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ANÁLISE DE CIDADÃO KANE

Produto do sistema de estúdio, Cidadão Kane foi o primeiro filme que fez importantes modificações no cinema clássico, abrindo caminho para o cinema moderno.

Cia. Prod: Mercury Productions / RKO Radio Picrtures

Chefe do Estúdio: George J. Schaefer

Produtor: Orson Welles

Prod. Associado: Richard Baer (Richard Barr)

Assistentes de Produção: William Alland, Richard Wilson

Diretor: Orson Welles

Assistentes de Direção: Eddie Donahue, Freddie Fleck

Roteiro: Herman J. Mankiewicz, Orson Welles

Diretor de Fotografia: Gregg Toland

Assistente de Câmera: Eddie Garvin

Retakes e cenas adicionais: Harry J. Wild

Operador de Câmera: Bert Shipman

Montagem: Robert Wise

Assistente de Montagem: Mark Robson

Efeitos de montage: Douglas Travers

Direção de Arte: Perry Ferguson, Van Nest Polglase (Chefe do Departamento)

Decorador de Interiores: Darrell Silvera

Efeitos Especiais: Vernon L. Walker

Pintor de Matte: Mario Larrinaga (auxiliado por Chesley Bonestell, Fitch Fulton)

Efeitos óticos: Linwood G. Dunn (auxiliado por Cecil Love, Bill Leads)

Fotógrafo de efeitos visuais: Russell Cully

Música / Direção Musical: Bernard Hermann

Canção “Charlie Kane”: Herman Ruby

Figurinos: Edward Stevenson

Som: Bailey Fesler, James G. Stewart

Maquilagem: Maurice Seiderman

Distribuição: RKO

Filmagem: 22 de julho a 23 de outubro de 1940

Duração: 119 minutos

Lançamento nos EUA: 1 de maio de 1941 no RKO Palace em Nova York.

Estréia no Rio de Janeiro: 29 de setembro de 1941 no Cinema Plaza.

Orson Welles

Gregg Toland

ELENCO PRINCIPAL:

Orson Welles – Charles Foster Kane

Joseph Cotten – Jedediah Leland

Susan Alexander Kane – Dorothy Comingore

Agnes Moorehead – Mary Kane, a mãe de Kane

Everett Sloane – Bernstein

George Colouris – Walter Parks Thatcher

Ruth Warryck – Emily Monroe Norton Kane, a primeira mulher de Kane

Paul Stewart – Raymond, o mordomo

William Alland – o repórter

Ray Collins – James W. Gettys

Harry Shanon – Jim Kane, o pai de Kane

Fortunio Buonanova – Matisti

Buddy Swan – Kane com 8 anos de idade

Philip Van Zandt – Mr. Rawlston

RESUMO DO ARGUMENTO:

Charles Foster Kane morre isolado em seu fabuloso castelo. Ninguém consegue explicar a última palavra que pronunciou: Rosebud. É isso que um repórter é encarregado de elucidar quando começa a interrogar os ex-colaboradores e a segunda esposa do falecido. Assim, reconstitui o quebra cabeça da vida de Kane, porém não decifra o enigma. Só nós, espectadores, ficamos sabendo que Rosebud era simplesmente o trenó que Kane possuia quando criança, símbolo da felicidade perdida e jamais recuperada.

GÊNERO DO FILME:

Reportagem biográfica. Drama de mistério. Ensaio para apreender, em uma abreviação dinâmica, a vida de um homem em toda a sua complexidade.

ÉPOCA E LUGAR DA AÇÃO:

A América contemporânea. A duração da “vida de um homem”. Ou seja, de 1871 (Kane com 8 anos) a 1941 (morte de Kane).

Marion Davies e William Randolph Hearst

Harold B. McCormick e Ganna Walska

ROTEIRO:

Trata-se de um roteiro original, escrito por Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, utilizando elementos da vida de William Randolph Hearst, conhecido magnata da imprensa americana (1863-1951) e também da vida do próprio Orson Welles. Nós podemos dizer que Cidadão Kane é um film à clef, isto é, muitos dos personagens são inspirados em pessoas reais. Por exemplo: Leland seria o crítico de teatro Ashton Stevens (tio de George Stevens), que era amigo do pai de Welles e que trabalhava para Hearst; Susan seria uma mistura da atriz de cinema Marion Davies, protegida e amante de Hearst e da polonesa Ganna Walska, cantora de ópera de Chicago, protegida e amante de outro magnata, Harold B. McCormick; Bernstein seria uma alusão ao Dr. Bernstein, médico, admirador e possivelmente amante da mãe de Welles e que depois foi seu guardião.

Orson Welles e Herman Mankiewicz

O roteiro foi escrito pelos dois da seguinte maneira: Mankiewciz escreveu o arcabouço da história e Welles depois ia revisando, cortando e / ou acrescentando novos incidentes. A idéia da multiplicidade de pontos de vista foi de Welles, que já a havia usado em uma peça que escrevera nos seus tempos de colégio, intitulada “Marching Song”, versando sobre o líder abolicionista John Brown. A idéia do enigma de Rosebud foi de Mankiewicz. Quem colocou mais fatos sobre a vida de Hearst foi também Mankiewciz, porque conhecia o Hearst intimamente e sabia muitas anedotas a seu respeito. O Welles introduziu mais acontecimentos sobre o outro magnata, McCormick, e sua própria vida. Nesta questão de autoria Mankiewciz contribuiu muito para dar consistência ao roteiro, mas foi Welles que deu o brilho cinematográfico à narrativa, impondo seu extraordinário estilo visual barroco, seu cinema essencialmente dinâmico.

DIVISÃO DO FILME:

O filme se divide em 4 partes:

  1. Um prólogo, mostrando a grade com o aviso No Tresspassing, e a morte de Kane.
  2. O cine-jornal mostrando de forma sucinta e didática (imitando o estilo da série A Marcha do Tempo / The March of Time, produzida nos anos 1935-1951 por Louis de Rochemont) a vida pública, política e sentimental de Kane. O ator William Aland imita a voz estentória do locutor do famoso newsreel, Westbrook Van Voories. Mais de quarenta anos antes de Zelig / Zelig / 1983, de Woody Allen, Welles inseriu o personagem de Kane nas tomadas de arquivo ao lado de figuras históricas famosas como Adolf Hitler e Teddy Roosevelt.
  3. Os trechos com as entrevistas e os flashbacks mostrando de forma prismática a verdadeira vida de Kane.
  4. Um epílogo, mostrando a fumaça que sobe e novamente a grade com o aviso No Trespassing.

 

 

CONSTRUÇÃO DRAMÁTICA:

Podemos observar:

1. O abandono da forma tradicional de narração clássica:

Em lugar do relato linear, Orson Welles optou por um relato “desintegrado”, “atomizado”, justapondo momentos isolados da vida de Kane, peças de um quebra cabeça que se arma diante de nossos olhos, e somente a última peça nos dará a chave do mistério. Através da verdade de cada um, vamos desmontando a personalidade de Kane do exterior para o interior, isto é, da sua vida pública, aparente, superficial, para a sua vida privada, onde se constata uma angústia profunda. Apesar dessa estrutura difusa, dispersiva, os roteiristas conseguiram dar ao relato uma continuidade bastante densa, a continuidade do que passou, do que foi vivido, enfim, conseguiram passar uma dimensão existencial ao relato.

2. A preocupação de não dizer tudo:

O filme inteiro apresenta apenas uma metade de Kane, e só as últimas cenas nos revelam a outra metade, aliás, a mais importante. Existe durante todo o tempo a preocupação de não dizer tudo. O repórter não fica sabendo quem era Kane. A verdade subjetiva de Kane nos é dada como um presente visual; somente nós, espectadores, conseguimos encaixar a última peça do quebra cabeça.

3. O uso original do flashback (uma década antes de Rashomon / Rashômon / 1950, de Kurosawa):

Em Cidadão Kane, o elemento tempo assume uma importância fundamental, tal como ocorre na obra literária de Marcel Proust ou William Faulkner. Para jogar com o tempo, geralmente usa-se o flashback. Só que, em Cidadão Kane, os flashbacks não representam as recordações apenas de uma pessoa, que é a forma mais comum, mas sim de várias pessoas. São cinco pessoas: Thatcher, Bernstein, Leland, Susan, e o mordomo Raymond. Isso além do jornal cinematográfico, que não deixa de ser também um retrospecto. Cada um desses flashbacks começa em um momento posterior àquele que o precede, mas um acontecimento ou período é recordado por dois ou três pontos de vista: a estréia de Susan na ópera é vista no jornal cinematográfico, no retrospecto objetivo de Leland e no retrospecto subjetivo da própria Susan.

Robert Wise, Richard Wilson e Orson Welles

4. O uso do montage como parte da ação:

Não confundir montage com montagem, que em inglês é editing. São duas coisas diferentes. O montage (ou sequência de montagem) é uma série de cenas rápidas condensando acontecimentos. Por exemplo: quando Kane obriga Susan a continuar cantando, vemos cenas rápidas mostrando diferentes teatros e manchetes de jornais estampando o nome de Susan com letras cada vez maiores. Geralmente o montage é usado à margem da ação ou como elemento de transição, mas em Cidadão Kane ele é usado como parte da ação.

TEMA:

Existe um tema filosófico e um tema social.

O tema filosófico é, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a felicidade e uma meditação sobre a existência. Charles Foster Kane teve riqueza e poder, mas não conseguiu ser feliz. Talvez fosse até melhor dizer que foi justamente a riqueza e o poder que o impediram de ser feliz. Rosebud simboliza o reconhecimento do seu fracasso existencial, a nostalgia do “paraíso perdido”, que era a sua infância tranquila, antes de ser obrigado a se separar dos pais. Inconsciente de sua ambição desenfreada, de seu delírio de poder, de seu egoismo e de seu orgulho, é só na hora da morte que percebe cruelmente a sua solidão. E aí nós lembramos de uma cena importante do filme, quando Kane, garoto, agride com o trenó o homem que lhe traria a fortuna. Era como se o menino estivesse pressentindo o seu destino. Ainda no plano filosófico, percebemos uma reflexão sobre o conhecimento. O repórter tenta apreender a vida de um homem na sua complexidade, tarefa que, segundo o aviso simbólico na grade de Xanadu, é impossível de realizar. No Trespassing, entrada proibida.

O tema social se desdobra em vários aspectos:

1. a crítica a uma concepção do homem e a uma certa forma de civilização baseada no mito do sucesso e no gigantismo. Crítica ao capitalismo e ao materialismo. Apesar da profusão de obras de arte e de amplos aposentos, Xanadu é um lugar sem vida, onde reina a solidão. Kane não capta o conteúdo espiritual das obras de arte, compra-as como mercadoria, como adorno. Trata-se apenas de acumular riqueza. Kane passou a vida inteira tentando usar seu dinheiro para fazer com que as pessoas gostassem dele. Criado por um banqueiro, em vez de seus pais, foi o dinheiro, e não o amor, que governou seus anos de juventude; portanto é natural que ele pensasse que o dinheiro devesse reger seu relacionamento com as pessoas.

2. a crítica à imprensa venal, à pressão que um truste da comunicação pode exercer sobre a opinão pública, inclusive impondo o sucesso de certos artistas. Apesar das críticas negativas dos demais jornais e do seu próprio comentarista de arte, a temporada lírica de Susan é noticiada nos jornais de Kane com manchetes efusivas e elogiosas. O magnata da imprensa faz tudo o que julga necessário para transformar a sua segunda esposa em uma das grandes cantoras do mundo operístico.3. a crítica aos costumes eleitorais. Ao tipo de publicidade empreendida por Kane contra seu adversário na eleição para governador, “Boss” Jim Gettys (os jornais de Kane publicam desenhos retratando Gettys em um uniforme de presidiário) e à chantagem política (os detetives que Gettys contratou, documentam o envolvimento de Kane com a amante e ele arranja um encontro com Kane e sua primeira esposa Emily no apartamento de Susan). Gettys oferece silêncio em troca da desistência de Kane de disputar a eleição, mas Kane se recusa. Os jornais rivais publicam a história do adultério e Kane perde a eleição – mas seus jornais proclamam que houve fraude.

Ray Collins, Dorothy Comingore, Welles e Ruth Warryck

Essas mensagens trazidas pelo filme eram das mais agressivas até então saídas de Hollywood. Assuntos “audaciosos” como esses, só costumavam ser abordados quando se tratava da adaptação de algum best seller cuja perspectiva de lucro acalmava os produtores como foi, por exemplo, o caso de As Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath / 1940 de John Ford. Atacar um “Deus” da América como Kane, mostrar o inverso de sua vida, questionar o mito do sucesso, doutrina pouco conforme àquela que era pregada em 95% dos filmes americanos, trouxe evidentemente muitos inimigos para Orson Welles e explica a cólera de Hearst.

DIREÇÃO:

Com um conteúdo tão original, Cidadão Kane merecia receber uma forma também original e Welles, apropriando-se, com poder de síntese extraordinário, de tudo o que havia de mais expressivo em termos de linguagem cinematográfica até então, renovou-a com o seu gênio. Pode-se dizer que, desde os filmes de Griffith, nenhum outro filme marcou mais a História do Cinema como Cidadão Kane. O cinema que se fazia por ocasião do lançamento de Cidadão Kane em 1941 era praticamente aquele inventado por Griffith com predominância da montagem de planos curtos, e que chegou ao auge no fim do período silencioso com as obras de diretores como Eisenstein, Murnau, Fritz Lang, Stroheim, Chaplin, Victor Sjostrom, Carl Dreyer etc. Esses cineastas foram enriquecendo a linguagem criada por Griffith. Eisenstein, propondo a montagem intelectual; Murnau, mobilizando a câmera ao máximo e projetando, com Fritz Lang, o expressionismo; Stroheim, introduzindo o naturalismo no cinema; Chaplin, o humanismo e a poesia; Sjostrom, a natureza; Dreyer, compondo uma sinfonia com os primeiros planos.

Com o advento do cinema sonoro, houve um retrocesso. A câmera, por imposição da nova tecnologia, ainda não aperfeiçoada, voltou a se imobilizar como nos tempos de Lumière, e o cinema reaproximou-se do teatro. Foi preciso um certo tempo para que outros tantos cineastas inventivos como Rouben Mamoulian, King Vidor, Ernst Lubitsch, René Clair, John Ford etc. reconduzissem o cinema para o seu caminho mais legítimo, porém ainda formulado de acordo com o padrão griffithiano. Em 1939, surgiu o filme famoso que representa bem esse tipo de cinema … E O Vento Levou / Gone With the Wind. A estética do cinema estava nesse estágio, quando um jovem de 25 anos lhe deu uma sacudidela, tornando-se o precursor do cinema moderno.

Orson Welles e Gregg Toland

Welles contava com sua experiência no teatro e no rádio, setores onde havia demonstrado o seu gênio e causado sensação. Mas, de cinema mesmo, não conhecia nada. Foi na sala de uma cinemateca que viu os clássicos pela primeira vez, notadamente No Tempo das Diligência / Stagecoach / 1939 de John Ford e, com espantosa intuição, aprendeu como funcionava o maravilhoso brinquedo, que lhe puseram nas mãos. Antes de Welles, já se usava os big close ups (por exemplo, Dreyer em O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D ‘Arc / 1928, os expressionistas e os russos); já se usava a iluminação contrastada (por exemplo, John Ford em O Delator / The Informer / 1935 e os expressionistas); já se usava imagens surrealistas (por exemplo, Cocteau e Buñuel); já se usava cenários com tetos de verdade (por exemplo, Ford em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939); já se usava a profundidade de campo (por exemplo, Jean Renoir em A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939): já se usava a estrutura prismática (por exemplo, William K. Howard em Glória e Poder / The Power and the Glory / 1933) etc. Portanto, Welles não inventou nada. Apenas se apropriou de tudo o que havia sido feito e empregou esses elementos de uma maneira nova.

Orson Welles e Gregg Toland

Muitos acham que há em Cidadão Kane um excesso de efeitos. Esta é a maior crítica que fazem ao fime. Por exemplo, a decisão tomada do uso da câmera baixa ao nível do chão na cena em que Leland está bêbado ou na repetição inútil do lance da grua entrando pela clarabóia da boate. Talvez haja de fato um excesso aqui e ali, mas não prejudicam o filme. Vejamos os acertos, que são abundantes.

  1. Utilização interessante dos meios técnicos:

1.1. No plano visual:

a) o emprego da profundidade de campo (ou foco profundo) e do plano-sequência.

A profundidade de campo tende a substituir as constantes mudanças de planos. Seu objetivo é dar ao espectador maior liberdade em relação ao acontecimento. O crítico francês André Bazin chamou isso de “a democratização da mise-en-scène”. A profundidade de campo enseja o plano-sequência, que registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes. Enquanto na decupagem clássica o diretor mostra uma ação em vários planos por meio de cortes, com a profundidade de campo ele permite que a gente veja essa ação de uma só vez como no teatro. A importância de cada momento da ação não é mais acentuada arbitrariamente pelo diretor. O espectador pode escolher o foco de sua atenção entre diversos pontos de interesse, que são mostrados simultaneamente. O diretor de fotografia Gregg Toland disse em uma entrevista: “Nós queríamos que o público, ao ver Cidadão Kane, tivesse a impressão de estar vendo não um filme, mas a própria realidade”. E Welles declarou: “Na vida a gente vê tudo em foco ao mesmo tempo e por que não no cinema?”

O problema era como obter a imagem nítida no fundo do quadro e isso foi solucionado por Toland usando uma lente grande angular (24mm, 28mm) anti-reflexo (AR Coating Lens) e fechando o diafragma ao máximo (f. 8 e f. 16); um filme super sensível (negativo Eastman Kodak Super XX); e forte iluminação, obtida com refletores de alta potência.

Profundidade campo e plano sequência

Em Cidadão Kane podemos apontar vários momentos nos quais se usou a profundidade de campo: nas cenas dos pais de Kane dentro da casa discutindo sobre o futuro do menino e este visto através da janela brincando lá fora na neve; na cena da entrada de Leland no fundo da sala de redação do jornal enquanto Kane está trabalhando na máquina de escrever e acaba por despedí-lo; na cena da lição de canto, quando Kane surge no fundo da sala; na cena do envenenamento de Susan com o frasco com o veneno em primeiro plano; nas cenas do banquete e da festa na séde do Inquirer etc.

b) o emprego do travelling.

Há quatro, magistrais, cada qual um tour de force de fluidez e continuidade: 1. O travelling inicial da grade com o cartaz No Trespassing até a boca de Kane. 2. O travelling na boate El Rancho, quando a câmera sobe verticalmente até as letras de vidro de gás néon e depois desce através da clarabóia. O movimento continua após uma rápida dissolvência (disfarçada por um relâmpago e um trovão), para ir apanhar embaixo Susan Alexander Kane e um repórter conversando em uma mesa no interior do estabelecimento (que era um antigo set da RKO). 3. O travelling vertical nos bastidores do teatro, durante a representação da ópera, até o teto onde estão os maquinistas. 4. O longo travelling final com a câmera sobrevoando o amontoado de caixotes até chegar à lareira, onde é jogado o trenó.

c) o emprego do simbolismo.

O simbolismo da palavra Rosebud, cujo significado nós já vimos: a felicidade perdida etc.o simbolismo das grades de ferro e o aviso No Tresspassing cujo significado nós também já vimos: não se pode penetrar totalmente na vida de um homem etc.

O simbolismo da bola de vidro com a miniatura da cabana de neve, cujo significado é bem claro: a nostalgia da paisagem da infância, les neiges d’antan, como diria o poeta François Villon.

O simbolismo da sombra dominadora de Kane sobre Susan e da boneca de pano de Susan.

O simbolismo das obras de arte encaixotadas, focalizadas do alto, sugerindo a vista aérea de uma grande metrópole e significando a capital do império que Kane construiu para seu uso e gozo.

d) o emprego da elipse.

Por exemplo, uma elipse cronológica quando Tatcher deseja ao pequeno Kane um feliz Natal e logo em seguida um próspero Ano Novo ao mesmo Kane mais velho.

e) o emprego irônico do chicote (whip pan), que é um elemento de pontuação no qual a câmera abandona uma imagem e vai colher a seguinte em uma panorâmica rapidíssima. Por exemplo, o uso de vários chicotes para mostrar a deterioração do casamento de Kane e Emily, sua primeira mulher, na mesa do jantar. Kane aparece cada vez mais vagaroso e Emily acaba lendo o jornal concorrente. São seis cenas de dois minutos, cada uma cobrindo nove anos de matrimônio.

f) o emprego das fusões ou dissolvências (lap dissolves).

Susan Alexander

As dissolvências foram muito usadas em Cidadão Kane. Por exemplo, para resumir em poucas imagens o suplício de Susan na ópera ou combinadas com o movimento de câmera, como no travelling da boate El Rancho.

g) o emprego da iluminação.

O papel da iluminação em Cidadão Kane, aliás tomada da escola expressionista, é importantíssimo, contribuindo frequentemente para a dramaticidade. Welles contou com a inestimável colaboração de um grande diretor de fotografia, Gregg Toland. (1904-1948). Curiosamente, foi Toland quem se ofereceu para trabalhar com aquele jovem de 25 anos, porque sentiu que ia poder ter liberdade para fazer experiências. A relevância da colaboração de Toland está refletida nos créditos do filme, nos quais o seu nome aparece com o mesmo destaque que o do diretor.

Welles não somente encorajou as experimentações de Toland, como positivamente insistiu para que ele fizesse isso. Desde os primeiros dias de trabalho eles mantiveram um espírito de fervor revolucionário com relação ao filme e esta atmosfera continuou a caracterizar o seu relacionamento durante toda a produção.

Há uma tendência no filme para iluminar violentamente os personagens que escutam e deixar na sombra os que falam. Também as luzes, às vêzes, vêm de uma só fonte de iluminação, para aumentar a dramaticidade como, por exemplo, na cena da biblioteca ou quando Kane e Susan estão na enorme sala de visitas de Xanadu, que é iluminada só pelo fogo da lareira.

Durante o comício, somente Leland está visível; o restante da multidão, está obscurecido por sombras. Outro exemplo do uso de sombras ocorre quando, depois da terrível performance de sua esposa na ópera, Kane fica de pé e bate palmas sozinho, vendo-se apenas sua silhueta. Mais um exemplo: Kane apanha um pedaço de papel no qual escreveu a “Declaração de Princípios” e, enquanto lê em voz alta, seu rosto cai na sombra, obscurecendo suas feições.

A utilização da backlighting (contra-luz), que faz com que as figuras apareçam na sombra ocorre na cabine, após a projeção do cine-jornal. Tudo o que vemos são as silhuetas dos jornalistas e o contôrno de suas mãos se movendo.

h) o emprego do surrealismo.

Emprego sutil de imagens surrealistas. Por exemplo: o estranho castelo e o big close up da boca de Kane. Um efeito surreal é a imagem distorcida da enfermeira que entra no quarto de Kane moribundo como se a câmera estivesse vendo através de pedaços quebrados de vidro.

i) o emprego do jump cut (corte interrompido, quebra abrupta da continuidade de uma cena, também chamado de salto de montagem, o efeito que se obtém na tela quando se projetam dois fragmentos que não montam), para acelerar o tempo. Um exemplo é o corte para o discurso político no Madison Square Garden, onde vemos Kane falando diante de seu poster gigantesco.

1.2. No plano auditivo:

a) SOM:

Com sua experiência radiofônica, Welles deu ao elemento sonoro uma importância quase igual à imagem. Podemos notar, por exemplo:

  1. a atmosfera sonora na cena da visita à biblioteca com o emprego dos ecos.
  2. o afastamento progressivo do som à medida em que o travelling vertical nos bastidores do teatro nos conduz até o alto, onde estão os maquinistas.
  3. a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo delirante, exprimindo o esgotamento da personagem incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido.
  4. o grito da cacatua após a partida de Susan em uma metáfora sonora exprimindo todo o desespêro de Kane. É como se ele estivesse tendo um ataque do coração.

  1. emprego do som para provocar um choque, uma surpresa brutal, uma comoção. Por exemplo, naquele corte para a música estridente iniciando o jornal cinematográfico, “News on the March”.
  2. a montagem sonora por analogia dos aplausos forçados de Kane e os aplausos também falsos de seus partidários.
  3. a montagem sonora pela qual os planos são interligados rapidamente não pela lógica da narrativa de suas imagens mas pela continuidade na trilha de som. Por exemplo, o crescimento de Kane de criança para adulto é transmitido em questão de segundos por uma técnica que Welles chamou de “lightning mix”: o guardião dá um trenó para o menino e lhe deseja “um feliz Natal” montado com o plano do mesmo homem completando a frase, agora endereçada a um adulto: “e um Feliz Ano Novo”. Ou seja, as cenas são ligadas pela trilha de som, e não pelas imagens.

b) MÚSICA:

A música acompanha a ação nas passagens cômicas ou dramáticas e é tão variada quanto o tom do filme. Um leit motif grave persegue Kane o tempo todo. Quando a narrativa ganha tons mais leves, esta gravidade desaparece como na sequência musical na séde do Inquirer. Pode-se notar um efeito interessante de sincronismo com a imagem quando a música para no momento em que se apagam as luzes do castelo.

Bernard Herrmann e orson Welles

O autor da música, Bernard Herrmann, que já havia colaborado com um Welles ainda mais moço na radiofonização de “Macbeth” no Mercury Theater of the Air e seria o futuro colaborador de Alfred Hitchock, compôs uma fictícia Ária de Salammbô (Dorothy Comingore deliberadamente dublada por uma soprano lírico leve, Jean Forward, para dar a impressão de que a personagem era inadequada para interpretá-la) especialmente para o filme, e aproveitou trechos de Chopin, Rossini, Handel, Mendelssohn e música de jazz (“This Can’t Be Love”, com o arranjo do Nat King Cole Trio).

Para simbolizar a deterioração gradual do casamento de Kane com sua primeira esposa, que transcorre na mesa do café da manhã, Herrmann usou um tema de valsa lenta com uma série de variações, que ficam cada vez menos parecidas com uma valsa e mais sombrias, na medida em que o clima entre os dois se torna progressivamente mais frígido.

O significado da palavra Rosebud, em torno da qual o filme inteiro gira, é expresso através da música, muito antes de ser revelado nas imagens. Um fragmento melódico (o motivo de Rosebud) é ouvido desde quando Kane a pronuncia no instante de sua morte e depois esse mesmo motivo é ouvido quando, ainda criança, ele está brincando na neve com o seu trenó, e mais uma vez quando a identidade de Rosebud é revelada visualmente. Outro fragmento melódico (o motivo do Poder) simboliza a sede insaciável de Kane pelo poder e sucesso indiferente às consequências.

c) DIÁLOGOS:

Os diálogos normalmente cumprem sua função de sustentar a progressão dramática ou de expor as idéias do autor. Em Cidadão Kane porém nenhum personagem é porta-voz do autor. Cada personagem dá a sua opinião sobre Kane, mas exprime apenas uma parte da verdade. A verdade total não é revelada pelos diálogos mas pela imagem do trenó se queimando na lareira. As réplicas que os roteiristas puseram na boca de Kane contribuem para exprimir as contradições do seu caráter. E as dos outros personagens também o retratam muito bem como na frase “Tudo o que ele realmente desejava na vida era amor, mas simplesmente não tinha nenhum para dar”, ou esta outra, “Ele só sabia dar gorjetas”.

Nota-se o uso do overlapping (diálogos justapostos) ou seja, quando várias pessoas falam ao mesmo tempo (como na realidade) e não uma depois da outra como fazem no teatro. Diálogos justapostos entre atores principais de um filme já haviam sido utilizados desde 1931 por Lewis Milestone em A Primeira Página / The Front Page, porém não para produzir uma impressão de conversação coletiva, como ocorreu em Cidadão Kane. Um exemplo de diálogos justapostos neste filme ocorre na cabine após a projeção do cinejornal “News on the March”.

Cenas dramaticamente expressivas:

a) a cena da chantagem de Gettys, especialmente nas últimas imagens, quando ele vem em direção à câmera para o primeiro plano com uma expressão de indiferença desdenhosa enquanto, no fundo, Kane explode de raiva.

b) a cena da cólera de Kane , quebrando o quarto de Susan.

Nessas duas cenas, a interpretação de Welles é notável. Ela tem uma grande intensidade dramática e um ritmo ofegante, e os enquadramentos, sensacionais. Por falar em interpretação, todos os atores eram desconhecidos no cinema, oriundos, como Welles, do Mercury Theatre, e por isso a equipe era bastante homogênea. Todos estão ótimos, destacando-se Welles por causa de seu papel mais importante. Outra prova da sua capacidade como ator Welles deu ao personificar com 25 anos um homem em várias fases de idade até a velhice. Mesmo com o auxílio da excelente maquilagem de Maurice Seiderman foi preciso também um esforço interpretativo por parte de Welles.

Toland, Welles e Maurice Seiderman

CENÁRIOS:

Com relação aos cenários, em interiores, aparece o teto. Na maioria dos filmes até então, nunca se via o teto, porque a iluminação vinha de cima. Para fotografar o teto, Toland colocou a câmera ao nível do assoalho com a iluminação também vindo de baixo. Os tetos que aparecem sempre que os ângulos de câmera ficam mais baixos (low angle), eram feitos de tecido (mousseline), e a captação do som, com o microfone atrás do tecido. Os cenários com tetos contribuiam para fechar o universo em que se moviam os personagens, tornando-o mais angustiante, mais “esmagador”.

Darrell Silvera e Van Nest Polglase

A gente pode perguntar qual é o significado daquela imensa biblioteca de estilo expressionista. Será que era para abrir pomposamente o livro da vida daquele homem pomposo ou, mais simplesmente, para criticar o abuso americano dos meios desproporcionados aos seus fins?

Em muitas cenas Welles e Perry Ferguson reutilizaram cenários de outros filmes da RKO e na sequência em Everglades eles usaram tomadas de arquivo de O Filho de King Kong / Son of Kong / 1933.

Perry Ferguson

Cumprindo instruções de Welles, Perry Ferguson desenhou cada cena (story board), pois o diretor queria que os cenários do filme fizessem parte integral da narrativa do filme; eles deveriam contribuir para a ação do filme, e não meramente funcionar como seu pano de fundo.

O principal interior de Xanadu é uma vasto salão definido por uma escadaria muito alta de pedra, uma lareira gigantesca e estátuas colossais – frequentemente a única companhia do casal. A esposa de Kane se entretem com um jogo de quebra cabeças enorme – tudo neste lugar é demasidamente grande. Neste aspecto Cidadão Kane é um refêrencia aos filmes de horror como Drácula / Dracula / 1931 realizados anteriormente por Charles D. Hall na Universal.

EFEITOS ESPECIAIS:

Em Cidadão Kane há um trabalho consideravelmente maior de efeitos especiais do que na maioria dos filmes de Hollywood na época. Uma das razões é de ordem financeira. Cidadão Kane foi realizado dentro de um orçamento que, devido à natureza e extensão de seu tema, era bastante limitado, e todo o empenho foi necessário para manter seu custo reduzido. Por exemplo, Welles foi obrigado a recorrer a artifícios óticos: nos planos do Madison Square Garden, somente a plataforma dos oradores é um set de ação com atores; o gigantesco salão e a platéia são pintados.

Na RKO, ao contrário de outros estúdios, as funções dos efeitos especiais estavam agrupadas em um departmento único e integrado, chamado Efeitos de Câmera, dirigido por Vernon L Walker. Havia câmeras especificamente projetadas ou adaptadas para a filmagem de efeitos. Mario Larrinaga era o pintor de matte e Linwood Dunn operava a trucagem ótica. Há no filme muito pouca projeção de fundo; essa técnica opunha-se à paixão de Welles pela profundidade de campo e pelo movimento sofisticado da câmera.

Vernon L. Walker e Linwood Dunn

Quanto ao uso do matte (que ocorre quando um elemento da cena sendo filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada), temos dois exemplos notáveis: 1. Na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane apenas um detalhe do set foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados por Larrinaga; 2. Na cena do cortejo para o piquenique em Everglades, a ação com atores foi filmada na praia de Malibu, onde o terreno em volta é montanhoso. Larrinaga pintou um panorama mais nivelado e uma vegetação mais típica de uma locação na Flórida. O castelo de Xanadu foi inspirado na mansão de San Simeon de propriedade de Hearst e no famoso Mont Saint Michael da França.

Um efeito ótico memorável providenciado por Lindwood Dunn foi aquele travelling já mencionado nos bastidores da ópera: Welles lhe pediu que o movimento de câmera fosse bem longo para que ela chegasse até o teto. Dunn construiu uma miniatura e, na medida em que a câmera subia, alternaram-se imagens da miniatura com as reais. Cinquenta por cento das tomadas de Cidadão Kane foram obtidas por efeitos especiais.

 

ATORES E ATRIZES BRASILEIROS NA ANTIGA HOLLYWOOD

Como todos sabem, Carmen Miranda foi a estrela brasileira que mais brilhou no céu de Hollywood. A vida e a obra da “pequena notável” foram abordadas exaustiva e exemplarmente por Ruy Castro, de modo que nada mais posso acrescentar à sua magnífica biografia. Vou lembrar apenas outros artistas brasileiros que tentaram se infiltrar no cinema americano.

Syn de Conde

O primeiro a chegar a Hollywood parece ter sido o paraense Sinésio Mariano de Aguiar, com o nome de Syn de Conde (1894 – 1990).  Por ocasião de uma exposição em sua homenagem na Cinemateca do MAM em 6 de março de 1974, ele já estava com quase oitenta anos de idade e não se lembrava com exatidão de todos os seus papéis e do número de filmes nos quais participou, mas sua presença é assinalada em pelo menos oito filmes, tendo sido identificados alguns dos personagens que interpretou: Revelação / The Revelation / 1918, estrelado por Alla Nazimova (Duclos);

Alla Naziomva e Syn de Conde em Revelação

A Defesa de uma Inocente / Out of the Shadow / 1919; A Garota Que Ficou em Casa / The Girl Who Stayed at Home, de D. W. Griffith / 1919 (Count de Brissac); Mary Regan / 1919 ; Rosa do Norte / Rose of the West / 1919; A Chama do Deserto ou A Chama do Amor / Flame of the Desert / 1919 (Abdullah); Audaz Conquista / Rouge and Riches / 1920 (Jose); Dinheiro da Lua / Moongold / 1921 (Arlequim ). Sobre sua atuação no filme de Griffith, Sinésio contou: “D. W. Griffith era um deus no estúdio. Não se ouvia um barulho. Um respeito extraordinário. Ele soube de mim por causa de Revelation com a Nazimova. Precisava de um francês, alguém que soubesse namorar, cativar uma moça … Quando Griffith queria filmar, só fazia um gesto assim, e tudo parava”.

Outro paraense, Archimedes Machado de Labor (1896 – 1943) esteve nos EUA no começo dos anos vinte. Com o nome artístico de Antonio Rolando, trabalhou como figurante em Romance das Planícies / Prairie Trails / 1920, western de Tom Mix; A Mulher que Deus Mudou / The Woman God Changed / 1921; Tesouro Tentador / Buried Treasure / 1921; Sacrifício de Mulher / A Virgin’s Sacrifice / 1922; A Volta ao Mundo em 18 Dias / Around the World in 18 Days / 1921; Fascinação / Fascination / 1922; A Lei Comum / The Common Law / 1923.

No Brasil, sua filmografia como ator inclui: Dioguinho / 1916; Ubirajara / 1919; Corações em Suplício / 1925; Filmando Fitas / 1926 (tb. como diretor); Anchieta entre o Amor e a Religião / 1931; Rosa de Sangue / 1934 (tb. como arg. e diretor); Caçando Feras / 1936 (tb. como ass. direção); Alma e Corpo de uma Raça / 1938; Sedução do Garimpo / 1941; O Dia é Nosso / 1941. Produziu com Luiz de Barros: Vivo ou Morto / 1915. Foi maquilador em A Carne / 1925. Segundo Jurandyr Noronha (Dicionário de Cinema Brasileiro, EMC Edições, 2008), Antonio Rolando retornou aos EUA, adquiriu a cidadania norte-americana, e embarcou com os comboios que levavam material bélico para os russos na Segunda Guerra Mundial, morrendo quando seu cargueiro foi torpedeado.

Os próximos brasileiros que tiveram contacto com a cinematografia americana foram Lia Torá e Olympio Guilherme,vencedores, entre rapazes e moças anônimos e outros candidatos que já atuavam no cinema nacional (Lelita Rosa, Luiz Sucupira, Georgette Ferret, Amanda Maucery, Diogenes Nioac, Bruno Mauro – nome artistico de Francisco Mauro, irmão de Humberto Mauro -, Carlos Modesto e Olyria Salgado), do Concurso de Beleza Fotogênica Feminina e Varonil realizado pela Fox Film em 1927, para escolher um casal de brasileiros, que seria contratado pelo estúdio em Hollywood.

Adhemar Gonzaga, Olympio Guilherme, Lia Torá e o crítico Pedro Lima

Um júri no Rio de Janeiro (composto pelos escritores Coelho Neto e Rosalina Coelho Lisboa; pelo crítico teatral do Jornal do Brasil, Mario Nunes; por José Mariano Filho, diretor da Escola de Belas Artes; Alberto Rosenval, diretor-geral da Fox Film no Brasil; e pelo publicista, José Matienzo), selecionou cinco candidatos, e um júri em Nova York (composto por William Fox, Winfield Sheehan, Sol Wurtzel e outros do alto escalão da companhia) escolheu entre estes cinco os ganhadores. O cinegrafista Paul Ivano (que havia sido operador de câmera de Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim e diretor de fotografia de 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925 de Fred Niblo) veio especialmente ao Brasil para filmar os concorrentes escolhidos pelo júri. No Rio os testes foram feitos no estúdio da Benedetti Filme e em São Paulo, nos estúdio da Redondo Filme no Parque Antártica.

A carioca Lia Torá (1907 – 1972), cujo verdadeiro nome era Horacia Corrêa d’Avila, viveu parte da infância no Rio de Janeiro e depois foi com a família para a Espanha, onde cursou a Academia de Dança de Barcelona e integrou o corpo de dança da Companhia de Revistas Velasco. Voltando a sua pátria, apaixonada pelo cinema, inscreveu-se no concurso da Fox e obteve a primeira colocação.

Lia Torá

Olympio Guilherme

Olympio Guilherme (1901-1973), nascido em Bragança Paulista, já com vinte anos era repórter de A Gazeta na capital do Estado e foi este jornal que o designou para acompanhar o concurso da Fox. Como nenhum dos rapazes já fotografados tivesse agradado aos chefões da Fox em Hollywood, Ivano resolveu fazer um teste com o repórter da Gazeta, que aceitou o desafio, por ver nele um bom assunto jornalistico, e acabou sendo o escolhido.

Os brasileiros foram lançados ainda em 1927 como figurantes em uma comédia curta, A Low Necker (Dir: Wallace MacDonald), juntamente com os vencedores de um concurso semelhante realizado na Espanha (obs. houve outros também na Argentina, Chile e Itália), Maria Casajuana e Antonio Cumellas. Nenhum dos quatro sairia vencedor do duro páreo do estrelato se bem que, com o nome de Maria Alba, a espanhola chegasse a obter alguns papéis mais destacados.

Olympio Guilgerme e Lia Torá mestres de cerimônia em O Rei do Jazz

Lia e Olimpio tornaram a trabalhar juntos como extras em Bastará ser Rico / Making the Grade / 1928 (Dir: Alfred E. Green) e em 1930 atuaram como mestres de cerimônia na versão brasileira de O Rei do Jazz / King of Jazz (Dir: John Murray Anderson). Lia fez pontas e pequenos papéis em outros filmes e, em 1919, ela e seu marido, o piloto automobilista e herdeiro de uma grande fortuna, Julio de Moraes, venderam para a Fox um argumento de sua autoria intitulado Mud (Lama), que foi transformado em roteiro e, sob a direção de Emmett Flynn, resultou no filme A Mulher Enigma / The Veiled Woman. Esta produção deu a Lia o seu único papel de protagonista no referido estúdio.

Com o fim do contrato com a Fox, Lia e o marido fundaram sua própria companhia nos Estados Unidos, a Brazilian Southern Cross, e rodaram o filme Alma Camponesa / 1929 (preliminarmente intitulado Progresso e Justiça e Num Cantinho de Portugal), estrelada pela atriz e dirigida por ele. Era a história de pequenos proprietários rurais que se sentiam prejudicados com a abertura de um estrada de rodagem e o elenco compunha-se ainda de: Agostino Borgato, Sherman Ross, Alfredo Sabato, Clélia Torá (irmã de Lia), Mariza Torá (sobrinha de Lia), Zacharias Yaconelli, Luiz Reis, Nina Rei, Luiz Monteiro. Mariza subiu ao palco do Cine Glória na Cinelândia para apresentar o filme em pré-estréia aos brasileiros.

Cena de Alma Camponesa

Julio de Moraes, Lia Torá e Adhemar Gonzaga

Em 1930, Lia apareceu brevemente em A Soldier’s Plaything (Dir: Michael Curtiz) e em Martini Cocktail / Dry Martini de Harry D’Abadie D’Arrast e suas demais aparições foram em filmes dialogados em espanhol ou versões de filmes americanos em espanhol, com os quais Hollywood procurava na época manter seus mercados nos países que falavam esse idioma (Don Juan Diplomático / 1931 / versão em espanhol de The Boudoir Diplomat (Dir: George Melford); Soñadores de la Gloria / 1931 (Dir: Miguel Contreras Torres); Hollywood, Cidade do Sonho / Hollywood, Ciudad de Ensueño / 1931 (Dir: George Crone;) Eram Treze / Eran Trece / 1931/ versão em espanhol de Charlie Chan Carries On (Dir: David Howard) com Lia e Raul Roulien como coadjuvantes. O filme passou em São Paulo com o título em português de À Meia-Noite). Um ano antes de morrer, Lia apareceu em As Confissões de Frei Abóbora (Dir: Bras Chediak / 1971).

Lia Torá e Alfred Gran em Martini Cocktail

Olympio Guilherme logo percebeu que não ia conseguir se projetar na Terra do Cinema. Passavam-se as semanas e os meses e o pessoal do estúdio nada mais fazia senão tirar fotografias dele para testar uma nova maquilagem ou ver como uma determinada roupa fotografava. Mas, aproveitando a viagem, estudou Economia e Filosofia na Universidade do Sul da California em Los Angeles e produziu, atuou, e dirigiu por conta própria o filme, Fome / Hunger / 1929, responsabilizando-se também pelo argumento e roteiro. Inspirado em Pudovkin, Olympio quis fazer um filme realista, e, para isso, cerca de oitenta por cento da metragem foram obtidos com a câmera escondida, através do uso de teleobjetivas, para mostrar a “alma popular”, sem disfarce de espécie alguma, sem exagêros e sem mentiras. Pouquíssimo visto nos Estados Unidos e na Europa, Fome, foi exibido no Rio de Janeiro no Cinema Parisiense. O comentarista da Cinearte não gostou do filme, achando que ele tinha “má linguagem cinematográfica”, e acrescentando: “Além disso, Olympio não foi feliz com a fotografia. Nem com os ângulos da máquina que escolheu. Nem com a representação. Nota-se que todos se sentem vacilantes e incertos”.

Olympio Guilherme em Fome

Em 1931, Olympio e Lia voltaram para o Brasil, ambos decepcionados com a “fábrica de sonhos”. Na verdade, o concurso de fotogenia da Fox tinha sido um golpe para a companhia ganhar publicidade de graça no Brasil. De regresso ao seu país, Olympio escreveu um livro intitulado A Verdadeira Hollywood (Freitas Bastos, 1933), revelando-se como escritor. Redator-chefe do Observatório Econômico e Financeiro entre 1936 e 1940, diretor de O Jornal entre 1942 e 1943, manteria sempre um grande interesse pelo jornalismo político e econômico. Entre seus livros estão A Margem da História Americana, A Realidade Norte-Americana, A Revolução Capitalista Norteamericana, Homens e Coisas Norteamericanas, A Luta pela Liberdade nas Américas etc.

Raoul Roulien

Ao contrário de Olympio Guilherme e Lia Torá, um outro artista brasileiro se deu bem em Hollywood: Raul Roulien (1905 – 2000), nome artístico de Raul Salvador Intini Pepe Roulien, natural do Rio de Janeiro. Apesar de ser carioca, ele se tornou conhecido primeiramente na Argentina como Raul Peppe, cantor, pianista e compositor, recebendo o título de Rei do Tango das Américas. De volta ao Brasil, já como Raul Roulien, trabalhou no teatro e gravou discos, entre eles, dois clássicos da música popular brasileira, Guacyra e Favela, de Heckel Tavares e Joraci Camargo. Em 1928, a Companhia Brasileira de Sainetes Abigail Maia – Raul Roulien, organizada por Oduvaldo Viana, lançou um novo tipo de espetáculos (oitenta minutos sem intervalo e a preços de cinema no Trianon) e um novo gênero teatral, “o teatro da frivolidade”, tendo à frente do elenco Abigail e Raul. Outro trabalho de Roulien nos palcos brasileiros foi a formação da Companhia de Filmes-Cênicos, mais uma modalidade de teatro aproximando-se do espetáculo cinematográfico, apresentando números cantados e dançados no velho Teatro Lírico.

Raul Roulien e Janet Gaynor em Deliciosa

Raul Roulien em A Marcha dos Séculos

Em 1931, Roulien casou-se com a atriz e bailarina Diva Tosca, que fazia parte de sua companhia, e resolveu ir para os Estados Unidos levando para a Paramount uma carta de recomendação de Tibor Rombauer, diretor dessa empresa no Brasil, apresentando-se nos estúdios de Long Island em Nova York. Coincidiu entretanto que Raul chegou justamente quando a Paramount fechava estes estúdios e assim mandaram que fosse fazer um teste em Joinville, na França, onde a empresa acabara de abrir novos estúdios para filmagem com elencos estrangeiros. Ele então se lembrou da Fox, onde conseguiu um contrato e estreou em Eram Treze / Eran Trece / 1931, versão em espanhol de Charlie Chan Carries On / 1931, dirigida por David Howard na qual ele canta um tango, um samba, e uma canção de apache.

Sua carreira prosseguiu como coadjuvante ou como protagonista em filmes americanos propriamente ditos ou hablados en español: Deliciosa / Delicious / 1931 (Dir: David Butler com Janet Gaynor e Charles Farrell); Mulheres e Aparências / Careless Lady / 1932 (Dir: Kenneth MacKenna com Joan Bennett e John Boles); Promotor Público / State’s Attorney / 1932 (Dir: George Archainbaud com John Barrymore); A Mulher Pintada / The Painted Woman / 1932 (Dir: John G. Blystone com Spencer Tracy); O Último Varão Sobre a Terra / El Último Varon Sobre la Tierra / 1933, versão em espanhol de It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: James Tinling com Rosita Moreno); Primavera no Outono / Primavera en Otoño / 1933 (Dir: Eugene Forde com Caterina Bárcena e Antonio Moreno); Não Deixes a Porta Aberta / No Dejes la Puerta Abierta / 1933 versão em espanhol de Pleasure Cruise / 1933 (Dir: Lewis Seiler com Rosita Moreno):

Rosita Moreno e Raul Roulien em O Último Varão Sobre a Terra

Conchita Montenegro e Raul Roulien em Granadeiros do Amor

O Homem Que Ficou para Semente / It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: Alfred L. Werker com Edna May Oliver e Gloria Stuart ); Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933 (Dir: Thorton Freeland com Dolores Del Rio, Gene Raymond, Fred Astaire, Ginger Rogers); Granadeiros do Amor / Granaderos del Amor /1934 (Dir: John Reinhardt com Conchita Montenegro); A Marcha dos Séculos / The World Moves On / 1934 (Dir: John Ford com Madeleine Carroll e Franchot Tone); Assegure a su Mujer / 1935 (Dir: Lewis Seiler com Conchita Montenegro ); Piernas de Seda / 1935, versão em espanhola de Silk Legs / 1927 (Dir: John Boland com Rosita Montenegro); Te Quiero con Locura / 1935 (Dir: John Boland com Rosita Moreno). Em Deliciosa, Roulien tornou famosa a canção do mesmo nome de George Gershwin, sucesso que repetiria em Voando para o Rio com o tango Orquídeas ao Luar de Vincent Youmans.

Dolores Del Rio e Raul Roulien em Voando para o Rio

Gene Raymond, Ginger Rogers, Raul Roulien e Fred Astaire em um intervalo de filmagem de Voando para o Rio

Na noite de 27 de setembro de 1933, Diva Tosca morreu em um acidente automobilístico, atropelada pelo filho de um ator famoso, Walter Huston, o futuro roteirista e diretor John Huston. O rapaz, que dirigia embriagado, já havia se envolvido em outro desastre: há pouco tempo o veículo de John Huston havia se chocado com o de Zita Johann, ferindo-a bastante.

Em 1935, durante a filmagem de Granadeiros do Amor, Roulien conheceu sua segunda mulher, Conchita Montenegro, na companhia da qual retornou em definitivo ao Brasil um ano depois. Aqui dirigiu e atuou como ator em O Grito da Mocidade / 1937 (com Conchita Montenegro, Jaime Costa, Jorge Murad, Alzirinha Camargo), um grande êxito de público, e filmou ainda: Aves sem Ninho /1939 (com Déa Selva, Rosina Pagã, Lídia Matos, Celso Guimarães e a menina Elza Mendes,); Asas do Brasil / 1940 (concluído, mas nunca lançado, porque um incêndio na Sonofilmes destruiu os negativos. Em 1947, a Atlântida comprou o argumento de Roulien e refilmou a história com os antigos atores principais, Celso Guimarães e Alma Flora); Jangada /1949 (com Fada Santoro que ficou inacabado); e Maconha, a Erva Maldita / 1950 (também inacabado). Roulien fez ainda uma “pontinha” não creditado em A Caminho do Rio / Road to Rio / 1947 (Dir: Norman Z. McLeod), uma das comédias da série Road to … com Bob Hope e Bing Crosby.

De volta ao teatro, Roulien formou uma companhia teatral, onde Cacilda Becker teve sua primeira experiência professional e, segundo consta, um romance muito discreto com Raul. Nos anos 60, Roulien trabalhou na televisão (v. g. dirigiu com Benjamin Cattan a primeira telenovela da TV Cultura, A Muralha / 1961). No mesmo ano, fundou a Placard Produções, empresa especializada na organização de concursos e exposições. Tenta um retorno ao cinema nos anos 80, propondo-se a filmar a vida de Oswaldo Cruz, entre outros projetos não realizados. Faleceu de infarto aos 94 anos e foi enterrado no Cemitério da Consolação em São Paulo. Seu clube favorito, o Botafogo, homenageou-o cobrindo o caixão com a bandeira alvinegra.

Outros brasileiros tentaram a sorte em Hollywood, porém nenhum deles alcançou a projeção de Roulien. No campo masculino: Zacharias Yaconelli, William Schocair, Paulo Portanova, Mario Marano, Carlos Modesto, Wilson Morelli, Eugenio Carlos, Paulo Monte. No campo feminino: Aurora Miranda, Eros Volúsia, Leonora Amar, Maria Belmar, Leonor Rodrighero.

Zacharias Yasconelli

Zacharias Yaconelli (1896 – 1976), um paulista que nasceu com o nome de Zacharias Iaconelli, trabalhou cinco anos em teatro, na companhia da Família Lambertini, tendo atuado como ator também no filme O Grito do Ipiranga / 1917 (Dir: Giorgio Lambertini), produzido pelos Lambertini. Em 1922, aos 25 anos, Yaconelli trabalhava em uma firma americana em São Paulo, quando ganhou um prêmio de viagem para Nova York, onde ficou por dois anos, e depois partiu para Hollywood. No começo só conseguiu aparecer em “pontas”ou como extra, tal como ocorreu por exemplo em O Rei dos Reis / The King of Kings / 1927 de Cecil B. DeMille. Para se sustentar melhor, Yaconelli trabalhou com intérprete nos tribunais de Los Angeles Seu nome constava no Central Casting Bureau com a seguinte informação: fala cinco idiomas: inglês, português, espanhol, italiano e ídiche. Teve um papel de destaque ao lado de Lia Torá em Alma Camponesa / 1929 e a revista Cinearte mostrou uma foto confirmando sua presença como garçom em Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1935. A Fox contratou-o para ser o diretor de diálogo (english instructor) de Carmen Miranda na filmagem de Uma Noite no Rio / That Night in Rio / 1941 e Aconteceu em Havana / Week-End in Havana / 1941. Para o primeiro filme, ele ainda escreveu a letra para They Met in Rio a ser cantada em português por Don Ameche. Yaconelli foi também tradutor e dublador. Foi ele quem dublou o apresentador Deems Taylor na versão brasileira de Fantasia / Fantasia / 1940 e narrou em português o documentário de Osa e Martin Johnson, Casei-me com a Aventura / I Married Adventure / 1940. Quando veio ao Brasil em 1941, acompanhando D. Maria, a mãe de Carmen Miranda, Yaconelli conheceu Joaquim Rolla, que o empregou como diretor artístico do Cassino da Urca.

Zacharias Yaconelli )à esq.) ao lado de Raul Roulien em Voando para o Rio

Nos anos 50, de novo em Hollywood, Yaconelli continuou figurando em várias produções: The Stork Pays Off / 1941; Amazon Quest / 1949; Holiday in Havana / 1949; O Barão Aventureiro / The Baron of Arizona / 1950; Terra em Fogo / Crisis / 1950; Paraíso Proibido / September Affair / 1950; Heróis da Retaguarda / Up Front / 1951; O Grande Caruso / The Great Caruso / 1951; A Lei e a Mulher / The Law and the Lady / 1951; O Poder da Mulher / Westward the Women / 1951; O Convite / Invitation / 1952; Dois Caipiras em Paris / Ma and Pa Kettle on Vacation / 1953; A Espada de Damasco / The Golden Blade; 1953; Meu Amor Brasileiro / Latin Lovers / 1953; Sob o Comando da Morte / The Command / 1954; A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain / 1954; O Segredo dos Incas/ Secret of the Incas / 1954.

Paulo Portanova

Paulo Portanova e Charlie Murray em Com a Boca na Botija

O paulista Paulo Portanova, trabalhou na Companhia Italo Brasileira de Seguros em São Paulo e foi para Hollywood a conselho de amigos que o julgavam parecido com Valentino. Trazendo uma carta de um Banco em Nova York que emprestava dinheiro para a First National, ele conseguiu uma figuração em A Vida Privada de Helena de Tróia / The Private Life of Helen of Troy / 1927 de Alexandre Korda. Depois apareceu em um outro filme de Korda, Hás de Ser Minha / Yellow Lily / 1928 e em O Preço da Virtude / The Heart of a Follies Girl / 1928; A Arca de Noé / Noah’s Ark / 1928 (é o almofadinha que não quer dar lugar para um padre); Com a Boca na Botija / Do Your Duty / 1928; Castigada / Disgraced / 1933; Um Brinde ao Amor / Here’s to Romance / 1935; Serenata Tropical / Down Argentine Way / 1940.

William Shocair e o anúncio de A Lei do Inqulinato

Apaixonado por Cinema, o carioca William Schocair (1902 – 1969) emigrou em 1921 para os Estados Unidos e lá trabalhou fazendo pontas em filmes mudos, inclusive de Rodolfo Valentino, adquirindo experiência na cinematografia então emergente. Voltou para o Brasil e filmou Lei do Inquilinato / 1926 e a comédia burlesa futurista Maluco e Mágico / 1927, nos quais também atuou como ator.

Mario Marano à extrema direita em uma cena de Sombras do Passado

Mario Marano atuou somente em um filme, Sombras do Passado / Out of the Past / 1927, no papel de Juan Sorrano. A revista Cinearte sentenciou: “Argumento batido e já abandonado. Não dá mais nada. Principalmente com um tratamento horrível como o que lhe deram Dallas Fitzgerald (obs. o diretor) e Tipton Stock (obs. o argumentista). Não se aproveita nada. Robert Frazer e Mildred Harris fazem muito mal o par de heróis. Mario Marano, brasileiro, tem um papel secundário. Aliás, esta foi uma das oportunidades de encetar carreira em que ele meteu os pés estupidamente”. Desiludido, Marano foi para Paris, onde conseguiu figurar em A Minha Noite de Núpcias / 1931, a versão portuguesa de Sua Noite de Núpcias / Her Wedding Night / 1930, com Leopoldo Froes e Beatriz Costa. Marano era o porteiro do hotel, cantando uma canção em francês.

Eva Schnoor e Carlos Modesto em Barro Humano

Eva Schnoor, Carlos Modesto e Lia Torá

Carlos Modesto (Carlos Modesto e Souza), estudante de medicina, descoberto por Adhemar Gonzaga quando dançava em um espetáculo do João Caetano foi o candidato de Cinearte ao concurso da Fox Film e o ator principal de Barro Humano / 1929 de Adhemar Gonzaga. Quando concordou em posar para Barro Humano, ele só impôs uma condição: mudar seu nome. Prestes a se formar em medicina, peferiu ocultar o seu nome verdadeiro. Passou a chamar-se Reynaldo Mauro. Mas ninguém o chamou assim. De longe, do Rio Grande do Sul, onde nasceu, chegavam muitas cartas, todas endereçadas a Carlos Modesto e ele acabou assumindo sua verdadeira identidade. Carlos representou o papel de Rodolfo Valentino em um espetáculo teatral para a sociedade beneficente “Pro Matre” e ficou conhecido como o Valentino brasileiro (lembrando que em Barro Humano ele dançou um tango com Carmen Violeta). Em Hollywood, só apareceu em um brevíssimo momento de Capitão dos Cossacos / Un Capitan de Cossacos / 1934, hablado en español estrelado por José Mojica e Rosita Moreno. Modesto logo desistiu do cinema, casando com a atriz Eva Schnoor (sua companheira no filme de Adhemar Gonzaga) e se dedicou integralmente à sua carreira de médico.

Wilson Morelli

Wilson Morelli, um dos elementos mais destacados do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, após terminar o curso de aperfeiçoamento em Nova York com Igor Schwezoff, foi para Hollywood, tentar o cinema. Ele trabalhou como chorus boy em Meu Coração Canta / With a Song in my Heart / 1952; O Professor e a Corista / She’s Working Her Way Through College / 1952; Hans Christian Andersen / Hans Christian Andersen; Três Cadetes em Apuros / About Face / 1952; Morrendo de Medo / Scared Stiff / 1953; Sua Excelência, a Embaixatriz / 1953; Furacão de Emoções / South Sea Woman / 1953; Cabeça de Pau / Knock on Wood / 1954; Rose Marie / Rose Marie / 1954.

Wilson Moreelli

Morelli, fez parte do show da boate “Moulin Rouge”(ex-Earl Carrol’s) e de espetáculos periódicos de dança espanhola com a famosa dupla Antônio e Luisa Triana. Ele lecionou coreografia na escola de Nico Charisse (o primeiro marido de Cyd Charisse) e se tornou partner de Tamara Toumanova, o primeiro bailarino brasileiro a alcançar tal prestígio. Participou também do Balé da Juventude, o grupo de dança que Schwezoff, de volta ao Brasil, transformou em um legítimo balé nacional, e constou dos créditos de um filme brasileiro, Jardim do Pecado / 1946 (Prod: Alexandre Wulfes; Dir: Leo Marten) juntamente com outros bailarinos (Carlos Leite, Tamara Capeller, Adalija Autran, Adelino Palomano etc.), seus colegas no Balé da Juventude.

Eugenio Carlos (de Almeida Barbosa), pernambucano, nascido em 1930, estreou no palco pelas mãos de Paschoal Carlos Magno no T.E.B., e depois, no Teatro Duse, representando inclusive um papel difícil, o de Osvald Alving, em Os Espectros de Henrik Ibsen. No início dos anos cinquenta, foi estudar arte dramática na Pasadena Playhouse em Los Angeles. Nesta escola teve professores como Michael Chekhov. A certa altura, ele foi envolvido no processo de divórcio do ator John Carradine, que acusava sua esposa, Sonia Sorrell, de ter cometido adultério com o jovem brasileiro.

Eugenio Carlos, Sonia Sorrell e John Carradine

Na filmografia de Eugenio Carlos constam duas co-produções: Escravos do Amor das Amazonas / Love Slaves of the Amazons / 1957 (Co-Prod. Brasil / Estados Unidos, Dir: Curt Siodmak, filmado na Amazonia, protagonizado por Don Taylor) e Tumulto de Paixões / The Witch Beneath the Sea / 1959 (Co-Prod. Brasil / Alemanha, Dir: Zygmond Sulistrowski, protagonizado por John Sutton). Em 1958, Eugenio atuou em um filme alemão, Peter Voss, Ladrão de Milhões / Peter Voss, der Millionenlieb (Dir: Wolfgang Becker com O. W. Fischer como Peter Voss) e participou como ator convidado na peça Os 7 Gatinhos de Nelson Rodrigues, fazendo o papel de Bibelot. No início dos anos 60, comandou o programa Notorious na TV Tupi. Depois se tornou artista plástico como entalhador de madeira, ficando conhecido como o entalhador Batista. Ele e sua esposa, a pintora Mady tornaram-se mundialmente conhecidos como “Os Embaixadores da Alma Brasileira”.

Paulo Monte

Paulo Monte

Paulo Monte (1921 – 2014) começou sua carreira como cantor de músicas norte-americanas, apresentando-se nas rádios Mayrink Veiga, Cruzeiro do Sul e Educadora. Logo após, ingressou na orquestra de Carlos Machado participando dos shows dos antigos cassinos da Urca, Icaraí, Copacabana e Atlântico. Fez várias temporadas em Buenos Aires, tendo atuado na rádio Belgrado. Em 1945 viajou para os Estados Unidos, onde foi contratado pelo Copacabana Night Club de Nova York. Em seguida fez várias tournés pelo país com a orquestra dos Lecuona Cuban Boys. Em 1946, permaneceu durante oito meses, cantando e apresentando shows nas cidades do México e Acapulco. Em 1947 retornou aos Estados Unidos, fixando-se em Los Angeles na Califórnia. Ingressou na UCLA, fazendo um curso de arte dramática com Maria Ouspenskaya. De volta ao Brasil tornou-se um dos melhores animadores no rádio e na televisão nos anos 60, servindo como exemplo É Pra Cabeça, programa de prêmios de muito sucessso na TV Tupi. Em 1971 ele lançou na TV Rio o Show de Turismo, transmitido, a partir de 1978, pela TV Bandeirantes: em 8 de julho de 1996, o programa comemorou o recorde de 25 anos de apresentações ininterruptas. No cinema, Paulo fez pontas nos filmes americanos Romance no Rio / Thrill of Brazil / 1946 e Resgate de Sangue / We Were Strangers / 1949; integrou o elenco dos filmes brasileiros Luz Apagada / 1953 (Dir: Carlos Thiré), O Gigante de Pedra / 1954 (Dir: Walter Hugo Khoury) e Sai de Baixo / 1956 (Dir: J. B. Tanko); estava, juntamente com Tonia Carrero, Norma Benguell, Norma Blum, Laura Suarez, Paulo Goulart, Jardel Filho, Sady Cabral, Agildo Ribeiro e Francisco Dantas, coadjuvando Jean-Pierre Aumont nada co-produção Brasil – Estados Unidos –Argentina, Sócio de Alcova / 1961 (Dir: George M. Cahan).

Aurora Miranda

Aurora Miranda da Cunha (1915 – 2005), conhecida como Aurora Miranda, a “outra pequena notável”, como lhe chamou Cesar Ladeira, nasceu no Rio de Janeiro no bairro da Tijuca. Irmã de Carmen Miranda, frequentava a Rádio Mayrink Veiga nos dias do programa de Carmen, quando, aos dezoito anos de idade, em 1932, chamou a atenção de Josué de Barros, e acabou ingressando na emissora no Programa de Ademar Casé. Em 1933, Aurora despertou a curiosidade de Assis Valente. que insistiu com Felicio Mastrangelo, diretor artístico da emissora para fazer um teste de voz com ela. O resultado foi muito bom e Assis a convidou para gravar na Odeon em dupla com Francisco Alves, a sua marchinha junina Cai, Cai Balão. O “Rei da Voz” levou Aurora para cantar esta mesma música com ele no Teatro Recreio, marcando a estréia oficial da jovem cantora diante do público. Pouco depois, ele a convidou para gravarem juntos o foxtrote de Noel e Helio Rosa, Você só … mente. As duas músicas fizeram sucesso e no mesmo ano houve mais um triunfo: a marchinha Se a Lua Contasse de Custódio Mesquita. Outro grande êxito de Aurora foi Cidade Maravilhosa de André Filho que ela iria cantar (além de Ladrãozinho de C. Mesquita) no seu primeiro filme brasileiro, Alô, Alô, Brasil / 1935, produzido por Adhemar Gonzaga e Wallace Downey e dirigido por W. Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro).

Aurora e Carmen Miranda em Alô, Alô Carnaval!

Antes de partir para os Estados Unidos, Aurora integrou o elenco de mais dois filmes de Gonzaga e Downey – Estudantes / 1935 (Dir: W. Downey), no qual cantou Onde está o seu carneirinho de C. Mesquita) e Alô, Alô Carnaval! / 1936 (Dir: W. Downey, João de Barro, Alberto Ribeiro) no qual cantou Cantoras do Rádio de João de Barro, Lamartine Babo e Alberto Ribeiro, em dupla com Carmen, acompanhadas pela orquestra de Simão Boutman e Molha o Pano com Benedito Lacerda e seu conjunto – e, finalmente, Banana da Terra / 1939, produzido pela Sonofilmes (Alberto Byington Jr., W. Downey) e dirigido por Ruy Costa, no qual cantou Menina do Regimento de João de Barro e Alberto Ribeiro.

Depois de anos de sucesso na Odeon, Aurora transferiu-se para a Victor em fins de 1938. Em 1940, casou-se com Gabriel Richaid, e começou a pensar em uma carreira americana. Graças ao prestígio da irmã, Aurora recebeu a proposta de um teste na MGM para uma participação em Lourinha do Panamá / Panama Hattie, filme que teria Red Skelton e Ann Sothern nos papéis principais, porém Carmen, achou o salário que estavam oferecendo muito baixo e encerrou o assunto (Lena Horne acabou sendo a escolhida). Aurora foi avaliada na Warner, vestida de baiana e acompanhada pelo Bando da Lua para um filme que se chamaria Carnival in Rio, mas foi reprovada no teste, e o filme nunca foi feito.

Aurora Miranda em Você Já Foi a Bahia?

Aurora Miranda

Finalmente, no ano de 1944, Aurora foi contratada por Walt Disney, para contracenar com figuras de desenho animado em Você Já Foi à Bahia? / The Three Caballeros / 1945. Ela dança com o Zé Carioca e o Pato Donald sob o som de Quindins de Iaiá de Ary Barroso, que fala no filme, contando a história de um pobre pinguim friorento que vivia no Polo Sul e cujo sonho dourado era passsar o resto da vida em uma ilha de sol nos trópicos. A nova técnica experimentada por Disney encantou o público e, em um dos momentos mais espantosos dessa reunião de criaturas de carne e osso com personagens de animação, Aurora dá um beijo no Pato Donald.

Aurora Miranda e Walt Disney

Enquanto Você Já Foi à Bahia era finalizado, com a inclusão dos desenhos, o contrato de Aurora com Disney já havia expirado e ela aceitou pequenas participações em filmes de outros estúdios: Conspiradores / The Conspirators / 1944 (Prod: Warner. Dir: Jean Negulesco, com Hedy Lamarr, Paul Henreid, Sydney Greenstreet, Peter Lorre, Victor Francen) no qual aparece cantando o fado Rua do Capelão; Brasil / Brazil / 1944 (Prod: Republic. Dir: Joseph Santley, com Tito Guizar, Virginia Bruce, Edward Everett Horton) no qual aparece em um número musical tal como Roy Rogers e Trigger e a dupla de dançarinos Veloz e Iolanda, sendo que a canção Rio de Janeiro de Ary Barroso e Ned Washington foi indicada para o Oscar de Melhor Canção);

Aurora Miranda em A Dama Fantasma

A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1944 (Prod: Universal. Dir: Robert Siodmak, com Franchot Tone, Ella Raines, Alan Curtis) no qual é creditada apenas como Aurora, e faz o papel da cantora temperamental Estela Monteiro que, irritada ao ver na platéia uma mulher (a dama fantasma do título) com o mesmo vestido que o seu, entra no camarim gritando em português “Que coisa horrorosa!” -convenientemente, no anúncio que saiu nos jornais brasileiros a publicidade fez o nome de Aurora Miranda encabeçar o elenco. Em 1945, Aurora fez mais um specialty act em Conte Tudo às Estrelas / Tell it to a Star (Prod: Republic. Dir: Frank McDonald, com Ruth Terry e Robert Livingston).

De volta ao Brasil, Aurora, além trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, atuou no Cassino da Urca na revista Circo de Luiz Peixoto, tendo como colegas Mesquitinha, Manoel Pera, Grande Otelo e os Anjos do Inferno e no Night and Day em um estupendo show de Carlos Machado, Mister Samba, que, sem ser uma biografia cronológica de Ari Barroso, fez uma apresentação teatral do que havia de melhor em sua imensa bagagem musical. Ao lado de Aurora estavam Grande Otelo, Elizete Cardoso, Vera Regina, Marina Marcel, Norma Benguel, Elizabeth Gasper, Norma Tamar, Irma Alvares e Gina le Feu. Em 1989, surgiu em um filme de Cacá Diegues, Dias Melhores Virão.

Eros Volusia

Eros Volusia (1914 – 2004), natural do Rio de Janeiro, filha do poeta Rodolfo Machado e da poetisa Gilka Machado, que lhe deram o nome de Heros Volúsia Machado, pode-se dizer que nasceu bailarina, demonstrando, desde os quatro anos, vocação para a dança. Quando Gilka Machado percebeu a tendência artística da filha, colocou-a em uma escola de balé. Um de seus melhores professores nessa fase de aprendizado foi Ricardo Nemanoff que, vindo ao Brasil com a trupe de Anna Pavlova, aqui se radicara. Depois de aprender a técnica de balé clássico Eros buscou elementos do lundu, do maxixe, do maracatu e das danças indígenas sem contudo romper com as manifestações do academicismo, uma miscigenação que atendia ao que pregava o Manifesto Antropofágico. O jornalista e poeta Carlos Maul saudou-a como “A Bailarina do Brasil”. Eros ganhou projeção internacional quando a revista Life publicou sua foto na capa da sua edição de 22 de setembro de 1941, apresentando-a como uma bailarina exótica em cujas veias fervia o sangue das três raças dominantes no Brasil. O sucesso da brasileira após ilustrar a capa da Life levou-a a ser contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer e assim ela seguiu para os Estados Unidos para participar em um número musical (começando com o Tico-Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e finalizando com Oia a Conga de Benedito Lacerda) do filme Rio Rita / Rio Rita / 1942 (Dir: S. Sylvan Simon), estrelado por Bud Abott e Lou Costello.

Eros Volusia em Rio Rita

Eros Volusia e Eleanor Powell

Apesar do sucesso que foi essa aparição cinematográfica, Eros resolveu voltar para o Brasil onde, além de se dedicar ao ensino do balé no Curso Prático de Dança do Serviço Nacional do Teatro (dentre suas alunas destacavam-se Mercedes Baptista, que foi a primeira negra a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal, e a polêmica Luz Del Fuego); trabalhou nos Cassinos da Urca, Atlântico e Copacabana, no Teatro Municipal e no Teatro de Revista (v. g. com Mesquitinha em Pudim de Ouro; com Walter D’Avila em Passo da Girafa), sempre aclamada como “A Dona dos Ritmos Morenos do Brasil”. Além do filme hollywoodiano, Eros atuou em filmes nacionais: Favela dos meus Amores / 1935 (Dir: Humberto Mauro); Samba da Vida / 1937 (Dir: Luiz de Barros); Caminho do Céu / 1943 (Dir: Milton Rodrigues), Romance Proibido / 1944 (Dir: Adhemar Gonzaga); Pra Lá de Boa / 1949 (Dir: Luiz de Barros).

Leonora Amar

Leonora Amar (1926 – 2014) nasceu no Rio de Janeiro e começou a cantar com apenas quinze anos no programa de calouros de Ari Barroso na Rádio Cruzeiro do Sul. Tendo sido gongada, cantou “Palpite Infeliz” em outro programa desse gênero na Rádio Ipanema, sob a direção de Afonso Scola, e saiu vitoriosa. Desejava estudar medicina, porém foi contratada por essa última emissora, onde permaneceu alguns anos, abandonando a idéia de se tornar médica. A seguir, cantou na Rádio Mayrink Veiga e depois na Rádio Nacional, onde encerrou sua carreira de cantora radiofônica. Em 1943 seguiu para Hollywood, disposta a tentar o cinema americano. Naquela ocasião, anunciou que estava contratada pela Warner para fazer um filme com Errol Flynn, intitulado Equador, que nunca foi realizado. Ela seguiu para Nova York, onde cantou na boate Copacabana e na N.B.C. (National Broadcasting Corporation). De volta ao Brasil, ingressou no Cassino Atlântico como crooner, de onde logo saiu para cantar na Rádio Tupi. Em seguida, sua atuação foi no Cassino da Urca, onde participou de Yes, Carnaval!, show dirigido por Chianca de Garcia.

Cantinflas e Leonora Amar em O Mago

Em 1945, foi para o México, onde se tornou artista brasileira do cinema azteca (cognominada pelos mexicanos “A Vênus do Brasil”), tendo feito O Desquite / El Desquite / 1947; Sob o Céu de Sonora / Bajo El Cielo de Sonora / 1948; Paixão Cigana / Zorina / 1949; Comisario en Turno / 1949; O Mago / El Mago / 1949 (com Cantinflas); Curvas Perigosas / Curvas Peligrosas / 1950 (filme que inaugurou sua própria companhia produtora, Produciones Sol); e Cuide do Seu Marido / Cuide a su Marido / 1950. No Brasil, foi eleita Rainha do Carnaval de 1951 e, em 1952, contratada pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estrelou Veneno (Dir: Gianni Pons) ao lado de Anselmo Duarte e Ziembinski. Voltou para o México onde, enfim, fez um filme americano, Capitão Scarlett / Captain Scarlett, dividindo o topo dos letreiros com Richard Greene.

Leonora Amar e Anselmo Duarte em Veneno

Leonora foi amante de Miguel Alemán Valdès, presidente do México entre 1946 e 1952, um político que, segundo a revista Time, sabia conquistar os homens e encantar as mulheres. Suas aventuras amorosas foram censuradas na imprensa mexicana devido ao contrôle exercido pelo govêrno sobre os meios de comunicação, mas foram divulgadas em revistas e jornais americanos. Logo, esses namoricos chegaram a figurar em relatórios elaborados pelos diplomatas estadunidenses para o Departamento de Estado, inclusive seu romance com Leonora. Ela conheceu Miguel Aléman quando ele ainda era candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) à Presidência. Seus encontros íntimos foram mantidos no mais estrito segrêdo, mas Leonora não foi capaz de guardá-lo para sí e começou a contar para várias amigas que era amante do “próximo presidente do México”. Essa indiscrição transbordou e foi crescendo entre os círculos politicos. Alfred Blumenthal, administrador do Hotel Reforma, que havia contratado Leonora para atuar uma temporada na boate do hotel, solicitou à Embaixada Americana um visto para levar Leonora para os Estados Unidos. O documento pelo qual ele pediu o visto está publicado no livro Mexico in the 1940’s: Modernity, Politics and Corruption, Stephen R. Niblo, Rowland & Littlefield, 2000.

Maria Belmar

A paulista Maria Belmar apareceu no elenco de Eterna Esperança / 1937 -1940 (Dir: Leo Marten) e foi para os Estados Unidos, onde desfilou em um concurso de beleza norte-americano sob o título de Miss Brasil. Após nove anos de ausência, voltou à sua pátria e, em visita à redação da revista Carioca, declarou:”Já viajei por toda a América do Norte, tomando parte em shows, teatro, cinema, sem ter a pretensão de ser Greta Garbo … e participei em 37 filmes, entre os quais O Último Romance da Warner Bros. com Janis Page, Don De Fore, Jack Carson. ”(obs. o título correto do filme era Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas). Na capa de sua edição de 23 de novembro de 1950, a revista estampou uma foto de Maria ao lado de Bob Hope. A Revista da Semana de 27 de abril de 1946 mostrou uma foto dela com Humphrey Bogart.

Maria Belmar e Humphrey Bogart

Além da sua aparição como passageira do navio em Romance em Alto Mar, só pude confirmar sua presença como uma escrava em Perdidos no Harem / Lost in a Harem / 1944 e como uma mulher espanhola em A Maleta Fatídica / Nightfall / 1956, mas é provável que tenha feito uma ponta ou figuração em Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944; Desde Que Partiste / Since You Went Away / 1944; Meu Coração Canta / With a Song in My Heart / 1952; Os Sinos de Santa Maria / The Bell of St. Marys / 1945. Quantos aos outro trinta filmes, não tenho nenhuma confirmação.

A carioca Leonor Rodrighero desembarcou em Nova York em pleno inverno, trajando um belíssimo casaco de pele inteiramente branco, procurando causar sensação, mas teria conseguido apenas um pequeno papel em um seriado protagonizado por Marguerite Clayton, As Treze Noivas / Bride 13 / 1920. Entretanto, o crítico Pedro Lima, que deu esta notícia na revista O Cruzeiro, acrescentou que viu o filme da Fox, mas nunca soube que papel ela teve ou que fim tomou a esperançosa patrícia. No livro Serials and Series, A World Filmography , 1912-1956 de Buck Rainey não consta o nome dela no elenco. Quando o filme passou no Rio de Janeiro o anúncio de jornal mencionava o nome dela.

Três outras atrizes brasileiras quase chegaram a fazer um filme americano: Laura Suarez, Eva Wilma e Alzirinha Camargo,

Laura Suarez (1909-1990), carioca, filha de espanhóis, nasceu com o nome de Laura Soler Pedrosa y Suarez. Em 1927, aos 18 anos, foi eleita Miss Ipanema. Em 1932 estreou no teatro ao lado de Paulo Gracindo (ainda Pelopidas nos letreiros) na revista musical Plaquette de Henrique Pongetti (produzida por Francisco Pepe, irmão do Roulien) e no cinema em Céu Azul / 1940 (Dir: Ruy Costa). Contratada pela rede NBC de rádio, rumou para Los Angeles com seu marido William Melniker, diretor da MGM para a América Latina. Ela chegou a ser indicada para contracenar com Tyrone Power em Sangue e Areia / Blood and Sand / 1941 no papel de Dona Sol (depois entregue a Rita Hayworth), mas um incidente frustrou a ascensão da brasileira na Meca do Cinema.

Laura Suarez

Laura contou, em depoimento para Simon Khoury (em Bastidores – I, Leviatã, 1994): “Estava tudo acertado para o início das filmagens, o papel era meu e houve um coquetel de apresentação dos artistas da fita (…) Numa noite, fui jantar em companhia de um dos figurões lá do estúdio, num dos restaurantes mais conhecidos da época, o Victor Hugo, e enquanto tomávamos alguns aperitivos, ele tentou me acariciar por debaixo da mesa, de maneira pouco convencional. Mostrei meu desagrado; ele insistiu e fui obrigada a empurrá-lo com certa violência. O big shot perdeu o equilíbrio e, para não estatelar no chão, afundou a mão numa gigantesca sorveteira e, daí, deu-se um pequeno escândalo. Um batalhão de fotógrafos espocou seus flashes, houve corre-corre e eu, às pressas, retirei-me do local. Fui diretamente para casa, fiz as malas de qualquer maneira e regressei ao Brasil, pois tinha certeza de que minha carreira no cinema norte-americano estava liquidada”.

Eva Wilma

Eva Wilma, cujo verdadeiro nome é Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini, nasceu em São Paulo em 1933, iniciou sua carreira artística como bailarina e depois se consagrou como atriz de teatro, cinema e televisão. Em entrevistas recentes, ela falou sobre o teste que fez para o papel de uma cubana no filme Topázio / Topaze / 1969 de Alfred Hitchcock. Tudo começou quando o governo americano a premiou com uma viagem de 45 dias aos Estados Unidos para assistir peças e filmes. Durante a viagem, Eva Wilma visitou o estúdio da Universal Pictures, onde o mestre do suspense estava trabalhando. Após ter visto filmes produzidos pela Universal, Wilma chamou a atenção de um agente do estúdio, que pediu licença para tirar fotos, porque Hitchcock estava precisando de uma atriz latino-americana para o papel de uma cubana no filme Topázio. “Tirei as fotos e voltamos para o Brasil. Ele mandou pedir currículo, material filmado e mandaram me buscar”. Infelizmente ela não aprovou e quem ficou com o papel da cubana Juanita de Cordoba foi a atriz alemã Karin Dor.

Alzirinha Camargo e Ciro Rimac

Alzirinha Camargo, declarou para a Scena Muda (outubro 1942, número 1126), que fez um teste na Metro, mas não atuou em nenhum filme. Não consegui confirmar a existência do dito teste. O que apurei foi que em 1939, ela se apresentou no Cassino Atlântico com uma orquestra norte-americana regida pelo peruano Ciro Rimac. Eles se casaram e viajaram para os Estados Unidos, onde  participaram em shows na cadeia de cinemas da Metro com um repertório parecido com o de Carmen Miranda.