Arquivo mensais:agosto 2017

ANATOLE LITVAK II

Após haver estabelecido contato com vários produtores de Hollywood, Anatole Litvak finalmente assinou contrato com a Warner Brothers, para fazer seis filmes em três anos. O primeiro projeto seria um filme sobre Joana D ‘Arc, estrelado por Claudette Colbert, com roteiro de Joseph Kessel e música de Arthur Honegger. Sete mêses depois, a imprensa anunciou que o estúdio havia abandonado o projeto.

Paul Muni em Inferno entre Nuvens

Miriam Hopkins na filmagem de Inferno entre Nuvens

Antes de começar a trabalhar para Jack Warner, Litvak dirigiu Inferno entre Nuvens / The Woman I Love / 1937 para a RKO, refilmagem de Tripulantes do Céu / L’ Equipage, que ele havia feito na França em 1935. Infelizmente não conheço esta versão americana – é um filme difícil de se ver. De acordo com os comentários emitidos na época de seu lançamento, tanto nos EUA como aquí no Brasil, a versão francêsa era melhor. A maioria dos críticos fêz objeções ao roteiro e ao desempenho letárgico dos três atores principais, Paul Muni, Miriam Hopkins e Louis Hayward. Durante a filmagem, houve muito confronto entre o roteirista Anthony Veiler e seus colegas Frank Wead e Sascha Laurence (Veiler retirou seu nome dos créditos) bem como entre as personalidades temperamentais de Muni e Hopkins, tendo sido preciso muita paciência para Litvak realizar seu trabalho. Pouco antes da estréia em abril de 1937, Colin Clive – que assumira o papel interpretado por Jean Murat na versão original – faleceu com apenas 37 anos de idade. Em 4 de setembro do mesmo ano, Litvak casou-se com Miriam Hopkins, matrimônio que durou apenas dois anos.

Assumindo seu compromisso com a Warner Brothers, Litvak realizou, ainda nos anos trinta, quatro filmes – Nobres Sem Fortuna / Tovarich / 1937, O Gênio do Crime / The Amazing Dr. Clitterhouse / 1938, As Irmãs / The Sisters / 1938 e Confissões de um Espião Nazista / Confessions of a Nazy Spy / 1939 -, demonstrando em todos sua habilidade para conduzir uma história em um compasso firme, mantendo sempre o interesse do espectador.

Em Nobres Sem Fortuna (Rot: Casey Robinson baseado em peça de Jacques Deval), comédia leve e espirituosa, dois aristocratas russos, o Príncipe Mikail Alexandrovitch Ouratieff (Charles Boyer) e a Grande Duquesa Tatiana Petrovna Romanov (Claudette Colbert), fogem da Revolução Bolchevique para Paris, levando consigo quarenta milhões de francos, com a intenção de utilizá-los para financiar a contra-revolução. Eles procuram refúgio na casa do banqueiro Charles Dupont (Melville Cooper) e de sua esposa (Isabel Jeans), fazendo-se passar respectivamente como Michel e Tina Dubrowsky, mordomo e arrumadeira, enquanto salvaguardam o dinheiro. Quando eles chegam, o lar dos Dupont está um caos, mas Mikail e Tatiana encantam a família, ensinam-lhes canções folclóricas russas, e colocam a casa em ordem.

Charles Boyer e Claudette Colbert em Nobres sem Fortuna

Charles Boyer e Claudette Colbert em Nobres sem Fortuna

Na noite de um jantar em honra do Comissário Soviético Gorotchenko (Basil Rathbone), sua condição nobre é revelada. Após o jantar, Gorotchenko visita Tatiana e Mikail na cozinha. Ele lembra que embora os tivesse torturado na Rússia, ficara tão impressionado por Tatiana, que os deixara escapar. Agora, ele implora a Mikail, que entregue a fortuna do czar para os revolucionários, para que sejam preservados os campos petrolíferos soviéticos. Surpreendentemente Tatiana concorda e convence Mikail de que assim estarão ajudando o seu povo e o país que amam. Inspirado na lealdade dos dois nobres, o banqueiro pede que eles continuem como seus empregados, uma situação que eles aceitam muito felizes.

Em O Gênio do Crime (Rot: John Wexley, John Huston baseado em peça de Barré Lydon), hábil mistura de drama criminal com humor negro, suspense e um final Pirandelliano, o Dr. Clitterhouse (Edward G. Robinson depois de cogitado Ronald Colman)), cirurgião respeitado, está intensamente interessado nas reações mentais e físicas dos criminosos, no momento em que praticam suas atividades. Decidindo que a melhor maneira de resolver a questão é usar a si mesmo nas suas próprias experiências, ele inicia uma carreira no crime. Mantendo um registro de suas reações, o Dr. Clitterhouse comete quatro roubos. Sua enfermeira (Gale Page) descobre um montão de jóias na sua maleta e ele admite que haviam sido roubadas, explicando que está fazendo isso como um meio de adiantar suas investigações sobre psicologia criminal.

Humphrey Bogart e Edward G. Robinson em O Gênio do Crime

Claire Trevor e Edward G. Robinson em O Gênio do Crime

Edward G. Robinson e Humphrey Bogart em O Gênio do Crime

Por lealdade, ela mantém-se calada. Continuando sua pesquisa, ele acaba se envolvendo com uma quadrilha de ladrões de jóias, chefiada por Jo Keller (Claire Trevor), e acaba se tornando o líder do bando. Após escapar de uma tentativa de morte por parte de um capanga com ciúmes dele, ”Rocks” Valentine (Humphrey Bogart), Clitterhouse se despede de Jo, uma vez que seu trabalho está completo. Entrementes, “Rocks” descobre a verdadeira identidade do doutor, e faz uma visita à sua residência, a fim de chantageá-lo. Acuado, Clitterhouse põe veneno na bebida de “Rocks”. Isto leva ao desmascaramento da vida dupla do doutor, que vai a julgamento, sendo aconselhado a alegar insanidade. No tribunal, perguntam-lhe se ele se considerava insano, quando cometeu o crime. Ele responde honestamente que não, e o júri logo o absolve por demência, não pelo seu crime, mas porque, ao prestar depoimento, arruinou sua própria defesa.

Anita Louise, Bette Davis e Jane Bryan em As Irmãs

Bette Davis e Errol Flynn em As Irmãs

Errol Flynn e Bette Davis em As Irmãs

Em As Irmãs (Rot: Milton Krims, Julius J. Epstein baseado no romance de Myron Brinig), drama de atmosfera rica e pitoresca, evocando com fidelidade e em ritmo dinâmico um período histórico americano a partir do pequeno condado de Silver Bow, Montana, cada uma das três filhas de Ned e (Henry Travers) e Rose (Beulah Bondi) segue um destino diferente. Louise (Bette Davis), a mais velha, casa-se com um jornalista esportivo de San Francisco, Frank Medlin (Errol Flynn), que tem a pretensão frustrada de se tornar um escritor e uma tendência para o alcoolismo. Helen, a mais frívola (Anita Louise), esposa um viúvo milionário, Sam Johnson (Alan Hale), que lhe oferece segurança. Grace (Jane Bryan), a mais moça e caseira, casa-se com Tom Knivel (Dick Foran), o pretendente rejeitado por Louise. No decorrer dos acontecimentos, Frank abandona Louise e ela passa por maus momentos, (inclusive o terremoto de San Francisco em 1906), o marido bem mais velho de Helen, morre, e Grace é traída pelo seu marido; porém, no final, Louise e Frank se reencontram e Helen e Grace também se sentem felizes por sua irmã ter recobrado a alegria.

Edward G. Robinson e Paul Lukas em Confissões de um Espião Nazista

 

Francis Lederer em Confissões de um Espião Nazista

George Sanders em Confissões de um Espião Nazista

Em Confissões de um Espião Nazista (Rot: Milton Krims, John Wexley baseado nos textos jornalísticos de Leon G. Turrou), filme anti-nazista em formato semi-documentário (ver meu artigo de 15/5/2015 “Hollywood na Segunda Guerra Mundial I”), narrado com vigor e realismo, são reveladas as atividades de um médico alemão, Dr. Karl Kassell (Paul Lukas), líder da sucursal de Nova York do German American Bund (Partido Nazista Americano) e um germano-americano desertor do Exército dos Estados Unidos e fracassado, Kurt Schneider (Francis Lederer), que oferecera seus serviços à inteligência militar nazista em uma tentativa patética de ganhar dinheiro e recuperar sua auto-estima. Através dele, os agentes do FBI comandados por Ed Renard (Edward G. Robinson) conseguem prender todo o bando de quinta-colunistas, cujos líderes são  Schlager (George Sanders) e o Dr. Kassel (Paul Lukas).

Nos anos quarenta, Litvak fez mais cinco filmes para a Warner Brothers – Dias Sem Fim / Castle on the Hudson / 1940, Tudo Isto e o Céu Também / All This and Heaven Too / 1940, Dois Contra uma Cidade Inteira / City for Conquest / 1940, Quando a Noite Cai / Out of the Fog / 1941 e Uma Canção para Você / Blues in the Night / 1941 – confirmando sua cinematografia impecável, um pouco debilitada apenas no último filme citado.

Em Dias sem Fim (Rot: Seton I. Miller, Brown Holmes, Courtney baseado no livro de Lewis E. Lawes), refilmagem energética do drama criminal de prisão 20.000 Anos em Sing Sing / 20.000 Years in Sing Sing / 1932, Tommy Gordon (John Garfield), gangster convencido e arrogante pensa que pode fazer o que quiser, desafiando a lei. Sua única fraqueza é Kay (Ann Sheridan), que ele adora. Uma tarde, eles estão dançando em uma boate, quando a polícia o prende pelo seu roubo mais recente e, apesar de suas “conexões”, é mandado para Sing Sing.

Burgess Meredith, Pat O’Brien e John Garfield em Dias sem Fim

John Garfield e Ann Sheridan em Dias sem Fim

Na prisão, Tommy não faz muito esfôrço para se adaptar à nova vida, e está sempre se metendo em encrencas, apesar do esforço de Warden Long (Pat O’Brien), diretor do estabelecimento penal, para reabilitá-lo. Durante a fuga de Steve Rockford (Burgess Meredith), Tommy não tenta escapar, o que faz com que Warden confie nele, quando pede permissão para ver Kay, que ficara seriamente ferida em um acidente. Ele dá sua palavra a Warden de que retornará, e corre para seu apartamento, onde fica sabendo que seu advogado, Ed Crowley (Jerome Cowan), foi o responsável pelo acidente. Quando Crowley aparece, Tommy o ataca, eles lutam e, para salvar a sua vida, Kay atira em Crowley. Tommy é procurado por assassinato e, embora tenha a chance de fugir, volta para a prisão, a fim de salvar Warden da humilhação pública, sendo condenado à cadeira elétrica.

Em Tudo Isto e o Céu Também (Rot: Casey Robinson baseado no romance de Rachel Field), melodrama romântico – abordando fato real escandaloso durante a Monarquia de Julho – dirigido com delicadeza e discrição, e fortalecido pela música de Max Steiner, Henriette Deluzy-Desportes (Bette Davis depois de cogitadas Helen Hayes, Miriam Hopkins e Greta Garbo)) é contratada pelo Duque de Paslin (Charles Boyer), para ser governante de seus filhos. Por sua doçura, Henriette conquista a afeição do duque, porém o ciúme doentio da Duquesa Francine (Barbara O’Neil) provoca uma tragédia.

Anatole conversa com Bette Davis em um intervalo da filmagem de Tudo Isto e o Céu Também

Charles Boyer e Bette Davis em Tudo Isto e o Céu També

Barbara O’Neil, Charles Boyer e Bette Davis em Tudo isto e o Céu Também

Depois de muitas cenas desagradáveis, a duquesa despede Henriette, e esta pede ao duque uma carta de recomendação, a fim de que possa arranjar outro emprego. No dia seguinte, o duque assassina sua esposa e Henriette é acusada de cumplicidade; porém o duque, antes de se suicidar, deixara uma carta, assumindo a culpa. Henriette é libertada, e parte para a América na companhia de um jovem pastor, Henry Field (Jeffrey Lynn), que a ajudará a esquecer o triste episódio. O filme, Barbara O’Neil e o fotógrafo Ernest Haller foram indicados para o Oscar.

Anthony Quinn, Ann Sheridan e Janes Cagney em Dois Contra uma Cidade Inteira

James Cagney em Dois Contra uma Cidade Inteira

Em Dois Contra uma Cidade Inteira (John Wexley, Robert Rossen baseado no romance de Abel Kandel), drama de profundidade humana e social impregnado de sentimentalismo, mas tratado primorosamente em termos de cinema e com soberbo trabalho fotográfico (James Wong Howe, Sol Polito), Danny Kenny (James Cagney), chofer de caminhão, para impressionar a namorada, Peggy (Ann Sheridan depois de cogitada Ginger Rogers), vira um pugilista; porém ela foge com um dançarino (Anthony Quinn). Danny fica cego em uma luta , passa a vender jornais para sobreviver, e encoraja o irmão, Eddie (Arthur Kennedy), a realizar seu sonho de se tornar um compositor erudito. No final, na sua banca de jornais, ele ouve pelo rádio a ovação que seu irmão recebeu pela sua “Sinfonia de uma Grande Cidade” e, subitamente, seu nome é chamado. Ele se volta, e vê, de maneira indistinta, que Peggy reapareceu, para ser sua namorada, definitivamente.

John Garfield e Ida Lupino em Quando a Noite Cai

Em Quando a Noite Cai (Rot: Robert Rossen, Jerry Wald, Richard Macaulay baseado em uma peça de Irwin Shaw), drama criminal com atmosfera claustrofóbica e sombria (foto de James Wong Howe), roteiro original (são as vítimas do crime, e não a lei, que reagem) e direção mantendo um clima nervoso, dois moradores na isolada Sheepshead Bay no Brooklyn, que amam a paz do lugar, Jonah Goodwin (Thomas Mitchell) e seu amigo, Olaf Johnson (John Qualen), costumam pescar à noite quatro vêzes por semana, na esperança de ganhar dinheiro suficiente para comprar um bote maior. Certa noite, o gangster Harold Goff (John Garfield depois de cogitado Louis Hayward), que se autointitula “Almirante de Sheepshead Bay”, os ameaça, vendendo-lhes “proteção” por cinco dólares semanais e, a fim de garantir o pagamento da extorsão, obriga-os a assinar uma nota de débito no valor de mil dólares.

Ida Lupino, Anatole Litvak e John Garfield na filmagem de Quando a Noite Cai

Jhhn Qualen, Thomas Mitchel e ida Lupino em Quando a Noite Cai

Desconhecendo a conexão de seu pai com o gangster, Stella (Ida Lupino) conhece Goff, e fica fascinada pelo seu ousado atrevimento. Quando descobre este relacionamento, Jonah oferece a Stella, uma quantia em dinheiro para uma viagem a Cuba, que vai exaurir todas as suas economias. Stella recusa o sacrifício mas, inadvertidamente, o menciona para Goff. Quando Goff lhe exige 190 dólares, Jonah se revolta, e o denúncia à polícia; porém, na côrte de justiça, a nota de mil dólares comprova o direito de Goff. Na mesma noite, o gangster espanca Jonah brutalmente; em seguida, Jonah e Olaf planejam o seu assassinato. Fingindo que Stella tem uma mensagem para ele, os dois amigos conduzem Goff no seu pequeno barco. Olaf não consegue atacar Goff, que percebe a trama. Após derrubar ambos os homens, ele perde o equilíbrio, cai na água, e se afoga. Depois que tudo é esclarecido pela polícia, Stella percebe as qualidades positivas de seu antigo admirador, George (Eddie Albert) e se reconcilia com ele.

Em Uma Canção para Você (Rot: Robert Rossen, baseado em uma peça de Edwin Gilbert), melodrama com enredo pouco vibrante e nada convincente, exposto pelo diretor de forma quase sempre letárgica, mas apresentando boas canções, cinco músicos formam uma banda de jazz e blues. O pianista Jigger Pine (Richard Whorf depois de cogitados John Garfield e James Cagney), o baterista Peppi (Billy Halop), o clarinetista Nickie Haroyan (Elia Kazan), o contrabaixista Pete Bassett (Peter Whitney) e o trompetista Leo Powell (Jack Carson). Juntamente com a esposa de Leo, a cantora Ginger Powell (Priscilla Lane), apelidada de “Character”, o grupo se apresenta por todo o Sul dos Estados Unidos, pedindo carona e saltando de um trem para outro.

Cena de Uma Canção para Você com Priscilla lane no centro

Richard Whorf e Betty Field em Uma Canção para Você

Durante uma excursão, Ginger fica grávida, mas não conta para Leo, com receio de que ele a abandone. Uma dia, um condenado fugitivo, Del Davis (Lloyd Nolan), viaja no mesmo trem do grupo e rouba o pouco dinheiro que eles possuem. Os músicos não o denunciam e Davis lhes oferece um emprego em uma estalagem de New Jersey, onde se encontram também seus ex-cúmplices, Sam Paryas (Howard da Silva), o aleijado Brad Ames (Wallace Ford) e a provocante Kay Grant (Betty Field). Os três estão descontentes em rever Davis, para o qual eles haviam armado uma trama para que ele fosse preso no lugar deles. A banda atrai muita gente para o local. Esperando causar ciúmes em Davis, Kay flerta com Leo, e Jigger lhe pede que não abandone o grupo.

Cena de Uma Canção para Você

Quando Leo fica sabendo que vai ser pai, ele se devota a Ginger. Kay então transfere sua atenção para Jigger, que tenta resistí-la. Quando o médico diz a Ginger que ela deve parar de cantar até o nascimento do bebê, Jigger propõe que Kay a substitua. Apesar dos protestos do grupo, Jiggger procura melhorar o desempenho de Kay como cantora e diz a ela que a ama. Brad ouve esta confissão de amor e aconselha Jigger a se afastar de Kay, acrescentando que foi o seu próprio amor por ela, que resultou no acidente, que o aleijou. Quando Kay tenta reconquistar Davis, revelando-lhe o plano de Sam de entregá-lo para a polícia, ele mata Sam, e manda Kay ir embora. Apesar de sua lealdade ao grupo, Jigger vai ser pianist em uma outra banda mais tradicional e parte com Kay.

Elia Kazan na frente do quadro em Uma Canção para Você

Jigger depois pensa em voltar para o grupo, mas quando pede a Kay, que volte com ele, ela rí, dizendo que sempre amara Davis. Rejeitado, Jigger sai para beber em um bar, onde é eventualmente encontrado pelos amigos, que o levam para a estalagem, a fim de se recuperar. Pouco depois, Kay também retorna, para pedir a Davis, que a aceite de volta. Quando ele recusa, Kay ameaça entregá-lo à polícia, forçando-o a puxar uma arma contra ela. Jigger sai em defesa de Kay e, na luta , Davis deixa sua arma cair, a qual Kay usa para matá-lo. Jigger está prestes a partir com Kay, mas o grupo interfere, dizendo-lhe que o stress da última separação, fizera Ginger perder seu bêbe. Não querendo que Jigger arruine sua vida, Brad conduz Kay no seu carro e o joga em um despenhadeiro, perdendo ambos a vida. Juntos novamente, o grupo volta à sua rotina pelas estradas. O filme foi indicado para o Oscar de Melhor Música (Heinz Roemheld) e Canção Original (Harold Arlen, Johnny Mercer), mas só continua sendo lembrado através dos anos por causa da presença de Elia Kazan como ator.

Um ano antes de seu contrato com a Warner expirar, algumas companhias interessadas no seu serviço, começaram a entrar em contato com ele, mas Litvak estava determinado a não ficar preso por um contrato com nenhum grande estúdio de Hollywood. Em vez disso, filiou-se a uma companhia fundada recentemente, chamada Group Productions, constituida or seu agente, Charles Feldman. Este havia reunido vários artistas renomados (inclusive Charles Boyer, Irene Dunne, Ronald Colman e Lewis Milestone) que, como Litvak, preferiram produzir ou trabalhar na indústria cinematográfica independentemente. Em novembro de 1941 a reorganização levada a efeito na 20thCentury-Fox, acolheu uma companhia produtora independente, e um acordo de colaboração foi celebrado com a Group Productions.

De modo que foi quase natural para Litvak dirigir seu primeiro filme com a Fox, Isto Acima de Tudo / This Above All / 1942 (Rot: R. C. Sherriff, baseado no romance de Eric Knight), drama romântico servindo à propaganda de guerra pró-britânica, um tanto vagaroso no início, mas desenvolvendo-se depois com mais emoção, nos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, Prudence Cathaway (Joan Fontaine), filha de um cirurgião de Londres, anuncia para a sua família aristocrática que se alistou na Women’s Auxiliary Force, sob objeção de sua tia Iris (Gladys Cooper). Prudence critica seus valores ultrapassados e, no campo de treinamento da WAAF, conhece Clive Briggs (Tyrone Power depois de cogitados Robert Donat, Laurence Olivier e Richard Greene), rapaz de classe média baixa amargurado, que está se recuperando de um ferimento que sofreu em Dunquerque e, desde então está foragido.

Filmagem de Isto Acima de Tudo

Tyrone Power e Joan Fontaine em Isto Acima de Tudo

Sem que ela saiba disso, eles começam a namorar, e passam a noite juntos em um hotel, onde recebem a visita de um amigo de Clive, Marty (Thomas Mitchell), que veio insistir para que ele volte logo ao seu regimento, antes de ser considerado um desertor. Quando Clive revela a Prudence que desertou por que não tinha certeza de que depois do conflito haveria uma igualdade de classes, sem diferenças sociais. Prudence faz uma preleção cívica apaixonada sobre a glória da Inglaterra mas, na manhã seguinte, ele parte, deixando uma carta de adeus. Mais tarde ao fugir da polícia militar, Clive se refugia em uma igreja e, após uma conversa com o pároco, ele próprio um veterano de guerra aleijado, que lhe fala sobre a Fé, Clive resolve se apresentar na sua unidade. Antes porém, marca um encontro com Prudence na estação de Charing Cross, onde é preso. Ele pede ao seu comandante duas horas, a fim de que possa ver Prudence mais uma vez. Retornando a Londres, Clive prova sua bravura resgatando mãe e filho encurralados em um prédio bombardeado pelos alemães durante a Blitz.

Joan Fontaine e Tyrone Power em isto Acima de tudo

Tyrone Power e Joan Fontaine em Isto Acima de Tudo

Ferido, Clive é levado para o hospital e operado pelo pai de Prudence. Enquanto a vida de Clive ainda está em risco, Prudence consegue realizar um casamento improvisado com o seu amado. Monty é o padrinho e dá de presente aos noivos um exemplar da peça “Hamlet”, de Shakespeare. Uma enfermeira recita a fala de Polônio para seu filho Laertes: “This above all: to thine own self be true … Thou canst not then be false to any man”(E sobretudo, isto: sê fiel a ti mesmo … Jamais serás falso pra ninguém). Clive abre os olhos, vê Prudence diante do seu leito, e murmura uma frase patriótica (“Nós vamos ganhar esta guerra!”). Oscar de Melhor Direção de Arte em preto-e-branco(Richard Day, Joseph C. Wright) e Decoração de Interiores (Thomas Little); Indicações: Melhor Fotografia em preto-e-branco (Arthur C. Miller), Melhor Som (Edmund H. Hansen) e Melhor Montagem (Walter Thompson).

Frank Capra

Alguns mêses depois de terminar Isto Acima de Tudo, Litvak, já naturalizado americano, alistou-se na Special Services Film Unit do Exército Americano e, pouco tempo depois, convidado por Frank Capra, ajudou-o a realizar a série Porque Combatemos / Why We Fight, a partir de uma idéia do General George C. Marshall, que desejva que todo soldado conhecesse a razão pelo qual deveria servir, e talvez morrer, pelo seu país. Capra começou seu trabalho em Washington no início de 1942, criando o 834th Photo Signal Department, usando a competência de cinco homens-chave: os escritores Anthony Veiler e Eric Knight, o montador William Hornbeck, o documentarista Edgar Peterson, e o co-diretor Anatole Litvak. Ele dirigiu sozinho Batalha da Rússia / The Battle of Russia / 1944 (indicado para o Oscar de Melhor Documentário) e co-dirigiu com Capra Prelúdio de Guerra / Prelude to War / 1943, Os Nazistas Atacam / The Nazi Strike / 1943, Divide e Vencerás / Divide and Conquer / 1943, The Battle of China / 1944 e War Comes to America /1945. Litvak supervisionou ainda outros três filmes de orientação para o Exército: Substitution and Conversion / 1943, Operation Titanic / 1944, e D-Day: The Normandy Invasion / 1945.

Noite Eterna / The Long Night / 1947 (Rot: John Wexley), refilmagem americana (para a RKO) de Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève / 1939, o inesquecível filme francês com Jean Gabin, Jacqueline Laurent, Arletty e Jules Berry que Marcel Carné dirigiu em 1939, marcou o retôrno de Anatole Litvak a Hollywood mas, apesar de ter um bom elenco (Henry Fonda, Barbara Bel Geddes, Vincent Price e Ann Dvorak) e um bom fotógrafo (Sol Polito), o cineasta não conseguiu reproduzir o clima angustiante da obra de Carné, desfigurada com a substituição do desenlace fatídico por um final feliz falso e banal.

Barbara Bel Geddes e Henry Fonda em Noite Eterna

Ann Dvorak e Henry Fonda em Noite Eterna

Cena de Noite Eterna

No filme de Carné, em síntese (cf. meu livro Uma Tradição de Qualidade: O Cinema Clássico Francês (1930-1959), Ed. PUC-Contraponto, 2010), nas escadas de uma casa no subúrbio ouve-se o barulho de uma discussão acalorada. Um tiro é disparado. Uma porta se abre, um homem rola pelos degraus e morre. O assassino, François, se refugia em seu quarto. A polícia chega, mas ele se recusa a sair e o imóvel é cercado. Durante a noite, François, sabendo que não poderá escapar, relembra sua história de amor com Françoise, uma jovem florista, seu encontro com Valentin, o adestrador de cães, e com Clara, a companheira deste último. No filme de Litvak, Françoise chama-se Joe Adams, Françoise é Jo Ann, Valentin é Maximilian (o homem que foi morto por François), Clara é Charlene, a história transcorre em uma cidade industrial do Ohio e o protagonista escapa de um fim trágico, entregando-se à polícia.

ANATOLE LITVAK I

Diretor cosmopolita, ele realizou filmes na Russia, Alemanha, Inglaterra, França e nos Estados Unidos, onde obteve seus maiores sucessos trabalhando em Hollywood com a Warner Brothers e a Twentieth Century-Fox. Um dos méritos desse cineasta camaleônico era o de se adaptar sem a menor dificuldade ao modo de existência de cada país onde residia e de ser capaz de reconstruir muito fielmente seus ambientes sob os aspectos mais diversos. A fluência de sua mise-en-scène com incessante mobilidade da câmera, suas invenções formais, e a sábia utilização dramática do som e da elipse, completam seu perfil de realizador. Ele pode não ter deixado a marca de um estilo facilmente identificável como John Ford ou Alfred Hitchock, mas foi, sem dúvida, um profissional muito qualificado. Como disse o historiador Richard Schickel, “um homem competente, adaptável, e engenhoso; o tipo de diretor que Hollywood gosta mais”.

Anatole Litvak

Mikhail Anatol Litvak nasceu em maio de 1902 em uma comunidade judaica na Ucrânia, quando este país era território da Rússia. Sabemos ao certo apenas o local, o mês e o ano do seu nascimento, porque todos os documentos oficiais foram destruídos durante a Revolução Russa, mas algumas fontes apontam o dia 10 para a sua chegada ao mundo.

Nos seus filmes alemães, ele pediu para ser creditado como Anatol Litwak. Na Inglaterra e na França, mudou para Anatole Litvak, o mesmo prenome e sobrenome que usou em 1939, ao ser naturalizado como cidadão americano.

Quando Anatol ainda era uma criança, seu pai, gerente de banco, transferiu-se com sua família para São Petersburgo. Com quatorze anos de idade, o jovem Tola, como todos o chamavam, ingressou na Universidade, formando-se cinco anos depois como doutorando em filosofia.

Enquanto estava na universidade, Litvak viajava frequentemente para Moscou, onde assistiu algumas aulas de Vsevolod Meyerhold e Yevgeny Vakhtangov (aluno de Stanislavski), dois grandes professores e inovadores do teatro experimental soviético.

Em 1922, após sua graduação, Litvak juntou-se a uma pequena companhia teatral de vanguarda em São Petersburgo, agora renomeada Petrograd (depois Leningrado) e conseguiu ser admitido na Escola Estatal de Teatro, onde aprendeu cada fase da experiência teatral da interpretação à direção, e também à operar as luzes e ajudar a escrever uma peça.

Cena de Le Chant de l’amour Triomphant

Em 1923, prestou serviço na sucursal soviética da companhia dinamarquêsa Nordisk no estúdio Nordkino de Leningrado e estreou como assistente de direção de Viktor Tourjansky em Le Chant de l’amour Triompant, produção russo – francêsa muda passada na Itália do século XVI, baseada em um um conto de Ivan Tourgenev. Litvak ficou fascinado pelo trabalho experimental dos jovens diretores do novo cinema soviético, que davam particular importância à montagem e à fotografia, e imerso nessa atmosfera excitante, ele dirigiu Tatiana, seu primeiro filme silencioso de curta-metragem, do qual a única informação que obtive é que se tratava de “um filme para crianças” com Nikolai Petrov, ator russo muito popular. Litvak dirigiu Petrov no seu segundo filme curto, Serdtsa I Dollary para a Kino-Sever e filmado no estúdio Lens em Leningrado, uma história com um subtexto anti-americano: dois russos com o mesmo nome, mas vivendo em diferentes condições econômicas, são ambos visitados por um parente distante dos Estados Unidos. Como assinalou Michelangelo Capua no seu livro Anatole Litvak, The Life and Films, McFarland, 2015, que me foi muito útil para obter informações, o diretor, em uma entrevista concedida em 1953 para a revista francêsa Cinémonde, repudiou Tatiana e Serdtsa I Dollary, classificando-os como “atrozes”.

Cartaz de Serdtsa I Dollary

Não se sabe porque Litvak deixou a União Soviética no final de 1924 e foi para a Alemanha via Paris. Vários boletins para divulgação de alguns de seus filmes de Hollywood declararam de modo conciso: “O importante estúdio UFA (Universum Film AG) em Berlim atraiu-o para a Rússia”. Sua primeira experiência na Alemanha foi como montador assistente de Rua das Lágrimas / Die freudlose Gasse / 1925, melodrama silencioso dirigido por G.W.Pabst, estrelado por Greta Garbo no seu terceiro filme e com Marlene Dietrich em um pequeno papel.

Por um curto período, Litvak retornou a Paris como um dos muitos assistentes de direção no set do épico silencioso Napoleão / Napoleon de Abel Gance. Na locação, Litvak conheceu Nikolai Alexander Volkoff, um cineasta emigrado soviético que conseguira escapar da Rússia durante a Revolução. Volkoff subsequentemente contratou-o como assistente de direção para três de suas produções, Casanova / Casanova / 1927, Segredos do Oriente / Gehimnisse des Orients / 1927 e O Diabo Branco / Der Weisse Teufel / 1930, todas produzidas por Noé Bloch (tio de Litvak) e Gregor Rabinovitch na UFA.

Após quatro anos trabalhando com Volkoff, Litvak foi convidado pela UFA para dirigir seu próprio filme. Sua fluência no idioma russo, alemão, francês e inglês básico eram uma habilidade inestimável, porque muitos filmes europeus, nos primeiros tempos do som, eram feitos em diferentes versões.

Litvak fez duas comédias musicais na Alemanha: Dolly Macht Karriere / 1930, com Dolly Haas e Não Há Mais Amor / Nie wieder Liebe! / 1931, com Lilian Harvey, sendo que esta última teve uma versão francêsa, Calais- Douvres, co-dirigida por Jean Boyer, mantida a mesma atriz no papel principal.

Cena de Não Há mais Amor

Como não pude ver nenhuma das duas comédias alemãs, assinalo apenas que o enorme sucesso desses dois filmes na França e na Alemanha convenceu a Société des Films Osso a contratar Litvak para trabalhar em Paris. Entretanto, logo de início, ele foi emprestado para a Fifra, pequena companhia produtora promovida pela roteirista americana Dorothy Farnum e seu marido, Maurice Barber, que haviam comprado os direitos da peça “Coeur de Lilas” de Tristan Bernard e Charles Henry Hirsh.

Por sua intriga e atmosfera o filme pode ser considerado um precursor do realismo poético. Um grupo de crianças descobre acidentalmente o corpo de Novion, um industrial. O inspetor André Lucot (André Luguet) não concorda com a opinião do juiz de instrução de que o culpado foi um dos empregados do morto. Uma luva pertencente a uma prostituta conhecida, Lilas Couchoux (Marcelle Romée), foi encontrada junto ao cadáver de Novion. Assumindo a identidade de um mecânico desempregado, Lucot decide investigar por conta própria. No bar que Lilas frequenta, o inspetor conhece Martousse (Jean Gabin), leão-de-chácara desse local, e ex-amante da prostituta. Os dois homens entram em conflito e mais tarde Martousse é preso durante uma batida da polícia. Lucot e Lilas acabam se apaixonando, e ela espera iniciar uma nova vida. Porém Martusse depois de recuperar a liberdade, encontra o casal em um hotel onde estão hospedados e revela a Lilas que seu novo namorado é um policial. Perturbada por esta revelação, ela se entrega à polícia e confessa seu crime.

Visão melancólica e pitoresca do submundo parisiense, com uma trama apoiada sobre um enigma judiciário e um dilema Corneliano (o debate entre paixão e dever na mente de um policial), o filme vale sobretudo pela maneira eminentemente cinematográfica como os acontecimentos são mostrados, a começar pela sequência inicial, quando vemos soldados marchando e em seguida uma panorâmica acompanha um grupo de meninos, imitando-os, e depois correndo até às velhas fortificações (construídas entre 1841 e 1845 para prevenir uma invasão militar prussiana), onde encontram o cadáver de Novion.

No ponto culminante da narrativa, ocorre uma festa de casamento promovida em uma pousada, que se mistura, sem que os convidados saibam, à ação patética que se desenrola em um dos quartos, quando Lilas verifica que Lucot é mesmo um policial, como lhe informara Martousse. É um momento em que a alegria se mistura com as tristeza, como acontece na realidade, os casais que dançam a farândola surgindo a todo momento e interrompendo a cena dramática entre os dois amantes.

Cena de Coeur de Lilas

Falando sobre Coeur de Lilas por ocasião da estréia em 1932, Litvak afirmou que o “verdadeiro cinema” deve evitar a influência do “teatro filmado” através da atenção dada à “luz, ritmo e imagens”. Ele comentou: “em Coeur de Lilas meu elenco só fala quando a situação exige”. E concluiu: “Eu simplesmente quero fazer cinema; nada mais nada menos”. Litvak trouxe a competência técnica e alto nível de sofisticação visual adquiridos no cinema alemão para o cinema francês do início dos anos trinta, que procurava uma maneira de competir com os modelos da produção de Berlim e Hollywood.

                                         Cenas de Coeur de Lilas

Durante e após a filmagem ocorreram dois acidentes horríveis. A explosão de um refletor de arco voltaico quase cegou Fernandel (que faz uma ponta no filme, cantando) e, pouco depois que o filme ficou pronto, Marcelle Romeé, a atriz de apenas 29 anos de idade, suicidou-se, atirando-se no Sena.

A reputação de Litvak como realizador habilidoso firmou-se com o êxito financeiro e crítico de Coeur de Lilas, e ele retornou a Berlim depois que a UFA lhe ofereceu a oportunidade de dirigir no mesmo ano uma outra comédia musical, desta vez em versão tripla com estes títulos: Das Lied einer Nacht em alemão, La Chanson d’une Nuit em francês e Tell Me Tonight em inglês.

No Brasil, foi exibida a versão inglêsa com o título que o filme recebeu nos Estados Unidos, Be Mine Tonight, traduzido em português como A Voz do Meu Coração. Trata-se de uma história de troca de identidade, que tem início quando um tenor famoso, Enrico Ferraro (Jan Kiepura), para escapar de sua gerente mandona (Betty Chester), foge para Zern, pequena aldeia da Suiça. No caminho, faz amizade com um simpático vigarista, Koretsky (Sonnie Hale no papel que Pierre Brasseur e Fritz Schulz desempenham em outras versões), que, por uma série de coincidências, é confundido com Ferraro, o qual, para ter sossego de seus amiradores, deixa que a confusão de identidades prossiga. No decorrer dos acontecimentos, Ferraro se apaixona por Mathilde (Magda Schneider), a filha do prefeito local e, depois de muita confusão, tudo volta ao normal.

Os belos cenários naturais perto de um lago, fotografados magnificamente por Fritz Arno Wagner; a música, que tanto traz trechos da “Traviata”, da Bohème” e da “Rigoletto” como a deliciosa canção tema “Tell me Tonight”; algumas cenas muito divertidas como aquela na qual Ferraro, escondido pelos arbustos, cantada por Koretsky; e uma direção que deixa a câmera correr à vontade, ensejam um espetáculo sempre vivo e interessante.

Ivor Novello em O Galã do Expresso

O sucesso internacional dos primeiros filmes de Litvak, tornaram-no um dos novos diretores mais requisitados da Europa, e assim ele assinou contrato com a Gaumont British para fazer O Galã do Expresso / Sleeping Car / 1933 na inglaterra com os astros Ivor Novello e Madeleine Carroll. No enredo, Gaston Bray (Ivor Novello) é um atendente de vagão-dormitório, que tem numerosos casos amorosos em cidades diferentes, nas quais o trem transcontinental para. Mas ele se apaixona verdadeiramente por uma jovem inglêsa rica, Anne Howard (Madeleine Carroll) que, ao se recusar a responder a uma intimação por ter dirigido em alta velocidade, está prestes a ser expulsa da França. É explicado a ela que, só poderá permanecer na França se contrair matrimônio com um cidadão francês, e ela então anuncia que está procurando um marido. Muitos candidatos se apresentam, entre eles Gaston, que consegue o pôsto. Porém quando uma ex-namorada de Gaston, Simone (Kay Hammond) entra em cena, seguem-se inúmeras complicações antes que tudo finalmente se esclareça.

Embora tivesse sido bem sucedido comercialmente, o filme desapareceu das telas após seu lançamento em 1933, e só reapareceu quando uma versão restaurada pelo National Film Archive foi apresentada no London Film Festival de 1992. Não encontrei o título na relação de filmes da mediateca do BFI (British Film Institute) e nem existe dvd do mesmo. Por ocasião da estréia, o Variety elogiou a fotografia e a direção e existem comentários de pessoas que puderam ver o filme, dizendo que há momentos comparáveis às melhores operetas que Ernst Lubitsch realizou com Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald. Infelizmente, não tenho como conferir.

No verão de 1933, depois de tirar férias na Riviera Francêsa, Litvak voltou para Paris, decidido a ficar ali permanentemente, pois Hitler chegara ao poder na Alemanha. Em colaboração com Serge Veber, que havia escrito os diálogos de Coeur de Lilas, ele começou a adaptação da peça de Fernand Nozière, que resultou no seu novo filme, Ave de Rapina / Cette Vieille Canaille (Cipar Films).

Harry Baur em Ave de Rapina

O melodrama tem início quando, em um parque de diversões de Neuilly, o professor Guillaume Vautier (Harry Baur), célebre cirurgião aposentado, cuida do ferimento de Hélène (Alice Field), uma vendedora, após ela ter brigado com outra mulher enciumada de seu amor pelo jovem trapezista Jean (Pierre Blanchar). Hélène acaba sendo presa, mas na mesma noite, vem a ser solta misteriosamente e conduzida para uma luxuosa mansão, onde se encontra novamente com Vautier, que pagara sua fiança. Ele lhe oferece a residência como se fosse sua. Hélène aceita a oferta generosa e logo esquece sua antiga vida e seu amante Jean. Embora Vautier aparentemente não tenha intenções amorosas para si próprio (parece que a quer em sua casa apenas como um enfeite, para lhe alegrar a vista ou para amenizar sua velhice), ele procura impedir qualquer tentativa de outro homem se aproximar de Hélène. Um dia, ela se encontra com Jean e percebe que não pode viver sem ele, trocando Vautier pelo acrobata. Passado algum tempo, ao apresentar seu número circense em um teatro, Jean avista Vautier, que se sentara ao lado de Hélène no camarote por ela ocupado. Ao vê-los, Jean sofre uma alucinação, desmaia, e cai do trapézio. Vautier põe de lado seu orgulho e realiza uma cirurgia delicada, salvando nobremente a vida do acrobata.

Em uma interpretação magistral, Harry Baur dá força e emoção ao “vieille canaille”, personagem tragi-cômico amável, mas com um leve toque sinistro, cuja visão de ave de rapina (daí o título em português) diante de uma mulher jovem e bonita, se ilumina no fulgor de um desejo de posse. A intriga – cujo motivo, a luta do amor contra o dinheiro, da juventude contra a velhice, não era novo -, torna-se apaixonante pela sua encenação impecável e montagem nervosa até a sequência particularmente brilhante da operação (com o uso de imagens sobrepostas) tentada pelo cirurgião em seu rival, cujo olhar se enche de pavor – um detalhe de poderosa intensidade dramática. Mais uma vez na sua carreira, Baur fez uma grande composição, deixando um pouco na sombra seus parceiros: Alice Field, Pierre Blanchar, Paul Azaïs (o companheiro de Jean no trapézio), e a gorducha Madeleine Guitty (a mãe abominavelmente cupida e vulgar de Hélène).

O próximo filme de Litvak, Tripulantes do Céu / L’Equipage / 1935 (Pathé-Nathan), baseado no romance de Joseph Kessel, conta uma história de triângulo amoroso, que já fôra filmada em 1928 por Maurice Tourneur.

Jean-Pierre Aumont e Annabella em Tripulantes do Céu

Charles Vanel e Jean-Pierre Aumont em Tripulantes do Céu

Jean Herbillon (Jean-Pierre Aumont) jovem tenente, se apaixona, e é correspondido, por Denise (Annabella), sem saber seu sobrenome. De volta para a frente de batalha, Jean inicia uma grande amizade com o tenente Maury (Charles Vanel). Eles fazem vários vôos juntos, até que Jean obtém umas semanas de licença, e Maury lhe pede que entregue uma carta para sua esposa, Hélène, dizendo: “Ela é tudo para mim”. De volta a Paris, Jean e Denise passam um tempo muito felizes e, quando ele está prestes a retornar ao quartel, lembra-se da missiva. Jean vai até casa da esposa de Maury, e descobre que ela é … Denise. Ele fica de coração partido com essa descoberta e também apreensivo, ao pensar em encarar Maury, seu melhor amigo. Tenta esquecer Denise, mas sempre que vê Maury, lembra-se dela. Sentindo saudade de Jean, Denise decide visitar seu marido no aeródroageo. Jean faz todo o possível para evitá-la, porém Denise se infiltra no seu alojamento, e lhe diz que a vida não significa nada para ela, sem ele. Jean tenta em vão fazê-la compreender a camaradagem que existe entre ele e Maury e também o significado de uma equipage (tripulação). A guerra está perto do fim e um ataque final é planejado. O esquadrão recebe suas ordens e Jean e Maury partem. Maury já pressentiu tudo o que se passa entre Jean e Denise (“Ela o ama, eu sei”), mas durante o combate eles deixam de lado seus sentimentos pessoais e demonstram muita coragem. Quando voltam para a base, Maury, ferido, descobre que Jean está morto e, em sua mão, encontra uma foto de sua esposa. No hospital, em convalescência, Maury perdoa Denise.

Annabellla e Charles Vanel em Tripulantes do Céu

É um estudo psicológico com um toque de ironia cruel, quando um romance proibido é transformado em uma crise de consciência. Usando mais as imagens que as palavras, Litvak nos faz penetrar no íntimo dos três personagens principais, que se deparam com um dilema moral e, ao mesmo tempo, descreve com realismo, embora brevemente, os combates aéreos de uma esquadrilha francêsa durante a Primeira Guerra Mundial.

Cena de Tripulantes do Céu

Cena de Tripulantes do Céu

O filme tem início com um surpreendente primeiro plano de Denise espantada, ao saber que Jean vai para a esquadrilha onde seu marido está servindo, seguindo-se no decorrer da narrativa outras cenas muito boas: o pianista tocando Chopin enquanto Maury voa no meio da neblina; a mulher que lê a mão de Denise e lhe diz tudo no seu ouvido, sem que a gente saiba o que lhe sussurrou, enquanto se ouve uma canção; Denise desesperada, repetindo três vêzes para Jean “Eu o amo!; a morte do capitão Thélis (Jean Murat, na época marido de Annabella) andando, depois ao sair do seu avião alvejado, e depois caindo ao solo; o duelo das aeronaves no céu; o perdão mudo e discreto no hospital.

Apesar do êxito retumbante de Tripulantes do Céu, Litvak continuava um solitário, fora da produção corrente de Paris, mas a situação mudou radicalmente, quando ele resolveu dirigir Mayerling / Mayerling / 1936 (Nero Films), a história trágica do romance entre o Arquiduque Rudolph da Áustria e sua amante a Baronesa Marie Vetsera.

Danielle Darrieux e Charles Boyer em Mayerling

Na Viena de 1888, o Arquiduque Rudolph (Charles Boyer), desgostoso com a política conservadora de seu pai, o velho imperador Francisco José (Jean Dax), juntou-se ao partido dos jovens liberais. Seu melhor amigo, Maurice Szeps (René Bergeron) editor de um jornal radical, acaba de ser preso. A noticia é trazida a Rudolph pelo Conde Taafe (Jean Debucourt), que o espiona incessantemente. Rudolph pede uma audiência com o pai, esperando interceder pelo seu amigo. À tarde, ele sai para um passeio no Prater, onde vê uma jovem sendo importunada por um estranho, e vai em seu socorro. Após passarem algum tempo juntos, a jovem retorna para casa, onde vive com sua mãe (Marthe Régnier) e irmã (Nane Germon). À noite, Rudolph comparece a uma performance de gala na Ópera, acompanhado de sua esposa, a Arquiduquesa Stephanie (Yolande Laffont) e, no camarote em frente ao seu, avista a jovem do Prater. Ele fica sabendo que ela é Marie Vatsera (Danielle Darrieux), que está fazendo sua primeira aparição em sociedade. Marie reconhece Sua Alteza Real como o seu misterioso salvador. A tia de Rudolph, Condessa Larish (Suzy Prim) arranja um encontro entre os dois. Rudolph fica encantado com a sinceridade de Marie, por quem se apaixona perdidamente. Taafe e seus espiões informam o imperador sobre os encontros clandestinos de Rudolph e Marie, e um bilhete anônimo é enviado para a mãe de Marie, revelando o segredo de sua filha. Marie se recusa a dizer o nome do homem que ama, e é enviada para fora de Viena por seis semanas. Rudolph, em desespêro, volta à sua antiga vida de libertinagem. Quando Maria retorna, confronta-se com um Rudolph mudado, mas sua piedade gentil o subjuga. Rudolph percebe que sua única salvação está em Marie. Ele escreve ao Papa, pedindo-lhe que lhe conceda o divórcio da arquiduquesa. Quando o imperador fica sabendo pelo Papa do desejo de seu filho, ele ameaça mandar Marie para um convento se o príncipe não renunciar a ela. Rudolph implora para ficar com ela por vinte e quatro horas, antes de atender ao desejo do pai. Os dois amantes vão ao pavilhão de caça do príncipe em Mayerling. Quando a noite cai, eles firmam um pacto de morte. De madrugada, um tiro de pistola é ouvido pelo criado de Rudolph, seguido alguns minutos depois por um segundo tiro

Cena de Mayerling

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Em vez de realizar um filme histórico com suas implicações políticas, Litvak optou pelo aspecto puramente romântico da história de amor entre Rudolph de Habsburgo e Marie Vetsera, filmando com delicadeza a obra de Claude Anet, inspirada no caso célebre que abalou o Império Austro-Húngaro no final do século dezenove.

Cena de Mayerling

Cena de Mayerling

O domínio técnico do realizador, sobretudo nas cenas de intimidade entre Rudolph e Marie, quando a câmera se aproxima do rosto dos personagens para realçar melhor suas emoções, o desenho de produção (Serge Piménoff), a direção de arte (Andrej Andrejew, Robert Hubert), os figurinos (Georges Annenkov), e a música (Arthur Honneger) tornam o filme envolvente, mas é preciso dizer que ele deve muito de sua força ao desempenho dos dois intérpretes centrais.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Charles Boyer compõe com perfeição o Rudolph depressivo, revoltado e atormentado que ele era na vida real, basicamente um herói passivo, tratado com respeito mas que, essencialmente, não tem poder. Os cortesãos se inclinam diante dele, porém ele não consegue nem obter uma audiência com seu pai, quando a necessita com urgência. Sua frustração se manifesta na sua melancolia e fastio (como no bordel e no seu aniversário de casamento) ou por uma violência virada para dentro de si mesmo, como no momento em que metaforicamente desfere um tiro no seu reflexo no espelho.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Danielle Darrieux encarna uma Marie bastante verossímil, ainda mais por ter a mesma idade da sua personagem quando o filme foi realizado. Ela está perfeita, quando nos mostra seu encantamento com a idéia de que é amada por um príncipe; ou sua firmeza, quando não se inclina diante da arquiduquesa em uma cerimônia da côrte, como todos fazem; ou, ainda, sua completa submissão a Rudolph, quando tomou a decisão ousada de se entregar totalmente a ele, colocando sua vida e morte nas suas mãos.

Mayerling marca uma mudança importante na filmografia do cineasta, porque foi seu último longa-metragem francês antes de sua partida para os Estados Unidos. Os produtores americanos, atraídos pelo triunfo alcançado pelo filme, convidaram-no imediatamente para trabalhar com eles, e Litvak aceitou.

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THEDA BARA

Ela era uma das atrizes cinematográficas mais populares nos anos dez, só perdendo em termos de apoio do público para Mary Pickford e Charles Chaplin, e foi sempre apontada como a primeira vampe da tela embora, em 1912, Rosemary Theby, em um filme da Vitagraph, The Reincarnation of Karma, já tivesse interpretado uma mulher tentadora chamada Quinetrea e Musidora, mais ou menos na mesma época do primeiro filme de Theda Bara no papel principal, fazia o mesmo na série Os Vampiros / Les Vampires / 1915 de Louis Feuillade como Irma Vep.

Theda Bara

Theda pode não ter sido a primeira vampe, mas foi certamente a mais famosa. Atuou em 42 filmes de 1914 a 1926, porém não conseguiu fazer a transição para o cinema falado. Nunca poderemos saber o que a tornou uma das primeiras grandes estrelas da cena muda, porque pouquíssimos filmes dela sobreviveram e eles não são representativos do que o público e a crítica consideravam seu melhor trabalho.

Nascida em 22 de julho de 1890 em Cincinnati, Ohio, filha de Bernard Goodman, nome provavelmente americanizado de um alfaiate judeu da Polônia, e de Pauline Louise Françoise deCoppet, suiça de origem judia, cujos progenitores eram o francês François Baranger e a alemã Regine deCoppet Baranger, Theodosia Goodman tinha um irmão mais velho chamado Marque e uma irmã mais nova chamada Esther. Esta, divorciada de seu primeiro marido, casou-se com o ator e diretor Ward Wing e, sob o nome de Lori Bara, assinou o roteiro de um filme dele, Samarang / Samarang / 1933.

O interesse de Theda pelos livros e pela arte dramática manifestou-se muito cedo e, após estudar dois anos na Universidade de Cincinnatti, ela foi em 1905, para Nova York, decidida a entrar no mundo teatral, apesar da objeção de seu pai. Em 1908, apareceu no palco em The Devil, adotando o nome artístico de Theodosia DeCoppet, e depois passou a representar em companhias itinerantes, apresentando-se no musical, The Quaker Girl, na comédia, Just Like John, e em outros espetáculos até que o diretor Frank Powell colocou-a como figurante no filme da Pathé, The Stain / 1914.

A esta altura, William Fox, que acabara de filmar no seu novo estúdio em Fort Lee, Nova Jersey, Life’s Shop Window, obtendo lucros modestos, contratou Powell para dirigir Escravo de uma Paixão / A Fool There Was, que então escolheu Theda para encabeçar o elenco desta produção, a qual iria colocar a Fox Film Corporation em uma posição de maior prestígio na indústria cinematográfica.

Cena de Escravo de uma Paixão

O filme foi baseado em uma peça de Porter Emerson baseada no poema “The Vampire” de Rudyard Kipling, o qual por sua vez havia sido inspirado em uma pintura de Philip Burne Jones, exibida em Londres em 1897, que mostrava uma mulher se debruçando triunfalmente sobre um jovem, cujo sangue parecia ter sido sugado. Por sugestão de William Fox, o sobrenome Baranger da árvore genealógica da família foi abreviado para Bara e combinado com o seu apelido de criança, Theda, surgindo assim o nome artístico de Theda Bara.

Enquanto o filme ainda estava sendo rodado, Fox contratou dois jornalistas, Al Selig e John Goldfrap, para promovê-lo, e eles criaram a mais ousada e ridícula campanha de publicidade do país, divulgando a informação de que “Theda Bara” seria um anagrama de “Arab Death” e que ela era filha de uma artista francêsa, Theda de Lyse e de um escultor italiano, Giuseppe Bara. Segundo explicaram, a aventureira Lyse estava fazendo uma excursão pelo Egito, quando encontrou Giuseppe perdido nas areias do deserto. A atriz salvou sua vida e foi o começo “de um dos romances mais doces do mundo”. No tempo devido, a pequena Theda nasceu, filha do formoso casal, que construiu seu lar em uma tenda enorme perto da Esfinge.

Como observaram Eve Golden (de cuja obra Vamp, The Rise and Fall of Theda Bara, 1966, colhí algumas informações) e Robert S. Birchard (autor de vários livros sobre Cinema), entrevistados em um documentário biográfico sobre a atriz (The Woman With Hungry Eyes / 2006), o mais extraordinário a respeito dessa lenda foi que os espectadores perceberam desde o início que ela era apenas isso, uma lenda, e assim puderam assistir horrorizados as seduções impiedosas da vampe e ao mesmo tempo amar e aplaudir Theda Bara. Por outro lado, como percebeu Molly Haskell (From Reverence to Rape, 1974), sua imagem de sexualidade exótica, vagamente maligna era suficientemente distante das mulheres de verdade para ser considerada perigosa.

Escravo de uma Paixão foi um dos filmes mais vistos de 1915 na América e, para surpresa de todos, Theda Bara foi a primeira atriz de cinema a passar do anonimato para o estrelato da noite para o dia. Os publicistas inventaram cláusulas de um contrato que nunca existiu, prevendo que ela só poderia ser transportada em limousines brancas com as cortinas cerradas e criados de libré “núbios” em serviço, teria que conceder entrevistas em salas escurecidas e perfumadas, não poderia se casar nem aparecer em público com um acompanhante. Sua vampe, sempre fotografada para efeitos de publicidade ao lado de um esqueleto, de uma caveira ou de cobras, era uma mulher “não exatamente humana”, que seduzia entusiasticamente homens respeitáveis por mera diversão, levando-os à ruína e, quase sempre, à morte – o tipo de mulher que o espectador de cinema nunca tinha visto antes. A Fox anunciava-a como “A mulher mais perversa do mundo”.

Theda, a Vampira

No Brasil, onde passaram todos os seus filmes, sendo constantemente reprisados, a popularidade de Theda Bara foi imensa, tendo sido apelidada de “Sereia Satânica da Tela”. No Correio da Manhã de 13/9/1925, na seção “No Mundo da Tela”, em uma coluna intitulada “Theda Bara a moderna Circe”, um jornalista assim a descreveu em termos hoje antiquados: “Delgada, angulosa, seios pequenos mortos sobre o peito, cheia de trepidações estranhas, boca nervosa, olhos grandes, carregados de sombra e a cabeça mergulhada numa orla de martírio. As mãos delas devem casquinar quando acariciam e os lábios, ao beijar, devem beber num sorvo de loucura os lábios do amado. Como nos seus filmes, ela deve ser na vida real a aspiração surda, a aflição, a dor, o desespêro, a loucura, o delírio dos homens”.

Theda Bara

O poder de fascinação de Theda Bara era inimaginável. Sua fama era tanta, que chegou a ser parodiada pela atriz Josephina Barco em uma cena da comédia “Tinha de Ser” – que contava ainda com a presença de Alexandre Azevedo, Apolonia Pinto, Restier Junior e Augusto Aníbal -, fazendo rir o público do Trianon.

Theda Bara

Seus olhos grandes e negros, acentuados com uma sombra escura nas pálpebras, destacando o seu rosto de uma brancura cadavérica, e adereços elaborados tais como tapete de pele de tigre e uma longa piteira dourada, embelezavam sua exentricidade assim como sua tendência para usar véus, corôas, brincos em forma de argola e braceletes de bronze. Com seus cabelos, compridos e escuros e o corpo voluptuoso coberto por vestidos longos e leves, a sua vampe perpetuava um estereótipo europeu conhecido de paixão e exotismo. Mulher sensual e poderosa, Theda Bara dominava e triunfava sobre os homens e contrastava nítidamente com as personagens de mocinhas virtuosas retratadas por Mary Pickford e Lilian Gish. Apesar de seu estilo de interpretação histriônico e de suas caracterizações extravagantes, as platéias da época não se importavam com isso, bastando ver sua face pálida e seu olhar longo e fixo, que despertava a imaginação popular.

No decorrer de sua carreira, Theda repetiu seu papel de vampe em muitos filmes com titulos sugestivos como Destruição / Destruction, A Raposa / The Vixen, Gioconda, a Filha do Diabo / The Devil’s Daughter, Rosa Cor de Sangue / The Rose of Blood, Lolotte, a Endiabrada / The She-Devil etc. Ela interpretou também heroínas vampes da História e da Literatura como Carmen, Salomé, Madame Du Barry, Cleopatra bem como também não vampes, notadamente a Julieta de William Shakespeare em Romeo and Juliet, a cigana Esmeralda de Victor Hugo em Favorita de Paris / The Darling of Paris e a Cigarette de Ouida (Marie Louise Ramé) em Sob Duas Bandeiras / Under Two Flags.

Theda em Carmen

 

Theda Bara e G. Raymond Nye em Salome

Theda em Cleopatra

Theda em Romeu e Julieta

O canadense J. Gordon Edwards dirigiu a maioria dos seus filmes (23 ao todo) e ela recebeu ordens por atrás das câmeras de futuros diretores de prestígio como Herbert Brenon (A Sonata de Kreutzer / The Kreutzer Sonata, Infidelidade / The Clemenceau Case, As Duas Orfãs / The Two Orphans, O Anjo de Marfim do Purgatório / Sin), Raoul Walsh (Carmen / Carmen, A Serpente / The Serpent ) e Charles Brabin (Sonho Revelador / Kathleen Mavourneen, A Mulher Serpente,) com quem se casou em 1921, matrimônio que durou até a morte da atriz em 1955.

Theda e seu marido, o diretor Charles Brabin

A maioria dos filmes de Theda foram realizados durante um período curto de quatro anos. Quando seu contrato não foi renovado pela Fox, ela tentou a Broadway, mas não obteve sucesso. O gosto do público havia mudado. As vampes foram superadas pelas heroínas virginais. Theda retornou a Hollywood, para tentar ressuscitar sua carreira, mas acabou interpretando caricaturas de sua antiga personalidade fílmica.

Em 1926, assinou contrato com Hal Roach para participar nos curtas-metragens das suas All Star Comedies. Co-dirigida (com Richard Wallace) por Stan Laurel, a primeira comédia, Madame Mystery, tinha Theda no papel título como uma agente secreta carregando um explosivo ultra secreto dentro de um navio (cujo capitão era Oliver Hardy). Dois ladrões desastrados tentam roubar a carga da Madame e um deles, acidentalmente, engole a bomba, para alarme de todos.

Originalmente em dois rolos, o filme foi exibido entre nós no Cinema Rio Branco na Praça Onze de Junho do Rio de Janeiro com o título de Madame Misteriosa, mas só sobrevive hoje uma cópia reduzida, em 9,5 mm., usada pelo mercado de aluguel de filmes para projeções em residências. Segundo os que viram, a atriz, elegantemente vestida, teve um bom desempenho porém, descontente com as cenas de pastelão, Brabin proibiu-a de continuar na série. Após doze anos, a carreira de Theda Bara estava encerrada. Ela nunca mais faria outro filme.

                                                 FILMOGRAFIA DE THEDA BARA

1914

THE STAIN (Theodosia deCoppett, como figurante)

1915

ESCRAVO DE UMA PAIXÃO / A FOOL THERE WAS

A SONATA DE KREUTZER / THE KREUTZER SONATA

INFIDELIDADE / THE CLEMENCEAU CASE

GIOCONDA ou A FILHA DO DIABO / THE DEVIL’S DAUGHTER

O SEGREDO DA ALTA SOCIEDADE / LADY AUDLEY’S SECRET

AS DUAS ORFÃS / THE TWO ORPHANS

O ANJO DE MARFIM DO PURGATÓRIO / SIN

CARMEN / CARMEN

CHAMAS DO ÓDIO / THE GALLEY SLAVE

DESTRUIÇÃO / DESTRUCTION

1916

A SERPENTE / THE SERPENT

A MALDIÇÃO DO OURO / GOLD AND THE WOMAN

A ETERNA SAFO / THE ETERNAL SAPHO

TRAIÇÃO / EAST LYNNE (Filme sobrevivente)

SOB DUAS BANDEIRAS / UNDER TWO FLAGS

SOB O NOME DA OUTRA / HER DOUBLE LIFE

ROMEU E JULIETA / ROMEO AND JULIET

A RAPOSA / THE VIXEN

1917

A FAVORITA DE PARIS / THE DARLING OF PARIS

CORAÇÃO DE TIGRE / THE TIGER WOMAN

SEU GRANDE AMOR / THE GREATEST LOVE

CORAÇÃO E ALMA / HEART AND SOUL

A DAMA DAS CAMÉLIAS / CAMILLE

CLEÓPATRA / CLEOPATRA (Sobrevivem somente vinte segundos do filme)

ROSA COR DE SANGUE / THE ROSE OF BLOOD

MADAME DU BARRY / MADAME DU BARRY

1918

ESTRADA PROIBIDA / THE FORBIDDEN PATH

ALMA DE BUDHA /THE SOUL OF BUDDHA

O CATIVEIRO / UNDER THE YOKE

SALOMÉ / SALOME

QUANDO UMA MULHER PECA / WHEN A WOMAN SINS

A ENDIABRADA OU LOLOTTE, A ENDIABRADA / THE SHE DEVIL

1919

A LUZ / THE LIGHT

O LOBO E A OVELHA / WHEN MEN DESIRE

O CANTO DA SEREIA / THE SIREN’S SONG

ETERNO SOFRIMENTO / A WOMAN THERE WAS

SONHO REVELADOR / KATLEEN MAVOURNEEN

A MULHER SERPENTE / LA BELLE RUSSE

A FORÇA DA AMBIÇÃ0 / THE LURE OF AMBITION

1925

MULHER LIBERTINA / THE UNCHASTED WOMAN (Filme sobrevivente)

1926

MADAME MISTERIOSA / MADAME MYSTERY (Filme sobrevivente incompleto)