Produzido com orçamento modesto pela companhia recém-fundada por Kazan, a Newtown Productions, o filme, Boneca de Carne / Baby Doll / 1956 – com roteiro escrito por Tennessee Williams partindo da reunião de duas peças suas em um ato (e inéditas), “27 Wagons Full of Cotton” e ‘The Long Stay Shot Cut” -, é essencialmente uma farsa com enredo original, envolvendo quatro tipos grotescos.
Na cidade de Benoit, Mississippi, em uma mansão em decadência, com seus cômodos imensos prestes a serem esvaziados pelos credores, vivem a tia Rose Comfort (Mildred Dunnock), velha surda e meio débil mental (que cozinha em troca do alojamento e visita doentes nos hospitais com o propósito de comer bombons de cereja), o outrora próspero agricultor de meia-idade estúpido e fanfarrão Archie Lee Meighan (Karl Malden) e sua esposa, Baby Doll (Carroll Baker), ninfeta loura menor de idade, que ainda dorme em um berço e chupa o dedo. Archie prometeu ao falecido pai de Baby Doll que instalaria sua filha na então melhor residência do condado e aguardaria o vigésimo aniversário dela para consumar o casamento. Enquanto isso, o marido frustrado tem que se contentar em espiá-la através de um buraco na parede do seu quarto de dormir. Seu acordo conjugal é um pretenso segredo por todos sabido e os habitantes do local, inclusive os negros, não têm como deixar de rir em silêncio sempre que o casal passa diante deles. Quando o sindicato algodoeiro administrado pelo imigrante siciliano Silva Vaccaro (Eli Wallach) centraliza todo o trabalho de descaroçamento do algodão antes confiado a Archie, ele, desesperado, põe fogo nas instalações do sindicato. No dia seguinte, Vaccaro é obrigado a trazer seu algodão para a velha máquina descaroçadora de Archie. Desconfiado de sua culpabilidade, Vaccaro, aproveita a ausência de Archer e, jogando inteligentemente com o temperamento infantil e a sexualidade reprimida de Baby Doll, consegue um depoimento escrito dela sobre o crime do marido. Depois, comove-se com a situação da moça e resolve libertá-la de seu marido. Após uma correria louca em uma brincadeira de esconde-esconde pela mansão atrás de Baby Doll, Vaccaro adormece, exausto, no seu berço. Quando Archer chega, Vaccaro leva-o a entender que ele possuiu Baby Doll – esta é a sua vingança. Armado de um fusil, Archie persegue Vaccaro pelo jardim. O xerife chega, e leva Archie preso. Vacarro parte, prometendo voltar no dia seguinte trazendo mais algodão. Baby Doll fica sozinha com sua tia Rose, e só lhe resta aguardar o dia de amanhã “para saber se serão lembradas ou esquecidas”
Em boa parte do espetáculo a ação do filme é teatral com longas passagens nas quais os personagens falam muito e são enquadrados pela câmera em planos fechados, (v. g. a cena de alto teor erótico no balanço), embora os diálogos atraiam o nosso interesse pela qualidade da prosa de Tennessee Williams e esses trechos mais lentos não chegam a prejudicar o fluxo rítmico das imagens. Kazan filmou em locação, aproveitando muitos dos habitantes locais como extras inclusive alguns membros da população negra, que foram usados como uma espécie de côro, debochando do comportamento ridículo dos brancos. As ruínas sórdidas do esplendor do passado na zona algodoeira do Sul dos Estados Unidos, reproduzidas pela fotografia depressiva de Boris Kaufman, servem de pano de fundo perfeito para o desenrolar da história.
Apesar de ter recebido indicações para o Oscar (Carroll Baker, Mildred Dunnock, Tennesse Williams, Boris Kaufman) as receitas do filme foram apenas razoáveis, provavelmente devido à censura da Legião da Decência e do Cardeal Spellman de Nova York. O cardeal na verdade não viu o filme. Foi o anúncio gigantesco na Times Square mostrando Carroll Baker de “baby doll” deitada no berço e chupando o dedo que provocou sua indignação.
Formando parceria de novo com o roteirista Budd Schulberg em Um Rosto na Multidão / 1957, Elia Kazan volta com uma temática social muito explícita: o problema da presença da televisão que começava a se generalizar como comunicação de massa na sociedade americana no início dos anos cinquenta.
Na pequena cidade de Pickett no Arkansas, Marcia Jeffries (Patricia Neal), jornalista que trabalha com seu tio, J. B. Jeffries (Howard Smith), proprietário de uma estação de rádio local, em uma série de reportagens intitulada “Um Rosto na Multidão”, descobre em uma prisão Larry Rhodes (Andy Griffith), um matuto tocador de guitarra, tagarela e insolente, preso por embriaguês em via pública. Marcia batiza-o de “Lonesome Rhodes” e, quando ele é sôlto, lhe arranja emprego na rádio de seu tio. Rhodes acompanha sua canções com comentários humorísticos e uma filosofia simplista, que logo conquistam os ouvintes. Com o tempo, este homem do campo carismático percebe a influência que tem sobre as pessoas (v. g. ele convida seus ouvintes a levar seus cachorros à presença do xerife que lhe é antipático, e logo este se vê cercado pela cachorrada; ele aconselha as crianças a irem se banhar na piscina particular do tio de Marcia, e logo toda a meninada da cidade está invadindo sua propriedade). Revelando-se como exímio comunicador de massas, Rhodes é convidado para atuar em uma emissora de televisão da cidade de Memphis. Ele aceita, e aproveita para fazer uma coleta, que faz grande sucesso, em benefício de uma mãe de família negra necessitada (o que não era necessariamente verdade). Sob orientação de Joey de Palma (Anthony Franciosa), espertalhão que se improvisa como seu empresário, e já em âmbito nacional, Rhodes promove com enorme êxito a campanha de publicidade das pílulas Vitajex e se torna o protegido de uma eminência parda da política, o general reacionário Haynesworth (Percy Waram). Rhodes pede Marcia em casamento. Ela hesita, e fica sabendo mais tarde que ele já é casado. Rhodes se considera legalmente divorciado no México e se casa com Betty Lou Fleckum (Lee Remick), jovem de dezessete anos, que conheceu e favoreceu em um concurso de balizas (ela o trairá com Joey). Marcia exige então a metade dos ganhos de Rhodes, pois foi ela que o “descobriu”. Impulsionado por Haynesworth, Rhodes assume a campanha e tenta melhorar a imagem de Worthington Fuller (Marshal Neilan, famoso diretor do cinema mudo), um senador obscuo candidato à Presidência dos Estados Unidos. Quando Marcia fica sabendo que Rhodes será gratificado com um ministério da “Moralidade Pública”, ela julga necessário interromper a ascenção irresistível do seu falso simplório e arrivista. No final de uma emissão gravada ao vivo, quando passam os créditos, Marcia deixa o som ligado e os telespectadores escutam com sobressalto e indignação as opiniões cínicas e desprezíveis que Rhodes tem do seu público. Enquanto ele desce de elevador os 42 andares da sede da emissora, sua carreira está definitivamente enterrada. Retornando ao seu apartamento no alto de um arranha céu, Rhodes ameaça se suicidar, saltando pela janela, mas Marcia o deixa sozinho, arrasado, gritando seu nome. Lá em baixo, ela parte com seu amigo Mel Miller (Walter Matthau), jornalista e roteirista da televisão, que desde cedo desconfiou do mau caráter de Rhodes
Para os autores Kazan / Schulberg o poder manipulativo da televisão é uma ameaça social óbvia e eles ressaltaram muito bem este aspecto da trajetória fulgurante de Lonesome Rhodes. O filme é ainda uma sátira extremamente virulenta da vida americana e os instintos gregários do americano médio. Basta que um desocupado bêbado e sem cultura (mas não sem malícia) entre no ar, para que se torne o ídolo de milhares de pessoas. Kazan não se restringe ao combate da máquina toda poderosa da televisão. Sua câmera (apoiada na direção de fotografia de Harry Stradling), que nunca esteve tão móvel, multiplica imagens sugestivas da força (e às vêzes emprego caricato ou histérico) da publicidade e sua cumplicidade com a política. Mas há ainda um aspecto íntimo: o problema de uma mulher e sua consciência: quando Marcia percebe que sua criação se tornou uma influência corruptora, ela admite sua responsabilidade e, figurativamente, o mata. Em uma surpreendente estréia no cinema, Andy Griffith nos oferece uma performance hipnótica como o joão ninguém truculento, que ascende meteoricamente, conhece a glória, e a perde brutalmente.
Em 1960, Kazan realiza Rio Violento / The Wild River, que tem novamente por cenário o Sul dos Estados Unidos, e se desenrola nos anos trinta quando, diante das devastações causadas pelas enchentes do Rio Tennessee, o Congresso Americano autorizou o governo a comprar as terras às margens do rio, para construção de uma série de represas. Um agente federal, o engenheiro Chuck Glover (Montgomery Clift), tem a díficil missão de desalojar Elia Garth (Jo Van Fleet), ocotogenária que vive em uma ilha com sua família e seus operários agrícolas negros. Na primeira visita, ela lhe dá as costas, sai da varanda de sua velha casa e fecha a porta. Depois, Chuck sofre os maus tratos de seus filhos e, em uma segunda visita a anciã lhe diz que existe um plano do presidente Roosevelt (o New Deal) para prejudicar os pequenos latifundiários. Chuck sofre oposição também por parte de outros proprietários locais, quando contrata os negros da ilha para trabalhar nas obras, concedendo-lhes o mesmo salário pago aos brancos. Um deles o procura no seu quarto de hotel, para lhe cobrar o que gastou por ter contratado um negro para um trabalho extra, e depois o espanca. Chuck não dá queixa ao xerife, e passa a procurar uma nova morada para Elia. Ele conhece sua neta Carol (Lee Remick), jovem viúva e mãe de duas crianças. Pela primeira vez Carol retorna em companhia de Chuck à casa que ela habitava com seu falecido marido. Ela espera convencer sua avó a ir viver alí em sua companhia. Uma noite, alguns homens chegam à residência de Carol: uns sobem no telhado e começam a dançar, outros viram o carro de Chuck e alguém até dispara um tiro de fusil. O sujeito que o agrediu no hotel ataca-o novamente, e agride também Carol. Após este incidente, Chuck casa-se com Carol. Finalmente, uma delegacão conduzida pelo xerife conduz Elia para a sua nova morada, e ela morre pouco depois. Após seu enterro, Chuck, Carol e seus dois filhos deixam a região. Do avião, eles lançam um último olhar sobre a ilha, que vai ser engolida pelas águas.
O tema desse drama rural escrito por Paul Osborne com base nos romances “Dunbar’s Cove” de Borden Deal e “Mud on the Stars” de William Bradford Huie é basicamente o confronto entre o interesse coletivo e o individualismo. O enfrentamento entre o expropriador bem intencionado e a idosa recalcitrante que ele deve expulsar é uma metáfora entre o progresso e o apego à terra. Kazan não toma partido, pois na verdade ambas as partes têm suas próprias e válidas razões (e, apesar de sua convicção de que está fazendo um bem, Chuck sente uma profunda empatia por aquela mulher obstinada). Além de ter que lidar com uma pessoa cheia de dignidade e orgulho, Chuck tem ainda de encarar o racismo tradicional da população branca contra os direitos dos negros. No meio desses conflitos nasce o amor que o une a Carol.
O cineasta trata o assunto com um lirismo certamente inspirado pela natureza selvagem (belíssimamente focalizada em cores e CinemaScope pelas lentes de Elsworth Fredericks), onde transcorre a trama e que tem uma relação profunda com os personagens (a personagem de Elia e o rio antes das represas são uma coisa só, formam uma única entidade). Jo Van Fleet, artificialmente envelhecida, é uma Elia Garth inesquecível. Kazan revelaria na sua autobiografia, Elia Kazan: A Live (Da Capo, 1997), que Jo entrava na sala de maquilagem às quatro horas da manhã e ficava cinco horas se transformando em uma matriarca indomável do campo. Mesmo nos dias em que ele lhe dizia que não ia chegar perto dela com a câmera, ela passava uma hora aplicando as manchas de uma senhora de oitenta anos nas costas de suas mãos. “Jo”, eu dizia, “Não vamos fotografar suas mãos hoje. Aproveita para ganhar mais uma hora de sono”. “Isto não é para a câmera”, ela respondia: “É para mim”.
Resultado de uma perfeito entendimento entre Kazan e o escritor e roteirista William Inge, Clamor do Sexo / Splendor in the Grass / 1961 é um melodrama com uma análise límpida da sociedade puritana e arrivista no final dos anos vinte e início dos anos trinta. O título original “Splendor in the Grass” provém de parte de um poema de William Wordsworth, “Ode: Intimations of Immortality”, que diz notadamente o seguinte: “Embora nada possa devolver os momentos de esplendor na relva, de glória nas flores, jamais sofreremos, ao contrário, encontraremos força no que ficou para trás”.
Em uma pequena cidade do Kansas no final dos anos vinte, dois estudantes da escola secundária, Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) e Bud Samper (Warren Beatty), se apaixonam. O pai de Bud, Ace (Pat Hingle), capitalista poderoso da indústria petrólifera, aconselha seu filho a não pensar em casamento, antes de se formar na Universidade de Yale. A mãe de Wilma (Audrey Christie), casada com um farmacêutico, pequeno acionista, é uma mulher despótica que, orientada pela moral rígida da época, adverte sua filha sobre os perigos do desejo carnal. Impedidos de consumar seu amor, sexualmente ou através do matrimônio, os jovens põem fim ao seu relacionamento. Para Bud isto significa um choque físico e emocional e, após ser acometido de pneumonia, ele se envolve com Juanita (Jan Norris), a garota mais permissiva da escola. De coração partido, Wilma se oferece a Bud, mas ele recusa, dizendo que ela é boa demais para se entregar a um homem antes de se casar. Depois de ter tentado se matar, Wilma sofre um colapso mental, e é internada em uma clínica de repouso para tratamento psiquiátrico. À medida que o tempo passa, nova tragédia abala Bud: sua irmã promíscua Ginny (Barbara Loden) morre em um acidente de carro e seu pai, cujo negócio foi abalado pela crise de 1929, comete suicídio. Bud deixa Yale depois de ter sido reprovado em quase todas as matérias e se casa com uma jovem italiana Angelina (Zohra Lampert), cujos pais são donos de um restaurante, depois de engravidá-la. Quando Wilma recebe alta do sanatório, um outro paciente, Johnny Masterson (Charles Robinson), pede-a em casamento, e lhe oferece a chance de uma nova vida. Antes de aceitar esta proposta, Wilma sente que tem que ver Bud mais uma vez. Ela o visita na sua pequena fazenda e eles percebem que são quase estranhos e que o passado deve ser enterrado.
Nesta crônica de um amor contrariado, Kazan traça um retrato amargo da intolerância e da hipocrisia na sociedade americana no período em que transcorre a ação, mostrando a repressão da sexualidade e a triste resignação de dois jovens apaixonados, depois das desilusões violentas e das vicissitudes físicas que sofreram. Uma melancolia perturbadora envolve progressivamente a narrativa e a sequência final é de uma tristeza tocante. A partida de Wilma de carro deixando para trás Bud provoca uma dor no nosso coração, é como se presenciássemos uma morte, a morte do tempo pretérito que não volta jamais
Visualmente o filme é soberbo, seja pela qualidade da imagem (Boris Kaufman), seja pela reconstituição de época, seja pela direção de Kazan, que soube captar o modo de viver naquele momento em que os valores materiais predominavam sobre a realização pessoal. A produção ocasionou um Oscar de Melhor História e Roteiro Original para William Inge e a indicação de Melhor Atriz para Natalie Wood.
Terra de um Sonho Distante / América, América / 1963, é uma crônica familiar, em grande parte autobiográfica, inspirada na vida do tio de Kazan, Avroni Kazanjoglous, cuja odisséia em busca da terra prometida é mostrada em um longo relato (168 min.) cheio de incidentes. Kazan acumulou as funções de produtor, roteirista, diretor e realizou seu filme mais pessoal.
Em 1896, nas montanhas da Anatólia, pátria ancestral dos gregos e armênios dominada e tiranizada pelos turcos há cinco séculos, o jovem grego Stavros Topouzoglou (Stathis Gialellis) e seu amigo armênio, Vartan Damadian (Frank Wolff) sonham em emigrar para a América. Na aldeia de Stavros os turcos incendeiam a igreja onde se havia refugiado a comunidade armênia e Vartan é morto combatendo. Mais do que nunca, Stavros sente que deve partir. Por outro lado, seu pai Isaac (Harry Davis), comerciante que colabora com os turcos e cujos acontecimentos recentes lhe abriram os olhos, toma a decisão de enviá-lo para Constantinopla, levando todo o seu dinheiro, a fim de se associar ao seu primo Odysseus (Salem Ludwig), mercador de tapetes, e preparar o êxodo da família. Durante a viagem, Stavros é roubado por um turco e depois por um escroque, que ela acaba matando. Em Constantinopla, o primo fica decepcionado ao ver Stavros chegar de mãos vazias, que então vai então trabalhar como estivador no porto durante o dia, e como lavador de pratos em um restaurante à noite. Sua meta é ajuntar o mais rápido possível cento e dez libras turcas para pagar sua passagem para os Estados Unidos. Um amigo, Garabet (John Marley) leva-o para um bordel, onde uma prostituta rouba tudo o que ele havia ganho. Stavros assiste a uma reunião clandestina de conspiradores anarquistas à qual Garabet participa e escapa miraculosamente de morrer quando a policia invade o local. Ferido, consegue chegar à casa do primo e, nos dias que se seguem, ele se resigna ao projeto que este tem de casá-lo com uma das quatro filhas do riquíssimo negociante de tapetes Sinnikoglou (Paul Mann). Stavros agrada a Thomma (Linda Marsh), uma das filhas, e o casamento está prestes a se concretizar. Em lugar das quinhentas libras de dote que lhe propõe o futuro sogro, ele quer apenas cento e dez, para comprar a passagem de navio. Assim que as recebe, ele rompe o noivado, e compra a passagem. Entre os passageiros, Stavros reconhece o jovem vagabundo Hoaness (Gregory Rozakis), que ele havia encontrado em Anatólia e para quem havia dado um par de sapatos. Hoanness também sonhava em conhecer a América e agora faz parte de um grupo de sete rapazes contratados por um americano, que os levará para trabalhar como engraxates. Durante a travessia, Stavros torna-se amante de Mme. Kebabian (Katharine Balfour), esposa de um emigrado armeniano que fez fortuna na América. O marido enganado ameaça impedir seu desembarque mas, quando o navio chega ao porto de Nova York, Stavros recebe de uma criada, cinquenta dólares que Mme. Kebabian lhe enviou. Com essa quantia, e depois que Hoannes, tuberculoso, se suicida, após ter deixado no convés o par de seus sapatos e uma carta para Stavros, este assume sua identidade e, sob o nome de Jo Arness, cumpre as formalidades da imigração. Nos anos seguintes, ele fará vir um a um todos os seus parentes para a America, com exceção de seu pai, que morre em sua terra natal.
Stavros nutre o desejo – melhor dizendo, tem a obsessão – de imigrar e não há nada que o demova da idéia, nem a advertência de um companheiro que lá esteve (“A América é como aqui, só para os ricos”) nem a perspectiva de abundância e futuro tranquilo ali mesmo em Constantinopla. Kazan expõe a aventura – cheia de obstáculos e sofrimento – e a experiência humana do jovem grego através de imagens eloquentes (providenciadas em um estilo próximo do documentário por Haskel Wexler), registradas em locais autênticos na Grécia. É verdade que ele se demorou mais do que devia em algumas sequências do périplo do jovem grego (v. g. a descrição da vida no seio da família Sinikoglou); porém o fluxo dos episódios, mesmo quando se torna mais lento, não deixa de ganhar a adesão e mesmo o entusiasmo do espectador. A produção foi indicada para o Oscar e Kazan concorreu para receber a estatueta pela Melhor Direção e Melhor História e Roteiro Original.
Os três filmes seguintes e derradeiros de Elia Kazan (Movidos pelo Ódio / The Arrangement / 1969, Os Visitantes / The Visitors / 1972 e O Último Magnata / The Last Tycoon / 1976) são obras menores na sua carreira.
A ação de Movidos pelo Ódio se passa em Los Angeles, onde o imigrante grego de segunda geração Eddie Anderson (Kirk Douglas), publicitário bem sucedido de uma companhia de cigarros, após tentar o suicídio, decide romper com o mundo onde vive. Cercado pela mulher Florence (Deborah Kerr), sua filha Ellen (Dianne Hull), seu irmão Michael (Michael Higgins) e seus colegas de escritório ele, a princípio, se recusa a falar e a trabalhar. Enquanto convalesce, tem alucinações relacionadas com sua infância nada memorável e recorda seu caso amoroso com uma colega de trabalho, Gwen (Faye Dunaway). Saindo do seu mutismo, Eddie conta para Florence que detesta sua vida de perpétuos “compromissos” com o sistema. Disposta a tudo para manter a fortuna de seu marido, Florence o convence a voltar ao trabalho. Os colegas exultam, mas Eddie quase arruina a firma desta vez, tratando mal um cliente importante e praticando alguns atos insensatos. Ele reata o caso com Gwen e vai a Nova York visitar o pai hospitalizado, o mercador de tapetes Sam (Richard Boone). A pedido deste, leva-o para morar consigo e Gwen na velha casa da familia em Long Island. Os planos de enriquecimento de Sam fracassam e a família o transporta novamente ao hospital enquanto Gwen e Eddie se desentendem, e a moça parte com seu novo companheiro Charles (John Randolph Jones), disposta a iniciar uma outra vida com ele e o filho pequeno que nascera de seu romance com Eddie. Apesar dos apelos de Florence e da filha para voltar ao lar, Eddie tem uma discussão violenta com sua esposa, procura Gwenn, leva um tiro de Charles, incendeia a velha casa de seus paes, e se interna em uma instituição para tratamento mental. Tempos depois, quando Sam morre, Gwen vai buscar Eddie, e os dois comparecem juntos ao enterro, diante de Florence.
Nesse filme, extraído de seu próprio romance muito bem sucedido nas vendas, Kazan pretendeu criticar o American Way of Life através de um drama pessoal. Eddie pretende fazer uma mudança radical em seu modo de vida. Ele se dá conta de que ela está baseada em mentiras: nas relações profissionais com seu patrão ou seus colegas, exercendo uma profissão que ele finge amar (vende cigarros ditos “puros”) e sobretudo na sua vida familiar. Sofre por ter colocado o êxito profissional e o bem estar material como valores dominantes e pelos “arranjos” a que chegou com o sistema. Sua insatisfação interior situa-se na linha do movimento hippie que surgiu nos Estados Unidos nos anos sessenta, e talvez por causa disso, Kazan se rendeu a efeitos modernosos, recorrendo a flashes de quadrinhos pop art para ilustrar um sonho de briga, zooms em grande quantidade, jump cuts, flashbacks com passado e presente justapostos em uma mesma cena, fotografias animadas, montagem associativa etc., resultando uma espantosa colcha de retalhos de efeitos fílmicos que, aliada às deficiências do roteiro e à longa duração do espetáculo, produziram um melodrama confuso e maçante.
O cenário de Os Visitantes é uma casa de campo na Nova Inglaterra, onde Bill Schmidt (James Woods), ex-soldado na guerra do Vietnã, vive com a mulher Martha (Patricia Joyce), o filho recém-nascido e o sogro Harry Wayne (Patrick McVey), veterano combatente da 2a Guerra Mundial. Surgem dois visitantes, Mike Nickerson (Steve Railsback) e Tony Rodriguez (Chico Martinez), recém-saídos da prisão military, condenados por estupro e assassinato de uma adolescente vietnamita, e que agora procuram Bill, o homem que teria prestado testemunho contra eles. A visita, aparentemente é cordial. Bill e Tony fazem amizade com Harry que hoje é alcoólatra e se dedica a escrever livros de bôlso do gênero western. O clima de violência latente se agrava quando Mike tenta seduzir Martha. Na briga com Bill, Mike leva a melhor. Martha é então estuprada pelos dois visitantes, que repetem assim os fatos ocorridos no Vietnã, e partem, deixando o casal traumatizado.
Esse filme produzido de maneira totalmente independente – com argumento original e roteiro escrito por Chris Kazan (filho de Elia), rodado quase que inteiramente na fazenda da família em Newton, Connecticut com uma câmera de 16 mm (para posterior ampliação em 35mm) e planos breves “à moda européia”, contando com um orçamento insignificante de 135 mil dólares, elenco de atores desconhecidos, e equipe técnica reduzida – se destaca pelo tema da delação, já tratado em Sindicato de Ladrões (trazendo à baila de novo a colaboração de Kazan com a HUAC) como também pelo tratamento pioneiro da Guerra do Vietnã e sua influência sobre os combatentes americanos. A fórmula escolhida para tratar desses assuntos foi a do thriller psicológico, porém o diretor lhe imprimiu um ritmo enfadonho, que provoca mais tédio do que tensão. É um filme difícil de ver, sem a energia e a convicção de que Kazan trouxe para os seus outros filmes. Como observou Richard Schikel (Elia Kazan, a Biography, Harper – Perennial, 2006), Os Visitantes não é particularmente um filme longo (apenas 90 min.), mas parece que nunca acaba, arrastando-se no mesmo nível emocional do princípio ao fim.
O Último Magnata tem como ambiente a Hollywood glamourosa dos anos trinta. Apesar de sua pouca idade Monroe Star (Robert De Niro) é o diretor de produção de um dos estúdios mais importantes da “Cidade dos Sonhos”. Depois da morte de sua mulher, que era atriz, ele se entrega de corpo e alma ao trabalho. O último filme sob supervisão de Monroe foi estrelado por dois atores populares, Rodriguez (Tony Curtis) e Didi (Jeanne Moreau). Cecilia (Theresa Russell), filha de seu patrão, Pat Brady (Robert Mitchum), tenta em vão atrair seu interesse. Um dia, Monroe conhece uma moça, Kathleen Moore (Ingrid Boulting), que lembra sua falecida esposa com quem marca um encontro. A certa altura dos acontecimentos, o médico de Monroe (Jeff Corey), julga-o acometido de câncer, e o romance com Kathleen acaba, quando ela lhe revela que vai se casar com outro. Monroe se embriaga e frustra uma reunião com um sindicalista, Brimmer (Jack Nicholson). Brady fica furioso com o mau comportamento de Monroe e decide derrubá-lo profissionalmente. Devido à pressão que sofre, a saúde de Monroe é abalada.
Kazan aceitou com certo descuido substituir Mike Nichols, para realizar este filme baseado em um romance inacabado de F. Scott Fitzgerald (que é um retrato ficcionalizado do legendário produtor executivo Irving Thalberg dos tempos dourados do sistema de estúdio), pois deu apenas uma olhada no roteiro escrito por Harold Pinter. O que o motivou a aceitar deste jeito a proposta de Sam Spiegel, foi a preocupação com a saúde de sua mãe, que necessitava urgentemente passar uns tempos em Los Angeles, para fugir do clima frio do Leste. O desinteresse do diretor, conjugado com seu cansaço criativo e um roteiro débil e verborrágico, ocasionou um espetáculo maçante e insípido, que nem um ator como Robert De Niro conseguiu salvar. Restou apenas a crítica à indústria de cinema de Hollywood, sua ânsia desmesurada de obter cada vez mais lucro em detrimento da qualidade, e o elogio aos trabalhadores humildes do estúdio. Quanto a este aspecto, o filme de Elia Kazan é interessante.
Nos anos sessenta, setenta e oitenta Kazan também se dedicou ao teatro (v. g. dirigindo “After the Fall de Arthur Miller”) e à literatura (escrevendo os romances “The Assassins”, “The Understudy”, “Acts of Love”, “The Anatolian” e uma autobiografia, Kazan, a Life (Alfred A. Knopf, 1988). Em 1994, ele produziu mais um romance, ”Beyond the Aegean”.
Elia Kazan faleceu em 27 de setembro de 2003, duas semanas e três dias após o seu 94º aniversário. No folheto “On What Makes a Director”, ele enumerou os conhecimentos que um diretor deve ter: conhecimento de literatura, comédia, pintura, escultura e dança; de vistas da cidade e do campo; de topografia, animais e das habilidades da voz humana; de psicologia do ator e do público; da vida erótica. Além desse conhecimento abstrato, o diretor deve ter qualidades pessoais: as qualidades de um caçador de leões em um safari, de um de mestre de obra, de um psicanalista, um hipnotizador, um poeta, e a esperteza de um comerciante em um bazar de Bagdad; deve ter a ardilosidade de um ladrão de jóias, a firmeza de um treinador de animais, a capacidade de persuasão de um publicista, para não mencionar coragem, paciência e aptidão para dizer “Eu estou errado” ou “Eu estava errado”.