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DANIELLE DARRIEUX II

Ao se iniciar a década de quarenta, Danielle Darrieux já tinha sido reconhecida como uma verdadeira estrela: adulada pelo público feminino, que procurava se parecer com ela, e adorada pelo público masculino, pelo charme de sua beleza, ela era capaz de atuar tão bem no drama quanto na comédia.

Danielle Darrieux

Um novo filme, Battement de Coeur / 1940, dirigido por seu marido Henri Decoin, colocou-a no tôpo das pesquisas de popularidade das atrizes francesas, ultrapassando Viviane Romance, a outra grande estrela feminina do final da década de trinta. No enredo, Arlette (Danielle Darrieux), jovem orfã de dezoito anos,foge da casa de correção, e se apresenta em uma escola, após ter lido um anúncio que prometia uma formação com vistas a um emprego. O diretor, Aristide (Saturnin Fabre), é professor de uma matéria muito particular: ele ensina seus alunos a se tornarem exemplares batedores de carteira. Arlette se mostra uma boa aluna e faz camaradagem com um de seus colegas, Yves (Carette). Ele a convence de que a unica solução para ela é fazer um casamento branco, para conseguir sua “liberdade”, antes de completar vinte e um anos. Ela aceita roubar, para obter o dinheiro necessário para o casamento; mas logo no seu primeiro furto, é presa em flagrante por um embaixador (André Luguet). Em vez de denunciá-la à polícia, ele se aproveita da circunstância, para obrigá-la a ajudá-lo a obter uma prova de que sua esposa (Junie Astor) está lhe traindo com o jovem adido da embaixada, Pierre de Rougemont (Claude Dauphin). Sob falsa identidade, Arlette acompanha o embaixador a um baile, onde é apresentada a Pierre, que a corteja ostensivamente. De volta à escola, sua aventura é descoberta pelo matreiro Aristide, que a expulsa por deslealdade, porque trabalhou por conta própria. Ela decide então contar tudo a Pierre, mas seu relato não é bem acolhido pelo jovem diplomata. Mesmo assim, ele consente em hospedá-la temporariamente com o projeto de lhe arranjar um casamento branco com seu amigo Roland (Jean Tissier), antigo diplomata sem dinheiro. Entretanto, Arlette manobra é para se casar com Pierre – e consegue seu objetivo, sendo muito lembrada a sequência em que Pierre se aproxima de Arlette em silêncio, completamente subjugado pela sua sensualidade, quando ela aparece sentada na varanda de maiô, mostrando suas lindas pernas, penteando um cachorrinho preto e cantando “Une Charade”, a canção de Paul Misraki, que faria muito sucesso comercialmente.

Danielle Darrieux e Claude Dauphin em Battement de Coeur

Danielle Darrieux e Saturnin Fabre em Battement de Coeur

Essa comédia sentimental obteve um êxito merecido, pela originalidade de seu argumento, pelo ritmo ágil, pela presença sempre cintilante de Danielle Darrieux e sobretudo pela atuação memorável de Saturnin Fabre, um dos grandes coadjuvantes excêntricos do cinema francês, notadamente quando ele expõe pomposamente os princípios “científicos” da “arte” de furtar ou quando demonstra suas técnicas com manequins-vítimas, que fazem soar o alarme, quando os discípulos não mostram habilidade para furtar as carteiras com a discrição exigida.

Danielle Darrieux e Louis Jourdan em Premier Rendez-Vous

Durante a chamada “Guerra de Mentira”, período de oito meses que se seguiram à invasão da Polonia pelas tropas nazistas, Danielle divorciou-se de Henri Decoin, mas ficaram bons amigos. Em 1941, ele a convidou para fazer Premier Rendez-Vous na firma Continental, companhia administrada por Alfred Greven e destinada a produzir na França filmes alemães com mão de obra francesa. Micheline (Danielle Darrieux) é uma orfã sem dinheiro, que vive em um pensionato. Pensando em fugir, ela responde a um pequeno anúncio colocado por um desconhecido, que lhe marca um “primeiro encontro” em um café. Micheline espera que esse homem misterioso seja um belo rapaz, que logo se apaixonará por ela, mas se depara com Nicolas Rougemont (Fernand Ledoux), um velho professor. Para não decepcioná-la, NIcolas lhe diz que veio no lugar de seu sobrinho, Pierre (Louis Jourdan), que ficara impedido de comparecer. Ele leva Micheline para sua casa, onde conhece Pierre, nascendo o romance entre os dois. Os alunos de Nicolas convencem seu mestre a adotar Micheline e organizam uma coleta, a fim de reembolsar as somas devidas por ela ao pensionato. Daí em diante, ela fica livre para se casar com o homem de sua vida. Com uma direção que soube exaltar a beleza, a voz e o talento da estrela, o filme, assim como a canção-título, fez muito sucesso.

Albert Préjean, Danielle Darrieux  e jean Parédès em Caprices

Como antes da guerra não só Danielle, mas muitos de seus colegas haviam trabalhado na Alemanha, e ela não tinha uma idéia bem precisa do que representava a Continental, então achou normal aceitar o convite de Greven, para atuar em Premier Rendez-Vous; mas seus outros dois filmes nessa empresa, Caprices / 1941 e La Fausse Maîtrese / 1942, lhe foram impostos por Greven através de uma chantagem. Danielle havia conhecido e se apaixonado por Porfirio Rubirosa, diplomata da República Dominicana na França, que detestava os alemães e manifestava seu ódio em público. Protegido por seu passaporte diplomático, ele parecia intocável até o dia em que os alemães o acusaram de espionagem e o levaram para uma prisão em Bad Nauheim, ao norte de Frankfurt. Como Danielle revelou nas suas memórias, (Danielle Darrieux, Filmographie Commentée par elle-même, Ramsay Cinéma, 1995), Greven obrigou-a a fazer os dois filmes “se não quizesse que uma pessoa que lhe era muito querida sofresse graves aborrecimentos”. Greven prometeu salvar Rubirosa, se ela participasse de uma viagem organizada para mostrar a “colaboração” das vedetes do cinema francês com a Alemanha. Para proteger Rubirosa, Danielle concordou em ir, mas só aceitou uma “escala” em Berlim para a pré-estréia de Premier Rendez-Vous.

Danielle Darrieux e Bernard Lancret em La Fausse Maîtresse

Rubirosa foi sôlto, e ele e Danielle tentaram em vão chegar à Espanha e depois Inglaterra. Eles se casaram em Vichy e, após La Fausse Mâitresse, Danielle se recusou categoricamente a filmar com a Continental. Em consequência, Greven interditou toda aparição do nome dela e de suas fotos na imprensa. Depois, os alemães enviaram os dois para Megève em prisão domiciliar. Eles decidiram fugir, e conseguiram em agosto de 1944. Usando documentos falsos – ela, com o nome de Denise Robira – chegaram a Paris, refugiando-se no subúrbio de Septeuil, onde Danielle tinha uma casa, habitada por sua irmã, seu cunhado e seus filhos. Quando Paris foi libertada, o Comitê de Depuração convocou Danielle, mas ela não foi inquietada, ao contrário do que aconteceu com Arletty, Sacha Guitry e alguns outros.

Caprices foi realizado por Léo Joannon e La Fausse Mâitresse por André Cayatte. No primeiro, Danielle é Lise, uma atriz de renome que se faz passar por uma pobre florista e seu companheiro é Albert Préjean. No segundo, baseado em um conto de Balzac, Danielle é Lilian, uma trapezista de circo e seu companheiro é Bernard Lancret. Estas duas comédias foram bem recebidas pelos espectadores, embora Danielle não gostasse de nenhum dos três filmes que fez para a Continental.

André Luguet e Danielle Darrieux em Au Petit Bonheur

O primeiro filme de Danielle depois da guerra, Au Petit Bonheur / 1945, foi realizado por Marcel L ‘Herbier, adaptação de uma peça de Marc-Gilbert Sauvajon. É uma comédia de “guerra dos sexos” com uma tonalidade macabra: dois jovens casados, Martine (Danielle Darrieux) e Denis (François Perier), não param de brigar por causa das infidelidades dele. Após uma disputa mais violenta que as outras, Denis vai para a Côte d ‘Azur, e Martine, exasperada pela fuga de seu marido infiel, se aproxima de Du Plessis (André Luguet), escritor famoso com uma obsessão mórbida por uma mulher morta que o traíra. Du Plessis quer acabar com sua vida e Martine decide acompanhá-lo no seu projeto mórbido; mas finalmente faz as pazes com Denis.

Louis Salou e Danielle Darrieux em Até Logo, Querida!

Depois, Danielle fez Até Logo, Querida! / Adieu Chérie / 1945 de Raymond Bernard, interpretando o papel de Chérie, uma garota de boate à qual um jovem burguês, Bruno Brétillac (Jacques Berthier), pede para ela se fazer passar por sua noiva e se casar com ele, a fim de lhe evitar uma união com uma rica herdeira desgraciosa, como querem seus pais. Mediante a promessa de uma recompensa e um imediato divórcio após o matrimônio, ela aceita participar do seu plano. Ostentando todas as qualidades de uma donzela virtuosa, Chérie consegue se fazer amar pela família Brétillac. Tudo correria perfeitamente se, em um acesso de franqueza, Chérie não revelasse a verdade para seus futuros sogros. Para evitar a vergonha pública, que não deixaria de se abater sobre os Brétillac, o casamento é realizado, mas Chérie, deixará para sempre a casa do seu príncipe encantado.

Danielle Darrieux e Paul Meurisse em História de um Pecado

Danielle Darrieux e Georges Marchal em História de um Pecado

Embora tivessem seus méritos, Danielle considerava insípidas essas duas produções e quando Léonide Moguy lhe propôs História de um Pecado / Betsabée / 1947, ela manifestou imediatamente a sua concordância, contente em mudar de gênero de intriga e mesmo de ambiente, pois a filmagem deveria se desenrolar na África do Norte. O filme é adaptação de um romance de Pierre Benoît, inspirado na história da heroína bíblica. No melodrama, Arabella (Danielle Darrieux) reune-se com seu noivo, o capitão Dubreil (Georges Marchal) em um quartel de spahis nos confins do Marrocos. Arabella está separada de seu primeiro marido, Lucien Sommerville (Paul Meurisse), que sucumbiu ao alcoolismo, porque ela o deixou e ignora que Sommerville é colega de Dubreil. Arabelle suplica-lhe que lhe conceda o divórcio, mas ele se recusa. Quando Sommerville vê Arabelle nos braços Dubreil, passa a atormentá-la, acusando-a de ter sido a causa do suicídio de um amigo que era loucamente atraído por ela. O comandante do forte (Jean Murat), também sensível aos encantos de Arabella, tem uma filha, Évelyne (Andrée Clement) que, apaixonada por Sommerville, sente ciúmes de Arabella. Esta tenta explicar a Dubreil que não é responsável pelas paixões que desperta, porém ele acusa sua noiva de traição. O pai de Évelyne envia Sommerville para uma missão no lugar de Dubreil, e o militar encontra a morte, mas a tempo de perdoar Arabella. Évelyne, enraivecida, mata então Arabella com um tiro de revólver. Contrariando todas as expectativas, História de um Pecado não recebeu boa acolhida da crítica e, durante a filmagem, o relacionamento entre Danielle e Rubirosa terminou oficialmente com a decretação do seu divórcio

Jean Marais e Danielle Darrieux em Entre o Amor e o Trono

O filme seguinte da atriz, Entre o Amor e o Trono / Ruy Blas / 1947, foi anunciado com entusiasmo pela imprensa, pois se tratava de uma grande produção baseada na peça célebre de Victor Hugo, adaptada em prosa para a tela por outro poeta: Jean Cocteau. Admirador de Danielle, Cocteau convidou-a para protagonizar a rainha da Espanha, e ela aceitou, achando que poderia retomar seus personagens românticos de sucesso como Marie Vetsera em Mayerling ou Katia no filme do mesmo nome, de Maurice Tourneur. A adaptação concebida por Cocteau transformou o drama lírico hugoliano essencialmente em uma aventura de capa-e-espada e ele impôs, ao lado de Danielle, a presença de seu protegido, Jean Marais, no papel duplo de Ruy Blas e de Don César de Bazan. O atlético Marais fez questão de realizar ele mesmo as cenas arriscadas. Danielle, quase sem conseguir se mexer nos seus vestidos sufocantes de rainha, esforçou-se para representar razoavelmente a soberana. O diretor Pierre Billon procurou evitar a teatralidade, levando suas câmeras para os exteriores – mas a recepção do espetáculo foi decepcionante. Pouco depois do término da filmagem de Ruy Blas, por intermédio de seu irmão Olivier, que fazia um pequeno papel no filme, Danielle conheceu Georges Mitsinkidès, com que se casou em junho de 1948. Eles adotaram um filho, Michel, em 1956, e viveram juntos até a morte de Mitsinkidès em 1991.

Danielle Darrieux e Marcel Archard

No final de 1948, Danielle assumiu o principal papel feminino de Jean de la Lune, baseado na peça de Marcel Achard e realizado totalmente em estúdio pelo próprio autor. Marceline (Danielle Darrieux) é uma mulher incorrigivelmente volúvel. Infiel a Richard (Pierre Dux), ele é acobertada por seu irmão complacente, Clo Clo (François Périer). Não suportando mais sua conduta, Richard rompe com Marceline enquanto ela vai visitar Jeff (Claude Dauphin), seu amigo florista, apelidado de Jean de la Lune, porque é um doce sonhador. Apaixonado por Marceline, Jeff, apesar de seu mau comportamento, pede-a em casamento. Comovida, ela aceita mas, apesar da sinceridade tocante de Jeff, continua a levar uma vida dissoluta, sempre acobertada por Clo Clo. Este acaba por se cansar da atitude de sua irmã e revela a Jeff que sua esposa está prestes a deixá-lo por um novo amante, ambos a caminho do Brasil. Na rota de sua fuga, Marceline ouve inesperadamente crianças cantando o refrão “Jean de la Lune”. Perturbada, ela parece se dar conta de seus sentimentos por seu marido. Com mansidão, Jeff finge que não sabe de nada, e a acolhe de braços abertos. O comentarista de Télérama proferiu um veredicto sucinto: “Marcel Achard visivelmente mais à vontade com suas (boas) palavras do que com as imagens”.

Jean Desailly e Danielle Darrieux em Meu Amigo, Amélia e Eu

Foi ainda com uma peça filmada que Danielle prosseguiu sua carreira: em Meu Amigo, Amélia e Eu / Occupe-toi d’Amélie / 1949, cuja ação se desenrola na Belle Époque. Ela é Amélie Pochet (Danielle Darrieux), outrora camareira, que agora atende pelo nome de Amélie d’Avranches, graças à proteção e às liberalidades de seu amante Étienne de Milledieu (André Bervil), tenente dos hussardos. Marcel Courbois (Jean Desailly) necessita de dinheiro e pede Amélie “emprestada” ao seu amigo Étienne, para um casamento branco. Assim, seu tio (Victor Guyau) poderá lhe transmitir a herança que o falecido pai de Marcel havia reservado ao filho para o dia de seu matrimônio. Retornando inesperadamente, Étienne percebe, consternado, que Marcel se ocupou demais de Amélie. Ao saber da infidelidade de Amélie, o militar arma sua vingança: do falso matrimônio planejado, ele prepara um verdadeiro. Marcel fica furioso, porém, Amélie assinou o livro de registro do casamento com seu nome falso, Amélie d’Avranches e, neste caso, o matrimônio é nulo. Mesmo assim, em um final feliz, Marcel e Amélie percebem que se amam, e partem para a lua-de-mel, obtendo no último momento a complacência do tio e um cheque polpudo.

Cena de Meu Amigo, Amélia e eu

Claude Autant-Lara e seus roteiristas prediletos, Jean Aurenche e Pierre Bost, fizeram uma releitura da obra de Georges Feydeau, mantendo intactos seus diálogos maliciosos, sua incessante e agitada movimentação, seus quiproquós e acontecimentos imprevistos. Autant-Lara encontrou a maneira cinematográfica de reproduzir a vivacidade do texto original pela utilização frenética da câmera e pela interpretação quase histérica dos atores. E há também novidades formais: o roteiro mistura os atores do teatro Palais-Royal com a platéia, que assiste à representação nesse mesmo teatro, vendo-se por exemplo, em mais de uma ocasião, uma família buguesa que assiste ao espetáculo invadir a ribalta para protestar contra a conduta imprópria dos personagens; além disso, um personagem nos é apresentado como ator, antes que ele comece a interpretar o papel que lhe foi atribuído e, em outros momentos, o pano de boca se fecha sobre os atos da peça. Danielle, está encantadora como Amélie, a cocote brejeira que é o centro de todas as atenções.

Danielle Darrieux e Daniel Gelin em Conflitos de Amor

Jean Gabin e Danielle Darrieux em O Prazer

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Desejos Proibidos

Os anos cinquenta foram muito favoráveis à atriz. Ela fez vinte e sete filmes em dez anos, entre eles seus maiores sucessos artísticos e/ou comerciais, e interpretou uma grande variedade de papéis: a mulher casada em Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (Dir: Max Ophuls); Princesse Louise em Romance de Amor / Romanzo d’amore (Toselli) / 1951 (Dir: Duilio Coletti); Gabrielle Bonadieu em La Maison Bonnadieu / 1951 (Dir: Carlo Rim); Élisabeth Donge em Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952 (Dir: Henri Decoin); Rosa em O Prazer / Le Plaisir / 1952 (Dir: Max Ophuls); Condessa Anna Slaviska em Cinco Dedos / Five Fingers / 1952 (Dir: Joseph L. Mankiewicz); Christiane em Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque); Marie Devrone em Rica, Bonita e Solteira / Rich, Young and Pretty / 1952 (Dir: Norman Taurog); Condessa Louise de … em Desejos Proibidos / Madame de … / 1953 (Dir: Max Ophuls); Janine Fréjoul em Le Bon Dieu sans Confession / 1953 (Dir: Claude Autant-Lara); Geneviève em Château en Espagne El Torero / 1954 (Dir: René Wheeler); Madame de Rénal em Vermelho e Negro / Le Rouge et le Noir / 1954 (Dir: Claude Autant-Lara); Madame Berthier em Criadinha Indiscreta / Escalier de Service / 1954 (Dir: Carlo Rim); Constance Andrieux em Bonnes à Tuer / 1954 (Dir: Henri Decoin); Eléonore Denuelle em Napoleão / Napoléon / 1955 (Dir: Sacha Guitry); Madame de Montespan em Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 (Dir: Henri Decoin); Constance Chatterley em O Amante de Lady Chatterley / L’Amant de Lady Chatterley / 1955 (Dir: Marc Allégret); Agnès Sorel em Si Paris nous était Conté / 1956 (Dir: Sacha Guitry); Olympias em Alexandre Magno / Alexander the Great / 1956 (Dir: Robert Rossen); Isabelle Lindstrom em Le Salaire du Péché / 1956 (Dir: Denys de La Patellière); Françoise Fabre em Tufão sobre Nagasaki / Typhon sur Nagasaki / 1957 (Dir: Yves Ciampi); Caroline Hédoin em As Mulheres dos Outros / Pot Bouille / 1957 (Dir: Julien Duvivier); Brigitte de Lédouville em Le Septième Ciel / 1958 (Raymond Bernard); Thérèse Marken em Vício Maldito / Le Désordre et la Nuit / 1958 (Dir: Gilles Grangier); Monique Lebeaut em A Mentira do Amor / La Vie à Deux / 1958 (Dir: Clément Duhour); Catherine Bourvil em Un Drôle de Dimanche / 1958 (Dir: Marc Allégret); Marie Octobre em Marie Octobre / Marie Octobre / 1959 (Dir: Julien Duvivier); Jeanne Moncatel em Os Olhos do Amor / Les Yeux de l’Amour / 1959 (Dir: Denys de La Patellière).

James Mason e Danielle Darrieux em Cinco Dedos

Entre os filmes citados destacam-se os três filmes que ela fez com Max Ophüls (Conflitos de Amor, O Prazer, Desejos Proibido); Cinco Dedos de Mankiewicz; Vermelho e Negro de Autant-Lara (grande êxito de bilheteria); As Mulheres dos Outros e Marie Octobre de Julien Duvivier; e Amor Traído de Henri Decoin. Quanto aos seus melhores papéis, o meu preferido é o de Bébé Donge em Amor Traído.

Danielle Darrieux e Gérard Philipe em Vermelho e Negro

Gerard Philipe e Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Julien Duvivier dirige Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Danielle Darrieux em Marie Octobre

No leito de uma clínica, durante uma longa agonia, François Donge (Jean Gabin) recorda o passado. Rico industrial da província e colecionador de amantes, ele casou-se com Elisabeth d’Onneville (Danielle Darrieux), chamada de Bébé, mais por cansaço do que por amor. Bébé, jovem idealista e apaixonada, não encontrou nele o que esperava. Dez anos mais tarde, sentimentalmente decepcionada, ela o envenena. Compreendendo tarde demais os seus erros, François morre. Elizabeth, como um autômato, acompanha o juiz de instrução que veio para prendê-la.

Filme sombrio e desesperado, com uma construção dramática rigorosa e fiel ao universo dos romances de Simenon. O mistério concebido pelo romancista não é policial, mas psicológico: por que Bébé, jovem pura e sincera, envenenou o marido após dez anos de matrimônio? No decorrer dos seus dias nos quais fica entre a vida e a morte, François Donge procura a resposta, faz um exame de consciência e descobre a verdade. A culpa foi dele, que não soube amá-la. Ele espera viver como não vivera até então. Porém, é tarde demais. Esse drama da incompreensão foi magníficamente interpretado pela dupa Gabin-Darrieux, talvez o melhor papel de Darrieux e a composição mais trabalhada de Gabin.

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

 

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

Jean Gabin em Amor Traído

Danielle Darrieux em Amor Traído

Entre 1960 e 2010, Danielle fez mais quarenta filmes: Assassinato em 45 R.P. M. / Meurtres en 45 Tours / 1960 (Dir: Étienne Périer); L’Homme à Femmes /1960 (Dir: Jacques-Gérard Cornu); Fruto de VerãoThe Grengage Summer /1961 (Dir: Lewis Gilbert); Os Amores de um Rei / Vive Henri IV, Vive L’ Amour! (Dir: Claude Autant-Lara); Os Leões Estão Sôltos / Les Lions Sont Lâchés / 1961 (Dir: Henri Verneuil); Les Bras de la Nuit / 1961 (Dir: Jacques Guymont); Le Crime Ne Paie Pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); O Diabo e os Dez Mandamentos / Le Diable et les Dix Commandements / 1962 (Dir: Julien Duvivier); Landru, A Verdadeira História do Barba Azul / Landru / 1963 (Dir: Claude Chabrol); Méfiez-Vous, Mesdames! / 1963 (Dir: André Hunebelle); Du Grabuge Chez Les Veuves / 1964 (Dir: Jacques Poitrenaud); Pourquoi Paris? / 1964 (Dir: Denys de La Patellière); O Desquite de Papai / Patate / 1964 (Dir: Robert Thomas); L ‘Or du Duc /1965 (Dir: Jacques Baratier); Le Coup de Grâce / 1966 (Dir: Jean Cayrol, Claude Durand); Le Dimanche de la Vie / 1967 (Dir: Jean Herman); Duas Garotas Românticas / Les Demoiselles de Rochefort / 1967 (Dir: Jacques Demy); O Homem do Buick / L’Homme à la Buick / 1968 (Dir: Gilles Grangier); Desejo Insaciável / Les Oiseaux Vont Mourir au Pérou /1968 (Dir: Romain Gary); Vingt-Quatre Heures de la vie d’une Femme / 1968 (Dir: Dominque Delouche); La Maison de Campagne / 1969 (Dir: Jean Girault); No Encontré Rosas Para Mi Madre – Rose Rouges et Piments Verts / 1974 (Dir: Francisco Rovira Beleta);Divine / 1975 (Dir: 1975); L’Année Sainte / 1976 (Dir: Jean Girault); Le Cavaleur / 1979 (Dir: Philipe de Broca); Une Chambre en Ville / 1982  (Dir: Jacques Demy); En Haut des Marches / 1983 (Dir: Paul Vecchiali); A Cena do Crime / Le Lieu du Crime / 1986 (Dir: André Téchiné); Corps et Biens / 1986 (Dir: Benoit Jacquot); Quelques Jours Avec Moi / 1988 (Dir: Claude Sautet); Bill en Tête / 1989 (Dir: Carlo Conti); Le Jour des Rois / 1991 (Dir: Marie-Claude Treilhou); Les Mammies / 1992 (Dir: Annick Lanöe); Ça Ira Mieux Demain / 2000 (Dir: Jeanne Labrune); 8 Mulheres / Huit Femmes / 2002 (Dir: François Ozon); Uma Vida a Tua Espera / Une Vie à t’Attendre / 2004 (Dir: Thierry Klifa); Nouvelle Chance / 2006 (Dir: Anne Fontaine); Persepolis / 2007, animação – a voz da avó (Dir: Marjane Satrapi); L’Heure Zero / 2007 (Dir: Pascal Thomas); Piéce Montée / 2010 (Dir: Denys Granier-Deferre).

O único dos seus filmes nesse período que permaneceu na memória de todos os fãs de cinema, foi inegavelmente Duas Garotas Românticas, realização que se tornou cult no decorrer do tempo, e que contribuiu muito para a persistência da notoriedade de Danielle Darrieux entre os jovens cinéfilos de hoje.

Elenco principal de Duas Garotas Românticas

Danielle Darrieux em Duas Garotas Românticas

Recordemos brevemente o enredo do filme: Solange (Françoise Dorléac) e Delphine (Catherine Deneuve) são irmãs gêmeas, dedicam-se à música e à dança, e têm um único sonho: encontrar seus respectivos príncipes encantados. Maxence (Jacques Perrin), marinheiro-pintor que está servindo em Rochefort, onde vivem as irmãs, fizera o retrato da mulher-ideal, que muito se assemelha a Delphine. Andy Miller (Gene Kelly), concertista de piano, encontra uma partitura musical na rua, e deseja conhecer o autor, que não é outra pessoa senão Solange. A mãe (solteira) de Solange e Delphine, Madame Garnier (Danielle Darrieux), dona de um café, vive lamentando ter perdido o homem com o qual se recusara a casar (porque achava seu nome ridículo – não queria ser chamada de Madame Dame), e que desapareceu, sem saber que ele, Simon Dame (Michel Piccoli), abriu recentemente uma loja de instrumentos musicais em Rochefort. Durante uma grande feira comercial na cidade (onde dois caminhoneiros (George Chakiris, Grover Dale) convidam as duas irmãs para substituir suas parceiras no show que pretendem apresentar), os casais vão se formar: Solange com Andy, Yvonne com Simon, e Maxence com Delphine, em um final feliz.

 

Eternamente bela!

Nesta agradável comédia musical francesa à moda americana, movimentada pela câmera de Jacques Demy e embalada pela música e de Michel Legrand, Danielle foi a única que gravou ela mesma suas canções, sem precisar ser dublada. No papel de mãe de Catherine Deneuve, DD tinha 50 anos, e ainda estava muito bem físicamente. Mais tarde, ao 85 anos, reencontrou-se com Catherine em 8 Mulheres, e esta assim se pronunciou a seu respeito: “É a única mulher que me impede de ter medo de envelhecer”.

 

DANIELLE DARRIEUX I

Que outra atriz de cinema no mundo inteiro pode se gabar de ter iniciado sua carreira com quatorze anos incompletos para encerrá-la com a idade de noventa e três anos? Entre 1931 e 2010, mantendo-se sempre miraculosamente bela, ela fez cento e três filmes para o cinema, suscitando a admiração do público e dos realizadores com os quais trabalhou.

Danielle Darrieux

Danielle Darrieux (1917-2017), cujo nome verdadeiro era Danielle Yvonne Marie Antoinette Darrieux, nasceu em Bordeaux, filha do oftalmologista Jean Darrieux e Marie-Louise Witkowski de origem polonesa por parte de pai e alsaciana por parte de mãe. Quando tinha dois anos de idade, seus pais mudaram de domícilio para Paris, instalando-se em um apartamento espaçoso na rue de la Pompe, onde recebiam convidados de renome no mundo musical, pois tanto Jean como Marie-Louise eram melômanos: ela sonhava com uma carreira de cantora e ele tocava piano maravilhosamente bem.

Em 1924, Danielle, então com sete anos, perdeu seu pai, vitimado por um ataque cardíaco, e sua mãe passou a dar lições de canto, tanto por paixão como pela necessidade de sustentar a família que, a esta altura contava ainda com Claudette, a filha mais nova, e o menino Olivier. Desde muito cêdo Danielle demonstrou gôsto pela música, aprendendo a tocar piano e violoncelo, além de cantar com uma voz clara, pura, pouco possante, mas promissora.

Pensando no futuro da filha, Marie-Louise fez com que ela prestasse concurso para o Conservatório Nacional de Música de Paris, onde foi aceita imediatamente, apesar de ter apenas treze anos e meio. Certo dia, por intermédio do marido de uma aluna de sua mãe, Marie Serta, Danielle ficou sabendo que dois produtores, Delac e Vandal, estavam procurando uma heroína de quatore ou quinze anos para sua próxima produção, intitulada Le Bal. O argumento, baseado em um romance de Irène Némirovsky, relatava a história da vingança de uma adolescente, Antoinette Kampf (Danielle Darrieux), cujos pais novos-ricos (André Lefaur, Germaine Dermoz), procuram se introduzir na alta sociedade parisiense, organizando um baile suntuoso em sua residência. Sentindo-se abandonada por sua mãe, Antoinette, encarregada de levar os convites ao Correio, joga os envelopes no Sena. Ninguém comparece na festa, porém a harmonia familiar se fortalece.

Danielle Darrieux (usando o nome de Lydie Darrieux) em Le Bal

A versão alemã, Der Ball, já havia sido filmada por Wilhelm Thiele com Lucie Mannheim e Dolly Haas mas, para a versão francêsa, que seria dirigida também por Thiele, parecia impossível encontrar uma jovem atriz, que respondesse aos critérios exigidos. Danielle apresentou-se nos estúdios Épinay, passou nos testes, e assim estreou na tela mocinha, cantando perfeitamente bem duas canções escritas especialmente para ela, “Le Beau Dimanche” e “La Chanson de la Poupée”, demonstrando desembaraço diante das câmeras.

Quando Le Bal foi lançado em 1931, era o nome de Lydie Darrieux que aparecia nos créditos, pseudônimo que Danielle deixou de usar já no seu segundo filme, Coquecigrole / 1931, que ela fez, emprestada por Delac e Vandal ao produtor Jacques Haik. Nesta adaptação de um romance de Alfred Machard, dirigida por André Berthomieu, Danielle é Coquecigrole, orfã dotada de uma voz fora do comum. Ela é recolhida por um garçom, o velho ator cômico Macarol (Max Dearly) que, juntamente com seu colega Tulipe (Raymond Galle), lança a menina nos palcos. Após alguns incidentes, incluindo o sequestro de Coquecigrole pelo seu pai verdadeiro, ela se casa com Tulipe, nascendo uma filha dessa união.

Danielle Darrieux e Gerard Sandoz em Panurge

No seu terceiro filme, Panurge / 1932, produzido pela Écrans de France e dirigido por Michel Bernheim, Danielle é Régine, uma lavadeira que, seduzida por uma vida de luxo, se afasta temporariamente de seu namorado Panurge (Gérard Sandoz), um pobre sapateiro. No seu quarto filme, Le Coffret de Laque / 1932, um policial produzido por Jacques Haik, dirigido por Jean Kemm e baseado em um romance de Agatha Christie, Danielle é Henriette Stenay, filha de um casal (Alice Field, Maurice Varny), que está entre as pessoas investigadas pelo detetive Préval (René Alexandre), suspeitas de tentativa de roubo de uma fórmula de grande valor para o Ministério da Guerra e do envenenamento do químico que a concebera.Em 1933, após umas férias, Danielle voltou ao estúdio convocada por Geza von Bolvary para participar, com Jaque Catelain, de Château de Rêve, dirigido conjuntamente com Henri Georges Clouzot e co-produzido pela UFA. No enredo, um diretor que está realizando um longa-metragem sobre o Mar Adriático, precisando de figurantes, pede ao comandante de um navio (Jaque Catelain) para usar seus marinheiros e lhe oferece o papel de um príncipe no seu filme. Quando a filmagem passa para o ambiente campesino, a equipe encontra uma bela pastora, Béatrix (Danielle Darrieux) e, como em um conto de fadas, o comandante, que é realmente um príncipe, se apaixona por ela, sem saber que, na verdade, a moça é a filha do castelão local.

Jaque Catelain e Danielle Darrieux em Château de Rêve

Com Volga em Chamas / Volga em Flammes / 1934, de Victor Tourjansky, rodado na Tchecoslováquia, Danielle tem pela primeira vez como companheiro Albert Préjean, com o qual vai logo formar uma dupla célebre do cinema francês (seis filmes juntos ao todo). Trata-se de uma grande producão de aventura histórica, adaptada de um romance de Puchkin, sobre um líder de bandidos, Silatchoff (Valéry Inkijinof), que se proclama tsar do povo e executa seus adversários com muita crueldade. Danielle é Macha, jovem apaixonada pelo Tenente Orloff (Albert Préjean), um oficial que se opõe ao tirano.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Volga em Chamas

De volta a Paris, Danielle filma sob o comando de Billy Wilder (em colaboração com Alexandre Esway), Horas do Diabo / Mauvaise Graine / 1934, cuja ação transcorre na sua maior parte em exteriores, algo inusitado na época. Como Jeannette, irmã do chefe de um grupo de desocupados que roubam carros, ela se apaixona pelo jovem Henri (Pierre Mingand), rapaz honesto que, por fraqueza, se envolvera com os delinquentes. A função de Jeannette é seduzir os proprietários de veículos luxuosos, a fim de que o bando tenha tempo de roubá-los.

Pierre Mingand e Danielle Darrieux em Horas do Diabo

O filme seguinte de Danielle, Mon Coeur T’Appelle / 1934, co-produção franco-italiana realizada por Carmine Gallone e Serge Veber, coloca Danielle nos braços de Jan Kiepura. Ele é Mario Delmonti, tenor talentoso, mas ainda desconhecido, que não perde oportunidade de demonstrar seus dons, cantando nos lugares mais incovenientes. A bordo de um navio que o transporta para Mônaco, onde o chefe de sua trupe (Lucien Baroux) conta com um novo compromisso na Ópera de Monte-Carlo, Mario se apaixona por Nicole Nadin (Danielle Darrieux), uma secretária que havia perdido seu emprego. Ao chegarem ao seu destino, o diretor da Ópera, que parece ser amnésico, se recusa a recebê-los. Ajudado por Nicole, Mario usa todo tipo de astúcia para atrair a atenção do diretor e finalmente consegue seu objetivo, cantando a Tosca no átrio da Ópera de Monte Carlo, ao mesmo tempo que os artistas estão em cena. Por curiosidade, quem assumiu o papel de Danielle na versão alemã, Meu Coração Te ChamaMein Herz ruft nach Dir, foi Martha Eggerth. Martha e Kiepura se odiaram durante a filmagem mas, tempos depois. tornaram-se marido e mulher na vida real.

Danielle mal teve tempo de retornar a Paris para rever seus parentes e amigos, porque um outro compromisso a esperava mais uma vez na Alemanha. L ‘Or dans la Rue / 1934 de Kurt Bernhardt, comédia policial construída em torno dela e de Albert Préjean. Ele é Albert Perret, que se mete em uma trapaça que consiste em fabricar ouro sintético para enganar os incautos, mas acaba sendo desmascarado, e não lhe resta senão fugir para a América na companhia de uma jovem operária, Gaby (Danielle Darrieux), por quem se apaixonara.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em L’Or Dans la Rue

Pela segunda vez a dupla Darrieux-Préjean entusiasma os espectadores e portanto os dois estão novamente juntos em La Crise est Finie / 1934, desta vez sob a direção Robert Siodmak. O argumento é simples: uma trupe de comédia musical está desempregada por causa da crise econômica. No centro da companhia encontra-se um casal formado pela atriz Nicole (Danielle Darrieux) e pelo pianista Marcel (Albert Préjean). Em um teatro abandonado eles montam uma revista sob o signo do otimismo, praticando pequenos furtos (e até um sequestro), e entoando uma série de canções bem alegres compostas pelo alemão Franz Wachsmann, futuro Waxman quando ele emigrou para os Estados Unidos para fugir do nazismo.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em La Crise est Finie

Em 1934, um sentimento xenófobo se expandiu no meio da indústria do entretenimento. A polícia chegou até a ameaçar a produção de interromper a filmagem e a Nero Film foi constrangida a informar que dos quinhentos técnicos, atores e figurantes , somente sete não eram francêses. Um dia, sobre a porta do estúdio, foi colocado um cartaz, com estes dizeres: “Siodmak, volte para casa!” Soube-se depois que o autor do aviso era Henri Chomette, irmão de René Clair e antigo assistente de Siodmak. Após sete semanas de trabalho, mesmo assim, o filme foi completado, e pôde ser lançado, obtendo um grande sucesso popular.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Dédé

Adaptação de uma opereta, DedéDédé /1934, realizada por René Guissart, brinca com o apelido que Danielle Darrieux passou a receber depois de adquirir certa notoriedade: “DD”. O personagem Dédé, interpretado por Claude Dauphin, é um milionário, que compra uma sapataria, pertencente ao marido de Denise (Danielle Darrieux), mulher que ele ama, a fim de poder se encontrar com ela, sem se comprometer. Porém uma linda vendedora, Odette (Mireille Perrey), não o deixa indiferente, e Denise se consola com Robert (Albert Prejean), rapaz, alegre e decidido, cheio de idéias malucas para atrair a clientela. No elenco encontra-se o nome de algumas futuras vedetes do cinema francês: Ginette Leclerc, Viviane Romance, Suzy Delair e, na parte musical, desenvolvem-se bons números como, por exemplo, o dos grevistas “entregues” às Blue Bell Girls.

No ano seguinte, um outro filme interpretado por Danielle Darrieux e Albert Préjean chega às salas de cinema: Cuidado com Ela / Le Contrôleur des Wagons-Lits, produção franco-alemã, dirigida por Richard Eichberg, A história se passa em 1900 e tem início quando Bernard (Albert Préjean), inventor de um carburador capaz de decuplicar a velocidade dos veículos, é confundido com Mr. Bernard (Lucien Baroux), diretor da fábrica de automóveis Júpiter, e se encontra com uma corista do teatro de revista, Annie Bourguet (Danielle Darrieux), que se faz passar por condessa. No decorrer dos acontecimentos, Bernard descobre a verdadeira identidade da moça e ela verifica que ele é apenas o controlador do carro-domitório de um trem, cujo hobby é a mecânica. Com a ajuda de Annie, Albert toma o lugar do verdadeiro diretor, e experimenta o novo carburador em uma corrida automobilística, finalmente ganha pela Júpiter.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em Pequena Sapeca

É ainda com Albert Préjean que Danielle divide o cartaz de Pequena Sapeca / Quelle Drôle de Gosse / 1935, comédia maluca dirigida por Léo Joannon. O argumento, escrito por Yves Mirande, é o seguinte: Alfred Gaston (Lucien Baroux), um quinquagenário patrão de uma fábrica, está apaixonado por uma de suas secretárias, Lucie (Danielle Darrieux). A fim de não fazer um matrimônio desigual, ele decide despedir Lucie, para pedí-la em casamento no dia seguinte. Desesperada com a dispensa, Lucie vai se jogar no Sena, quando é salva por Gaston Villaret (Albert Préjean) que, para impedí-la de pular de novo no rio, leva-a para uma recepção em sua casa. Irritada por ter sido contrariada no seu plano de suicídio, e com o auxílio de alguns copos de uísque, Lucie cria uma imensa confusão (completamente embriagada, a moça caminha titubeando sobre o telhado da residência de Gaston, ameaçando se jogar no vazio diante dos pedestres horrorizados; ela esquece de fechar uma torneira e causa uma inundação). Mas Gaston e Lucie se amam e na manhã seguinte, revelarão um para o outro seus sentimentos mútuos.

Com este papel de garota travessa, a atriz transpôs uma etapa na sua carreira: a partir de agora ela estará sempre no centro do filme, será o motor de toda a ação. A crise de nervos de Danielle Darrieux tornou-se uma espécie de passagem obrigatória em  seus filmes cômicos.

Danielle Darrieux e Pierre Mingand em Mademoiselle Mozart

Em 1936, ela faz Mademoiselle Mozart, comédia musical comandada por Yvan Noé, reunindo-se novamente com Pierre Mingand, que esteve ao seu lado em Horas do Diabo. Mingand é Maxime, rapaz rico que, entediado no meio dos seus e de sua noiva, uma provinciana triste e enfadonha, se interessa por Denise (Danielle Darrieux), a bela proprietária de uma loja de instrumentos musicais na Avenida Mozart. Como os negócios não vão muito bem, ele vem em socorro de Denise e, com a maior discreção, se emprega como vendedor. Depois de muitos incidentes e canções, um cai nos braços do outro na sua loja.

Depois de Mademoiselle Mozart, Danielle participou, mais uma vez ao lado de Jan Kiepura, de J’Aime Toutes les Femmes / 1935, versão francêsa de um filme alemão, Ich liebe alle Frauen, dirigido pelo tcheco Carl Lamac (obs. no Brasil só passou a versão alemã com o título de Amo Todas as Mulheres). Ela fez algumas cenas em Berlim, porém o essencial da filmagem teve lugar em Paris sob a direção de Henri Decoin, substituto de Lamac. Kiepura é o tenor, Jean Morena, que quer se livrar de sua glória e, para isso, envia em seu lugar à uma recepção um rapaz empregado de uma mercearia, Eugène (Jan Kiepura), que se parece muito com ele, provocando inúmeros incidentes com suas respectivas noivas, Danièle (Danielle Darrieux) e Camille (Hélène Robert). Enfim tudo se reolve, quando os dois heróis formam um dueto. Nesta ocasião Danielle e Decoin começaram a namorar.

Subsequentemente, Danielle foi contratada por Alexis Granowsky para atuar em um filme de aventura histórica, Tarass Boulba / Taras Boulba / 1936, baseado em um romance de Nicolas Gogol, ao lado de Harry Baur e Jean-Pierre Aumont. Trabalhar com Harry Baur era um sonho de Danielle, que aceitou imediatamente o papel de Marina, a filha do governador de uma província polonêsa, cujo palácio é sitiado pelo chefe cossaco. Infelizmente, quando ela chegou ao palco da filmagem, ficou sabendo que não iria contracenar com o grande Harry Baur, mas somente com Jean-Pierre Aumont, que personificava André, o filho de Tarass Boulba, o rapaz por quem Marina estava apaixonada. Apenas oito dias de trabalho para Danielle, que lhe deixaram a impressão de ter participado de um simples esquete.

Daniel Darrieux em Mulher Mascarada

Danielle Darrieux e Henri Decoin

No final de 1935, Danielle e Decoin se casaram, ela com 18 anos, ele com 45, um mês depois da atriz ser dirigida por seu marido em  Mulher MascaradaLe Domino Vert,  produzido pela UFA e rodado nos estúdios de Neue Babelsberg simultaneamente com a versão alemã, Dominó VerdeDer grüne Domino, dirigida por Herbert Selpin e estrelada por Brigitte Horney. Danielle faz um papel duplo, o de Hélène de Richemond e o de sua mãe, Marianne. Hélene de Richemond, uma rica herdeira, foi criada por seu tio e a tia após a morte de sua mãe Marianne. Na véspera de seu casamento, Hélène recebe de um tabelião amigo da família, Maitre Laurent, uma carta escrita por sua mãe, revelando que seu verdadeiro pai se chama Henri Bruquier (Maurice Escande) e que ainda está vivo, condenado a vinte e cinco anos de prisão. A pedido de Hélène, Maitre Laurent lhe conta a história de Bruquier. Em 1914, ele era um crítico de arte, esposo pouco feliz de Lily (Jany Holt), que o traía com o escultor Nébel (Charles Vanel); mas Lily, pôs um fim neste relacionamento, para não perder seu marido que, por sua vez, havia se apaixonado por Marianne. Quando Lily é encontrada morta, Bruquier, pensando que foi Marianne a autora do assassinato, se acusa do crime. Desesperada após o encarceramento de Bruquier, Marianne, grávida dele, casou-se com o senhor de Rochemond. Ela morreu ao dar à luz à Hélène. No presente, Hélène promove a defesa do pai e consegue libertá-lo.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Danielle Darrieux e Charles Boyer em Mayerling

Lançado no início de 1936, Mayerling / Mayerling, drama histórico sobre o amor impossível de Marie Vetsera (Danielle Darrieux) e do arquiduque Rodolphe de Habsburg (Charles Boyer), dirigido com delicadeza por Anatole Litvak para a Nero Film, marcou o primeiro grande momento de Danielle como atriz, tanto pela importância da produção como pela profundidade de seu papel. Seu triunfo foi internacional e Hollywood começou a ficar de ôlho nela.

Danielle Darrieux em Só Para Mulheres

Depois de Mayerling, Danielle tomou parte de mais três filmes no ano de 1936. O primeiro, Só Para Mulheres / Club de Femmes, dirigido por Jacques Deval, mostra um grupo de moças – Greta (Betty Stockfield), Juliette (Josette Day), Alice (Else Argal) -, que se refugia na pensão de Gabrielle Aubry (Valentine Tessier) e Madame Fargeton (Ève Francis), para ficar ao abrigo das tentações e dos perigos do cotidiano. Na pensão circulam ainda Hèlene (Junie Astor), a telefonista perversa ligada a um rufião e, enfim, Claire (Danielle Darrieux), corista do Folies Bergères, dançarina ambiciosa e obstinada. No decorrer da narrativa, o ambiente do clube se revela o lugar das experiências infelizes de Greta, Juliette, Alice e Hélène e de uma aventura sentimental de Claire, afinal bem sucedida – desprezando as regras do Clube, ela introduz no estabelecimento seu noivo (Raymond Galle) vestido de mulher.

Adolf Wohlbrück e Danielle Darrieux em Port Arthur

O segundo filme, Port Arthur / Port Arthur, dirigido por Nikolas Farkas, tem como pano de fundo a guerra russo-japonesa de 1904. Danielle faz o papel de Youki, filha de pai russo e mãe japonesa, mas casada com um capitão da marinha russa, Boris Ranewsky (Adolf Wohlbrück), que, perseguida pelo comandante Vassidlo (Charles Vanel), é injustamente acusada de espionagem e prefere morrer nos braços de seu marido.

O terceiro filme, Uma Dupla do Barulho / Un Mauvais Garçon, dirigido por Jean Boyer gira em torno de uma jovem advogada, Jacqueline Serval (Danielle Darrieux), cujo pai quer casá-la com o filho de uma família amiga, os Feutrier. Cansada de brigar com seu progenitor, Jacqueline aceita um acordo: se ela não encontrar um cliente dentro de dezoito meses, terá que esposar o rapaz escolhido. Ela acaba defendendo um escroque simpático, Pierre Mesnard (Henri Garat), por quem se apaixona, sem saber que ele é o filho dos Feutrier.

No período 1937-1939, Danielle fez três filmes sob a direção de seu marido Henri Decoin (Senhorita Minha Mãe / Mademoiselle Ma Mère / 1937, Abuso de Confiança / Abus de Confiance / 1937, A Volta ao Lar/ Retour a L’ Aube / 1938); um filme americano dirigido por Henry Koster, Sensação de Paris / The Rage of Paris / 1938; e Katia / Katia / 1938 sob responsabilidade diretorial de Maurice Tourneur.

Em Senhorita Minha Mãe, após romper quatorze noivados para desespêro de seus pais, a linda e frívola Jacqueline Vignolle (Danielle Darrieux) aceita esposar o “primeiro homem que aparecer”. O felizardo é um viúvo quinquagenário, Albert Letournel (André Alerme); porém ela exige um casamento branco. Mr. Letournel tem um filho de vinte e cinco anos, Georges (Pierre Brasseur), que não resiste evidentemente aos encantos de sua madrasta.

Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Pierre Mangand e Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Em Abuso de Confiança, Lydia (Danielle Darrieux), jovem orfã e sem recursos para estudar Direito, se faz passar pela filha natural de Jacques Ferney (Charles Vanel), um escritor célebre. Mme. Fernay (Valentine Tessier) descobre a fraude, mas se cala, para poupar o marido de uma decepção. Quando Lydia, tomada pelo remorso e apaixonada por Pierre (Pierre Mangand), o secretário de Ferney, confessa sua impostura para Mme. Ferney, esta se cala para sempre, deixando a jovem viver feliz ao lado do seu amado.

Danielle Darrieux em A Volta ao Lar

Em A Volta ao Lar, Anita (Danielle Darrieux), jovem provinciana romântica, esposa de Karl Ammer (Pierre Dux) chefe da estação ferroviária de Thaya, um vilarejo sossegado da Hungria, sonha com uma outra vida, vendo os trens passando em direção a Budapeste, onde ela chega um dia, para assistir ao enterro de uma tia e receber parte da herança. Depois de preencher as formalidades, Anita perde o trem de volta, e se deixa levar pelo turbilhão da vida noturna da capital; mas, retorna finalmente para aquele que lhe traz a verdadeira felicidade.

Douglas Fairbanks Jr e Danielle Darrieux em A Sensação de Paris

Cenas de A Sensação de Paris

Em 1937, Danielle assinou um contrato de sete anos com a Universal, conservando a possibilidade de fazer um filme por ano na França. Ela pediu também que Henri Decoin tivesse o direito de opinar sobre os argumentos e a escolha dos seus parceiros. A estada hollywoodiana do casal iria durar oito meses, no curso dos quais Danielle apareceu no seu primeiro filme americano, A Sensação de Paris / The Rage of Paris (intitulado na França, La Coqueluche de Paris), sob a direção de Henry Koster. Daniele é Nicole de Cortillon, jovem francêsa chegada recentemente em Nova York à procura de um emprego de modelo. Ela entra por engano no escritório de um empresário, Jim Trevor (Douglas Fairbanks Jr.) e, pensando que ele é um fotógrafo profissional, começa a se despir, para posar. Desconfiando que ela é uma chantagista, que quer comprometê-lo, Trevor expulsa Nicole. Sem recursos, ela é recolhida por sua amiga Gloria Patterson (Helen Broderick), que decide se ocupar do futuro de Nicole, ao mesmo tempo que o seu. Com a ajuda de seu comparsa, Mike Lavetovitch (Mischa Auer), um mordomo que deseja abrir seu próprio negócio, Gloria arma um plano para casar Nicole com um milionário, fazendo-a passar por uma rica herdeira. O plano funciona muito rapidamente e o riquíssimo Bill Duncan (Louis Hayward) não resiste aos encantos da linda francesinha. No curso de uma noite na ópera, Bill apresenta a Nicole seu melhor amigo, que não é outro senão Jim Trevor. Ele logo reconhece sua suposta chantagista e, para proteger seu amigo, sequestra Nicole no dia de seu noivado com Bill, levando-a para seu chalé na montanha. Após algumas confrontações, os dois se aproximam e se apaixonam.

John Loder e Danielle Darrieux em Katia. 

Em seguida, Danielle fez Katia, a Tzarina sem Coroa, mas adoeceu, e ficou na França apesar de seu compromisso com a Universal. A ruptura de seu contrato lhe valeu algum prejuízo financeiro, mas a atriz francesa persisitiu em seu desejo de permanecer na sua pátria, alegando principamente sua vontade de escapar à padronização hollywoodiana, à qual queriam submetê-la: “Eles queriam modificar meu rosto, mudar meu penteado, eles queriam me dar uma outra alma, e pois bem, eu estava farta. Gosto daquí e não retornarei aos Estados Unidos”.

Com Katia, filme de orçamento vultoso, dirigido por Maurice Tourneur, os produtores quiseram reiterar o grande sucesso de Mayerling, colocando em cena os amores contrariados do tsar Alexandre II (John Loder) e de sua amante, a aristocrata Cartherine Yourevska Dolgouky, cognominada Katia (Danielle Darrieux). É uma evocação romanceada dos fatos históricos, tentando conciliar as duas facetas da persona de Danielle: a “garota travessa” das comédias e a jovem romântica dos dramas, tudo sob o contrôle rígido do reputado diretor do cinema mudo.

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OS WESTERNS DE SAM PECKINPAH

Recomendado como roteirista de TV pelo seu amigo e mentor Don Siegel, Sam Peckinpah escreveu scripts para alguns episódios de várias séries de westerns inclusive Gunsmoke / Gunsmoke, com James Arness e O Homem do Rifle / The Rifleman com Chuck Connors. Além de roteirista, Peckinpah funcionou também como diretor em The Westerner, cujo ator principal, Brian Keith, o indicou à Pathe America / Carousel Productions, para assumir a direção de O Homem Que Eu Devia Odiar / The Deadly Companions / 1961, seu filme de estréia no cinema. Peckinpah aceitou o encargo, esperando poder melhorar o roteiro que A. S. Fleishman havia escrito, mas o produtor Charles K. FitzSimmons (irmão de Maureen O’Hara) não permitiu que ele fizesse isso.

Sam Peckinpah

No enredo, um ex-sargento (Brian Keith) – apelidado de Yellowleg em razão de uma fita amarela costurada em suas calças do exército da União -, persegue o velho Turk (Chill Wills), um desertor rebelde que tentou escalpelá-lo enquanto estava ferido em um campo de batalha na Guerra Civil. Ele o encontra em uma cantina, salva-o de ser enforcado e, sem revelar sua verdadeira intenção, o convence, juntamente com seu companheiro Billy (Steve Cochran), a se unirem a ele, a fim de roubarem um banco na cidade de Gila, Arizona. Lá eles descobrem que outros bandidos também estão na cidade pelo mesmo motivo. Durante um tiroteio, Yellowleg mata acidentalmente um menino, filho de uma viúva, Kilt Tilden (Maureen O’Hara), que trabalha em um saloon. Quando Kit decide enterrar seu filho ao lado da sepultura de seu marido em Siringo, Yellowleg, dominado pelo remorso, a acompanha, apesar de suas objeções, e força seus companheiros a irem junto. Uma noite, Billy tenta estuprar Kit, Yellowleg intervém, e manda-o embora. Turk o segue e os dois voltam para roubar o banco de Gila. Yellowleg e Kit seguem viagem através do território Apache e chegam exaustos à cidade fantasma de Siringo. Ben e Turk, depois do roubo bem-sucedido, ressurgem, e os três homens se enfrentam em duelo. Billy atira em Turk, mas este fica apenas ferido e consegue matar Billy, atingindo-o pelas costas. Yellowleg quer escalpelar Turk, mas Kit o impede. A cavalaria de Gila chega, atrás dos dois assaltantes. Turk é preso e Kit e Yellowleg, depois do enterro do menino, vão embora, tendo encontrado o amor.

Brian Keith e Maureen O’Hara em O Homem Que Eu Devia Odiar

O argumento – contando o longo e difícil percurso do corpo de um menino morto através de uma região desértica dominada pelos índios; o desejo de vingança de um escalpelado, retardado pelo seu remorso por ter sido o causador da morte da criança; e a presença de um vilão psicopata que deseja criar sua própria República ditatorial com o dinheiro que roubaria, e utilizar os índios como escravos – era original. Entretanto, os poucos recursos da produção, o uso de uma película colorida imprópria para a filmagem em exteriores noturnos, a intromissão calamitosa do produtor na fase de montagem prejudicaram a narrativa, que segue com pouca ação, num tom lúgubre, vislumbrando-se no entanto algumas caraterísticas do cinema de Peckinpah como o gosto pelas cenas sangrentas ou bizarras e a descrição de heróis maltratados pela vida, perdedores ou desajustados, que buscam a redenção.

Brian Keith,Chill Wills e Steve Cochran em O Homem Que Eu Devia Odiar

Depois de O Homem Que Eu Devia Odiar, Peckinpah fez suas três obras-primas, tendo sido inegavelmente o realizador que mais se destacou no gênero na década de sessenta. Seus westerns foram chamados de dirty westerns (westerns sujos), de tal modo que este diretor destruiu os mitos do herói, do cowboy, do xerife, assim como o do soldado de uniforme azul. Ao western clássico, impregnado de bons sentimentos, ele opôs um mundo brutal e sem escrúpulos, de aventureiros amargurados, militares paranóicos, assassinos sádicos, bandidos idosos e fatigados que se matam entre sí em um Oeste agonizante. Seus três westerns admiráveis foram: Pistoleiros do Entardecer / Ride the High Country / 1962, Juramento de Vingança / Major Dundee / 1965 e Meu Ódio Será Sua Herança / The Wild Bunch / 1969.

Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

Randolph Scott e Joel McCrea em Pistoleiros do Entardecer

Em Pistoleiros do Entardecer, o ex-xerife Steve Judd (Joel McCrea) é contratado para escoltar um carregamento de ouro de uma mina para um banco da cidade. Steve convoca como ajudantes seu antigo colega Gil Westrum (Randolph Scott) e o jovem Heck Longtree (Ron Starr). No caminho, junta-se a eles a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) que está fugindo de um pai puritano e violento para se encontrar com o noivo Billy Hammond (James Drury) no acampamento dos mineiros. Após uma cerimônia matrimonial grotesca em um bordel, Elsa tem que ser resgatada das atenções brutais dos irmãos de Billy (John Anderson, Warren Oates, L. Q. Jones, John Davis Chandler). Na viagem de volta, perseguidos pelos Hammond, Judd frustra as tentativas de seus dois companheiros para roubar o ouro. Em uma confrontação final com os Hammond, Westrum, que havia fugido, retorna para ajudar Heck e Judd, que morre, ouvindo a promessa de Westrum de conclui a missão.

Cena de Pistoleiros do Entardecer

Mariette Hartley e James Drury em Pistoleiros do Entardecer

Os heróis estão envelhecidos. Logo nas primeiras cenas vemos o primeiro esconder sua miopia e se trancar no banheiro para ler um contrato e o segundo, fantasiado de Buffalo Bill, com cabelos longos e barba postiços, explorando um estande de tiro em um parque de diversões. Antigos guardiães da lei, eles sobreviveram à invasão do Oeste pela civilização e encontrarão juntos a oportunidade de viver sua última aventura, seu último duelo, e de readquirir o respeito próprio.

Não tendo enriquecido, nem formado uma família nem conseguido se estabelecer em algum lugar, Judd se considera um fracassado, mas espera recuperar sua dignidade. Deseja, segundo suas próprias palavras, “morrer justificado” consigo mesmo; daí sua recusa de embolsar o ouro que lhe fora confiado pelos garimpeiros, sua tristeza de se ver traído por um amigo nde sua confiança, e sua morte redentora, pois sabe que Westrum terminará a tarefa que ele não pôde cumprir.

Amoral e oportunista, irônico e mais maleável que Judd, Westrum também está consciente de seu fracasso no plano do êxito social e, ao contrario de Judd, pensa em se apoderar do ouro. Porém, ao ver seus companheiros prestes a serem massacrados por um trio sinistro, não hesitará em intervir e reverter uma situação deseperada. Aceitando concluir a missão de Judd, Westrum irá operar igualmente a sua redenção e recobrará a sua auto-estima.

Mariette Hartley, Ron Starr, Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

De seu passado aventureiro – constantemente relembrado – Judd e Westrum conservaram um certo senso de honra (mesmo Westrum, que queria se apossar do ouro) e de amizade e, em contato com os dois idosos, o jovem Heck aprende a se tornar um homem digno deste nome.

A escaramuça nas montanhas varridas pelo vento é uma das várias cenas magistrais do espetáculo. Há também o jantar, no qual Judd recita versículos dos Provérbios, o pai de Elsa retruca com Isaías e Westrum, encantado com a comida, “cita” Apetite, Capítulo I. Ainda melhor é a festa de casamento em um bordel, celebrada por um juiz bêbado e com as prostitutas como damas de honra.

Na sequência final antológica, Judd, ferido, e Heck, são encurralados em uma vala enquanto Billy e seus dois irmãos atiram neles da casa do rancho e do celeiro. De repente, em uma cavalgada emocionante, Westrum aparece para socorrê-los. Com um sorriso nos lábios Judd e Westrum tornam-se parceiros novamente. Os cinco homens se confrontam e todos são alvejados. Os Hammond morrem. Westrum assegura ao agonizante Judd que vai entregar o ouro “tal como este teria feito”. Judd responde: “Diabos, eu sei, sempre soube. Você apenas esqueceu por alguns momentos. Só isso”. O tom triste e nostálgico e as cores outonais da paisagem celebram a agonia de uma época e dão ao filme não somente grandeza, mas também poesia.

Charlton Heston em Juramento de Vingança

Em Juramento de Vingança, no ano de 1864, o Major Dundee (Charlton Heston), comandante de uma guarnição encarregada da guarda de prisioneiros sulistas e malfeitores de toda espécie, sob o pretexto de vingar o massacre cometido pelo apache Sierra Charriba, organiza uma tropa composta por seus soldados, pelos rebeldes – que só obedecem às ordens de seu chefe, Capitão Tyreen (Richard Harris) – e pelosdetentos civís.

O filme se concentra nos conflitos entre o oficial nortista severo e pragmático e o irlandês extravagante que havia aderido à causa confederada. Dundee, amargurado pelos seus fracassos no passado, encara a missão como um meio de salvação pessoal; Tyreen, romântico incorrigível, questiona seus sentimentos e seu valor. Para ambos a expedição punitiva é ao mesmo tempo a ocasião de resolver seus próprios dramas.

Richard Harris em Juramento de Vingança

Essa busca de identidade pessoal é ligada ao tema paralelo da definição nacional, ou melhor, à reflexão sobre as raízes da América. Soldados da União, prisioneiros confederados e negros cansados de lavar estábulos; ladrão de cavalos e pregador; batedor veterano e corneteiro ingênuo; tenente da artilharia inexperiente e sargento mexicano que conhece bem os Apaches, evocam as anomalias e as divisões da nação que está se formando.

A princípio reina a desconfiança entre os integrantes do grupo heterogêneo, porém ocorre uma aproximação quando eles entram em combate orgulhosamente contra os índios e depois os franceses do imperador Maximiliano. Tal como a nova nação, os homens se mantêm unidos pelo empenho decidido de destruir o inimigo – eles agora têm uma só identidade: são americanos. Apesar das mutilações ordenadas pelo produtor, o espetáculo não perdeu sua força cinematográfica (v. g. a carga da cavalaria francesa através do rio e a morte de Tyreen investindo loucamente contra os lanceiros) e seu significado.

Em um estudo estruturalista (Six Guns and Society, 1975), Will Wright defendeu a tese de que houve uma evolução no western de Hollywood de um interesse pelo herói solitário que luta contra os vilões em defesa da comunidade para uma preocupação com um grupo de heróis de elite que lutam simplesmente para se afirmar como profissionais. Estes novos heróis estão dispostos a defender a sociedade apenas como um emprego, que eles aceitam pelo dinheiro ou pelo prazer de lutar, e não pelo compromisso com as idéias de lei e justiça. A própria luta e a camaradagem que ela cria são uma justificativa suficiente para as suas ações. É o que Wright chamou de western “profissional” cujos representantes mais bem sucedidos foram Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 19060 de John Sturges; Os Profissionais / The Professionals / 1966 de Richard Brooks e Meu Ódio Será Sua Herança de Sam Peckinpah.

Robert Ryan em Meu Ódio Será Tua Herança

Ben Johnson, Warren Oates, William Holden e Ernest Borgnine em Meu Ódio Será Tua Herança

A ação do filme de Peckinpah começa na fronteira do Texas, em 1915, onde chega um bando envelhecido de foras-da-lei: Duth Engstrom (Ernest Borgnine), Lyle Gorch (Warren Oates), Hector Gorch (Ben Johnson), Angel (Jaime Sanchez) e Sykes (Edmond O’Brien), liderados por Pike Bishop (William Holden). Após assaltarem uma companhia ferroviária, são perseguidos pelos caçadores de recompensa de Duke Thornton (Robert Ryan), ex-parceiro de Bishop. Os ladrões fogem para o México e verificam que foram logrados (nos sacos de dinheiro havia apenas arruelas sem valor); logo se envolvem com o General Mapache (Emilio Fernandez), para quem assaltam um trem carregado de munição em troca de dez mil dólares em ouro. Angel, o membro mais jovem do bando, é também um revolucionário e, quando o general descobre isto, manda torturá-lo. Os outros companheiros a princípio tentam ignorar o compromisso de Angel mas, traídos por Mapache, eles honram seus princípios, redimindo-se em uma catarse de sangue.

Sam Peckinpah e William Holden na filmagem de Meu Ódio Será Tua herança

A “horda selvagem” é constituída por indivíduos violentos, inadaptados e solitários em uma época que eles não compreendem mais. A única virtude desses homens consiste no senso de honra pessoal e lealdade mútua. Já o magnata da estrada de ferro é totalmente desprovido de escrúpulos, pois permite a matança de cidadãos inocentes ao preparar uma cilada para o bando de Bishop, e depois organiza um grupo de perseguidores raivosos, dispostos a exterminá-los. A ferocidade dos perseguidores e dos perseguidos ainda é superada pela bestialidade dos mexicanos.

Peckinpah não analisa claramente as causas dessa violência, tentando apenas impressionar os espectadores para que estes fiquem horrorizados com ela. O excesso de gore (em cadência lenta) e a evocação de um oeste desglamourizado, levou muitos críticos a considerar Meu Ódio Será Tua Herança como mais uma ode à destruição inspirada pelos “western spaghetti”, obscurecendo o fato de que se trata de um filme de uma grandeza trágica raramente igualada no gênero.

Os outros westerns de Peckinpah, A Morte Não Manda Recado / The Ballad of Cable Hogue /1970 e Pat Garrett and Billy the Kid / Pat Garrett e Billy the Kid / 1973 incluem-se entre os “crepusculares”, pois retomam o tema do fim do Oeste.

Jason Robards em A Morte Não Manda Recado

Abandonado no deserto do Arizona por seus parceiros Bowen (Strother Martin) e Taggart (L. Q. Jones), que o despojam de seu cavalo e de seus bens, o garimpeiro Cable Hogue (Jason Robards) entrega-se à misericórdia de Deus. Após quatro dias perambulando sem destino, ele descobre água. Tomando posse desse pedaço de terra árida, Hogue cria Cable Springs, um oásis para viajantes cansados, servindo aos passageiros da linha de diligências entre Deaddog e Gila. Um desses viajantes itinerantes é um evangelista libertino chamado Joshua Sloane (David Warner), que toma conta do poço enquanto Hogue vai até a cidade de Deaddog para registrar sua descoberta e obter um empréstimo bancário. Lá ele conhece Hildy (Stella Stevens) uma bela prostituta e lhe oferece refúgio, quando ela é expulsa de Deaddog por religiosos. Os dois se apaixonam, mas Hildy parte para são Francisco atrás de um marido rico. Sua partida coincide com a chegada dos ex-parceiros de Hogue, que têm a intenção de roubá-lo; mas o garimpeiro monta uma armadilha para eles, aprisionando-os em um ninho de cobras. Quando Hildy reaparece, viúva e rica, para levar seu amado consigo para New Orleans, Hogue é acidentalmente atropelado pelo seu carro e, ao morrer, recebe a extrema unção pelas mãos de Joshua Sloane.

Jason Robards e Stella Stevens em A Morte Não Manda Recado

A Morte Não Manda Recado, tal como Pistoleiros do Entardecer e Meu Ódio Será Tua Herança, antes dele e Pat Garrett e Billy the Kid depois, é uma obra elegíaca simbolizando o ocaso de uma era e Cable Hogue um símbolo vivo do velho mundo eliminado pelo progresso. Trata-se de um western inusitado na filmografia de Peckinpah, concebido em tom de farsa e cruzando com outros dois gêneros: a comédia – recorrendo à câmera acelerada (quando Hildy chega e Hogue arruma a casa em poucos segundos) e ao desenho animado (o índio da cédula bancária piscando o olho para Hogue) – e o drama (o romance com final trágico entre a prostituta e o rústico empreendedor). Embora surjam aqui e ali algumas cenas interessantes, o espetáculo, acompanhado por canções folclóricas, tem pouca brutalidade e pouco dinamismo, transcorrendo em um ritmo moroso, que frustra o espectador acostumado com os filmes sangrentos e movimentados do diretor.

Kris Kristofferson e James Coburn em Pat Garrett e Billy the Kid

Em Pat Garrett e Billy the Kid os tempos lendários do Oeste não têm mais vez, superados pela modernidade e pelo capitalismo. Percebendo isso, Pat Garrett (James Coburn), que começa a envelhecer, aceita o cargo de delegado, oferecido por poderosos rancheiros (representantes do poder econômico), seus antigos inimigos. Ex-bandido, Garrett é nomeado guardião da lei em troca da promessa de respeitabilidade, e se empenha em prender seu amigo Billy the Kid (Kris Kristofferson), fora-da-lei mais jovem do que ele. Billy personifica o romantismo e o espírito de liberdade de um Oeste selvagem, que está desaparecendo. Garrett adverte-o de que, a partir de agora, estão em lados opostos, mas ele ao contrário ainda acredita no mito – é preso, mas consegue fugir. O perseguidor cumpre sua missão com desgôsto e retarda o momento quando deverá liquidar o amigo. Finalmente, Garrett descobre o paradeiro de Billy e o mata, sem lhe dar a menor chance de defesa. Alias (Bob Dylan) é um trovador, ao qual Peckinpah confiou um pequeno papel enigmático de testemunha da ação e da intriga.

Sam Peckinpah, James Coburn e Kris Kristofferson na filmagem de Pat Garrett e Billy the Kid

O filme, de índole alegórica (resistência a opressão, os tempos que mudam) e fatalista (a inevitabilidade do confront final), tem um ritmo lento, alternando cenas estáticas e lânguidas com sequências de violência gratuita (v. g. a matança dos galináceos a tiros por mera diversão). Compensando em parte a falta de dinamismo do relato, surgem alguns momentos de inspiração, tais como a fuga de Billy e aquela imagem simbólica da embarcação transportando uma família de mudança, com seus pertences e animais, tendo à proa um velho que dispara sua arma sem propósito contra as águas.

Apesar de certos acêrtos diretoriais em ambos, esses dois derradeiros westerns de Sam Peckinpah, abalados também pelos combates do diretor com os respectivos estúdios (Warner / Seven Arts e MGM), não têm a mesma significação artística do que os três que os antecederam.