Como David Wark Griffith, Charles Chaplin ou Cecil B. DeMille, ele pertenceu à geração dos pioneiros, e sua carreira foi uma das mais longas do cinema clássico – de 1919 a 1959. Com sua consciência social, sua facilidade de tratar de um modo épico ou lírico os problemas da civilização ou da condição humana, foi sem dúvida um grande cineasta. Tal como fiz com Fritz Lang (v. meu post de 1/7/2012), recordo sua trajetória artística no cinema mudo.
King Wallis Vidor (1895-1982) nasceu em Galveston, neto de um imigrante oriundo da Hungria, que se tornou cidadão americano naturalizado em 1868. O pai de Vidor, Charles Sheldon Vidor, chegou a ser um homem próspero na época do nascimento do seu filho, o primeiro das duas crianças que teve com sua esposa, Kate Wallis, de uma família descendente de Davy Crockett. Charles S. Vidor foi dono de uma floresta de madeira de carvalho na República Dominicana e de serrarias no East Texas e no Estado de Louisiana, e havia introduzido outra serraria em uma pequena comunidade do Texas, que levou o nome de Vidor em 1910. Porém, logo depois, perdeu sua fortuna em negócios de seguro e especulação no ramo do petróleo.
Após ter se formado na Peacock Military Academy em San Antonio, a educação de King Vidor continuou em uma escola particular em Maryland. Sua mãe o iniciou na Christian Science (da qual um dos credos é que o mal, físico ou moral, pode ser curado por meios espirituais). Todavia, aos dezesseis anos de idade, Vidor entrou para o mundo do cinema como bilheteiro e projecionista ocasional em um nickelodeon em Galveston. Um furacão ocorrido em 1913 forneceu o assunto para seu primeiro filme, rodado com uma câmera feita em casa por um amigo. Em seguida, algumas atualidades, a começar por uma parada militar em Houston, foram vendidas para o cinejornal Mutual Weekly.
Sua primeira tentativa de fazer um filme de ficção, intitulado In Tow, foi, segundo ele próprio contaria mais tarde, incompetente sob todos os pontos de vista. Quando estava filmando, conheceu Florence Arto, ainda uma adolescente e filha de família rica. Ela mostrou grande interesse nos seus esforços para fazer o filme e, ansioso por mantê-la a seu lado, ele ampliou o papel da heroína; porém os pais dela tinham noções diferentes sobre os “flickers”: segundo eles, uma aparição na tela só poderia desgraçar sua filha. O jovem aprendiz de cineasta teve que aguardar até que fossem casados.
Dando um próximo passo no caminho do cinema, Vidor uniu-se a Edward Sedgwick, um conterrâneo que, com sua família atuante no vaudeville, havia participado de alguns filmes regionais. Juntos, eles formaram a Hotex Motion Picture Company e realizaram (entre outras não identificadas) duas comédias, dirigidas por Sedgwick e co-roteirizadas por Vidor: The Heroes, sobre a captura de um bandido e Beautiful Love, uma intriga “européia” sobre o rapto de uma condessa.
Após o casamento de Vidor com Florence, o casal partiu para Nova York onde, finalmente, uma distribuidora aceitou distribuir as duas comédias; mas, um mês depois, faliu, e não devolveu as cópias e negativos, nem pagou nenhum centavo para a Hotex. Sedgwick foi para Hollywood e conquistou uma reputação dirigindo comédias de Buster Keaton. Vidor ficou em Galveston, a fim de fazer um documentário industrial sobre uma refinaria de açúcar. Quando terminou o filme, ele deu entrada na compra de um carro Ford Modelo T e rumou com Florence para a Costa Leste.
Quando Florence e Vidor chegaram em Hollywood, um dos centros de produção de filmes era “Inceville” (o estúdio de Thomas H. Ince) na costa norte de Santa Monica enquanto que o estúdio concorrente, a Vitagraph, ficava no centro. Corinne Griffith, que Vidor havia conhecido no Texas e agora estava começando uma carreira de atriz no cinema mudo, conseguiu um emprego fixo para Florence na Vitagraph enquanto Vidor aceitou todo e qualquer trabalho – figurante, ator em pequenos papéis, aderecista, e assistente de câmera -, primeiro na mesma companhia e em “Inceville”, passando depois a funcionar como roteirista de comédias curtas na Universal.
Sua primeira oportunidade de dirigir filmes narrativos chegou por meio de um certo Willis Brown, ex-juiz do Tribunal de Menores de Salt Lake City, que havia fundado uma “Cidade dos Meninos” (parecida com aquela do Padre Flanagan/Spencer Tracy em Com os Braços Abertos / Boy’s Town / 1938) e escrito dezenove scripts baseados nas suas experiências bem sucedidas com os jovens. Vidor filmou dez deles, de dois rolos cada um, todos exibidos entre janeiro e maio de 1918, antes que problemas financeiros interrompessem a série.
Em 1919, com a ajuda monetária de um grupo de nove médicos, que fundaram a Brentwood Films, Vidor dirigiu e escreveu o roteiro de quatro filmes (Herança Paterna / The Turn in the Road, A Estalagem do Tio Libório / Better Times, A Outra Metade / The Other Half e Humilhação / Poor Relations), lançados nacionalmente pela Robertson-Cole, os dois últimos com Florence Vidor e ZaSu Pitts nos papéis principais.
No final do mesmo ano, Vidor recebeu um cheque de 75 mil dólares da First National Exhibitors para a produção do primeiro dos dois filmes que se comprometera a fazer, e pôde construir seu próprio estúdio, batizado de “Vidor Village”, no Santa Monica Boulevard em Hollywood. Os dois filmes, produzidos pela sua recém-formada King W. Vidor Productions foram The Family Honor / 1920 e The Jack-Knife Man / 1920, ambos com Florence Vidor destacando-se no elenco.
Seu filme seguinte, Sky Pilot / 1921 (com Colleen Moore) – financiado em parte por uma das poucas mulheres produtoras na época, Cathrine Curtis – teve uma locação muito conturbada em Truckee, no norte da Califórnia (para reproduzir o Canadá), o que motivou um excesso de gastos, fazendo com que o filme derradeiro da King W. Vidor Productions, O Amor Nunca Morre / Love Never Dies / 1921 (com Madge Bellamy), tivesse que ser completado com a ajuda financeira da Thomas Ince Productions. Em 1923, Vidor vendeu o estúdio e começou a procurar emprego.
A esta altura, Florence Vidor havia se tornado uma atriz importante na Paramount e o casal conseguiu celebrar um contrato para fazer quatro filmes para a Associated Exhibitors. King Vidor dirigiu os três primeiros: Gloriosa Aventura / The Real Adventure, Do Crepúsculo à Aurora / Dusk to Dawn e Conquering the Woman (todos de 1922); porém, como seu casamento se dissolveu, ele passou a direção do quarto filme, Alice Adams / 1923 para Rowland V. Lee.
Na Metro, Vidor transferiu três peças de teatro para a tela: Peg do Meu Coração / Peg O’ My Heart / 1922, Felicidade / Happiness / 1924 e A Mulher de Bronze / The Woman in Bronze / 1923. Intermitentemente, fez dois filmes para o Goldwyn Studios: Os Três Solteirões / Three Wise Fools / 1923 (seu primeiro filme com sua futura esposa, Eleanor Boardman) e Audácia e Timidez / Wild Oranges / 1924, filmado na Flórida. Quando esses dois estúdios se fundiram em abril de 1924, sob o contrôle de Louis B. Mayer, como Metro-Goldwyn-Mayer, Vidor foi junto por causa do seu contrato com a Goldwyn. Vinho, Jazz, Riso e Amor / Wine of Youth, Confissão Suprema / His Hour, A Esposa de um Centauro / Wife of the Centaur (todos de 1924) e Jornada Romântica / Proud Flesh / 1925 foram os filmes que fez antes de sua primeira obra de maior relêvo, O Grande Desfile / The Big Parade / 1925.
Vidor teve a sorte de chegar à MGM no mesmo tempo em que Irving Thalberg. Um dia, conversando com Thalberg, ele lhe contou que estava cansado de fazer filmes efêmeros. Thalberg respondeu que seus desejos eram os mesmos que os dele e então perguntou ao jovem cineasta se ele tinha algumas idéias proporcionais à sua meta ambiciosa. Vidor disse que gostaria de fazer um filme sobre qualquer um desses assuntos: aço, trigo, ou guerra … e Thalberg subitamente perguntou se ele tinha uma história particular em mente. Foi assim que O Grande Desfile nasceu.
Na primavera de 1917, a América goza de uma prosperidade pacífica enquanto a guerra irrompe na Europa. Em Nova York, o operário Slim Jensen (Karl Dane) labuta na construção de um arranha-céu e no Bowery, Michael “Bull” O’Hara (Tom O’Brien) presta serviço como garçom em um bar. Do outro lado da cidade, o jovem de família rica James Apperson (John Gilbert) rejeita zombeteiramente a idéia de trabalhar na fábrica do pai. A vida desses três homens são interrompidas com a notícia da declaração de guerra da América contra a Alemanha. Quando os amigos de Jim lhe dizem excitadamente, que vão se alistar, ele impulsivamente se junta a eles; porém evita contar para a mãe, para não deixá-la preocupada. Entretanto, a noiva de James, Justyn Reed (Claire Adams), orgulhosa, acidentalmente revela tal fato, que angustia Mrs. Apperson (Claire McDowell), mas causa satisfação em Mr. Apperson (Hobart Bosworth). No campo de treinamento de recrutas, James conhece Slim e Bull. Após um período de treinamento, a companhia parte para a França onde, depois de muitos dias de marcha, os soldados acampam na pequena aldeia de Champillon, onde James conhece Melisande (Renée Adorée), jovem fazendeira, que vive sozinha com a mãe. Usando um dicionário francês, James e Melisande conseguem comunicar sua atração mútua. Quando a companhia recebe ordens de seguir em frente, James lhe promete que vai voltar. Desesperada, Melisande corre atrás do caminhão que conduz a tropa, abraça as pernas do seu amado, sendo arrastada pela viatura no esforço vão de impedir sua partida. James lhe joga seu relógio, sua corrente, sua bota militar, e ela cai de joelhos na estrada.
O filme mistura três gêneros: comédia, romance e drama. Na primeira parte predominam a comédia e o romance por meio de vinhetas das quais a mais memoráveis são aquelas em que Melisande encontra James dentro de um barril e depois aprende com ele a mascar chiclete. Depois dessas cenas burlescas, ocorre a cena cômico-dramática do adeus, na qual James e Melisande buscam um ao outro, finalmente se encontram e se abraçam até o último momento, quando se separam. Agarrando-se à perna de James, Melisande é arrastada pelo caminhão que conduz as tropas até que a velocidade do veículo faz com que ela caia na rodovia. Ele lhe joga beijos e tudo que consegue pegar: seu relógio, sua corrente, e sua botina militar. Melisande, de joelhos no meio da estrada, abraça a bota ternamente enquanto o caminhão se afasta.
Na segunda parte, surgem as sequências terríveis da guerra: os aviões inimigos que se aproximam metralhando uma fileira de soldados, uma marcha forçada através de uma floresta cheia de franco atiradores (ritmada por um metrônomo) e a batalha noturna cruciante nas trincheiras. Finalmente, desobedecendo ordens, James salta da trincheiraem que se encontra e denuncia a guerra. A última cena, justamente célebre, é de uma grande beleza: Mélisande no campo, puxa um arado, e percebe a silhueta estranha de um homem claudicante, sobre uma colina inteiramente nua. Ela tem uma intuição de que ele é James, e corre em sua direção. A guerra os separou, mas ele manteve sua promessa, e voltou. O amor triunfa, o ambiente é bucólico, mas o rosto de James não tem o mesmo frescor de outrora.
Feito por um custo de apenas 245 mil dólares, o filme ficou em cartaz no Astor em Nova York durante dois anos e lucrou somente neste cinema mais de 1 milhão e meio de dólares. Através dos anos rendeu um total de 18 milhões de dólares nas bilheterias. Depois do sucesso de O Grande Desfile, Vidor deixou por um momento o trigo e o aço de lado e realizou La Bohème / La Bohème e O Cavalheiro dos Amores / Bardelys the Magnificent, ambos de 1926.
La Boèhme, drama romântico, baseado no romance “Scènes de la vie de Bohème” de Henri Murger, tem o seguinte enrêdo: Mimi (Lillian Gish), costureira pobre do Quartier Latin, não consegue pagar seu aluguel e está para ser despejada, quando Rodolphe (John Gilbert), um jovem dramaturgo que admira a sua beleza frágil, a introduz no seu círculo de amigos bôemios. A gratidão de Mimi para com Rodolphe transforma-se em um amor idílico. À medida que o tempo passa, Rodolphe ganha a vida com dificuldade, escrevendo para um jornal enquanto trabalha em uma peça, inspirado por Mimi. Ele é demitido, mas Mimi o mantém ignorante do fato, fingindo entregar seus artigos e costurando secretamente à noite para garantir o sustento de ambos. O Visconde Paul (Roy D’Arcy), cínico frequentador dos bulevares de Paris, atraído por Mimi, é induzido por ela a levar a peça de Rodolphe a um gerente de teatro, e ela o acompanha, vestida com roupas emprestadas por sua amiga Musette (Renée Adorée). Rodolphe suspeita de sua infidelidade e Mimi o deixa. Mais tarde, a peça de Rodolphe obtém sucesso e, no auge de sua fama, Mimi retorna para ele irremediavelmente doente, e morre em seus braços.
A MGM concedeu a Lillian Gish o direito de escolher o diretor e os astros contratados do estúdio e Thalberg lhe mostrou alguns filmes recentes, inclusive dois rolos de O Grande Desfile, que ainda estava em produção. Gish ficou deslumbrada e pediu que fossem utilizados não somente o diretor do filme, King Vidor, mas também os astros John Gilbert e Renée Adorée.
Ela insistiu em ensaiar todo o filme antes de começar a filmagem, tal como fazia sempre com Griffith, e Vidor foi em frente, esperando aprender mais sobre os métodos do “Pai do Cinema”. Ele preparou um mínimo de cenário para os ensaios, mas Gish exigiu que o palco ficasse inteiramente vazio. O ensaio começou e Miss Gish, como Mimi, para espanto de toda a equipe, subia e descia escadas fictícias, entrava e saia do seu quarto, abrindo fechaduras, virando maçanetas, e abrindo e fechando portas que não estavam ali. Aproximando-se de uma penteadeira que não existia, ela abria suas gavetas, removia uma escova de cabelos imaginária e escovava seu cabelo de uma maneira encantadora, diante de um espelho pendurado em cima de uma penteadeira inexistente. Convém frisar que as gesticulações da época estão exageradas e às vêzes dão um caráter teatral ao filme.
A cena mais célebre é a da morte de Mimi. A fim de se preparar, Gish foi a um hospital para observar pacientes nos vários estágios da tuberculose, a doença que reclamou a vida de Mimi. A atriz pediu também a Vidor que lhe avisasse com antecedência de três dias, quando iria filmar a cena. Ele programou a mesma para os últimos dias de filmagem e, quando Gish apareceu, pálida e magra, para fazer a cena, o cineasta ficou na dúvida se ela poderia levá-la até o fim. Gish ficou sem comer e beber durante dias e colocou bolas de algodão na sua bôca para absorver toda saliva. No momento da morte de Mimi, Gish parou de respirar. Vidor estava aguardando que ela desse uma respirada depois de segurar a respiração para simular a morte, antes de gritar “Corta”, mas ela não fez isso. Finalmente, John Gilbert debruçou-se sobre ela, sussurou seu nome, e os olhos dela se abriram lentamente. Foi necessário molhar seus lábios antes que ela pudesse falar. Vidor diria mais tarde na sua biografia: “O Cinema nunca conheceu uma artista mais dedicada do que Lillian Gish”.
O Cavalheiro dos Amores, drama de capa-e-espada baseado no romance “Bardelys il Magnifico” de Rafael Sabatini, conta esta história: o nobre Chatellerault (Roy D’Arcy) tenta em vão se casar com Roxalanne de Lavedan (Eleanor Boardman). O Marquês de Bardelys (John Gilbert), exímio espadachim e grande conquistador da corte de Louis XIII (Arthur Lubin), aposta todos os seus bens contra os de Chatellerault, que consegue seduzir a moça em menos de três mêses. No seu caminho, Bardelys encontra um moribundo que lhe entrega um medalhão e algumas cartas com o nome de Lesperon, cuja identidade ele assume; mas Lesperon era um revolucionário, adversário do rei. Ferido pelos guardas do monarca que procuravam Lesperon, Bardelys chega na propriedade dos Lavedan, família simpatizante dos revoltosos. Embora assustada, Roxalanne o acolhe, cuida dele, e depois os dois se apaixonam; porém um outro pretendente de Roxalanne, o intrigante St. Eustache (George K. Arthur), lhe revela que Lesperon está noivo de uma tal de Mademoiselle Mersac. Decepcionada, Roxalanne, ainda pensando que Bardelys é Lesperon, rompe com ele. Bardelys acaba sendo preso como se fosse Lesperon e, julgado e condenado por Chatellerault, que finge não o reconhecer, é conduzido para o cadafalso. Entrementes, Roxalanne, casa-se com Chatellerault para salvar a vida de Bardelys, que afinal escapa da execução com a chegada do rei. Chatellerault e Bardellys se confrontam em um duelo e Chatellerault, derrotado, suicida-se, propiciando o triunfo do amor entre Bardelys e Roxalanne.
Considerado perdido durante muitos anos, O Cavalheiro dos Amores é um filme de aventura dirigido com energia e humor por Vidor. Entre seus momentos mais famosos destaca-se o interlúdio romântico no qual Bardelys e Roxalanne estão em um bote a remos, flutuando sob um tunel de ramos de árvores de salgueiro-chorão como se estivessem acariciando a superfície das águas.
Outra sequência admirável é o climax espetacular, copiando o modelo Douglas Fairbanks – a única diferença é que John Gilbert foi dublado em vários saltos enquanto Doug fazia ele mesmo as suas acrobacias; porém, mesmo assim, as façanhas atléticas do herói nada ficam a dever às dos personagens interpretados por Fairbanks nos seus filmes de ação. Terminada a filmagem, Vidor casou-se com Eleanor Boardman.
O próximo filme de Vidor, A Turba / The Crowd / 1928, é uma das obras-primas do cinema silencioso americano. Nascido em 1900, no Dia da Independência dos Estados Unidos, John Sims (James Murray) acreditou, desde sua infância, que se tornaria alguém importante. Entretanto, o pai de John morre cedo e, aos vinte e um anos, ele é apenas um empregado anônimo em uma gigantesca companhia de seguros, Atlas Insurance Co., sediada em Nova York. Bert (Bert Roach), um de seus colegas de trabalho, arranja um encontro de John com Mary (Eleanor Boardman), amiga de sua namorada, Jane (Estelle Clark). Após passar uma noite agradável no parque de diversões de Coney Island com Mary, John a pede em casamento. Ela aceita, e eles passam sua lua-de-mel na cataratas do Niagara.
Embora John tivesse prometido a Mary uma casa opulenta “quando meu navio chegar”, eles vão morar em um modesto apartamento adjacente a uma linha de trem que passa em um elevado. Na Véspera de Natal, a mãe de John (Lucy Beaumont) e seus dois irmãos prósperos, Jim (Daniel G. Tomlinson) e Dick (Dell Hendeson), que antagonizam John, visitam o casal. Quando John vai ao apartamento de Bert para pedir mais bebida, ele se depara com uma festa, e retorna para casa bêbado, após seus convidados terem partido. Mary o perdoa mas, pouco tempo depois eles estão questionando sobre problemas com o apartamento e com sua aparência.
Sem conseguir se concentrar no seu trabalho, John tem um colapso nervoso na véspera de um piquenique da companhia e deixa seu emprego, sem contar para Mary. Durante o piquenique Mary pede a Bert, que agora ocupa uma posição de gerente, para ajudar John a subir de posição na empresa. John então é obrigado a admitir que se demitiu. Mary o conforta, dizendo-lhe que existem outros lugares melhores, mas John só encontra desencanto e rejeição ao procurar um novo emprego, obrigando Mary a trabalhar como costureira.
Depois que John rejeita uma oferta por parte dos irmãos de Mary por caridade, ela o chama de fanfarrão e molenga, e o esbofeteia. Mais tarde, após pensar em suicídio, o ânimo de John é levantado pelo seu filhinho, e ele aceita o trabalho de homem-cartaz malabarista, para promover um restaurante, um emprego que ele havia escarnecido no seu primeiro encontro com Mary. Quando ele volta para casa, encontra Mary deixando o lar, para viver com seus irmãos. Acreditando que sua sorte mudou, John trouxe-lhe um pequeno buquê e ingressos para um teatro de vaudeville, e consegue convencê-la a não abandoná-lo. John, Mary e os filhos assistem o espetáculo e ficam encantados de ver que o slogan idealizado por John, figura no programa impresso do teatro. Finalmente sentindo-se de acordo com a turba, John e Mary riem entusiasticamente do acrobata cômico, e contemplam um futuro mais brilhante.
O tema de A Turba é a solidão do homem no meio de uma sociedade indiferente ou cruel que engole o indivíduo. O herói é um americano médio, que nós acompanhamos nos seus esforços irrisórios para conquistar a felicidade e o sucesso: o namoro, o casamento, a viagem de núpcias clássica nas cataratas do Niagara; depois, as primeira brigas, a morte do filho etc. Em contraponto, vemos a esperança de uma promoção social, a mediocridade de uma existência estagnante e, constantemente, a pressão inexorável da multidão. É um tema de um realismo amargo e sem ilusões, que era bastante novo diante do otimismo oficial da América dos “happy twenties” (os anos 20 felizes).
A influência do cinema alemão é bem perceptível, tanto do cinema expressionista como do cinema de câmera (Kammerspiel), assim como o uso notável dos movimentos de câmera e de maquetes e dissolvências. Uma das cenas inesquecíveis é aquela, em que John, ainda criança, toma conhecimento da morte de seu pai, filmada em câmera alta em uma escada onde todas as saídas estão fechadas (a câmera de um lado, a multidão do outro). Outra cena memorável é aquele momento em que John desce na rua para pedir o silêncio dos transeuntes para o repouso de seu filho doente – um dos instantes mais dilacerantes do entrecho.
Além de seus méritos propriamente cinematográficos, A Turba foi um dos primeiros filmes no qual um diretor americano teve a coragem de mostrar que, nos Estados Unidos às vésperas da grande crise de 1929, os mitos do sucesso, da energia conquistadora, do dinamismo do “American way of life” podiam ensejar fracassos dolorosos e que a vida não era sempre “como no cinema”.
O ator James Muray, até então um extra obscuro, teve a sua grande chance neste filme, mas não soube aproveitá-la; tornou-se alcoólatra, não quis participar de um outro filme de Vidor, O Pão Nosso / Our Daily Bread / 1934, e morreu afogado no rio Hudson, não se sabe se por acidente ou suicídio.
A pedido de Louis B. Mayer, Vidor dirigiu Marion Davies – protegida de William Randolph Hearst, dono da Cosmopolitan Productions, companhia que produzia os filmes da atriz em associação com a MGM – em duas comédias mudas deliciosas: Filhinha Querida / The Patsy e Fazendo Fita / Show People, ambas de 1928.
Baseado em uma peça teatral do mesmo nome, o primeiro é uma comédia romântica – cuja heroina tem algum parentesco com a Gata Borralheira -, sustentada pela magnífica direção de Vidor, pelos diálogos muito espirituosos, e pela naturalidade da interpretação.
Patricia Harrington (Marion Davies), é a filha negligenciada de uma matrona dominadora (Marie Dressler) e de um pai intimidado (Dell Henderson), que a consola. Grace é cortejada por Tony Anderson (Orville Caldwell) de quem Pat também gosta. A familia vai a um jantar dançante no Iate Clube, onde Grace chama a atenção do playboy local, Billy (Lawrence Gray). Quando ela aceita dancar com Billy, Tony fica amuado, e Patsy vê sua chance de se aproximar dele. Ela lhe pede sugestões sobre como melhorar sua personalidade, e se tornar mais atraente para os homens. Seguindo o conselho de Tony, Patsy consulta um livro de auto-ajuda sobre desenvolvimento da personalidade, mas só consegue convencer sua mãe e sua irmã de que está enlouquecendo. Tony começa a se interessar por Patsy, não por causa de sua “personalidade melhorada”, mas porque ela é a única que demonstra interesse no seu desejo de se tornar arquiteto.
Neste ponto, percebendo que o interesse de Tony está mudando para Patsy, Grace decide finalmente que ela o quer para si. Desesperada, Patsy, apoiada pelo pai, vai até a casa de Billy para tentar seduzí-lo e suscitar o ciúme de Tony. Infelizmente, Billy está de ressaca e nem nota sua presença. Patsy imita em vão três das atrizes favoritas dele em uma tentativa de despertar seu interesse e, finalmente se tranca no quarto de Billy, chama Tony pelo telefone, e começa a gritar por socorro. Billy levanta-se de repente e tenta salvá-la, derrubando a porta, e neste momento Tony chega e repreende Patsy por ter ido à casa de Billy. Quando parece que a esperança de conquistar Tony terminou, seu pai se afirma como o verdadeiro manda-chuva do lar dos Harrington e caminha para fora da casa. Entretanto, o pai de Patsy e Tony retornam, e os casais se reconciliam.
Marion faz imitações hilariantes de Mae Murray, Pola Negri e Lillian Gish, porém seu talento de comediante é visível em todas as cenas nas quais participa. Pode-se dizer que ela é a alma do filme, muito bem assessorada por Marie Dressler e Dell Henderson, ambos mimícos exímios, que nos divertem com suas caretas e rompantes. Todavia, a comédia é balanceada com momentos enternecedores: o aconchego que Mr. Harrington dá para a filha menosprezada e a paz selada entre ele e Mrs. Harrington, são capazes de arrancar lágrimas dos espectadores mais sensíveis.
Inspirada na vida de Gloria Swanson que, tal como Peggy, começou como atriz nas comédias de pastelão (de Mack Sennett), antes de se tornar uma “verdadeira” estrela e depois se casou com um nobre francês (no caso de Swanson, um nobre de verdade: Henri, Marquis de la Falaise de la Coudraye), Fazendo Fita é também uma aexcelente comédia.
Após conduzir sua filha Peggy Pepper (Marion Davies) em seu carro, de Georgia para Hollywood, o Coronel Marmaduke Oldfish Pepper (Dell Henderson) chega em um estúdio de cinema, determinado a provar que sua filha será a maior estrela que já houve. Ela faz um teste no departamento de elenco, mas enquanto aguardam resposta, vão ao refeitório do estúdio, e percebem que só lhes resta quarenta centavos. Billy Boone (William Haines) senta na mesa deles e, percebendo sua situação desesperadora, oferece-se para arranjar emprego para a moça no Comet Studios, onde ele trabalha. Pensando que vai ser aproveitada em um filme dramático, Peggy apresenta-se usando um de seus vestidos mais bonitos, sem perceber que está participando de uma comédia de pastelão, até levar um banho de água mineral gasosa enquanto a câmera rodava. Embora o elenco e a equipe técnica tivessem ficado impressionados com sua reação natural de surpresa, a horrorizada Peggy foge do palco de filmagem. Na pré-estréia do filme, Peggy torna-se um sucesso de público. Ela ainda anseia interpretar papéis dramáticos que considera “a verdadeira arte”, mas Billy lhe explica que comédia é melhor, porque mantém a platéia rindo e feliz. Posteriormente, Billy e Peggy recebem um chamado do High Arts Studio, mas quando chegam lá, descobrem que o estúdio só está interessado em Peggy. Ela diz a Billy que não vai assinar com o estúdio, a não ser que ambos sejam contratados, porém ele a encoraja a seguir seu sonho. No seu primeiro teste no novo estúdio, Peggy faz uma cena dramática, mas só depois de muito esforço, consegue chorar. Seu leading man, André Telfair (Paul Ralli), tenta confortá-la e sugere que ela adquira uma nova personalidade, oferecendo-se para introduzí-la na elite de Hollywood. Confidencialmente, ele lhe revela que é realmente André de Bergerac, Comte d’Avignon e Peggy, acatando seu conselho, muda seu nome para Patricia Pepoire e desenvolve maneirismos afetados, que ela acredita evocarem refinamento.
Quando Billy a convida para jantar, ela recusa, porque está saindo com André. Um dia, Billy descobre que seus amigos do Comet Studio estão rodando em locação perto do local onde Peggy e André estão filmando. Quando Peggy apresenta André para Billy, este o reconhece como Andy, um ex-garçom que lhe servia espaguete em um restaurante barato. Mais tarde, Peggy é chamada ao escritório do seu produtor e este lhe mostra vários telegramas de exibidores através do país, queixando-se da sua nova imagem e pedindo que ela volte a ser de novo a “verdadeira Peggy Pepper”. No dia do casamento de Peggy com André, Billy penetra no sala que está preparada para a festa. Billy suplica a Peggy que mude de idéia, acusando-a de ter arruinado sua carreira e querendo se casar por causa de um título de nobreza falso. Para ajudá-la a se lembrar dos velhos tempos, ele impulsivamente borrifa-a com água gasosa. Furiosa, ela atira comida nele e, quando ele se prepara para arremessar o bolo de casamento, ela desvia e consequentemente quando André entra na sala, recebe o bolo na cara. Peggy cai em si, diz a André que eles são ambos uma falsidade e cancela o matrimônio. O próxino filme de Peggy passa-se em uma aldeia européia durante a Primeira Guerra Mundial. Por sua sugestão, o diretor King Vidor contrata um novo galã, que não sabe que Peggy será sua companheira. Quando a câmera é ligada, Billy, que interpreta o papel de um soldado que se encontra sua namorada, fica surpreso ao ver que esta é interpretada por Peggy. Eles se beijam apaixonadamente e ainda estão se beijando, quando a equipe técnica recolhe seu equipamento e encerra as atividades daquele dia.
O filme é antes de tudo uma sátira sentimental de Hollywood e de suas pretensões, servido por uma atriz naturalmente dotada para a comédia que, com seus olhos alvoroçados, seu sorriso ligeiramente dentuço e seu rosto elástico, faz caretas, se contorce e arranca sempre o sorriso das platéias.
São muitas as cenas nas quais isto acontece. Por exemplo: quando Peggy demonstra diferentes emoções (“Meditação”, Paixão”, Raiva”, “Tristeza”, “Alegria”), usando um lenço aberto que corresponde a um corte e a abertura para o escritório de seleção de elenco como moldura; quando, depois da estréia exitosa de seu primeiro filme, Peggy recebe um pedido de autográfo de Charles Chaplin, não o reconhece, trata-o rudemente (“Who was that short little guy? “) – e quando Billy lhe diz quem ele é, desmaia!); quando Peggy vê uma estrela e não dá importância – é Marion Davies!; quando Peggy finamente consegue um papel dramático e não consegue chorar! O diretor tenta de tudo para fazê-la lacrimejar e, depois de ser bem sucedido, ela não consegue interromper o pranto! E tem uma cena em que Vidor goza “a si mesmo”, quando Peggy e Billy vão a um cinema e assistem à cena do bote em O Cavalheiro dos Amores. Billy diz: “Para quê você quer assistir um drama podre como este?
De quebra, o espectador tem oportunidade de ver uma parada de astros, almoçando no refeitório do estúdio, focalizados por uma panorâmica longa, sentados lado a lado e encarando a câmera: Polly Moran (que também trabalha no filme como criada de Peggy), Louella Parsons, Estelle Taylor, Claire Windsor, Aileen Pringle, Karl Dane, George K. Arthur, Leatrice Joy, Renée Adorée, Rod LaRocque, Mae Murray, John Gilbert, Norma Talmadge e Peggy, vestida como Marie Antoinette, espremida entre Douglas Fairbanks e William S. Hart.
Vidor já tinha planejado Alelluia / Hallellujah / 1929 ainda no período silencioso. Quando veio o cinema sonoro, ele sentiu que um filme, tratando da populacão negra, seria adequado para a tela falada, porque o som era próprio para descrever encontros de orações, spirituals, e execução de cantos, danças e instrumentos musicais. Entretanto, o presidente do conselho de administração da Loew’s Inc ( a matriz da MGM), Nicholas Schneck, estava com receio de que um filme sobre negros no Tennessee não pudesse ser exibido nos cinemas “brancos” do Sul. Somente quando Vidor lhe assegurou que ele pessoalmente tinha confiança nessa produção ousada, a ponto de investir seu alto salário na mesma, a MGM foi em frente.
Zake (Daniel L. Haines), fazendeiro arrendatário negro, leva a colheira de algodão de sua família para o mercado e a vende por cem dólares. A sedutora Chick (Nina Mae McKinney), atrai Zeke para um jôgo de dados com seu amante, Hot Shot (William E. Fontaine), que ganha todo o dinheiro de Zeke usando dados viciados. Percebendo a trapaça, Zeke enfrenta Hot Spot e, ao tomar a arma de seu adversário, ele a dispara a êsmo, e um dos tiros mata acidentalmente seu irmão mais jovem, Spunk(Everett Mcgarrity). Em penitência, Zeke torna-se um evangelizador. Ele se encontra de novo com Chick durante uma de suas pregações, e ela se converte, abandonando Hot Spot.Zeke fica tentado novamente por Chick e se afasta de Missy Rose (Victoria Spivey), sua irmã de criação e prometida para casamento. Hot Spot retorna e a inconstante Chick parte com ele. Zeke os persegue, a charrete de Hot Spot vira na estrada, e Chick morre no acidente. Após uma perseguição pelo pântano, Zeke estrangula Hot Spot. Depois de cumprir pena, Zeke volta para a sua fiel Missy Rose, com a consciência aliviada, tocando seu banjo.
No que diz respeito ao conteúdo, fazendo com que seus negros se enfrentem entre si mesmos e não contra antagonistas brancos, Vidor cria um universo irreal e, consequentemente, se afasta dos verdadeiros problemas confrontando negros e brancos na América. A miséria no seio da população de cor é praticamente escamoteada em proveito da religião e dos cantos, e os dramas individuais – envolvendo o tema Bíblico da luta entre o Bem e o Mal – predominam sobre a abordagem sociológica. Entetanto, o simples fato de escolher como assunto dramático emoções sentidas pelos negros, foi, na época, um ato revolucionário ou, pelo menos, inusitado.
No que concerne à forma, Vidor adere ao som, explora-o, sem sacrificar o estilo visual, sem deixar que o diálogo comprometa a composição pictórica. No início, sobretudo, o filme se imobiliza em conversas excessivas, que foram o defeito essencial do começo do cinema falado, mas logo a perfeição rítimica e plástica se insinua, surgindo cenas magníficas como a do batismo no rio e a da cerimônia noturna, na qual os negros começam a orar, a cantar, e a atingir uma espécie de êxtase bárbaro.
A experimentação sonora atinge o auge na sequência da perseguição silenciosa através do pântano. De tempos em tempos ouve-se um estrépito de galhos, um espirro de água; depois, cada vez mais, a respiração ofegante do perseguido. No meio de um silêncio mais longo, um pássaro solta três gritos. Vidor filmou toda a sequência silenciosa com a câmera continuamente em movimento. Depois, no estúdio, ele acrescentou uma trilha sonora contendo os sons naturalistas, que haviam sido gravados separadamente e, com essa descoberta da pós-sincronização, deu mais um passo para o desenvolvimento do cinema como forma criativa.