Retornando à 20thCentury-Fox, Anatole Litvak fez três filmes que se situam entre os melhores de sua carreira americana: Na Cova das Serpentes / The Snake Pit / 1948, A Vida por um Fio / Sorry, Wrong Number / 1948 e Decisão Antes do Amanhecer / Decision Before Dawn / 1951.
Em Na Cova das Serpentes, internada em uma instituição psiquiátrica pública, a romancista Virginia Stuart Cunningham (Olivia de Havilland depois de cogitada Ingrid Bergman), não está reconhecendo o ambiente em que se encontra, nem seu passado e nem o fato de ser casada. Quando seu marido Robert (Mark Stevens depois de cogitados Richard Conte e Joseph Cotten) lhe faz uma visita, ela não o reconhece. O Dr. Mark Kik (Leo Genn) se interessa muito pelo caso, e fica sabendo por intermédio de Robert, que ele a conheceu em Chicago, e que eles passaram algum tempo se encontrando até que, subitamente, ela o deixou, pouco antes deles irem assistir a um concêrto. Os dois se encontraram novamente em Nova York e se casaram. Alguns dias depois, Robert ao voltar para casa, percebeu que Virginia havia perdido a razão.
Kik tenta um tratamento de choque, e logo Virginia parece estar melhorando, mas ela ainda não se lembra de seu marido, e continua amendrontada por algo que aconteceu no passado. Kik experimenta fazer um tratamento com injeções e eventualmente consegue traçar a história de Virginia desde sua infância e avaliar os fatores de sua vida regressa, que contribuíram para a sua presente condição mental. À medida que Virginia melhora, seu esposo fica ansioso para tirá-la do hospital e levá-la para convalescer na fazenda de seus pais. Porém Kik acha que ela ainda não está pronta para isso. Diante de uma junta médica, sua aptidão mental é testada. Estupidamente conduzida pelo médico superior de Kik, Virginia sofre uma recaída, e é obrigada a permanecer no hospital. Levada para a enfermaria onde ficam os pacientes que logo serão liberados, ela é maltratada pela enfermeira-chefe, que tem ciúmes do Dr. Kik. Em um momento de grande tensão mental, provocado pela enfermeira, Virginia perde o controle de si mesma, é colocada em um camisa-de-fôrça e enviada para uma enfermaria, onde estão alojados os pacientes mais violentos. Entretanto, tratada com muita paciência e compreensão por Kik, ela gradualmente perde suas inibições, medos e dúvidas. Logo se recupera plenamente e, ao se despedir de Kik e deixar o hospital acompanhada pelo marido, diz para seu médico que está indubitavelmente curada, porque não se sente mais apaixonada por ele.
Durante os seus dias no Exército, Litvak aprendeu muito sobre psiquiatria, realizando vários shorts para o Signal Corps sobre reabilitação, especialmente de soldados sofrendo com desordens de estresse pós-traumático. Ao ler as provas de “The Snake Pit”, o romance semi-biográfico de Mary Jane Ward sobre a experiência cruciante de uma jovem em um hospital psiquiátrico, Litvak ficou fascinado com o livro e comprou os direitos de filmagem, esperando realizar uma produção independente. Entretanto, sem obter os recursos necessários, teve que recorrer a um grande estúdio como a 20thCentury-Fox, onde contou com o apoio de Darryl Zanuck, o qual compreendeu que, no pós-guerra, o público havia mudado, e estava mais interessado em assuntos sobre os problemas da vida corrente.
Contando com um roteiro didático de Frank Partos, Millen Brand e Arthur Laurents, que tornou o que há de básico em matéria de psicanálise e psiquiatria accessível a todos (o retrato de Freud é visto várias vêzes na sala do médico), sem deixar de apontar algumas falhas do regime hospitalar público, Litvak realizou um filme que se distingue pelo seu realismo quase sempre chocante (v. g. a sessão de eletrochoque, os loucos se entrecruzando como num balé macabro), mas muito eficiente sob o ponto de vista dramático e profundamente comovente em seus instantes de humor e humanidade (v. g. o baile dos pacientes quando uma execução de “Going Home” de Antonin Dvorak transmite uma sensação de calma após tantos instantes deprimentes).
Inspirado pela força do tema, o diretor aciona sua câmera sempre móvel e sensível, a voz interior, os close-ups sugestivos e a música estridente e omnipresente nos momentos mais tensos, para analisar com inteligência e compreensão a míséria da loucura e o caso pessoal da protagonista, contando ainda e principalmente com a interpretação inestimável e irrepreensível de Olivia de Havilland. Entre as melhores cenas destaca-se a memorável subida vertical da câmera exibindo em longa distância o ninho de “serpentes” (a multidão de desequilibradas), símbolo forte do que se pretendeu mostrar. O filme foi indicado para o Oscar assim como Litvak como Melhor Diretor e Olivia de Havilland como Melhor Atriz.
Alguns mêses antes de fazer Na Cova das Serpentes, Litvak teve a idéia de dirigir um filme baseado em uma peça de radioteatro de 22 minutos, Sorry, Wrong Number, que foi ar em 1943, como parte de uma série criminal antológica intitulada Suspense – da qual tive oportunidade de ouvir The Marvelous Balastro, Donovan’s Brain e The Hitchhiker todos com Orson Welles -, e se tornou uma campeã de audiência graças à interpretação de Agnes Moorehead, admirável tour de force da atriz. A peça obteve tanto sucesso, que foi retransmitida sete vêzes e traduzida em quinze idiomas. Litvak comprou os direitos de filmagem por 15 mil dólares após a guerra e levou a história para Hal B. Wallis, que adorou. Wallis fêz com que sua companhia readquirisse os direitos por 100 mil dólares e encarregou a autora Lucille Fletcher de expandí-la em um argumento para um filme de longa-metragem que teve o mesmo título da obra transmitida pelo rádio e aquí intitulado A Vida por um Fio. Litvak e Wallis concordaram que Agnes Moorehead não era uma atriz com um prestígio no cinema suficiente para assumir o papel principal e o entregaram a Barbara Stanwyck.
Presa ao leito, em consequência de uma neurose, sozinha no seu apartamento espaçoso em Nova York, Leona Stevenson (Barbara Stanwyck), filha do proprietário de uma cadeia de drogarias e farmácias, procurando em vão falar com seu marido Henry (Burt Lancaster) pelo telefone, escuta por acaso através de uma linha cruzada, dois homens planejando o assassinato de uma mulher para as vinte e três horas e quinze minutos daquele dia. Ela tenta prevenir a polícia, mas não é levada a sério. Graças às ligações que dá e recebe, Leona fica sabendo nas horas que se seguem, que é ela a vítima designada para o assassinato que está sendo tramado. Seu marido, um modesto empregado com quem se casou com a desaprovação do pai, está envolvido com o negócio do tráfico de drogas. A droga foi roubada por Henry dos estabelecimentos de seu sogro, do qual se tornou, depois de casado, o principal auxiliar. Devendo dinheiro a um de seus cúmplices, que ele quís trair, Henry não encontra outra solução para pagar suas dívidas senão matar sua esposa, a fim de receber a indenização do seguro. Leona conhece enfim o diagnóstico que seu médico formulou sobre seu estado de saúde: suas crises cardíacas reiteradas têm uma origem nervosa e não orgânica. Arrependido de sua decisão, Henry, cercado pela polícia, telefona para Leona alguns instantes antes da hora fatídica, e lhe implora que se dirija até a janela e grite por socorro. Tarde demais: o assassino já entrou no apartamento e ataca Leona. Henry liga novamente. O assassino atende o telefone e responde secamente: “Desculpe, foi engano”.
Litvak extraiu um bom rendimento cinematográfico do original radiofônico movimentando incessantemente a câmera (Sol Polito), usando a música (Franz Waxman) e o som para criar o terror e recorrendo a sete retrospectos (inclusive a um flashback dentro de outro), a fim de incutir ação nos monólogos e revelar certos detalhes úteis para a compreensão do relato – Henry percebendo que Leona usa seu poder financeiro para controlá-lo e sua dependência do sogro, que propiciaram o conflito entre o casal e o comêço da doença psicosomática de sua esposa.
Com admirável destreza, o diretor construiu uma atmosfera de mistério e expectativa constante até o climax brutal, contando com a ajuda valiosa de Barbara Stanwyck. Expressando com exuberância uma máscara de angústia e desequilíbrio emocional, ela mereceu a indicação para o Oscar de Melhor Atriz concorrendo com Olivia de Havilland por A Cova das Serpentes. Ambas as divas de Litvak saíram da cerimônia de mãos abanando: a estatueta tão cobiçada foi entregue a Jane Wyman por Belinda / Johnny Belinda. Por curiosidade, a TV Tupi de São Paulo, dois meses depois de inaugurada, colocou no ar a telepeça A Vida por um Fio, adaptação do filme de Litvak dirigida por Cassiano Gabus Mendes com Lia de Aguair, conhecida atriz do rádio, do cinema, do teatro e da televisão na época.
Em Decisão Antes do Amanhecer, o Tenente Dick Rennick (Richard Basehart) apresenta-se ao Quartel General do Coronel Devlin (Gary Merrill), instalado em um convento. Devlin recruta, entre os prisioneiros germânicos, espiões para colher informações além das linhas alemãs. Alguns, como o sargento Rudolph Barth, apelidado de “Tiger” (Hans-Christian Blech) aceitam cumprir esta tarefa por oportunismo e por dinheiro. Outros, como o jovem cabo do corpo médico da Luftwaffe, Karl Maurer, também chamado de Happy (Oskar Werner), por razões mais nobres. Ele pensa que uma vitória rápida dos americanos será benéfica para seu povo, desencaminhado por chefes irresponsáveis. “Tiger”, Karl e Rennick são lançados de paraquedas em diferentes pontos da Alemanha. Karl tem a incumbência de localizar a Primeira Divisão Panzer. Ele faz amizade com Heinz Scholtz da S.S (Wilfried Seyfert) que acaba suspeitando dele, porém Karl é avisado por Hilde (Hildegard Neff), uma jovem alemã que as circunstâncias arrastaram para a prostituição, de que Scholtz mandou que ela o espionasse.
Karl consegue sair da cidade na manhã seguinte, mas Scholtz faz circular sua descrição. A van que transporta Karl, Hilde e outros soldados, é parada pelo comandante da Divisão Panzer e os soldados são levados para substituições de emergência. Como enfermeiro, Karl é designado para um trabalho temporário, atendendo ao comandante Oberst von Ecker (O. E. Hasse), que tem um problema cardíaco. No quarto de von Ecker, Karl dá uma olhada em um mapa, que mostra a disposição da Divisão Panzer. Durante a noite, von Ecker sofre um ataque do coração. Karl aplica-lhe uma injeção, que salva sua vida. Como recompensa, von Ecker lhe dá permissão para se juntar a sua unidade. Entretanto, o agente das S.S. que viajara com ele na van, ainda o está esperando. Durante um bombardeio aliado, Karl mata seu perseguidor. Sua esperança é encontrar Rennick e “Tiger” em Munique. Chegando ao endereço onde eles se reuniam, Karl encontra a casa semidestruída e outro bombardeio em curso. Quando eles se dirigem para a residência dos parentes de “Tiger”, o menino da casa ouve a conversa entre eles, e os denuncia à S.S. Após uma perseguição excitante, os três chegam ao rio Reno, e tentam atravessá-lo a nado.”Tiger” não os acompanha, tenta fugir, e é morto por Rennick. Rennick e Karl chegam a uma ilha no meio do rio, onde Happy corajosamente se entrega aos alemães, a fim de que Rennick possa alcançar a outra margem com a informação obtida.
O roteiro de Peter Viertel baseado no romance “Call it Treason” de George Howe, resultou em um filme de guerra e espionagem original, onde se formula o problema ético da traição e do patriotismo. Karl opta pela deslealdade ao seu país por idealismo, justificando sua conduta pela esperança de que a abreviação do colapso total do regime nazista, evitará mais sofrimento para o povo alemão. Ele sacrifica sua honra e sua vida em benefício de seus compatriotas e a interpretação de Oskar Werner exprime admiravelmente as dúvidas e a angústia no íntimo de seu personagem.
A análise psicológica das motivações do jovem enfermeiro está em adequacão perfeita com a descrição em chave de semi-documentário, de uma Alemanha em ruínas e em chamas, que Franz Planner fotografa suscitando um realismo áspero e asfixiante. O único defeito em termos de autenticidade é o fato de que todos falam em inglês no filme, tanto os francêses como os alemães. Entre as melhores cenas destacam-se o assassinato do soldado alemão amigo de Karl por outros soldados alemães por ter insinuado que a Alemanha estava à beira da derrota, a denúncia e perseguição dos espiões por um menino da juventude hitlerista, e o desfecho trágico à margem do Reno. Decisão Antes do Amanhecer recebeu indicações para o Oscar de Melhor Filme e Melhor Montagem.
Litvak fez mais quatro filmes nos anos cinquenta: Mais Forte Que a Morte / Act of Love / 1953, O Profundo Mar Azul / The Deep Blue Sea / 1955, Anastasia, a Princesa Esquecida / Anastasia /1956 e Crepúsculo Vermelho / The Journey / 1959.
Em Mais Forte Que a Morte (Rot: Irvin Shaw baseado em um romance de Alfred Hayes), drama romântico tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, com elenco de apoio predominantemente francês (Barbara Laage, Gabrielle Dorziat, Fernand Ledoux, Brigitte Bardot, Serge Reggiani, Jean Pierre Cassel etc.), fotografia expressiva em claro-escuro (Armand Thirard) e, infelizmente, um andamento cansativo, Robert Teller (Kirk Douglas) recorda como em Paris, onde servia no Exército de Libertação Aliado, conheceu e se apaixonou por Lise (Dany Robin), uma jovem que, tal como ele, estava emocional e espiritualmente perdida. Faminta e sem ter onde morar, Lise aceita a oferta de Robert por comida e abrigo, embora isto signifique dividir com ele um quarto do Café des Deux Anges, onde se registram como marido e mulher. Sem conseguir arrumar emprego, Lise decide vender um medalhão de ouro, seu único bem de valor, no mercado negro, e é presa pela polícia.
Sem nenhum documento de identidade, pedem-lhe uma certidão de casamento. Para ajudar Lise, Robert pede permissão ao Comandante Henderson (George Mathews) para esposá-la e, mesmo com a recusa de seu superior, ele promete se encontrar com ela no dia seguinte com o documento necessário. Entretanto, Henderson transferira Robert para Rheims, e ele vem a ser preso pela polícia militar. Ao receber a má notícia pelo telefone por um dos guardas que procedeu a prisão, Lisa entra em desespêro. As lembranças de Robert, sentado no terraço do hotel, onde viveu com Lisa, se interrompem pela chegada de Henderson. Agora um civil, Henderson congratula-se com Robert por tê-lo salvo de um casamento desastroso. “A propósito, o que aconteceu com a moça?”, ele pergunta. “Eles a encontraram no rio”, Robert responde calmamente, “há muito tempo”. Robert se levanta, e entra no quarto do hotel, onde ele e Lisa iriam iniciar uma vida de felicidade.
Em O Profundo Mar Azul (Rot: Terence Rattigan baseado na sua peça), drama psicológico interessante sobre adultério, porém dirigido estáticamente (apesar das “esticadas” por exteriores sugestivos em CinemaScope, a fim de disfarçar a origem teatral do espetáculo) e interpretado com frieza pela atriz principal, sem a compreensão do ângulo passional da peça, Hester (Vivien Leigh depois de cogitada Marlene Dietrich), é encontrada inconsciente no quarto de uma casa de cômodos por ter tentado o suicídio.
Há um ano ela abandonou seu marido, Sir William Collyer (Emlyn Wiliams) por um piloto de provas inconsequente, Freddie Page (Kenneth More). Após uma reconciliação passageira com o amante, Hester, sempre se recusando a retornar ao lar apesar da indulgência de Sir William, passa por novas decepções. Após outra tentativa de suicídio, aconselhada por um ex-psiquiatra , Miller (Eric Portman), seu vizinho na pensão, Hester finalmente encontra energia para romper definitavamente com Freddie.
Em Anastasia, a Princesa Esquecida (Rot: Arthur Laurents baseado em uma peça de Marcelle Maurette – inspirada na história tumultuosa de Anna Anderson que, a partir dos anos vinte, afirmava ser Anastasia Romanoff, filha caçula do Tsar Nicolau II, a única que escapara da execução da família imperial -, adaptada por Guy Bolton para a Broadway), drama combinando mistério e romance, dirigido com elegância, e favorecido por um score fascinante de Alfred Newman e pela interpretação de Ingrid Bergman, no ano de 1928, em Paris, um grupo de Russos Brancos exilados, liderados pelo General Bounine (Yul Brynner), anuncia ter encontrado Anastasia. A intenção de Bounine é exigir como sua herança, a quantia de dez milhões de libras, que havia sido depositada pelo Tsar no Banco da Inglaterra. Favorecidos pelo acaso, Bounine havia encontrado uma jovem amnésica, prestes a se suicidar jogando-se no Sena, chamada Anna Koreff (Ingrid Bergman depois de cogitada Jennifer Jones), e lhe ensinara a história da realeza e a postura de uma mulher nobre.
Quando sua aluna absorve totalmente a identidade de Anastasia, ele a apresenta aos membros da côrte russa expatriados, e ela os convence de que é a grã duquesa. Em seguida, Bounine promove um encontro com o Príncipe Paulo (Ivan Desny), primo de Anastasia, que logo reconhece e se apaixona pela demandante. A Imperatriz Maria Feodorovna (Helen Hayes) – avó viúva da verdadeira Anastasia – a princípio se recusa a ver Bounine e sua protegida; mas eles eventualmente se encontram e a Imperatriz, continua cética até o momento em que um detalhe a faz admitir a jovem como sua neta. Na véspera do seu noivado com o Príncipe Paulo, Anastasia admite para a Imperatriz que é realmente Bounine que ela ama e Maria Feodorovna aconselha-a a seguir seu coração. Quando chega a hora da cerimônia, nem Bounine nem Anastasia são encontrados. Anastasia, a Princesa Esquecida marcou o retorno triunfal de Ingrid Bergman a Hollywood após o seu escandaloso romance com Roberto Rosselini e lhe propiciou o Oscar de Melhor Atriz. Alfred Newman foi indicado para o mesmo prêmio de Melhor Música de Filme Não Musical.
Em Crepúsculo Vermelho (Rot: George Tabori, Peter Viertel), versão romântica da guerra fria com uma direção tentando dar autenticidade ao ambiente, mas sujeitando-se a um final feliz com bases muito falsas e não conseguindo evitar que o filme se tornasse cansativo, no aeroporto de Budapeste durante o domínio soviético em fins de 1956, um grupo de passageiros que se detina à Austria, é informado de que irão ser transportados para Viena por ônibus. Os passageiros são de várias nacionalidades. Dois são ingleses: Lady Diana Ashmore (Deborah Kerr depois de cogitadas Anna Magnani e Ingrid Bergman) e Hugh Deverill (Robert Morley), jornalista da televisão; quatro são americanos: Harold Rhinelander (E. G. Marshall) sua esposa grávida Margie Rhinelander (Anne Jackson) e dois filhos pequenos (Ronny Howard, Flip Mark); um casal de sírios, Teklel Hafouli (Gérad Oury) e Françoise Hafouli (Marie Daems); um professor de Tel-Aviv, Simon Avron (David Kossof); um alemão naturalizado abissínio Von Rachlitz (Siegfried Schürenberg) e a filha neurótica, Gisela (Maria Urban); um estudante francês, Jacques Fabbry (Maurice Sarfati); um japonês, Mitzu (Jerry Fujikawa); e o último, um homem misterioso que se diz britânico, usando o nome de Henry Flemming, mas na realidade é o patriota húngaro Paul Kedes (Jason Robards, Jr.) e tem uma ligação romântica com Lady Ashmore. Perto da fronteira com a Austria, eles são interceptados pelo Major Surov (Yul Brynner), homem aparentemente brutal, mas intimamente vulnerável, cheio de dúvidas entre o certo e o errado, e desejoso de conhecer a verdade.
Sob pretexto de que seus passaportes não estão em ordem, Surov os informa de que serão hospedados em um hotel, a fim de serem interrogados individualmente. No decorrer dos acontecimentos, a identidade falsa de Kedes é descoberta e alguns dos passageiros acham que a presença dele é muito comprometedora. Quando Kedes e Lady Ashmore tentam escapar para a Austria através do lago, eles são traídos e capturados. Inquietos, alguns passageiros acham bom, para salvar a pele, entregar o falso britânico às autoridades. A mulher grávida exprime o desejo da maioria: Lady Ashmore deve se entregar ao major que, como todos notam, está atraído por ela. Convencida, Lady Ashmore vai procurar Surov porém, quando ela lhe diz que está ali a pedido dos outros, o major responde que ela só veio porque no íntimo deseja que ele a tome nos seus braços. Diana lhe dá um beijo e parte. Na manhã seguinte, os passageiros são libertados. Diana corre para agradecer a Surov, mas ele lhe assegura que agiu de acordo com a sua consciência. Momentos depois que Lady Ashmore e Kedes são recebidos na Austria pelos guardas da fronteira, Surov vem a ser morto por uma guerrilheira, Eva (Anouk Aimée).
Por injunções comerciais ou falta de entusiasmo do diretor pelos assuntos abordados, as imperfeições de Mais Forte Que a Morte, O Profundo Mar Azul e Crepúsculo Vermelho repetiram-se em três outros filmes, que Litvak realizou nos anos sessenta / setenta: Mais uma Vez, Adeus / Goodbye Again / 1961 (lançado nos EUA como Goodbye Roger (Yves Montand), Uma Sombra em Nossas Vidas / Five Miles to Midnight / 1962, e A Garota no Automóvel – Com Óculos e um Rifle / The Lady in the Car with Glasses and a Gun / 1970; somente A Noite dos Generais / The Night of the Generals / 1967 mostrou o cineasta na sua melhor forma.
Em Mais Uma Vez, Adeus (Rot: Samuel Taylor baseado em um romance de Françoise Sagan), drama romântico com belas paisagens parisienses enfeitando um argumento e direção anêmicos, Paula Tessier (Ingrid Bergman), decoradora de interiores de meia idade negligenciada pelo seu amante, Roger Demarest (Yves Montand), após muita relutância, encontra uma felicidade temporária com um rapaz de vinte e cinco anos, Philip Van der Besch (Anthony Perkins). Entretanto, Roger está sempre viajando e se envolvendo com outras mulheres, mas quando volta para Paula, ela abandona Philip, e se casa com o homem que realmente ama.
Em Uma Sombra em Nossas Vidas, drama criminal com um script fraco, que desperdiça uma premissa intrigante, e com uma direção que não consegue incutir devida emoção a um suposto thriller, o casamento de Lisa (Sophia Loren), uma jovem italiana e Robert Macklin (Anthony Perkins), um americano imaturo e temperamental, chega a um impasse infeliz, depois que ele a surpreende dançando twist em uma boate e a esbofeteia. No dia seguinte, Robert embarca de Paris, onde estavam morando, para Casablanca; Lisa o acompanha até o aeroporto e diz que não quer mais vê-lo. Naquela noite, Lisa na companhia com jornalista correspondente Alan Stewart (Jean-Pierre Aumont), fica sabendo que o avião em que seu marido viajava sofreu um desatre e todos os passageiros estão presumidamente mortos. Algum tempo depois, Lisa abre a porta de seu apartamento e aparece Robert que, sem que ninguém saiba, escapara do acidente. Ele então explica para Lisa seu plano de receber o seguro de cento e vinte mil dólares, usando-a para cobrar a importância da seguradora. Lisa tenta pedir conselho a Alan, mas ele havia sido transferido de volta para a América e em seu apartamento ela encontra outro corespondente, David Barnes (Gig Young) que tenta conquistá-la, sendo repelido. Usando charme e bajulação, Robert convence Lisa a ajudá-lo, prometendo que, após receber o dinheiro, ela ficará livre. Entrementes, Barnes e Lisa estão se apaixonando e Barnes desconfia que Robert está vivo. Depois de passar por algumas dificuldades, Lisa recebe a indenização. Quando se encontra com Robert de carro, ele diz que a entregará para a polícia por ter cometido fraude. Desesperada, Lisa engana-o, fazendo com que saia do carro, e o atropela. Abalada e fora-de-si, Lisa retorna para Barnes, que telefona para as autoridades.
Em A Garota do Automóvel – Com Óculos e um Rifle (Rot: Sébastien Japrisot, Anatole Litvak baseado em um romance de Japrisot), drama criminal com argumento curioso mas implausível e com um desfecho repentino e ridículo, narrado sem a tensão necessária requerida ao tema proposto, Dany Lang (Samantha Eggar), secretária inglesa de uma empresa de publicidade internacional , depois de passar a noite trabalhando na casa do patrão, Michael Caldwell (Oliver Reed), conduz ele e sua esposa, Anita (Stéphane Audran) ao aeroporto de Orly. Incumbida de levar o carro de volta para casa, Dany, resolve aproveitar o fim-de-semana, passeando no maravilhoso conversível americano, e chega à Côte D’Azur, onde fatos estranhos começam a ocorrer: muitas pessoas a reconhecem na rua; quase é morta por um estranho no banheiro de um pôsto de gasolina; envolve-se brevemente com um sujeito que pedia carona, Philippe (John McEnery) e que acaba lhe roubando o carro. Seguindo uma pista, Dany consegue localizar o automóvel, encontrando dentro dele um rifle e, na mala, um cadáver. Descobre a residência do morto, vai até lá e encontra roupas suas e fotos mostrando-se completamente nua. Vê-se de repente envolvida em uma trama para fazê-la passar por assassina. Na verdade, tudo fôra armado por Caldwell que matara o homem, um dos amantes de Anita. Na noite em que havia trabalhado na casa de seu chefe, Dany tinha sido narcotizada e fotografada nua, enquanto Anita – conivente no caso – fôra até a Rivier disfarçada, usando óculos e peruca para se passar por Dany e marcando bem a sua presença no local. Percebendo que Dany descobrira tudo, Caldwell parte para matá-la, mas, no final, a moça leva a melhor.
A Noite dos Generais (Rot: Joseph Kessel baseado em um romance de Hans Helmuth Kirst) reabilitou momentaneamente o veterano artesão. Em Varsovia, 1942, uma prostituta é barbaramente asassinada e as suspeitas recaem sobre três generais. Von Seidlitz-Gabler (Charles Gray), Kahlenberge (Donald Pleasance) e Tanz (Peter O’Toole). O rigor do Major Grau (Omar Sharif depois de cogitado Dirk Bogarde) – oficial da Inteligência Militar Germânica com uma devoção incrível à Justiça -, na investigação, irrita os generais, que o transferem. Von Seidlitz-Gabler e Kahlenberg inclusive estão envolvidos com a operação Valquíria para matar Hitler, que acabou fracassando. Dois anos depois, na Paris Ocupada, Tanz mata uma prostituta e deixa provas no local do crime que comprometem o cabo Hartmann (Tom Courtenay), seu ajudante-de-ordens e namorado de Ulrike, filha de Seydlitz-Gabler. Ao descobrir finalmente a verdade, Grau é morto por Tanz. Terminado o conflito mundial, o inspetor Morand (Philippe Noiret) – que ajudara Grau em Paris – continua à procura de Tanz, agora um criminoso de guerra libertado após ter cumprido sua pena e prestes a ser homenageado em uma reunião neo-nazista em Hamburgo. Diante da acusação de Morand, Tanz nega tudo; Morand recorre a Hartmann, que Tanz deixara fugir de propósito, e está morando no campo com Ulrique. Quando Hartmann o identifica como assassino na presença de Morand e do chefe de políca local, Tanz se suicida.
Esta combinação de uma investigação criminal “civil” de assassinatos de prostitutas no caos da Segunda Guerra Mundial com o epísódio histórico da tentativa de assassinato de Adolph Hitler em 20 de julho de 1944 é, sem dúvida, singular. Trata-se de um filme policial de guerra, por assim dizer, conduzido por Litvak com bom discernimento cinematográfico.
A reconstituição de época é precisa e o elenco estelar desempenha seus papéis de forma corretíssima, destacando-se Peter O’Toole e Omar Sharif. O primeiro, impressiona com o seu olhar perdido e esgazeado de maníaco, o rosto percorrido por espasmos estranhos quando contempla o auto retrato de Van Gogh no Museu Jeu de Paume aberto somente para ele, o andar vacilante de alcoólatra, e sua frieza e fanatismo ao determinar energicamente a destruição de um quarteirão do ghetto de Varsóvia. O segundo, como um militar obcecado pela idéia de fazer justiça enquanto o regime ao qual ele serve, está cometendo crimes horrendos – sua morte súbita e surpreendente é o momento mais chocante do espetáculo.
Voltando à trama, faço apenas um reparo com relação ao momento em que Tanz, confrontado com a polícia no clube neonazi, pede uma pistola e toma posse dela. Não é crível que os policiais ali presentes não tivessem puxado suas armas para impedí-lo de se matar ou atirar contra eles. Um pequeno descuido que incomoda, mas não tira o mérito da realização.
No outono de 1974, Anatole Litvak foi diagnosticado com câncer no estômago e internado em uma clínica particular em Neuilly-sur-Seine, subúrbio afluente de Paris. Em 15 de dezembro de 1975, após várias semanas no hospital, ele faleceu, aos 72 anos de idade. A ex- modelo e editôra de modas Simone “Sophie” Malgat Steur com quem ele se casara em 2 de dezembro de 1955, estava a seu lado até o fim.
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