Arquivo mensais:junho 2017

JAMES STEWART

Alto, magro, reconhecido pelo público pela sua maneira de falar lenta e hesitante, James Stewart encarnou como ninguém a figura de um homem correto, tornou-se um símbolo do patriotismo como o primeiro ator de Hollywood a entrar para o serviço das Fôrças Armadas na Segunda Guerra Mundial, e conquistou uma popularidade consistente ao longo de toda a sua trajetória artística.

James Stewart

James Maitland Stewart (1908 – 1997) nasceu em Indiana, cidade da Pennsylvania, filho de Elizabeth Ruth Jackson e Alexander Maitland Stewart, dono de uma loja de ferragens muito próspera. Seus pais eram respectivamente de descendência irlandêsa e escocêsa e Stewart foi criado como Presbiteriano. Ainda bem jovem, ele aprendeu a tocar acordeão e, na escola secundária Mercersburg Academy, dedicou-se ao esporte, arte dramática e música. Durante as férias de verão, Stewart trabalhou com operário na construção de estradas. Posteriormente, na Universidade de Princenton, integrou o Triangle Club, trupe teatral da faculdade, passando rapidamente de acordeonista para papéis principais em comédias musicais. Formou-se em arquitetura em 1932.

A Depressão oferecia pouca procura por arquitetos, de modo que Stewart aceitou o convite de um colega de universidade, Joshua Logan, para ingressar na University Players, companhia intercolegial que apresentava peças teatrais apenas durante o verão em West Falmouth, Massachussetts. Ali ele conheceu Henry Fonda, que se tornaria um grande amigo por toda a sua vida.

O jovem Stewart e seu acordeão

No final da temporada, Stewart foi para Nova York, onde atuou brevemente em peças que ficavam pouquíssimo tempo em cartaz até que, a partir de 1934, recebeu um importante papel em “Yellow Jack”, como um soldado que servia de cobaia em uma pesquisa sobre febre amarela. Finalmente, na representação de “Divided by Three”, interpretando um jovem atordoado pelo adultério de sua mãe, chamou a atenção de um caçador de talentos da MGM. Depois de fazer alguns testes, ele assinou um contrato com “A Marca do Leão” em abril de 1935 com o salário de 350 dólares por semana. Por curiosidade, em 1934, ele já havia participado de uma comédia curta de Shemp Howard na Warner Bros., intitulada Art Troubles, que lhe serviu apenas para dizer no futuro, que havia contracenado com um dos Três Patetas. Como ele recordaria, “Eu não estava interessado em fazer o filme, mas a oferta de 50 dólares por dia parecia inacreditável para mim na época, e tive que saber se não era uma piada. Não era”.

Stewart na porta da loja de ferragens do pai

O primeiro trabalho de Stewart no estúdio foi como participante de testes para as novas estrelinhas. A princípio ele teve dificuldade em ser escolhido para compor o elenco dos filmes por causa de sua aparência (muito alto – um metro e noventa um), magro, desajeitado, e uma presença na tela tímida e humilde. O ator relatou como a MGM tentou em vão aproveitá-lo no papel de um camponês chinês em Terra dos Deuses / 1937: “O trabalho de maquilagem durou toda a manhã. Eles colocaram uma careca de borracha na minha cabeça, puxaram minhas pálpebras com um adesivo, e cortaram minhas pestanas … Como eu era muito alto, eles tiveram que cavar uma vala, na qual eu entrei e caminhei lado a lado com o astro, Paul Muni. Então Muni começou a perder o equilíbrio, tropeçou, e caiu dentro da vala. Após três dias de tentativas, Mayer finalmente mandou parar, e deu o papel para Keye Luke”.

Stewart fez sua estréia em um longa-metragem como um repórter novato em Entre a Honra e a Lei / The Murder Man / 1935 ao lado de Spencer Tracy, que, percebendo sua aflição, lhe disse “para esquecer que a câmera estava lá” e depois recordaria que, desde a sua primeira cena, ele já demonstrava todas as aptidões para ser um bom ator.

James Stewart, Jeanette MacDonald e Nelson Eddy em Rose Marie

Em seguida, Stewart ficou afastado das câmeras por três mêses, exceto para participar dos testes. Mas com Rose Marie / Rose-Marie / 1936, opereta estrelada por Jeanette MacDonald e Nelson Eddy, na qual fez um papel de destaque – o irmão fugitivo da heroína -, conseguiu garantir sua presença em mais oito filmes no mesmo ano: Amemos Outra Vez / Next Time We Love, emprestado para a Universal a pedido de Margaret Sullavan, a atriz principal do filme, que o estimulou a ser ele mesmo totalmente, e mais confiante nos seus dotes interpretativos; Ciúmes / Wife vs. Secretary, figurando em quarto lugar nos créditos, depois de Clark Gable, Jean Harlow e Myrna Loy, como um pretendente da secretária desempenhada por Harlow;

James Stewart e Janet Gaynor em Garota do Interior

Joan Crawford, Barbara Stanwyck (de visita), James Stewart e Henry Fonda (de visita) no set de Mulher Sublime

Cena de Nascí para Bailar

James Stewart como assassino em A Comédia dos Acusados

Garota do Interior / Small Town Girl, como rival romântico (e rústico) de Robert Taylor pelas afeições de Janet Gaynor; No Limite da Velocidade / Speed, no seu primeiro papel principal – como um mecânico obcecado em desenvolver um carburador mais aperfeiçoado – ao lado de Wendy Barrie; Mulher Sublime / The Gorgeous Hussy, como um dos namorados, além de Robert Taylor, Melvyn Douglas e Franchot Tone, da personagem de Joan Crawford; Nascí para Bailar / Born to Dance, como um marujo envolvido em um romance com Eleonor Powell, que é atrapalhado por Virginia Bruce – e ele canta “Easy to Love” para Eleonor, ajudado por Cole Porter; A Comédia dos Acusados / After the Thin Man, no papel surpreendente de um assassino em mais um filme da série The Thin Man, estrelada por William Powell e Myrna Loy.

James Stewart e Simone Simon em Sétimo Céu

Robert Young, Tom Brown e James Stewart em Juventude Valente

Em 1937, Stewart foi novamente emprestado, desta vez para a 20thCentury-Fox, a fim de compor o elenco da refilmagem de Sétimo Céu / Seventh Heaven, como o limpador de esgotos enamorado de uma jovem sofrida das ruas de Montmartre (Simone Simon), e fez mais dois filmes na MGM: O Último Gangster / The Last Gangster e Juventude Valente / Navy, Blue and Gold, neles interpretando, respectivamente, um repórter que se casa com a ex-esposa de um gângster (Edward G. Robinson) e um cadete passando por atribulações na Academia Naval em Annapolis, ao tentar limpar a honra de seu pai.

Walter Huston, Beulah Bondi e James Stewart em Ingratidão

O ano de 1938 foi muito vantajoso artisticamente para a carreira de Stewart, porque, depois de fazer na MGM: Ingratidão / Of Human Hearts, como o filho de um pregador religioso (Walter Huston) que se torna cirurgião graças aos esforços de sua mãe (Beulah Bondi) e O Último Beijo / The Shopworn Angel, como o inocente fazendeiro do Texas prestes a embarcar como soldado para a Primeira Guerra Mundial, relacionado sentimentalmente com uma irreverente artista do teatro de revista (Margaret Sullavan) e, na RKO: Que Papai Não Saiba / Vivacious Lady, como um professor de botânica assistente apaixonado por uma cantora de boate (Ginger Rogers), que custa a encontrar coragem para anunciar seu matrimônio a seus pais e à sua ex-noiva. Na RKO, ele se encontrou com Frank Capra, que seria responsável por três grandes sucessos do ator.

Cena de Do Mundo Nada se Leva

Frank Capra em uma comemoração com o elenco no intervalo da filmagem de De Mundo Nada se Leva

Cena de Do Mundo Nada se Leva (James Stewart e Jean Arthur no centro)

Foi o realizador nascido na Itália que solicitou Stewart da MGM para a adaptação da peça “You Can’t Take It With You” de George S. Kaufman e Moss Hart (intitulada no Brasil, Do Mundo Nada se Leva), na qual o ator, como o filho de um milionário (Edward Arnold) apaixonado pela neta (Jean Arthur) do patriarca (Lionel Barrymore) de uma família excêntrica, demonstrou uma espontaneidade maior do que a que Margaret Sullavan lhe havia sugerido e teve seu nome ligado pela primeira vez a uma produção premiada com o Oscar.

James Stewart e Claudette Colbert em Que Mundo Maravilhoso

Ainda na década de trinta, Stewart fez mais cinco filmes: Nascidos para Casar / Made for Each Other, como um advogado as voltas com problemas no seu casamento (com a personagem de Carole Lombard); Folia no Gelo / The Ice Follies of 1939, compondo com Joan Crawford, um par de patinadores no gelo que vê seu matrimônio abalado quando ela busca o estrelato no cinema; Que Mundo Maravilhoso / It’s a Wonderful World, como um detetive particular que, ao fugir da polícia, depois de ter sido preso por uma acusação injusta, sequestra uma poetisa (Claudette Colbert), por quem se apaixona; A Mulher Faz o Homem / Mr. Smith Goes to Washington (com Jean Arthur na Columbia) e Atire a Primeira Pedra / Destry Rides Again (Com Marlene Dietrich na Universal), assumindo em ambos os traços de um jovem honesto, que luta contra a corrupção.

James Stewart em A Mulher faz o Homem=

James Stewart e Jean Arthur em A Mulher faz o Homem

No primeiro filme (orientado mais uma vez por Frank Capra), como o senador idealista do interior, Stewart expressou admiravelmente as virtudes do bom moço americano, atingindo excepcional eloquência nas cenas finais, quando discursa por horas a fio. Stewart tinha que ficar rouco nos momentos derradeiros de sua obstrução, mas teve dificuldade em fingir sua rouquidão, principalmente quando tinha que projetar sua voz. Capra consultou um otorrinolaringologista e perguntou: “Doutor, o senhor sabe como reduzir a rouquidão, mas será capaz de induzí-la? “. “Sim, eu acho que posso”, ele respondeu. Duas vêzes ao dia a garganta de Stewart foi esfregada com algodão embebido de uma detestável solução de mercúrio, que inchava e irritava suas cordas vocais. O resultado foi espantoso. Pelo seu trabalho, Stewart recebeu sua primeira indicação para o Oscar.

James Stewart e Marlene Dietrich em Atire a Primeira Pedra

No segundo filme, seu primeiro western, gênero com o qual se tornaria identificado mais tarde na sua carreira, Stewart também interpretou um rapaz decente, desta vez como o xerife pacifista de uma pequena cidade do faroeste, que expõe um bando de assassinos e impõe a justiça – pelo menos até o final da trama – sem necessidade de usar armas. Esses dois filmes foram até então os mais expressivos da carreira do ator.

Comemoração na filmagem de Tempestades d’Alma (o diretor Frank Borzage à direita de Margaret Sullivan diante do bolo)

James Stewart, Margaret Sullavan e Robert Young em Tempestades d ‘Alma

John Howard, Cary Grant, James Stewart e Katharine Hepburn em Núpcias de Escândalo

James Stewart e Margaret Sullavan em A Loja da Esquina

Ernst Lubitsch orienta James Stewart e Margaret Sullavan na filmagem de A Loja da Esquina

Rosalind Russell e James Stewart na filmagem de A Vida é uma Comédia. ã direito, sentado no sofá, o diretor William Keighley.

Os últimos sete filmes de Stewart antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial, foram: A Loja da Esquina / The Shop Around the Corner; Tempestades d’Alma / The Mortal Storm; A Vida é uma Comédia / No Time for Comedy (na Warner); Núpcias de Escândalo / The Philadelphia Story; Pede-se um Marido / Come Live With Me; Ouro do Céu / Pot O’ Gold (United Artists) e Este Mundo é um Teatro / Ziegfeld Girl, todos, salvo as duas exceções apontadas, produzidos pela MGM. Nos dois primeiros filmes Stewart foi respectivamente um húngaro, balconista de uma loja de calçados e um alemão anti-nazista (sem fazer nenhum esforço para imitar os sotaques), contracenando em ambos com Margaret Sullavan. Juntamente com Núpcias de Escândalo, no qual faz o papel de um repórter encarregado de cobrir um casamento na alta sociedade com sua colega (Celeste Holm), estes filmes se destacam dos outros cinco, principalmente pelo encaminhamento cinematográfico primoroso que lhe deram seus diretores, respectivamente Ernst Lubitsch, Frank Borzage e George Cukor.

James Stewart e Ginger Rogers recebendo seus Oscar

Núpcias de Escândalo proporcionou a Stewart o Oscar de Melhor Ator. O próprio Stewart disse para todo mundo que o prêmio de melhor ator deveria ser concedido a seu grande amigo Henry Fonda pelo seu papel como Tom Joad em Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath / 1940. Após ter perdido com A Mulher Faz o Homem no ano anterior, ele também deixou óbvio que não tinha desejo de presenciar outra noite agonizante, vendo os apresentadores abrindo envelopes. Stewart mudou de idéia, somente quando recebeu um telefonema enigmático de um representante da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pouco antes da cerimônia marcada para acontecer no Biltmore Hotel. Segundo o ator, o homem disse, “Sei que não é da minha competência dizer isto, mas realmente acho que é do seu maior interesse comparecer”. Stewart pensou em dois significados para este convite: uma indicação de que ele ganhara o Oscar ou um aviso de que, se um indicado não comparecesse à cerimônia, poderia esquecer sobre outras indicações. Stewart era o único candidato a Melhor Ator presente no Biltmore Hotel em 27 de fevereiro de 1941, quando o apresentador Alfred Lunt anunciou o seu nome como vencedor. Antes mesmo dele subir ao palco para aceitar seu prêmio, já existia um consenso de que estava sendo honrado como compensação por ter sido recusado com A Mulher Faz o Homem doze mêses atrás.

Hedy Lamarr e James Stewart em Pede-se um Marido

Lana Turner e James Stewart em Este Mundo é um Teatro

Em A Vida é uma Comédia, Stewart é o autor de uma comédia de sucesso para uma atriz (Rosalind Russell), com quem se casa; mas as coisas se complicam, quando ele resolve escrever um drama de “significação social”. Em Pede-se um Marido, é um escritor maltrapilho que aceita um “empréstimo semanal” de uma imigrante (Hedy Lamarr), em troca de se casar com ela, salvando-a de ser deportada para o seu país controlado pelos nazistas. Em Ouro do Céu, é o gerente de uma loja de instrumentos musicais que, aliado à filha (Paulette Goddard) do dono de uma pensão, ajuda uma banda a fazer sucesso no rádio. Em Este Mundo é um Teatro, é um chofer de caminhão namorado de uma (Lana Turner) das três (as outras são Judy Garland e Hedy Lamarr) aspirantes a corista no Ziegfeld Follies.

James Stewart no curta-metragem de propaganda de guerra Quem Quiser ter Asas

Stewart, que já obtivera um brevê de piloto particular (em 1935) e um de piloto comercial (em 1938), foi convocado em outubro de 1940 para o Exército, mas não alcançou o peso exigido para os novos recrutas. Para chegar aos 65 quilos necessários, ele procurou ajuda do professor de musculação do ginásio da MGM, Don Loomis, que era famoso por sua capacidade de ajudar as pessoas a adicionar ou subtrair peso. Finalmente, Stewart conseguiu ser aceito, e se tornou o primeiro astro do cinema americano a vestir um uniforme na Segunda Guerra Mundial. Depois de prestar serviço militar, exercendo funções de propaganda no rádio e em curtas-metragens (v. g. Quem Quiser ter Asas / Winning your Wings) bem como de treinamento de pilotos de bombardeiros, ele foi promovido a capitão em 9 de julho de 1943, e designado comandante de esquadrilha. Após vários treinamentos, voou na sua primeira missão de combate em 13 de dezembro de 1943, para bombardear instalações de submarinos em Kiel na Alemanha e, três dias depois, Bremen.

James Stewart piloto de guerra

James Stewart e sua tripulação no bombardeiro (ele é o quarto a partir da esquerda na segunda fila)

Stewart condecorado

Em 22 de março de 1944, executou sua décima segunda missão de combate, liderando uma esquadrilha em um ataque sôbre Berlim. Ele foi um dos poucos americanos a emergir de soldado raso a coronel em apenas quatro anos durante a Segunda Guerra Mundial, recebeu por duas vêzes a Distiguinshed Flying Cross, e foi agraciado também com a Croix de Guerre Francêsa e a Air Medal. Depois do fim do conflito mundial, Stewart foi promovido a coronel em 1953 e serviu como Comandante da Reserva da Fôrça Aérea. Em 23 de julho de 1959, foi promovido a general brigadeiro. Em 20 de fevereiro de 1966, voou como um observador em um B-52 em uma missão durante a Guerra do Vietnã. Após 27 anos de serviço, reformou-se em 31 de maio de 1968, recebendo a United States Air Force Distinguished Service Medal.

Donna Reed e James Stewart em A Felicidade não se Compra

Retornando da guerra no final de 1945, Stewart não renovou seu contrato com a MGM e recorreu, como free lancer, à agência MCA, comandada por Lew Wasserman. Como seu primeiro filme depois de cinco anos, ele apareceu no terceiro e último filme com Frank Capra, A Felicidade Não Se Compra / It’s Wonderful Life / 1946. Capra comprou os direitos da história da RKO e formou (com Samuel Briskin e depois William Wyler e George Stevens) sua própria companhia produtora, Liberty Films. Stewart deu vida a George Bailey, um jovem banqueiro de uma pequena cidade, com dificuldades financeiras e existenciais que, levado ao suicídio na véspera do Natal, é salvo por um “anjo de segunda classe”, Clarence Odbody (Henry Travers), que o ajuda a reavaliar sua vida.

Frank Capra e James Stewart no intervalo da filmagem de A Felicidade Não Se Compra

Embora tivesse sido indicado para o Oscar em cinco categorias (inclusive a terceira nomeação de Stewart para Melhor Ator), o filme recebeu críticas divergentes (alguns o julgaram demasiadamente sentimental) e obteve apenas um sucesso moderado na bilheteria. Entretanto, a partir da década de setenta, devido às suas constantes exibições na televisão na época do Natal, atingiu imensa popularidade, passou a ser considerado um clássico, e Stewart declarou em uma entrevista de 1973, que ele era seu filme favorito. Porém, como consequência do mau resultado financeiro da produção, a Liberty faliu.

Cena de Sublime Devoção

Por intermédio de Wasserman, Stewart estrelou cinco filmes para diversas companhias: Cidade Encantada / Magic Town / 1947 (RKO com Jane Wyman), como um pesquisador de opinião pública que tenta encontrar a cidade que reflita perfeitamente o ponto de vista médio da população americana; Sublime Devoção / Call Northside 777 / 1948 (20thCentury-Fox com Richard Conte), como um jornalista que, convencido da inocência de um condenado, reabre um caso policial para prová-la; No Nosso Alegre Caminho / On Our Merry Way / 1948 (United Artists com Henry Fonda), com um músico de jazz em um dos três episódios nos quais um repórter pergunta às pessoas qual o impacto que uma criança teve nas suas vidas; Festim Diabólico / Rope / 1948 (Warner Brothers com Farley Granger e John Dall, depois de cogitados Cary Grant e Montgomery Clift), como ex-professor de dois assassinos, que matam um colega somente pela emoção de praticar o ato, e se desafiam a si próprios, oferecendo um jantar para os amigos e familiares do morto – com o cadáver escondido no local; A Conquista da Felicidade / You Gotta Stay Happy / 1948 (Universal com Joan Fontaine), como um piloto de avião de carga envolvido com uma noiva fugitiva. Sublime Devoção e Festim Diabólico foram os mais interessantes, não pela atuação de Stewart, mas pela adoção do estilo semidocuentário, no caso do primeiro e pela experiência técnica hitchcockiana de ausência recortes, no caso do segundo.

Farley Granger, James Stewart e John Dall em Festim Diabólico

Farley, Hitchcock, Stewart e Dall na filmagem de Festim Diabólico

Os dois últimos filmes de Stewart nos anos quarenta, Sangue de Campeão / The Stratton Story e Malaia / Malaya, produzidos pela MGM em 1949, mostraram, pela ordem, o ator como o jogador de basebol que teve uma perna amputada em virtude de um acidente, mas não interrompeu sua carreira e como um jornalista que, juntamente com um presidiário (Spencer Tracy), transformado em mercenário, contrabandeavam a borracha dos japonêses na península malaia durante a Segunda Guerra Mundial. O primeiro obteve um êxito enorme na bilheteria e era ligeiramente melhor do que o segundo; porém ambos proporcionaram um bom divertimento.

James Stewart e Agnes Moorehead em Sangue de Campeão

James Stewart e Spencer Tracy em Malaia

James Stewart e Gloria no dia do casamento

No mesmo ano, Stewart casou-se com Gloria Hatrick, filha de Edgar Hatrick, responsável pelo cinejornal Metrotom Atualidades / Hearst Metrotone News (depois conhecido como Notícias do Dia / News of the Day) de William Randolph Hearst. Gloria era divorciada e tinha dois filhos e, com Stewart, teve gêmeas. Eles permaneceram casados até a morte de Gloria em 1994.

Jeff Chandler e James Stewart em Flechas de Fogo

Barbara Hale, Patricia Medina e James Stewart em Radiomania

James Stewart em meu Amigo Harvey

Os anos cinquenta foi o período dourado profissional de James Stewart, graças à negociação esperta de seu agente Lew Wasserman, que lhe abriu caminho para papéis mais variados – ex-entregador de correspondência a cavalo e batedor do exército que intermedia um acordo de paz com os Apaches em Flechas de Fogo / Broken Arrow / 1950 (20thCentury-Fox); vencedor de um concurso radiofônico que não consegue pagar os impostos sobre os prêmios que ganhou em Radiomania / The Jackpot (1950 20thCentury-Fox); solteirão que gosta de beber acima da conta, amigo de um coelho gigante invisível em Meu Amigo Harvey / Harvey / 1950 (Universal), atuação que rendeu mais uma indicação para o Oscar;

James Stewart em O Maior Espetáculo da Terra

James Stewart como Charles Lindbergh em Águia Solitária

Lee Remick, James Stewart e Ben Gazzara em Anatomia de um Crime

engenheiro que tenta desesperadamente convencer o piloto e os passageiros de que o avião que os transporta corre o risco de cair em Na Estrada do Céu / No Highway in the Sky / 1951 (20thCentury-Fox); palhaço com um passado misterioso em O Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952 (Paramount); inventor de um rifle famoso em Dupla Redenção / Carbine Williams / 1952 (MGM); célebre aviador Charles A. Lindbergh em Águia Solitária / The Spirit of St. Louis / 1957 (Warner Brothers); ex-funcionário de uma ferrovia cujo irmão (Audie Murphy) tenta roubá-la em Passagem da Noite / Night Passage / 1957 (Universal); editor assediado por uma bela feiticeira em Sortilégios do Amor / Bell, Book and Candle / 1958 (Columbia); agente do FBI em A História do FBI / The FBI Story / 1959 (Warner Brothers); advogado de defesa de um militar em Anatomia de um Crime / Anatomy of a Murder / 1959 (Columbia), suscitando mais uma recomendação para o prêmio da Academia – e para o seu trabalho, sob as ordens de dois grandes diretores: Anthony Mann e Alfred Hitchcock.

James Stewart, Will Geer e Stephen McNally em Winchester 73

James Stewart em E Sangue Semeou a Terra

James Stewart, Millard Mitchell e Ralph Meeker em O Preço de um Homem

James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

Eles o ajudaram a formar uma nova persona na tela, uma imagem mais complexa: seus personagens deixaram de ser aqueles inocentes tímidos que ele interpretou no final dos anos trinta e anos quarenta e deram lugar para protagonistas amargurados, irritados ou obsessivos, como os que ele interpretou nos cinco westerns maravilhosos de Anthony Mann, Winchester 73 / Winchester 73 / 1950 (Universal), ganhando uma fortuna pela participação nos lucros em vez de receber salário; E O Sangue Semeou a Terra / Bend of the River /1952 (Universal); O Preço de um Homem / The Naked Spur / 1953 (MGM); Região do Ódio / The Far Country / 1955 (Universal); Um Certo Capitão Lockhart / The Man from Laramie /1955 (Columbia) – ver meu post Os Westerns de Anthony Mann de 22 de março de 2010.

Anthony Mann dirige James Stewart e Dan Duryea em Borrasca

James Stewart e June Allyson em Música e Lágrimas

James Stewart, Jay C. Flippen e June Allyson em Comandos do Ar

No anos cinquenta, ele fêz mais três filmes, nos quais foi: inventor (com Dan Duryea) de uma plataforma de perfuração de petróleo à prova de tempestades em confronto com pescadores de camarão na Louisiana em Borrasca / Thunder Bay / 1953 (Universal); famoso chefe de orquestra em Música e Lágrimas / The Glenn Miller Story / 1954 (Universal); jogador de basebol reconvocado para a Fôrça Aérea em Comandos do Ar / Strategic Air Command / 1955 (Paramount). Com Hitchcock, Stewart chegou ao auge de sua trajetória artística, participando de: Janela Indiscreta / Rear Window / 1954 (Paramount); O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much / 1956 (Paramount) e Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958 (Paramount). Neste último filme, mais do que um homem obcecado, o personagem de Stewart é a própria obsessão personificada.

James Stewart e Grace Kelly em Janela Indiscreta

Alfred Hitchock, James Stewart e Grace Kelly na filmagem de Janela Indiscreta

Doris Day e James Stewart em O Homem Que Sabia Demais

James Stewart e Kim Novak em Um Corpo Que cai

Hithcock dá instruções para Kim Novak e James Stewart

Stewart participou de treze filmes nos anos sessenta: O Homem Que Destrói / The Mountain Road / 1960 (Columbia), como um major encarregado de comandar um grupo de demolição na China, a fim de impedir o avanço dos japonêses durante a Segunda Guerra Mundial; Terra Bruta / Two Rode Together / 1961 (Columbia), como um xerife contratado para resgatar crianças e mulheres de pioneiros capturados pelos comanches, uns dez anos depois do rapto; O Homem Que Matou o Facínora / The Man Who Shot Liberty Valance / 1962 (Paramount), como um senador que se tornou famoso por ter eliminado um bandido perverso e, no enterro de um velho amigo (John Wayne), revela para um jornalista toda a verdade sobre seu feito;

John Wayne, John Ford e James Stewart na filmagem de O Homem Que Matou o Facínora

James Stewart e Carroll Baker em A Conquista do oOste

As Férias de Papai / Mr. Hobbs Take a Vacation / 1962 (20th Century-Fox), como um banqueiro que deseja passar férias tranquilas em uma praia, porém sua esposa convida toda a família para ficar com eles; A Conquista do Oeste / How The West Was Won /1963 (20thCentury-Fox), como um caçador de ursos que ajuda uma família de pioneiros a se livrar de bandidos; Papai Não Sabe Nada / Take Her, She’s Mine /1963 (20thCentury-Fox), como presidente do conselho de diretores de uma escola que se mete em encrencas, tentando defender a virtude de sua filha adolescente;

James Stewart e Arthur Kennedy em Crepúsculo de uma Raça

Crepúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964 (Warner Brothers), como Wyatt Earp em um interlúdio de quatorze minutos; Minha Querida Brigitte / Dear Brigitte / 1965 (20thCentury-Fox), como professor adepto das ciências humanas cujo filho é um gênio da matemática com uma paixão por Brigitte Bardot; Shenandoah – Paraíso Perdido / Shenandoah / 1965 (Universal), como fazendeiro viúvo indiferente à Guerra Civil até sua família ser envolvida no conflito; O Vôo do Fênix / The Flight of the Phoenix / 1966 (20thCentury Fox), como piloto de um avião que caiu no deserto do Sahara ao transportar um grupo de trabalhadores de um campo de petróleo; Raça Brava / The Rare Breed / 1966 (Universal), como um vaqueiro de má sorte que concorda em levar um touro Hereford para um rancheiro; O Último Tiro / Firecreek / 1968 (Warner Brothers), como fazendeiro que enfrenta um bando de foras-da-lei; O Preço de um Covarde / Bandolero! / 1968 (20thCentury-Fox), como irmão de um bandido que procura ajudar a se regenerar, mas tem como ele, um fim trágico. O melhor filme foi O Homem Que Matou o Facínora, apesar da pobreza dos cenários de interiores e das cenas de exteriores terem sido rodadas dentro do estúdio.

Cena de Shenandoah

Nos anos setenta, Stewart trabalhou um pouco mais na televisão, onde já vinha aparecendo desde 1955, e fez de início Cheyenne / The Cheyenne Social Club / 1970 (National General), como o caubói que recebe como herança deixada por um irmão, um clube que não passa de um bordel disfarçado e O Olho da Justiça / Fool’s Parade / 1971 (Columbia), como ex-presidiário que, com dois amigos, resolve abrir um negócio com o cheque de vinte e cinco mil dólares que economizou, mas tem que enfrentar um grupo de assassinos de ôlho no seu dinheiro, liderados por um policial corrupto e pelo dono do banco onde a importância vultosa seria sacada – ambos os filmes de pouca relevância na sua folha corrida cinematográfica. Depois de O Olho da Justiça, Stewart foi um dos narradores de Era Uma Vez em Hollywood / That’s Entertainment / 1974.

James Stewart e Robert Mitchum em A Arte de Matar

Na sua fase crepuscular como ator, Stewart apenas contribuiu com participações especiais, para enriquecer o elenco de alguns filmes: O Último Pistoleiro / The Shootist / 1976 (Warner Brothers), como médico que informa o pistoleiro protagonista (John Wayne) de que ele está morrendo de câncer; Aeroporto 77 / Airport’ 77 / 1977 (Universal), como bilionário que aguarda ansiosamente que a Marinha dos Estados Unidos remova seu jato luxuoso do fundo do oceano; A Arte de Matar / The Big Sleep / 1978 (Winkast/ITC), como milionário que contrata o detective Philip Marlowe (Robert Mitchum) para desmascarar um chantagista; A Magia de Lassie / The Magic of Lassie / 1981 (Lassie Productions), como viticultor que se esforça para reunir Lassie com sua neta; Afrika Monogatari, produção japonesa intitulada The Green Horizon nos EUA/ 1981 (Sanrio Communications), como veterano das regiões selvagens da África, que detesta cidades e adora animais.

Este último filme foi o projeto mais bizarro da carreira de Stewart e marcou sua derradeira aparição na tela grande, não se contando o uso de sua voz para o personagem do xerife Wylie Burp, uma década depois, no desenho animado Um Conto Americano: Fievel Vai Para o Oeste / An American Tail: Fievel Goes West.

Em outubro de 1980, em visita ao Rio de Janeiro, para promover o relançamento de quatro filmes de Alfred Hitchock, James Stewart concedeu entrevista coletiva à Imprensa. Nesta ocasião, tive oportunidade de lhe fazer algumas perguntas e, no final, entreguei-lhe uma foto de Janela Indiscreta, pedindo seu autógrafo. Ele colocou sua assinatura no ombro de Grace Kelly, e se desculpou, com aquela voz calma e pousada que todos nós conhecemos: “I hate to do this with Grace”.

Stewart nos cativou a todos pela sua simplicidade e honestidade, ao relatar fatos de sua vida particular e profissional, deixando bem claro sua admiração pelo sistema de estúdio, que lhe permitiu aprender seu ofício com os melhores diretores e técnicos da indústria.

Entre outras homenagens, Stewart recebeu o Life-Achievement Award do American Film Institute em 1980, um Oscar especial “por 50 anos de desempenhos memoráveis, por seus nobres ideais, ambos dentro e fora da tela em 1985” e a Presidential Medal of Freedom, a honraria mais alta da nação americana concedida a um cidadão que não é militar.

CAROL REED II

Como membro da Army Officer’s Emergency Reserve, no qual se alistara juntamente com Rex Harrison, Reed recebeu o pôsto de capitão-ator na Royal Army Ordnance Corps (RAO), que tinha sob sua responsabilidade o Army Kinematograph Service (AKS), sediado no antigo estúdio da Fox British. Sua missão era fazer filmes de treinamento, o primeiro dos quais destinado aos futuros chefes de desembarque em uma invasão anglo-americana na Europa, com a finalidade de abrir uma nova frente de batalha.

Após três semanas de preparação para o filme. Reed foi designado para trabalhar com os roteiristas Eric Ambler e Peter Ustinov, e os três foram para Troon na Escócia, a fim de se apresentarem a Thorold Dickinson. Os quatro ficaram alarmados sobre os fatos que iam descobrindo sobre os planos do exército para o desembarque nas praias, principalmente no que se referia ao número de baixas esperado; porém subitamente o projeto foi cancelado.

Cena de The New Lot

Ficou então decidido que o short a ser feito, intitulado The New Lot, seria para ajudar os recrutas a se adaptarem à vida militar. Quando o filme de 40 minutos acabou de ser exibido para um comitê de generais na sala de projeção do War Office, um deles, dirigindo-se a Reed, desabafou: “Você não pode chamar esses homens de soldados; eles não fazem outra coisa senão resmungar. Soldados de verdade nunca resmungam”. O curta-metragem foi considerado inútil e possivelmente subversivo, inclusive proibido de ser mostrado não somente aos recrutas como também para qualquer outra pessoa estranha ao War Office.

Tanto a Marinha quanto a Aeronáutica haviam sido beneficiadas por filmes que fizeram sucesso popular nos cinemas. A Marinha teve Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve, filme comercial dirigido por Noel Coward e David Lean, sobre os sobreviventes de um destróier torpedeado e a Royal Air Force, E … Um Avião Não Regressou / One of Our Aicraft is Missing, dirigido por Michael Powell e Emeric Pressburger sobre a tripulação de um bombadeiro abatido na Holanda ocupada pelos nazistas. O Exército necessitava de um filme como esses para levantar a moral dos novos recrutas. David Niven, tecnicamente major na Rifle Brigade, foi solicitado como interlocutor, pois desfrutava da posição de intermediário entre as forças armadas e os estúdios cinematográficos como Two Cities, que produzira Nosso Barco, Nossa Alma. Primeiro, ele pediu a Noel Coward que fizesse um filme semelhante para o exército, mas Coward delicadamente recusou. Então mostraram a Niven The New Lot, do qual ele gostou muito. Finalmente, ficou decidido que Carol Reed seria liberado do serviço militar e ficaria responsável pela direção de Têmpera de AçoThe Way Ahead, versão ampliada do curta, a ser produzido pela Two Cities de Filippo del Giudice.

Cena de Têmpera de Aço

Trata-se de um filme de guerra sobre a Infantaria, seguindo passo a passo o treinamento de um grupo de recrutas composto por pessoas de diferentes profissões e classes sociais, que se transformam de novatos imaturos em soldados disciplinados, e prontos para enfrentar o inimigo, substituindo o ressentimento pelo respeito por seus superiores, representados pelo afável Tenente Jim Perry (David Niven) e pelo rigoroso sargento Fletcher (William Hartnell). Embora realizado com fins de propaganda, o espetáculo não glamouriza nem glorifica, apenas tenta mostrar tudo com realismo.

Cenas de Têmpera de Aço

A narrativa é simples, mas eficiente, e o sentimentalismo é reduzido ao mínimo. Reed deixou as sequências de ação para o final, quando o navio que conduz a tropa é bombardeado por um submarino alemão e em seguida os homens enfrentam o inimigo no Norte da África, revelando sua coragem e espírito coletivo. Nesses momentos, Reed demonstra sua habilidade técnica, mais notadamente na cena do afundamento do navio, por meio de uma montagem rápida e uso de angulações inusitadas, para transmitir o choque inicial e a desordem entre a tripulacão. Além disso, durante todo o desenrolar do relato – escrito por Eric Ambler e Peter Ustinov – as figuras do grupo que aprendem progressivamente o ofício de combatente, são sempre enquadradas com muito equilíbrio dentro de cada plano.

A Verdadeira Glória / The True Glory / 1945 é um exemplo raro na história do filme documentário de uma colaboração bem sucedida entre dois diretores de países diferentes, Carol Reed (Grã Bretanha) e Garson Kanin (Estados Unidos), trabalhando sob a supervisão de um comitê militar. A principal tarefa dos dois cineastas foi selecionar e dar unidade artística a uma quantidade enorme de sequências filmadas pelos cinegrafistas de combate de nove nações aliadas (sem falar nos episódios de cinejornais feitos pelos inimigos, que haviam sido capturados), entrecortando-as com mapas para facilitar o acompanhamento pelo público do progresso dos Aliados das praias da Normandia até a conquista da Alemanha propriamente dita.

Cenas de A Verdadeira Glória

Cena de A Verdadeira Glória

O que mais impressiona é o trabalho de montagem através de uma sucessão rápida de planos curtos ligados por uma pontuação que lhes dá uma fluência, uma continuidade perfeita. Além da narração explicativa dos fatos, ouvem-se comentários na primeira pessoas nos mais variados sotaques, por soldados, enfermeiras, e alguns civis – na verdade, Richard Attenborough, Françoise Rosay, Claude Dauphin, Sam Levene, Peter Ustinov, Arthur MacRae, Jimmy Hanley, Frank Harvey, John Laurie, Reed e Kanin falando em voz over, textos escritos pelos roteiristas. Os eventos panorâmicos da guerra são contrapostos sutilmente com pequenos detalhes de caráter pessoal – um toque possivelmente providenciado por Reed – como uma senhora idosa vestida de preto andando entre as ruínas de uma cidade. Em uma escala maior, o filme contrabalança a chegada das tropas americanas em Rennes, o retorno triunfante de De Gaule a Paris com o barbarismo dos campos de concentração, onde chama atenção a cena comovente de uma sobrevivente vista beijando a mão de um soldado. Pelos seus méritos indiscutíveis, A Verdadeira Glória arrebatou o Oscar de Melhor Documentário de longa-metragem.

Cena de A Verdadeira Glória

O fim da guerra trouxe muitas oportunidades para Reed, agora conhecido em ambos os lados do Atlântico (seus filmes Gestapo e Sob a Luz das Estrelas fizeram grande sucesso nos Estados Unidos) como um mestre no thriller, na comédia de costumes, no drama de época, no filme de ação e no documentário. Ele sentiu que estava sendo tão solicitado, que poderia escolher um assunto, e ter certeza de que um patrocinador arranjaria o dinheiro para o seu filme ser feito. O assunto que escolheu (prontamente aceito por Filippo del Giudice) para Condenado / Odd Man Out / 1946, foi o de tom mais sombrio do que quaisquer outros de seus projetos anteriores: a história um líder de uma organização revolucionária da Irlanda do Norte, Johnny McQueen (James Mason) que, ferido mortalmente em uma tentativa de assalto a uma fábrica, vagueia pelas ruas de Belfast na escuridão da noite, em busca de segurança.

Na sua fuga, Johnny vai se seconder em um abrigo anti-aéreo. Seus amigos procuram por ele, porém são rapidamente presos ou mortos pela polícia, que estende suas redes e procede a várias investigações. Kathleen (Kathleen Ryan), a jovem em cuja casa estava se escondendo desde que fugira da prisão, também procura por ele. Seguida pelo chefe da polícia (Denis O’Dea), ela procura ajuda junto ao sacerdote, Padre Tom (W. G. Fay). Este recebe a visita de um vendedor de pássaros excêntrico, Shell (F. J. MacCormick), que sabe onde Johnny se encontra, mas quer vender sua informação.

Kathleeen Ryan e James Mason em Condenado

Entrementes, Johnny sai do abrigo e se arrasta de porta em porta. Ele desmaia na rua e duas transeuntes o recolhem, pensando ter sido atropelado. Quando descobrem quem ele é, Johnny parte, e se infiltra no taxi de “Gin” Jimmy (Joseph Tomelty) que, ao reconhecê-lo, o deixa em um depósito de ferro-velho, onde Shell o encontrou. Finalmente, Johnny chega em um bar no qual está um pintor perturbado mentalmente, Lukey (Robert Newton), que leva o moribundo para a sua casa a fim “captar o brilho do olhar que vê a morte”. Johnny consegue escapar novamente. Kathleen o encontra, lhe revela seu amor e, sabendo que ambos estão perdidos, ela atira na direção dos policiais que se aproximam. Uma rajada de balas, e Johnny e Kathleen caem mortos na praça em frente do porto, onde estava de partida, o navio que levaria Johnny para bem longe dalí.

Carol Reed dirige James Mason em Condenado

Assumindo também a posição de produtor, Reed conduz de maneira excitante a narrativa na sua primeira parte, mas quando, na segunda parte, começa a sublinhar os aspectos teológicos do enredo, o andamento do filme fica um pouco pesado, principalmente no diálogo entre o padre e o vendedor de pássaros, que aliás se torna implausível, quando o sacerdote dissuade um sujeito mal afamado como Shell de vender Johnny em troca da fé.

James Mason e F. J. McCormick

F.J. McCormick e Robert Newton em Condenado

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Sob o ponto de vista puramente cinematográfico, Reed, com o auxílio precioso do fotógrafo Robert Krasker (o mesmo de O Terceiro Homem / The Third Man / 1948), produz efeitos de luz expressionista muito parecidos com aqueles que a dupla John Ford-Gregg Toland ensejou em A Longa Viagem de Volta / The Long Voyage Home / 1940 e com os dos films noirs, tão em voga na época. O clima pessimista e fatalista evoca filmes do Realismo Poético Francês de antes da guerra como Cais das Sombras / Quai des Brumes / 1938 de Marcel Carné, notadamente naquele final de uma grandeza trágica no porto.

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Cena de Condenado

Kathleen Ryan e James Mason em Condenado

Reed forja cenas marcantes: a bola que um transeunte chuta e vai cair no esconderijo de Johnny; a menina contemplando-o silenciosa e mais tarde tímida atrás do poste, indicando ao companheiro do fugitivo onde achá-lo; o encontro com o casal furtivo no abrigo anti-aéreo; as imagens em câmera alta sobre a rua cercada pela polícia; a briga no ônibus; a chegada de Johnny à cabine telefônica, última esperança de salvação que se esvai, vendo-a ocupada por duas mulheres risonhas; o uso do relógio significando a passagem inexorável do tempo para quem tem os minutos de vida contados; as bolhas de espuma da cerveja na mesa do bar com a visão alucinatória dos rostos das pessoas com as quais Johnny cruzou na sua fuga e o grito desesperado do moribundo, causando um silêncio paralisante naquele ambiente barulhento e cheio de gente; os quadros que, no delírio de Johnny, se movem no atelier do pintor desequilibrado; e o clímax na praça coberta de neve, onde Kathleen finaliza o drama.

Penelope Dudley Ward

Em 1948, Reed divorciou-se de Diana Wyniard, casou-se com Penelope Dudley Ward e, mantendo a capacidade de funcionar também como produtor, que lhe havia sido assegurada no seu filme anterior, começou a trabalhar com Alexander Korda, dono da London Films Productions. O Ídolo Caído / The Fallen Idol / 1948 foi uma co-produção Anglo-Americana, financiada por Korda e David Selznick, baseada em um conto de Graham Greene, “The Basement Room”, e com roteiro do próprio autor da obra literária.

Depois de algumas modificações, aceitas por Greene, a história ficou assim: um menino, Felipe (Bobby Henrey), filho do embaixador francês em Londres, é deixado por seus pais aos cuidados do mordomo da embaixada, Baines (Ralph Richardson), e de sua esposa (Sonia Dresdel). Felipe idolatra Baines e testemunha as brigas constantes dele com sua mulher tirânica e perversa. Ele também descobre que Baines está vivendo um romance com uma francêsa, esteno-datilógrafa da embaixada, Julie (Michele Morgan). Mrs. Baines finge sair de casa durante um fim-de-semana, mas logo retorna, a fim de surpreender Baines com sua amante. Ao vigiá-los, sofre uma queda fatal tentando abrir uma janela. Como o breve interlúdio que separou uma discussão entre o casal presenciada por Felipe e o acidente, foi apenas imaginado por este ao descer a escada de incêndio, o garoto está certo de que Baines matou a esposa.

Cena de O Ídolo Caído

Ralph Richardson e Bobby Henrey em O Ídolo Caído

Cena de O Ídolo Caído

Desorientado, ele sai correndo de pijama pela rua molhada até ser levado para a delegacia por um guarda. Os policiais o levam de volta para a embaixada e começa a investigação sobre a morte da esposa de Baines, considerando-o principal suspeito. Desejando salvar o amigo, o menino se envolve em uma série de mentiras, que comprometem o mordomo quase irremediavelmente. A descoberta ocasional de um vaso quebrado estabelece a inocência do acusado, mas, ironicamente, esta prova é falsa, e quando o menino – ainda achando que Baines foi o culpado – procura explicar aos policiais que foi ele quem quebrou o vaso (pela primeira vez dizendo a verdade), ninguém lhe dá crédito.

Michele Morgan e Ralph Richardson em O Ídolo Caído

Embora integrando o gênero policial, o filme tem ressonância psicológica, pois é uma evocação da infância e sua relação com um mundo adulto confuso. A historia é contada do ponto de vista do menino, que observa as paixões de um triângulo romântico, em torno do qual Reed criou uma narrativa interessante e cheia de suspense. À proporção que os conflitos emocionais se amontoam, é o menino que ouve, que deduz e, finalmente, que confunde as intenções daqueles que espreita. Felipe é uma criança separada emocionalmente de seus pais, segregada do convivio com outras crianças de sua idade, e educada por uma mulher, que é uma verdadeira megera. Porém Baines lhe dedica uma atenção extremada, leva-o ao jardim zoológico ou o fascina com histórias fantásticas de uma frica imaginária, cativando a sua mente infantil; daí sua idolatria pelo mordomo.

Carol Reed dá instruções para Bobby Henry

Reed dirige Ralph Richardson

Reed dirige Michele Morgan

O essencial no argumento é a progressiva desilusão do menino que atinge o auge, quando o mordomo diz a polícia jamais ter estado na África. Porém o público mereceu um final feliz: o amor entre Julie e Baines prevalece e Felipe adquire uma visão mais madura da vida. Duas sequências de puro cinema tornaram-se inesquecíveis: o jogo de esconde-esconde na mansão deserta e escura, salientando-se as colocações de câmera, ângulos e efeitos de iluminação inusitados, e o momento no qual o avião de papel, contendo um telegrama condenatório de Baines, rodopia graciosamente do alto da escadaria até aterrissar nos pés do detetive.

Depois de O Ídolo Caído, Reed continuou a trabalhar como produtor-diretor para a London Films em O Terceiro Homem / The Third Man, colaborando mais uma vez com Graham Greene.

A ação do filme situa-se na Viena do pós-guerra, dividida pelas quatro forças de ocupação aliadas, uma cidade que quase parece ser um personagem da história. Ali chega um escritor americano de romances populares, Holly Martins (Joseph Cotten), com pouco dinheiro no bolso, a convite de seu amigo de infância, Harry Lime (Orson Welles, depois de cogitado Noel Coward), que lhe oferecera um emprego. Holly vai ao apartamento de Harry, e fica sabendo pelo porteiro, que seu amigo foi atropelado por um carro e morto. Três homens carregaram a vítima mas Holly só consegue identificar dois: falta-lhe o terceiro. No enterro de Harry, Holly é informado pelo Major Calloway (Trevor Howard) de que Harry era um escroque notório. Mais tarde, Holly conhece a amante de Harry, Anna Schmidt (Alida Valli, uma atriz que se apresenta no Josefstadt Theatre), que suspeita de que a morte de Harry não foi um acidente.

Alida Valli e Joseph Cotten em O Terceiro Homem

Eles começam a investigar e, depois de alguns incidentes, o Major Calloway põe Holly a par do mercado negro de penicilina, do qual Harry fazia parte, explicando que os traficantes costumam aumentar seus lucros, diluindo o remédio e provocando assim efeitos médicos desatrosos. Holly fica estupefacto com as atividades de seu amigo, vai procurar Anna, diz que está voltando para os Estados Unidos, e admite seus fortes sentimentos por ela. Após deixar o apartamento de Anna, Holly percebe um homem nas sombras e quando um vizinho abre uma janela, a luz ilumina o rosto de Harry Lime, que desaparece antes que Holly possa alcança-lo. Holly pede ajuda a Calloway que novamente traça a rota de fuga de Harry, e descobre um quiosque, que conduz subterrâneamente a um esgôto. Calloway manda abrir o caixão de Harry e o corpo encontrado é o do chofer dele. Através de um intermediário, Holly consegue marcar um encontro com seu amigo “desaparecido” na roda gigante de um parque de diversões.

Orson Welles em O Terceiro Homem

Cinicamente e com muita calma, Harry repudia o ultraje moral de Holly com relação ao contrabando de penicilina e o adverte de que deve parar de falar com a polícia. Sem se intimidar, Holly oferece-se para ajudar Calloway a capturar Harry em troca de um salvo-conduto para Anna, que está prestes a ser presa pelos russos. Quando Anna rejeita furiosamente este acordo, Holly quer desistir de seu auxílio à polícia militar, mas Calloway o leva a um hospital infantil, para que ele veja as jovens vítimas com o cérebro danificado pela penicilina adulterada de Harry. Deprimido pelo que viu, Holly concorda em servir de isca para a captura de Harry. Após aguardar Harry durante horas em um café, Holly de Anna que o repreende por estar colaborando com a polícia. Quando Harry chega, Anna o avisa da emboscada, e ele escapa pelo esgoto, sendo perseguido por Holly, Calloway e seus homens. Harry atira e mata um soldado e Holly mata Harry, quando ele tentava se arrastar até uma saída para a superfície. Depois do segundo enterro de Harry, Holly vê Anna passar silenciosamente na sua frente, como se ele não existisse.

Reed e Graham Greene examinam o roteiro de O Terceiro Homem

Reed na direção de O Terceiro Homem

O Terceiro Homem, é um thriller policial, mas também drama de consciência e defesa de uma tese: luta do Bem contra o Mal. Vemos um mundo corrupto, que perdeu sua humanidade e seu limite ético. Harry acha que “o mundo não é dos trouxas, e se os governos têm planos quinquenais, ele também pode tê-los pois, afinal”, diz com um sorriso, “a Itália dos Borgia conheceu trinta anos de guerra, terror, derramamento de sangue, mas dela saíram Miguel Angelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. A Suiça conheceu a fraternidade e quinhentos anos de democracia. E o que foi que eles produziram? O relógio de cuco!”. Porém Holly não dá ouvidos ao canalha, e prefere ficar do lado do Bem e da Verdade, sacrificando a Amizade pela Coletividade.

Trevor Howard e Alida Valli em O Terceiro Homem

Joseph Cotten em O Terceiro Homem

Joseph Cotten e Orson Welles em O Terceiro Homem

Visualmente, a instabilidade histórica e moral é expressa por uma escuridão frequente, sombras imensas e planos inclinados, providenciados pela admirável fotografia expressionista de Robert Krasker, notando-se outrossim a influência do formalismo russo, no que se refere aos primeiros planos, tudo isto reforçado pela música inquietante oriunda de um único instrumento, a cítara de Anton Karas, que adquire uma força de expressão maior do que uma orquestra.

Orson Welles em O Terceiro Homem

O filme está repleto de ótimas sequências, destacando-se a primeira aparição de Harry Lime na entrada escura de um prédio, quando um gato se acomoda nos seus pés; o encontro de Holly e Harry no parque de diversões; a perseguição do criminoso pelos esgôtos onde avulta a admirável montagem visual sonora e simbólica de Oswald Hafenrichter (que depois iria prestar serviço nas produções da nossa Vera Cruz); e o desenlace da trama, quando Holly aguarda por Anna na longa alameda do cemitério, coberta pelas fôlhas das árvores ressecadas. Ela é uma pequena figura que vai crescendo progressivamente enquanto algumas folhas caem e se ouve uma música suave. Anna passa lentamente por Holly, sem olhar para ele, e sai do quadro, neste que é um dos finais mais melancólicos da História do Cinema.

Cena final de O Terceiro Homem

O sucesso de O Terceiro Homem impulsionou Reed para o pico de sua carreira, tornando-o um diretor de importância internacional e, entre vários compromissos possíveis, ele escolheu a adaptação do segundo romance de Joseph Conrad, “An Outcast of the Islands”, uma obra que Korda o estava pressionando para filmar.

No relato de O Pária das Ilhas / 1952, Peter Willems (Trevor Howard, depois de cogitado Stewart Granger) é um vagabundo que, graças à bondade do Capitão Lingard (Ralph Richardson), consegue atingir boa posição na firma Hudig em Singapura, mas um dia trai a confiança de seus patrões, rouba, é demitido, e volta à antiga condição de pária. Seu protetor resolve dar-lhe mais uma oportunidade, e o leva para Sambir, uma ilha remota onde tem um entreposto comercial, que opera sem concorrência, por ser o único a conhecer a rota marítima perigosa ao local. Sua presença desperta o receio de Almayer (Robert Morley) encarregado dos negócios do capitão, casado com a filha adotiva deste (Wendy Hiller), e espicaça o interesse de Babalatchi (George Colouris), líder dos nativos. Este induz Peter a revelar o caminho marítimo. Ele se recusa até o dia em que, para assegurar o amor de Aissa (Kerima), uma nativa por quem se apaixonara tremendamente, trai seu benfeitor, ensinando a um mercador amigo de Babalatchi o segredo da rota, que apenas ele e o capitão conheciam. Peter participa ainda da pilhagem das instalações de Lingard. Afinal, com a chegada do capitão, a ordem se restabelece. Lingard pensa em matar Peter, porém depois muda de idéia, e o deixa em exílio permanente na selva com Aissa.

Trevor Howard e Ralph Richardson em O Pária das Ilhas

Trebvor Howard em O Pária das Ilhas

Conservando a história básica de Conrad, Reed registra a degradação do protagonista, sem sentimentalizar a narrativa, mantendo-se fiel ao ceticismo do autor sobre a natureza humana. Desde a primeira visão de Willems da sensual e orgulhosa Aissa até a sua compreensão final de que ela é a sua perdição, a câmera segue o curso de sua crescente paixão com uma eloquência silenciosa, quase sem diálogo. Animada somente pela atração física, essa relação é vista como uma maldição, que vai destruir aquele homem degenerado moralmente, e também tudo que o cerca. Ele será condenado a errar no caos que provocou e, daí em diante, ser desprezado (por não ter tido a coragem de matar Lingard) por aquela que ele tanto perseguiu.

Cena de O Pária das Ilhas

Trevor Howard em O Päria das Ilhas

Trevor Howard e Kerima no clímax de O Pária das Ilhas

O virtuosismo pictórico do diretor é visível em todo o desenrolar da ação, ajudado pela arte fotográfica de John Wilcox e Edward Scaife, orientada para um preto-e-branco de alta qualidade. A sequência mais dramática do filme ocorre no final: chove torrencialmente, e quando Lingard, depois de um confronto físico com o traidor (O velho homem do mar esbofeteia Willems várias vêzes) e verbal (“… Você não é um ser humano para ser perdoado ou destruído … Você é minha vergonha”), se retira altivo, e Aissa, que entregara um revólver para Willems, a fim de que ele se vingasse da afronta, amarga desiludida a covardia do homem que ama.

Em junho de 1952, a nova Rainha da Inglaterra concedeu o título de Sir a Carol Reed, o primeiro diretor a receber tal honraria. A partir de 1953, Reed fez mais dez filmes: O Outro Homem / The Man Between / 1953, A Rua da Esperanca / A Kid for Two Farthings / 1955, Trapézio / Trapeze / 1956, A Chave / The Key / 1958, Nosso Homem em Havana / Our Man in Havana / 1959 e, depois de ter sido despedido da filmagem de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1960, A Sombra de uma Fraude / The Running Man / 1963, Agonia e Êxtase / The Agony and the Ecstasy / 1965, Oliver! / Oliver! / 1968, Fúria Audaciosa / The Last Warrior / 1970 e De Olho na Esposa / Follow Me / 1971. Nenhum deles atingiu o mesmo nível artístico das suas quatro últimas realizações, que marcaram o período áureo de sua carreira.

O mais aceitável desse grupo foi O Outro Homem, produzido pelo próprio Reed para a London Films. Quatro anos depois de O Terceiro Homem, que lhe valeu o Grand Prix do Festival de Cannes e um imenso sucesso mundial, ele retorna ao ambiente de uma cidade semi-destruída e ocupada, para contar a história de um personagem dilacerado entre (o “entre” do título original) as duas Zonas, ocidental (soviética) e oriental, em que está dividida Berlim.

Cena de O Outro Homem

Cena de O Outro Homem

A narrativa tem início quando Suzanne Mallison (Claire Bloom) chega de Londres para passar alguns dias com o irmão, Martin (Geoffrey Toone), médico militar da guarnição inglêsa e sua mulher alemã Bettina (Hildegarde Neff). Por ocasião de uma visita à Zona Russa, Suzanne conhece Ivo Kern (James Mason), antigo marido de Bettina, que está a serviço dos comunistas e procura valer-se de sua ex-esposa para sequestrar Kaster (Ernest Schroeder), agente aliado que estava ajudando refugiados a escaparem da Berlim Ocidental. Entretanto, a tentativa falha, devido ao alerta dado por Bettina, ela própria espiã. Os agentes soviéticos então planejam raptar Bettina mas, por engano, capturam Suzanne. A esta altura, Ivo já envolvido sentimentalmente com Suzanne, ajuda-a a fugir e, durante a fuga, lhe revela que, sendo um antigo advogado brutalmente colhido pelos acontecimentos da guerra e do pós-guerra, se vê obrigado a trabalhar para a polícia popular da zona russa, ajudando-a a fazer contrabando humano de um setor para outro, porque esta possui documentos comprometedores de suas negociatas no mercado negro na zona ocidental. Na fronteira entre as duas zonas, quando Ivo é surpreendido pelos guardas no fundo de uma camionete, ele se lança em uma desabalada carreira, é abatido, e rola sob a neve sob o olhar angustiado de Suzanne dentro do carro.

Cena de O Outro Homem

Cena de O Outro Homem

Hildegarde Neff e James Mason em O Outro Homem

James mason e Claire Bloom em O Outro Homem

O filme tem pontos de contato com Condenado (a longa sequência de fuga e o desenlace na neve, especialmente quando um cachorro corre em direção ao corpo de Ivo), O Ídolo Caído (o garoto na bicicleta que percorre doidamente o filme de um extremo a outro, espionando por conta de Ivo e assistindo impotente à dramática execução do amigo) e O Terceiro Homem (o personagem de James Mason, Ivo Kern, reminiscente do Harry Lime de Orson Welles), mas esta repetição não significa um sinal de exaustão, e sim de inspiração para a uma nova obra que, apesar de não ter o mesmo brilho das suas realizações precedentes citadas, é narrada com o vigor comum do diretor e permanece como um interessante exercício de suspense. A melhor sequência do filme, é a do rapto de Suzanne em um automóvel inteiramente coberto de neve, tal como uma fera aterrorizante que se aproxima silenciosamente da caça, e finalmente a engole.

Cena de A Rua da Esperança

Em Rua da Esperança, fábula excêntrica e poética com um revestimento de folclore judaico, um menino, filho de pai ausente, sob a influência de um alfaiate filósofo, imagina que sua cabra é um unicórnio, que pode satisfazer qualquer desejo.

Burt Lancaster, Gina Lollobrigida e Tony Curtis em Trapézio

Em Trapézio, desenvolve-se um drama envolvendo um trîangulo amoroso e acrobático, composto por um astro do trapézio aleijado por uma queda, seu aluno talentoso, e uma bela italiana arrivista e arrogante.

Sophia Loren e William Holden em A Chave

Em A Chave, filme de guerra e ao mesmo tempo drama de amor de caráter psicológico, uma mulher traumatizada com a morte do noivo, comandante de rebocador na Segunda Guerra Mundial, passa a vê-lo em todos os seus colegas que se sucedem na posse da chave de seu apartamento.

Alec Guiness e Maureen O’hara em Nosso Homem em Havana

Em Nosso Homem em Havana, sátira do serviço de espionagem britânico, um vendedor de aspirador de pó é convocado para ser espião em Havana – missão para a qual não possui o menor perfil – e então ele inventa informações para servir aos seus superiores.

Lee Remick e Alan Bates em A Sombra de uma Fraude

Em A Sombra de uma Fraude, um homem, com a colaboração forçada de sua esposa, costuma fraudar algumas seguradoras, assinando apólices sob nome falso e forjando sua própria morte, até que a intervenção do investigador de uma das companhias seguradoras, provoca uma tragédia.

Em Agonia e Êxtase, biografia histórica, expõem-se os conflitos artísticos entre o pintor Miguelangelo e o Papa Júlio II durante a construção da Capela Sistina.

Carol Reed e seu Oscar

Em Oliver! repetem-se os dissabores do Oliver Twist de Charles Dickens em chave de musical.

Anthony Quinn em Fúria Audaciosa

Em Fúria Audaciosa, comédia dramática sobre um índio beberrão e rebelde inconformado com a opressão social de seu povo na reserva onde foram confinados, acaba se tornando um mártir.

Mia Farrow, Michael Jayston e Topol em De Olho na Esposa

Em De Olho na Esposa, um banqueiro inglês pudico contrata detetive particular para seguir sua esposa independente, que ele suspeita de o estar traindo, mas o investigador verifica que ela simplesmente necessita de mais afeto e diversão na sua vida.

Com exceção de A Sombra de uma Fraude e Oliver!, que tinham certas sequências sôltas no conjunto, onde se espelhava a fina concepção cinematográfica de Reed (Oliver! lhe ensejou até o Oscar de Melhor Direção), os filmes restantes evidenciaram uma perda de rendimento do rigor artístico do cineasta, tornando-se em consequência espetáculos entediantes.