Arquivo diários:janeiro 11, 2018

EDDIE POLO, O ROULLEAUX

Eddie foi um dos ídolos mais famosos dos espectadores de cinema dos anos dez e vinte no Brasil, desde que surgiu na tela do Cinema Iris na rua da Carioca, RJ no seriado mudo A Moeda Quebrada / The Broken Coin / 1915. Sem ser bonito, sem fazer papéis de galã romântico, Eddie Polo (1875-1961) dominou a cidade: não só o público infantil, que vibrava com ele, mas também o adulto, que admirava suas proezas audaciosas e suas brigas fenomenais, nas quais pegava um bandido, levantava- no ar, e o atirava longe com uma facilidade incrível.

Eddie Polo

Algumas fontes indicam que Eddie nasceu em San Francisco, Califórnia, com o nome de Edward Wyman, mas o mais provável é que veio ao mundo como Eddie Weimer em Viena, Austria, no seio de uma família de artistas de circo, que excursionava pela Europa. Os negócios da trupe não iam bem e, aos seis anos de idade, ele passou por um período de treinamento com Henry Wolf, astro do mundo circense europeu. Passados cinco anos, Eddie, fugiu do circo de Wolf e montou por conta própria alguns espetáculos; eventualmente, foi parar na Inglaterra, onde se infiltrou como clandestino em um navio cargueiro, e rumou para os Estados Unidos (cf. Kalton C. Lahue, Bound and Gagged, The Story of the Silent Serials, A. S. Barnes, 1968).

Eddie Polo

Reproduzo aquí trechos de uma entrevista de Eddie à imprensa, que pode ter sido inventada pela publicidade da Universal: ”… Aos quatro anos eu já andava, com as mãos, de cabeça para baixo, mas não me lembro de quando comecei a dar pulos e cambalhotas no ar … Fui o primeiro homem a aparar um acrobata depois de uma tríplice cambalhota no ar! … Uma vez em Paris, fiz um barulho enorme com um aeroplano e um pára-quedas … Subí no aeroplano a mais de mil pés e depois deixei-me cair de pára-quedas … No cinema luto de verdade! Alguns ensaiadores, no que diz respeito a cena de violência, contentam-se com lutas impressionistas, mas os da Universal, insistem sempre no maior realismo para os seus filmes em séries. Por isso quando eu me bato com doze homens numa grande cena, eu luto de verdade, empregando tudo quanto sei e posso da nova arte de boxing, esforçando-me deseperadamente pela vitória, como pede o argumento”

Eddie Polo

Após dezessete anos de sua vida passados como trapezista sob a tenda do Circo Barnum and Bailey e depois do Ringling Brothers, Eddie resolveu se transferir para o vaudeville no Olympic Theater em Nova York. A esta altura, ele havia se casado com Pearl Grant, ex-artista de circo, com a qual teve uma filha (Malvina, que posteriormente apareceu em alguns filmes mudos, sendo mais lembrada como Marietta Ventucci, a jovem débil mental violentada pelo personagem de Erich von Stroheim em Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1922 e como Paulette em Casamento ou Luxo / A Woman of Paris / 1923 de Charles Chaplin), e começou a pensar em arranjar um emprego, que lhe desse segurança financeira.

Malvina Polo e Stroheim em Esposas Ingênuas

Com este propósito, Eddie se aproximou do cinema, começando por arranjar um pequeno papel na série Slippery Slim da Essanay. Em 1914, ingressou na Universal atuando algum tempo como stuntman em algumas comédias (v. g. Cupid in a Hospital, de Henry Lehrman, com Billie Ritchie). Quando se contundiu em uma cena arriscada, Grace Cunnard e Francis Ford, que estavam preparando o seriado A Moeda Quebrada em 22 episódios, confiaram-lhe alguns serviços ocasionais (em Os Campbell Chegam ou A Revolução nas Índias em 1857/ The Campbells are Coming, The Hidden City e Nabbed, todos de 1915) e depois, como Eddie era um artista de circo experiente e bom acrobata, eles o incluiram no seriado.

A intriga de A Moeda Quebrada, diz respeito a uma moeda, na qual está um mapa, que levaria seu dono a um imenso tesouro. O problema que põe a narrativa em andamento é o fato de que a moeda tem duas partes: uma não vale nada sem a outra.A jornalista Kitty Gray (Grace Cunard) comprou uma parte da moeda em uma loja de curiosidades e, ao saber de seu possível valor e interessada em escrever uma grande história, vai ao pequeno reino de Gretzhoffen à procura da outra parte, que está em poder do rei enfraquecido, Michael II (Harry Schumm). Em Gretzhoffen, ela se confronta com o cruel Conde Frederick (Francis Ford), que pretende se apoderar da fortuna e do trono. Eddie interpreta um personagem chamado Rolleaux, que está sempre ajudando a heroína a sair das dificuldades, e assim logo começou a receber cartas dos fãs, elogiando seu trabalho. O sucesso lhe subiu à cabeça e um dia chegou ao palco de filmagem sem a maquilagem requerida para seu personagem e anunciou que estava cansado de parecer daquele jeito e iria mudra a aparência de seu personagem. Apesar do seu protesto, ele foi obrigado a usar a maquilagem até Miss Cunard retirá-lo do seriado, fazendo com que Rolleaux morresse em um naufrágio no vigésimo episódio. Quem sabe ao certo a razão da dispensa? Foi punição ou ciúme de seus famosos colegas do filme?

 

Cena de A Moeda Quebrada

A direção de Francis Ford imprimiu muita rapidez ao relato cheio de ação que, inclusive, mostrava em algumas cenas Carl Laemmle, o dono da Universal, como o editor-chefe do jornal onde Kitty trabalhava e, em outras cenas, um jovem chamado Jack Ford (depois John), o irmão mais moço de Francis. Para se ter uma idéia do fascínio que o seriado suscitou, vale recordar o relato de Gilberto Souto em um artigo para o Correio da Manhã por ocasião da morte de Eddie Polo aos 86 anos em 1961. Segundo Gilberto, Adhemar Gonzaga, fundador da Cinédia e homem de cinema dos mais conhecidos, lhe contara que, durante as exibições de A Moeda Quebrada, o Íris estava em obras, para transformar-se em um confortável salão e (para a época) um colosso de cimento armado. Durante a primeira etapa da demolição do velho prédio, com o telhado já parcialmente retirado, começou a chover. O público não se alarmou. Calmamente, abriu seus guarda-chuvas, e continuou a torcer pelo herói. “Rolleaux era à prova d’água”, concluiu Gilberto com muita graça. O ator faria outros papéis na tela, mas o público continuou chamando-o de Rolleaux ou Rolô, como diziam alguns.

No ano seguinte, Eddie foi novamente dispensado, desta vez do seriado A Filha do Circo / The Adventures of Peg O’ the Ring. No enredo, Peg (Grace Cunard) faz um papel duplo, primeiro como a mãe que foi ferida pelas garras de um leopardo enfurecido antes do nascimento de sua filha; depois, como a filha que, por causa desta influência prenatal, torna-se sujeita a acessos de loucura toda noite à meia-noite, constituindo uma ameaça para quem está perto dela.. Francis Ford é o seu meio-irmão (ambos compartilham o mesmo pai), que se apaixona por ela, sem saber a sua história ou o fato de que são parentes. Ruth Stonehouse e Eddie Polo substituiram Cunard e Ford, quando eles deixaram a produção por força de uma disputa com a Universal. Algumas semanas depois, Cunard e Ford voltaram ao trabalho, as cenas que Ruth e Eddie tinham feito foram eliminadas, e os dois substitutos excluídos da filmagem.

Entre os dois seriados citados, Eddie fez pequenos papéis nas séries The New Adventures of Terrance O’ Rourke / 1915, Subôrno / Graft / 1915 e Aventuras de Lord John ou O Caminho de Lord JohnLord John’s Journal / 1915 e nos dramas O X nº 3 / 1916 e The Voice of the Tempter/ 1916. Após A Filha do Circo, ele apareceu em dois filmes estrelados por Marie Walcamp, o drama Onda of the Orient / 1916 e o seriado Liberdade ou A Herança Fatal / Liberty, a Daughter of the USA / 1916, o primeiro no gênero western.

Nele, o coronel Horton, pai de Liberty (Marie Walcamp) morre, deixando a tutela de sua filha e a administração de sua vasta propriedade rural no Novo México aos cuidados de seu amigo Major Winston (Neal Hart) e de seu antigo sócio, Jose Leon (L. M. Wells) até que Liberty complete os 21 anos exigidos pela lei. Seu testamento especifica que, se Liberty se casar antes dessa idade, sem o consentimento dos seus tutores, perderá o direito à propriedade. O velho coronel não esqueceu de seu bom camarada, Capitão Rutledge dos Texas Rangers (Jack Holt), deixando para ele seu cavalo favorito, nem de Pedro (Eddie Polo), o fiel criado, para o qual legou mil dólares e pediu para que fosse para sua filha o que sempre fôra para ele. Entretanto, Jose Leon, que o coronel supunha seu amigo, arma um plano para se apossar das terras e casar seu filho Manuel (Bertrand Grassby) com Liberty enquanto que, paralelamente, o capataz da fazenda, Pancho Lopez (Raymond Nye), um líder rebelde, sequestra Liberty, esperando usar o dinheiro do resgate, para financiar uma revolução. Mas Liberty é salva por Pedro e no final tudo termina bem, com a união amorosa da moça com o Capitão Rutledge.

Em 1917, em outro papel coadjuvante, mas sempre chamando a atenção do público, Eddie contracenou com Harry Carter e Priscilla Dean em uma aventura que dizia respeito ao roubo, praticado pelo Fantasma Pardo (Harry Carter), de um colar valiosíssimo, que estava destinado a ser um presente de casamento para uma dama da nobreza. Os dois primeiros episódios  de The Grey Ghost mostravam o planejamento e a execução do roubo de uma joalheria em plena luz do dia, seguindo-se as situações envolvendo a descoberta e captura do audacioso ladrão.

Enquanto a diretoria do estúdio estava decidindo o que fazer com ele, Eddie integrou como coadjuvante alguns filmes bem modestos da Universal (Good Morning Judge / 1916, A Noiva de Bronze / The Bronze Bride / 1917, Money Madness / 1917, Em Casa AlheiaA Kentucky Cinderella / 1917, The Plow Woman / 1917 e finalmente obteve seu primeiro papel principal no seriado Roulleaux, o Invencível ou Cody, o Invencível / Bull’s Eye / 1917. Este tem como ponto de partida a luta entre criadores de ovelhas e pecuaristas. A ação transcorre na sua maior parte no rancho Bull’s Eye. Quando seu pai – o dono do rancho – é assassinado, Cora Clayton (Vivian Reed), auxiliada pelo capataz, Cody (Eddie Polo), procura descobrir o culpado. Embora inicialmente enamorada de um agente do serviço secreto e assediada pelo chefe dos bandidos, ela acaba nos braços do destemido Cody. Com uma trama complicada em dezoito episódios, este seriado deu a Eddie ampla oportunidade de mostrar seus dotes físicos e acrobáticos. Rolleaux Invencível arrastou multidões ao cinema da rua da Carioca. A sua lotação de seiscentos lugares esgotava-se o dia inteiro, de uma hora da tarde às onze da noite, além de que cêrca de cem pessoas ficavam de pé, pelos corredores.

A trajetória fílmica de Eddie prosseguiu com mais um seriado, Sedução do Circo / The Lure of the Circus / 1918, seguindo-se um grupo de westerns de dois rolos da série Roulleaux, o Ciclone ou Roulleaux Ciclone / Cyclone Smith (v. g. O Mensageiro Branco / The White Messenger / 1922). O retorno aos seriados ocorreu quando ele foi com uma equipe para a Inglaterra, a fim de filmar cenas para The Broken Idol, depois intitulado The 13th Hour, e finalmente lançado como A Punhalada Misteriosa ou Punhal Maravilhoso / The Vanishing Dagger / 1920. Em ambos os seriados Eddie continuou suscitando a devoção dos seus admiradores, sempre anunciado como “o hércules dos músculos de aço”; mas seus colegas de elenco e da equipe técnica não estavam mais aguentando a sua vaidade.

Em 1920, ele ainda fez o seriado O Rei do Circo / King of the Circus e, após umas férias, retornou em O Sinete de Satanás / Do or Die / 1921. O mais lembrado pelos fãs foi O Rei do Circo, no qual Eddie King (Eddie Polo) é um acrobata do circo de James Gray (Henry Madison), indivíduo cruel, que tem um medo instintivo de símios. Mary Warren (Kittoria Beveridge,), a parceira de Eddie no número principal, foi adotada por Gray em um orfanato, mas a moça parece não confiar nele. Quando um velho palhaço meio caduco chamado John Winters (Charles Fortune) sofre um acidente, que o faz recuperar a memória, ele informa a Eddie que Gray foi responsável pela morte de seu pai, o dono originário do circo. Determinado a esclarecer o assunto, Eddie se confronta várias vezes com Gray e seus capangas e, no decorrer dos acontecimentos, conhece Helen Howard (Corrine Porter), filha de um médico eminente, que vem a desempenhar um papel importante na história. O espetáculo apresenta todos as atrações do mundo circense, impressionando notadamente a criançada.

Uma das razões principais para a imensa popularidade de Eddie Polo com a meninada era o fato de que seus seriados tinham um ritmo rápido e ação ou suspense ininterruptos, mas era preciso dispensar a coerência e aceitar completamente as coincidências como, por exemplo, em O Sinete de Satanás, cuja história era implausível em muitos trechos, mas a movimentação furiosa e o andamento bem ligeiro tomaram o lugar da lógica.

O relacionamento entre Eddie Polo e a Universal foi interrompido ao terminar a filmagem de Os Quatro Agentes Secretos ou Os Quatro Secretas / The Secret Four / 1920, seu último seriado para a empresa. Eddie havia sido anunciado como o astro de Adventures of Robinson Crusoe / 1922, porém houve uma mudança na administração e Julius Stern, um sobrinho de Carl Laemmle, ocupou o cargo de gerente do estúdio, quando Irving Thalberg foi para a MGM. Eddie era controlável sob as ordens de Thalberg, mas com Stern isto não aconteceu. Eddie saiu da Universal e fundou a sua companhia, The Star Serial Corporation, planejando produzir seis seriados independentes, entregando a presidência para Joe Brandt, contratando J. P. Mc Gowan como diretor e alugando o Peerless Studio em New Jersey.

A Universal fez o seu Robinson Crusoe / The Adventures of Robinson Crusoe /1922 com Harry Myers no papel principal e, no mesmo ano, a Star Serial lançou O Capitão Kid / Captain Kid / 1920 em cujo enredo Edward Davis (Eddie Polo), depois de ouvir de sua avó moribunda uma história ocorrida no século dezessete com um de seus ancestrais que se apoderara de um mapa indicando o local do tesouro do famoso bucaneiro, resolve sair à procura dessa fortuna, mas tem de enfrentar seu primo, que cobiça não somente o ouro escondido como também sua noiva, Louise (Katheryne Myers). Infelizmente, Eddie gastou mais do que devia para produzir o seriado que, submetido à distribuição pelo sistema do states rights, foi um fracasso, resultando em consequência a dissolução a firma.

Eddie Polo em Der Teufelsreporter

Eddie fez mais três filmes na América, Preparado para Morrer / Prepared to Die / 1923, The Knock on the Door / 1923 e A Hora do Perigo / Dangerous Hour / 1923, todos dirigidos por William Hughes Curran, e depois partiu para a Alemanha, onde ficou por vários anos trabalhando no cinema (Die Eule / 1927, Der Geheimtresor / 1927, Eddy Polo im Wespennest, Eddie Polo mit Pferd und Lasso / 1918, Hände hoch, hier Eddy Polo / 1928, Ist Eddy Polo schuldig? 1928, Der gefesselte Polo / 1928, Auf der Reeperbahn nachts um halb eins /1929, Der Teufelsreporter / 1929, Geheimpolizisten / 1929, Rache für Eddy /1929, Auf Leben und Tod / 1930, Zeugen gesucht / 1930, Es geht um alles / 1932).

A partir de 1940, já de volta à América, Eddie passou a ser visto brevemente, muitas vêzes sem ser creditado, em seriados (v. g. Don Winslow na Marinha / Don Winslow of the Navy / 1942, filmes de Deanna Durbin (Rival Sublime / It’s a Date / 1940, Parada da Primavera / Spring Parade / 1940), westerns de Johnny Mac Brown (O Filho do Mandão / Son of Roaring Dan /1940, A Lei Manda / Law and Order / 1940, Homens Heróicos / Deep in the Heart of Texas / 1942), e outros filmes (v. g. como um frequentador de igreja em O Lobishomem / The Wolf Man / 1941, como um operário cênico em Climax / The Climax / 1944). Em 1946, ele fez sua derradeira aparição como um garçom em O Rouxinol Mentiroso / Two Sisters from Boston, filme estrelado por Kathryn Grayson e June Allyson.

Eddie Polo, Adhemar Gonzaga e Paulo Wanderley fotografado pela Cinearte

Em março de 1927, Eddie Polo passou discretamente pelo Rio de Janeiro a caminho de Buenos Aires, a bordo do transatlântico alemão “Alcântara”, que fazia sua viagem inaugural à América do Sul. No cais da Praça Mauá, os estivadores reconheceram Rolleaux, pedindo-lhe autógrafos e fotografias. Eddie visitou a agência da Universal e deu entrevista à revista Cinearte. Adhemar Gonzaga e Paulo Wanderley estiveram com ele e, dias depois, a revista publicou grande reportagem a seu respeito. Antonio Rolando, da revista Selecta, também foi saudar o ator, tirando uma foto ao seu lado.