Ele foi um dos mais respeitados e influentes diretores da história da Broadway e de Hollywood, tendo feito uma carreira de sucesso tanto no Cinema como no Teatro, notabilizando-se sobretudo pela sua capacidade de extrair as melhores performances dramáticas de seus atores, pela sua preocupação com temas sociais, (notadamente a radiografia percuciente da sociedade estadounidense) e pelas suas confissões autobiográficas. Entretanto, o cineasta ficou sempre associado à caça às bruxas do começo dos anos cinquenta, período no qual ele colaborou com uma comissão encarregada de identificar os comunistas nos Estados Unidos, a ponto de muitos esquecerem o imenso realizador que ele era.
Elia Kazanjioglous (1909-2003) nasceu em Constantinopla (hoje Istambul, Turquia), filho de George Kazanjioglous e Athena Shishmanoglou que, devido a um clima político tenso, emigraram para os Estados Unidos, quando ele tinha quatro anos de idade. A integração da família foi facilitada pela presença de um tio, que havia emigrado há algum tempo e prosperado no comércio de tapetes, ao qual George então se associou e esperava que seu filho fizesse o mesmo quando crescesse.
Após se graduar no Williams College, o jovem Kazan frequentou o departamento de drama em Yale e, em 1932, ingressou no Group Theatre como ator e assistente do diretor de cena. O Group Theatre era um grupo teatral de Nova York formado em 1931 por Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasberg, nos moldes do Teatro de Arte de Moscou, concentrando-se nos problemas de ordem social e adotando um método de interpretação naturalista baseado nas inovações de Konstantin Stanislavski.
O Group Theatre inspirou-se também no Actor’s Laboratory Theatre, organização fundada em 1923 pelo polonês Boleslaw Ryszard Srednicki (que se tornou depois o diretor de cinema Richard Boleslavsky) e pela atriz russa Maria Ouspenskaya (que depois atuou em filmes de Hollywood como coadjuvante), ex-membros da companhia de Stanislavski, que emigraram para os Estados Unidos, onde introduziram o famoso “Método”, criado pelo seu mestre.
Em 1934, de férias do Group Theatre, Kazan aproximou-se da New Theatre League, federação de tendência esquerdista reunindo pequenos teatros e grupos teatrais amadores para produzir peças tratando de assuntos politicos. A New Theatre produziu uma peça que ele havia escrito com seu colega Art Smith, intitulada “Dimitroff”, que versava sobre o comunista búlgaro falsamente acusado de ter incendiado o Reichstag em 1933. A peça fez sucesso e o Group Theatre passou a prestar mais atenção em Smith e Kazan.
Em 1935, Kazan causou forte impressão na peça “Waiting for Lefty” de Clifford Odets. Ele sempre a considerou como a noite mais excitante que experimentou no teatro. A ação central é simples: os membros de um sindicato de taxistas estão aguardando a chegada de Lefty, seu presidente, que irá determinar se eles vão entrar em greve. Após várias vinhetas, chega-se ponto mais emocional do espetáculo, uma cena na qual um membro aparentemente sincero do sindicato pede cautela aos seus companheiros – mas é denunciado pelo seu próprio irmão como espião dos patrões. É Elia Kazan, que desde as primeiras cenas estava sentado na platéia usando um boné de pano com um pé de coelho no visor para dar sorte (ele havia visto um taxista de verdade usando um boné idêntico), que sobe ao palco para identificar o traidor, recebendo uma chuva de aplausos como nunca vira antes. No climax da peça, quando é anunciado que Lefty foi assassinado, Agate, o mais raivoso e o mais radical dos membros do sindicato se dirige a seus camaradas para a greve, e depois pergunta para o público: “Bem, qual é a resposta?”, coube a Elia Kazan, que já estava de novo no auditório, subir mais uma vez ao palco, erguer seu braço com o pulso fechado, e gritar “Greve!”. Nessa noite, o público se levantou com ele, ecoando seu grito, e não sairam do teatro quando a peça terminou. A cortina não baixou por cerca de 45 minutos enquanto as pessoas, entusiasmadas, aplaudiam e batiam com os pés no chão.
No mesmo ano, Kazan apareceu no seu primeiro filme, Pie in the Sky, short de 22 minutos produzido pela Nykino (fundada por um grupo de realizadores que se separaram da Worker’s Film and Photo League, patrocinada pelo Partido Comunista) e dirigido por Ralph Steiner, satirizando as promessas feitas para os pobres durante a Depressão. Kazan é um dos mendigos que, rejeitados em uma fila para receber alimento gratuito, rumam para o depósito de lixo local, onde fazem uma refeição imaginária com peças de automóveis, incluindo a torta do título. O elenco personifica políticos, homens de altos negócios e líderes religiosos que estão vivendo confortavelmente enquanto as massas passam fome nas ruas.
Ainda em 1935, Kazan atuou como ator em “Paradise Lost” de Clifford Odets e dirigiu a peça “The Young Go First” de Peter Martin, Charles Scudder e Charles Friedman. No decorrer da década, continuou dirigindo algumas peças (“The Crime” de Michael Blankfort; “Casey Jones” de Robert Ardrey; “Quiet City” de Irwin Shaw; ”Thunder Rock” de Robert Ardrey) e atuando como ator em outras (“Johnny Johnson” de Paul Green; “Golden Boy” de Clifford Odets; “The Gentle People” de Irwin Shaw).
Em 1937, Kazan participou de outro documentário, People of the Cumberland, que versava sobre a vida dos mineiros no Condado de Cumberland no Tennessee, produzido pela Frontier Films, companhia constituida por veteranos da Film and Photo League, descrita pelo Variety como “O Group Theatre do Cinema”. Fotografado por Ralph Steiner e dirigido por Robert Stebbins (pseudônimo de Sidney Meyers) e Eugene Hill (pseudônimo de Jay Leyda), creditava Elia Kazan como assistente de direção.
No início dos anos quarenta, Kazan continuou como ator no palco (“Night Music” de Clifford Odets; “Lillion” de Ferenc Molnar; “Fire Alarm Waltz” de Lucille Primbs) e na tela, como coadjuvante, em dois filmes de Anatole Litvak: Dois Contra Uma Cidade Inteira / City for Conquest / 1940 e Uma Canção para Você / Blues in the Night / 1941, ambos produzidos pela Warner Bros. A partir de 1942, ele começou a se firmar como um dos melhores diretores da Broadway com produções como “The Skin of Our Teeth” de Thornton Wilder (1942); “One Touch of Venus” de S. J. Perelman e Ogden Nash (1943); “Jacobowsky and the Colonel” de S. N. Behrman (1944); “All My Sons” de Arthur Miller (1947); “A Streetcar Named Desire” de Tennessee Williams (1947); “Death of a Salesman” de Arthur Miller (1949), entre outras. Neste mesmo decênio, produziu um short de propaganda para o Departamento de Agricultura, It’s Up to You /1943 e seus primeiros cinco filmes de ficção: Laços Humanos / A Tree Grows in Brooklyn / 1945; Mar Verde / The Sea of Grass/ 1947; O Justiceiro / Boomerang! / 1947; A Luz é para Todos / Gentleman’s Agreement / 1947 e O Que a Carne Herda / Pinky / 1949, todos produzidos pela Twentieth Century Fox com exceção de Mar Verde, feito na MGM.
A ação de Laços Humanos transcorre em um quarteirão de imigrantes no Brooklyn, no começo do século vinte, onde a família Nolan, de origem irlandêsa, vive muito modestamente. Johnny (James Dunn), o pai, sonhador e alcólatra, trabalha esporadicamente como garçom-cantor e volta para casa frequentemente bêbado (“doente” como ele prefere dizer com pudor). Katie (Dorothy McGuire), a mãe, presta serviço como faxineira no prédio. Os filhos, Neeley (Ted Donaldson), o caçula, e sua irmã Francie (Peggy Ann Garner), ganham alguns centavos vendendo peças de roupas velhas ou rasgadas. Eles costumam receber a visita de tia Cissy (Joan Blondell), cujo comportamento extravagante (sua escandalosa sucessão de maridos) incomoda Katie. Francie foge da miséria pela leitura. Uma noite, ela revela ao pai seu desejo de ingressar em uma escola melhor em outro bairro. A mãe, ocupada com as preocupações quotidianas, recebe mal as aspirações da filha. O pai, ao contrário, está de pleno acôrdo e convence Katie a deixar filha entrar (ilegalmente) em um novo colégio. Pouco depois, Katie se muda com a família para um apartamento menor e mais barato no mesmo prédio. Ela conta para Johnny que está grávida e ele compreende a mudança para um apartamento mais accessível. Quando Katie insiste que Francie deve deixar a escola, para que possa trabalhar, Johnny sai à procura de um emprego permanente em plena nevasca e, depois de sumir por mais de uma semana, morre de pneumonia. A morte do pai é dolorosa para todos, sobretudo para Francie, que admirava seu espírito fantasioso. Mãe e filha acabam se reconciliando por ocasião do nascimento de um terceiro filho. McShane (Llyod Nolan), o policial do bairro, que amava em silêncio Mrs. Nolan, pede-a em casamento, e a família aceita. Superando o ambiente duro em que vive, Francie obtém seu diploma, tal como aquela árvore simbólica que consegue, apesar de tudo. crescer no pátio de concreto do imóvel.
Neste drama humano e social, baseado em um romance de Betty Smith, Kazan descreve com precisão uma família de imigrantes no começo do século vinte, vista pelo olhar de uma jovem adolescente e, ao mesmo tempo, conta a história de sua admiração pelo pai que, tal como ela, procura se evadir da dura vida quotidiana pelo sonho e pela fantasia. Francie, foge através da leitura e do estudo; Johnny, infelizmente, recorre à bebida. Incapaz de enfrentar a realidade, ele não faz nada de concreto para tirar sua família da situação de penúria. Promete mil e uma maravilhas mas, no final das contas, não acontece nada. Entretanto, graças à sua capacidade de inventar histórias, ele consegue algo pelo qual sua filha o estimará ainda mais: ir para uma boa escola, tal como ela desejava. Laços Humanos é um filme forte, emocionante, cheio de calor humano e poesia, narrado sobriamente e valorizado pelas interpretações tocantes dos atores principais. Foi um dos filmes mais lucrativos de 1945 e proporcionou um Oscar para James Dunne e um prêmio especial para Peggy Ann Garner como a melhor atriz infantil do ano.
Mar Verde, desenrola-se no Novo Mexico, onde Lutie Cameron (Katharine Hepburn), dama da sociedade de St. Louis que se casou com um barão de gado, Jim Brewton (Spencer Tracy), percebe que ele está lutando tiranicamente contra os pequenos lavradores, que estão se instalando no seu enorme rancho Big Vega (conhecido como “Mar de Relva”). Insatisfeita com os métodos impiedosos de seu marido, Lutie afasta-se dele, e vai para Denver. Sentido-se sozinha e arrebatada momentaneamente pelas atenções de Bruce Chamberlain (Melvyn Douglas), o porta-voz dos lavradores, passa uma noite com ele; mas se arrepende no dia seguinte, ao perceber que ama realmente Brewton. Lutie, que já é mãe de uma filha, Sarah Beth, com Brewton, tem um filho com Chamberlain; porém as duas crianças ficam com Brewton. Anos depois, o filho adulterino Brock (Robert Walker), envolve-se em um duelo a bala com um jogador diante de uma insinuação injuriosa que este fez com relação a Brewton, por quem ele tem uma afeição muito viva. Quando seu adversário morre, Brock, percebendo que um julgamento irá humilhar seu progenitor legal, foge para não ser preso. Sarah Beth (Phyllis Thaxter) conta ao pai a razão dos atos de seu irmão, e ele vai atrás do filho, encontrando-o fatalmente ferido em uma cabana, cercado pelo delegado e seus auxiliares. Neste mesmo momento, Lutie chega na cidade e, após uma conversa com Sarah Beth, se reconcilia com Jim.
Kazan ficou tão atraído pela trama do romance de Conrad Richter, que pediu a MGM para dirigir o filme, pois seu contrato com a Fox não o impedia de trabalhar para outro estúdio, se assim o desejasse. Ele pensou em passar mêses rodando em locação e usar atores não profissionais, mas o que obteve do produtor Pandro S. Berman foi uma filmagem em estúdio (com retroprojeção e tomadas de arquivo) e um elenco incluindo dois grandes astros, que o intimidaram. O resultado foi um melodrama em ambiente de western, com pouca ação e ritmo lento, focalizando mais a história pessoal de um casamento perturbado do que o interessante conflito socioeconômico na região. Na sua autobiografia, Elia Kazan: A Life (Da Capo, 1988), o cineasta escreveu: “É o único filme que eu fiz do qual me envergonho. Não o vejam”.
O Justiceiro é uma reportagem no estilo semi-documentário, produzida por Louis de Rochemont (o criador da série “A Marcha do Tempo”), baseada em um fato autêntico ocorrido em Bridgeport, pequena cidade do Connecticut (e não Stamford como aparece no filme, porque a primeira cidade citada não deu permissão para filmagem nas ruas). O padre George A. Lambert (Wyrley Birch) é assassinado com uma bala na cabeça em plena via pública. O Prefeito e outros políticos exigem mais resultados de Henry Harvey (Dana Andrews), o Procurador do Estado. Um homem chamado John Waldron (Arthur Kennedy) é preso. Depois de um exaustivo interrogatório, acaba confessando. Harvey convence o chefe de polícia local, Robinson (Lee J. Cobb) a não se demitir e começa a investigar. Harvey convence-se da inocência de Waldron e, em vez de acusá-lo, passa a defendê-lo, enfrentando todo tipo de pressão. O digno Procurador consegue provar a inculpabilidade de Waldron, porém o caso permaneceu insolúvel.
Waldron, o rapaz acusado injustamente de assassinato, é um soldado veterano, alienado e desiludido, igual a outros que costumam aparecer nos filmes noir. Entretanto, o tema principal do filme não é o desajustamento dos pracinhas no pós-guerra, mas sim o drama da integridade do ocupante de um cargo público em confronto com a obstrução de justiça por considerações políticas, abordado com concisão e coragem por Kazan. Reconhecido como “um sujeito completamente honesto”, Harvey se vê no meio de uma disputa entre o partido da situação e o da oposição, resistindo não só às pressões de ambos os lados, como também da população, que deseja um réu para a morte do padre tão querido. ”Não me importa se ele é inocente ou culpado. Tenho uma eleição para ganhar”, exclama T. M. Wade (Taylor Holmes), o dono do jornal que faz campanha contra o governo reformista, e tem esperança de reconquistar o poder. O íntegro Procurador ainda recebe uma proposta de suborno (“O que acha de ser candidato a Governador?”) e descobre a corrupção que está por trás da construção de um centro de recreação cujos investidores (entre os quais está sua esposa) dependem de uma vitória eleitoral. No final, o crime fica oficialmente sem solução, mas o espectador sabe quem foi o verdadeiro assassino por meio de algumas tomadas insinuantes que, tal como as do nome “Rosebud” no trenó se incendiando em Cidadão Kane, são um privilégio da platéia.
Em A Luz é para Todos, o repórter Philip Schuyler Green (Gregory Peck) é encarregado pelo editor de uma revista, John Minify (Albert Dekker) de fazer uma investigação jornalística sobre o antisemitismo nos Estados Unidos. Viúvo prematuramente, ele tem um filho de onze anos, Tommy (Dean Stockwell) e vive com sua mãe (Anne Revere). A idéia desta enquete foi sugerida pela sobrinha de Minify, Kathy Lacey (Dorothy McGuire), uma jovem divorciada. Ela e Phillip simpatizam um com o outro vivamente. Philip decide se fazer passar por judeu durante seis mêses, mudando seu sobrenome para Greenberg. Esta experiência lhe proporciona descobertas inesperadas: sua secretária (June Havoc), judia, teve que mudar de nome para ser aceita no seu trabalho; o médico que cuida de sua mãe deprecia um especialista judeu; o melhor amigo de Philip, Dave Goldman (John Garfield), soldado desmobilizado, é insultado em um restaurante, por ser judeu e não encontra um lugar “irrestrito” para morar (ele é vítima do “gentleman’s agreement). Surgem dificuldades entre Philip e Kathy, porque ela vive em um meio anti semita (em uma festa, ela faz questão de dizer que seu noivo não é judeu), e quando Tommy é molestado no colégio, chega em casa chorando e conta a Kathy o que aconteceu, ela tenta confortá-lo, explicando absurdamente que já que ele não é realmente judeu, não devia ficar tão perturbado; Philip se irrita e rompe com ela. Entretanto, aconselhada por Dave, Kathy reconhece o erro de seus atos, se arrepende, e conquista Philip de volta.
Projeto escolhido e totalmente controlado pelo seu produtor Darry F. Zanuck, o espetáculo manifesta uma intenção louvável: denunciar o antisemitismo cotidiano, algo raramente abordado pelo cinema até então. O roteirista Moss Hart teve a boa idéia de que, para envolver o espectador nesse combate, era preciso que o personagem principal fosse ele mesmo considerado como judeu, para que as práticas discriminatórias pudessem ser literalmente vividas no seu íntimo. O título original também foi bem imaginado: o “gentleman’s agreement” é aquele feito sem necessidade de uma forma escrita ou nem mesmo falada, um acordo que é presumido. Com relação ao filme, o termo se refere àquelas pessoas intolerantes que, irracionalmente, supõem que seus preconceitos são aceitos por todos. Apesar de suas ambições realistas, A Luz é para Todos resultou em um produto tipicamente hollywoodiano, como o próprio Kazan reconheceu (“Parece uma ilustração para uma revista tipo “Redbook” ou Cosmopolitan”. É tudo muito bonito”). Nesta condição, a produção arrebatou o Oscar de Melhor Filme, tendo sido a estatueta da Academia também concedida a Kazan como Melhor Diretor e a Celeste Holm (que faz o papel de Anne Dettrey uma boa amiga do jornalista Philip), como Melhor Atriz Coadjuvante, tendo ainda sido indicados: Gregory Peck, Dorothy McGuire, Anne Revere, Moss Hart, e o montador Harmon Jones.
Enquanto prosseguia sua carreira como diretor de cinema, Kazan continuou trabalhando no teatro. Em 1947, ele fundou o Actors Studio com os atores Robert Lewis e Cheryl Crawford, uma escola para formação de atores, onde Lee Strasberg, assumindo a direção depois que Kazan foi se dedicar mais a sua carreira em Hollywood, introduziu o famoso “Método” de Stanislavski, formando uma nova geração de atores como Marlon Brando, Montgomery Clift, James Dean etc.
O Que a Carne Herda é um drama racial ousado para a sua época. De ascendência negra, mas com a pele branca, Patricia “Pinky” Johnson (Jeanne Crain), foi enviada por sua avó, Tia Dicey (Ethel Waters), uma lavadeira, para o Norte dos Estados Unidos. Lá, onde ninguém lhe fazia perguntas em relação a sua cor, ela se diplomou como enfermeira e se apaixonou por um médico branco, Dr. Thomas Adams (William Lundigan). Retornando ao Sul em uma visit, Pinky tem de enfrentar todo o peso do preconceito ali existente contra os negros. Quando uma senhora branca, Miss Em (Ethel Barrymore), a quem serviu como enfermeira, vem a falecer, deixando-lhe a casa onde mora, os primos da falecida contestam o testamento, alegando que Pinky exerceu influência indevida sobre sua paciente; porém, finalmente, o tribunal decreta a legalidade do ato jurídico. Tom, que viera ao encontro de Pinky, quer se casar com ela, e levá-la para Denver, onde ela poderia facilmente passar por branca; mas ela prefere, manter seu orgulho, e ficar sozinha na casa herdada, transformada em hospital e escola de enfermagem para a população negra.
Após o antisemitismo de A Luz é para Todos, Darryl Zanuck tratou da segregação racial, controlando novamente toda a produção. A filmagem foi iniciada por John Ford mas, após dez dias de trabalho, ele inventou uma doença de pele, para sair da direção e se afastar de Ethel Waters, cuja personalidade se chocava com a dele. Embora Kazan tivesse aptidão para o desenvolvimento de temas fortes, ele não pôde tratar o tema com profundidade, de modo que o filme tornou-se apenas um melodrama, concentrado na angústia pessoal de “Pinky” – assim chamada porque pinky é o nome que no Sul dos Estados Unidos se dá aos descendentes brancos de um cruzamento de etnias – ou seja, Pinky enfrenta este dilema: viver no meio dos brancos, mas com a culpabilidade de mentir para si mesma ou permanecer entre os negros, sofrendo a desconfiança destes e o racismo usual. Desta vez Zanuck não levou o Oscar de Melhor Filme, mas Jeanne Crain e as coadjuvantes Ethel Barrymore e Ethel Waters foram indicadas para o prêmio da Academia.
Pânico nas Ruas / Panic in the Streets / 1950 foi o primeiro filme no qual Kazan se libertou dos constrangimentos dos estúdios e se arriscou a fazer um cinema muito mais livre, com a marca de sua personalidade (“Ninguém no estúdio controlou nosso trabalho”). Em New Orleans, o corpo não identificado de uma vítima de roubo e assassinato é descoberto perto do cais, contendo uma doença contagiosa mortal: a peste pneumônica. O Dr. Clinton Reed (Richard Widmark), da Saúde Pública, com a ajuda da polícia, sob o comando do Capitão Tom Warren (Paul Douglas), tem quarenta e oito horas para encontrar os criminosos, provavelmente contaminados, sob pena de se alastrar uma epidemia por toda a cidade. Blackie (Jack Palance), o assassino, se espanta ao ver a polícia tão engajada em descobrir o responsável: para ele Kochak (Lewis Charles), a vítima, devia ter ligacões com um tráfico muito lucrativo, o que explicaria todo o aparato policial. Ele e seu cúmplice Fitch (Zero Mostel) decidem procurar Poldi (Guy Thomajan), o primo do morto, para saber mais a respeito.
Kazan conjuga eficientemente o fato comum (a rotina diária do médico da Saúde Pública) com o extraordinário (o perigo da peste, que pode ser uma metáfora do crime como um uma espécie de doença da ordem social ou do comunismo). Embora o motivo principal do filme seja a tensão física da caçada aos criminosos, vários aspectos sociais e humanos são abordados: a rivalidade e as dúvidas das autoridades, a cortina de ferro contra um repórter curioso e o problema do quê fazer com ele quando descobrir a verdade, a hostilidade e medo de várias pessoas envolvidas direta ou indiretamente como o caso, a necessidade do cumprimento do dever predominando sobre os interesses individuais. Os cenários autênticos são investidos de uma intensidade expressionista em uma perfeita combinação da influência neo-realista com a visão dark do filme noir. Cenas como a morte de Kochak, a de Poldi, e a perseguição de Blackie pelos armazéns de café possuem notável força dramática, acentuada pela excelente iluminação. No final simbólico e memorável, Blackie tenta escapar, arrastando-se pelas amarras da âncora de um navio. O obstáculo que encontra é um dispositivo para impedir que ratos subam a bordo, e o mecanismo funciona: como um rato, ele cai no mar e é preso.
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