maioria das fitas brasileiras … O que o filme extraído do romance de Dinah Silveira de Queirós mostra, além dos seus melhores antecessores, é uma interpretação segura no seu conjunto, a objetividade da linguagem e, principalmente, a extraordinária interpretação de Cacilda Becker, que produz o mais sensível e inteligente desempenho de um atorno cinema brasileiro desde que se faz cinema no Brasil …

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Moniz Viana (Correio da Manhã): “Floradas na Serra supera em qualidades técnicas (e morais) as outras fitas que saíram de São Bernardo do Campo: os Caiçaras e as Apassionatas, as Sinhás Moças e os Tico-Ticos, que são cavalcantices, lusitanismos ou napolitanadas. Só fica atrás – e, convém frisar, muito atrás – de O Cangaceiro ... A direção de Luciano Salce, com a atenuante de não ter tido o realizador um bom script, é satisfatória, em termos de cinema brasileiro. Falta a Salce o lampejo do cineasta, que pode acontecer em qualquer lugar, até mesmo no Brasil, onde surgiu um Lima Barreto. Mas o desempenho de Cacilda, superando todas as debilidades , é tão firme que se tem a impressão de que ela exerceu também certa influência na direção da fita”.

Cena de Floradas na Serra

Hugo Barcelos (Diário de Notícias): “Envolta num enredo confuso, que os cenaristas colheram no romance de Dinah Silveira de Queirós, em falsas bases do melodrama sentimental, Cacilda Becker opera o milagre de uma “performance”, fenômeno até agora desconhecido no cine pátrio … Floradas na Serra desenvolve-se em um sanatório de Campos do Jordão, onde se cruzam os caminhos de Miro Cerni (o médico), Cacilda, Jardel, Ilka Soares e outros enfermos. A tuberculose é o pretexto para o tema: o amor de Cacilda e Jardel. Enquanto este, atacado pela doença, observa as prescrições do doutor Cerni e, como os demais, tem pavor da morte, a fita, apesar de modesta em sua expressão, adquire certa densidade dramática. Mas quando Jardel consegue alta, e despreza o amor de Cacilda, depois de terem coabitado sob o lema “o nosso amor e uma choupana”, Floradas na Serra encarreira-se, decididamente, na trilha dos dramalhões.

Cacilda e Ilka Soares em Floradas na Serra

Ely Azeredo (Tribuna da Imprensa): “Floradas na Serra, a 18ª produção da Vera Cruz, tem uma história acidentada. Após a filmagem dos “exteriores” em Campos do Jordão, veio a público a longamente prevista crise da emprêsa. Por falta de capital, durante cêrca de seis meses, permaneceram erguidos e desertos os cenários construídos no estúdio. E, quando terminadas as filmagens, por obra e graça do apoio oficial, nada mais se ergueu em São Bernardo. Não conhecemos o romance de Dinah Silveira de Queirós, mas, a julgar por opiniões fidedignas, inúmeras modificações viscerais feitas por Fabio Carpi foram indispensáveis e habilidosas. Carpi dotou a história de uma espinha dorsal: Lucília (Cacilda Becker) a moça rica que procura refúgio e paz de espírito na quietude de Campos do Jordão e, numa visita de rotina ao médico (Miro Cerni), descobre que está tuberculosa. Faminta de vida, hiper-sensível, Lucilia negligência o tratamento, e caminha inexoravelmente para o fim. Elza (Ilka Soares), que narra no livro o caso de Lucília, é reduzida a figura secundária, no script. A narrativa da escritora, que era fragmentada, recebeu uma base uniforme na Lucília cinematográfica, ao redor da qual giram as demais personagens. A figura número dois é Bruno (Jardel Filho), doente pobre e amargurado, que pretende reunir em um romance todos os seus ressentimentos contra a sociedade. Sob os cuidados e o amor de Lucília, ele caminha rapidamente para a cura. Paralelamente, a doença da moça leva a melhor. E o conflito resultante dá ao filme o final trágico – coerente com a linha nervosa e amarga adotada por Carpi e Luciano Salce. A concentração no caso Lucília-Bruno transforma o filme num drama amargo, sem perder os principais ingredientes do romance, que eram a nostalgia e o sentimentalismo”.

Cacilda e Lolah Brah em Floradas na Serra

Em outra edição do jornal, Ely Azeredo continua a sua crítica: “É em Floradas na Serra, o último filme da Vera Cruz, que a equipe dessa emprêsa manifesta, pela primeira vez, perfeita identidade de movimentos. Nem em O Cangaceiro (que não aceita comparação com qualquer outro filme de nosso “falado”) teve a unidade interpretativa e narrativa da fita de Carpi e Salce. Valendo-se de sua experiência teatral na direção de atores e da sensibilidade do fotógrafo Ray Sturgess e do montador Haffenrichter, Salce fez um filme que domina de ponta a ponta o espectador, apesar da debilidade da história … A sensibilidade de Ray Sturgess, dá-nos uma perfeita fotografia de serra: a impressão de ar puro e leve; o isolamento de um dia chuvoso; a neblina; a beleza da paisagem que desperta o desejo de viver na heroina condenada à morte … Mas de nada adiantariam os esforços da equipe, se a fita não tivesse em Cacilda Becker mais que sua espinha dorsal, sua alma, sua razão de ser”.

Cacilda Becker em Floradas na Serra

A meu ver, Floradas na Serra é um filme com boa direção, interpretações razoáveis – salvo a de Cacilda Becker, que está irrepreensível – e desenvolvimento narrativo sucinto e fluente (Oswald Hafenrichter – montador de O Terceiro Homem / The Third Man / 1949 de Orson Welles – como chefe da edição e Mauro Alice como montador). A música de Enrico Simonetti é atraente e funcional. A fotografia de Ray Sturgess (que era operador de câmera na Inglaterra, inclusive em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier) aproveita muito bem em preto e branco a beleza da paisagem natural de Campos do Jordão. Os diálogos são econômicos, mas às vêzes têm arroubos de “filosofia” (v. g. “Os pobres quando são doentes e adultos deveriam morrer”). Entre os momentos mais inspirados da encenação destaco: a da visita obrigatória de controle de Lucília ao consultório do Dr. Celso; a corrida de Lucília e Bruno em vão para pegar o trem e o desmaio dela; o reencontro “por engano” de Lucília e Bruno no leito dele no hospital; a comemoração no Ano Novo à luz das velinhas do bolo, enquanto ouvimos os gritos de Olga (Lola Brah) conduzida à força para o sanatório; a festa de aniversário com o jôgo das cadeiras, a irritação ciumenta de Lucília ao ver Bruno flertando com a noiva (Silvia Fernanda) do médico e a morte de Belinha (Gilda Nery); Lucília e Bruno brigando na cabana e depois ela saindo correndo pelas colinas até desmaiar; a ambulância que leva Lucília cruzando-se com o trem que leva Bruno, já curado, para outro lugar – um belo final, acentuado pela melodiosa partitura de Simonetti.