Arquivo diários:maio 26, 2017

CAROL REED I

Ele foi, juntamente com Alfred Hitchock, David Lean e Michael Powell, um dos mais renomados diretores britânicos do cinema clássico e, tal como seus colegas citados, atingiu fama internacional. Sua imaginação visual muito fértil foi testada em vários gêneros e, como um mestre na arte de contar histórias, expressou-se sempre por meio de uma excelência técnica e uma linguagem eminentemente cinematográfica.

Carol Reed

Carol Reed (1906 -1976) nasceu no distrito de Putney Hill, Londres. Era filho ilegítimo do ator Sir Herbert Beerbohm Tree (1853-1917) e de sua amante Beatrice May Pinney, com a qual manteve uma vida conjugal doméstica convencional, que nunca conseguiu ter com sua legítima esposa, a atriz e sua parceira no palco, Helen Maud Holt (obs. ela pode ser vista na tela como a enfermeira do rei em Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933, sob o nome artístico de Lady Tree). Além de Carol, Sir Beerbohm teve com Beatrice mais quatro filhos (Claude, Robin, Guy, Peter) e uma filha (Juliet). No início dos anos 1890, Beatrice mudou seu nome para Reed e explicou anos depois: “Because I was but a broken Reed at the foot of the mighty Tree”.

Sir Herbert Beerbohm Tree

Reed estudou na King’s School em Canterbury, um das mais antigos internatos da Inglaterra e decidiu que queria ser ator. Preocupada com sua pretensão artística (Claude, seu filho mais velho, já havia tomado a mesma decisão e acabou sendo vítima de alcoolismo), a mãe mandou-o para os Estados Unidos em 1922, onde seu irmão Guy trabalhava em uma fazenda. Durante algum tempo, Reed tornou-se um cuidador de galinheiros, porém, em menos de um ano, voltou para a Inglaterra, e sua progenitora, desistiu de fazer com que ele não seguisse a profissão que escolhera.

Reed estreou no palco em 1924, aos dezoito anos de idade, na peça “Heraclius” de Lord Howard de Walden. Pouco depois, a companhia de Sybil Throndyke encontrou um lugar para ele na peça “St. Joan” de Bernard Shaw, estrelada pela própria Sybil. Após participar de outros espetáculos, ele foi aceito em uma trupe liderada por Edgar Wallace, o autor de romances de mistério, que estava tentando transferir sua enorme popularidade das livrarias para a ribalta. Reed desempenhou o papel de um detetive na peça de Wallace “The Terror” e depois passou a atuar também nos bastidores como diretor de cena até ser escolhido para supervisionar as adaptações cinematográficas das obras do escritor, realizadas pela British Lion Film Corporation.

Após a morte de Wallace em 1932, Reed transferiu-se para a Associated Talking Pictures (A.T.P.) fundada por Basil Dean, cujo estúdio era em Ealing. Primeiramente, trabalhou como diretor de diálogos em Nine Till Six /1932 e foi logo promovido a assistente de direção, funcionando nessa capacidade em Autumn Crocus; The Constant Nymph; Sing As We Go; Sign of Four; Three Men in a Boat, Loyalties, Love, Life and Laughter, Looking on the Bright Side, Lorna Doone, todos de 1934, salvo o último, que é de 1935.

John Loder em It Happened in Paris

No ano seguinte, ele co-dirigiu com Robert Wyler (irmão de William Wyler) It Happened in Paris, adaptação da peça “L’Arpete” de Yves Mirande feita por John Huston. Nesta comédia romântica, um milionário americano Paul (John Loder) descontente com a vida que leva, vai a Paris para estudar pintura, fingindo ser pobre. Ele conhece uma jovem, Jacqueline (Nancy Burne), que vem a ser sua vizinha, e os dois se apaixonam. A moça é uma desenhista de moda que, a pedido de seu chefe, desfila para uma cliente e chama a atenção de um velho americano rico (Edward H. Robins), que fica entusiasmado por ela. No decorrer dos acontecimentos, Jacqueline descobre que ele é pai do seu namorado, surgindo outras complicações. Tal como os primeiros filmes de Reed, este ficou muito tempo desaparecido, mas hoje podem ser vistos em dvd da The Ealing Studios Rareties Collection. Trata-se de uma comédia bem divertida, agilmente encenada por Reed e Wyler desde a abertura com a anágua passando de mãos em mãos pelas ruas. Sucedem-se outros momentos cômicos irresistíveis (v. g. a “natureza morta” devorada pelos vizinhos esfomeados) e boas surpresas (v. g. quando Jacqueline descobre que o velho americano rico é pai de seu amado; quando Paul vai se casar com outra e verifica que quem está vestida de noiva é Jacqueline).

Cena de Midshipman Easy

No mesmo ano, Dean permitiu que Reed dirigisse sozinho Midshipman Easy, adaptação de uma história muito popular escrita pelo Capitão Frederick Marryat, lida por milhares de adolescentes. O romance trata da iniciação de um agitado e precoce aspirante da Marinha, mostrada em episódios, nos quais se alternam façanhas heróicas e situações cômicas.

Margaret Lockwood e Hughie Green em Midshipman Easy

Em 1850, Master Jack Easy (Hughie Green) embarca no HMS Harpy sob o olhar vigilante do capitão do navio (Roger Livesey), que é amigo de sua família. Sempre falando que “Igualdade e confiança são as bases da cooperação”, ele demonstra sua coragem no confronto com alguns companheiros de má índole, e depois em uma série de aventuras que envolvem: a captura de um navio espanhol carregado de ouro; o salvamento da tripulação durante uma tempestade; um flêrte idílico com Donna Agnes Ribiera (Margaret Lockwood), a filha núbil de uma família espanhola da Sicília; um duelo triplo; e a prisão de Don Silvio (Dennis Wyndham), perigoso bandido italiano. Easy é sempre protegido pelo cozinheiro negro Mesty (Robert Adams) que, no final, é promovido a marinheiro e luta contra Don Silvio, jogando-o do alto de um despenhadeiro. A classe e a bravura deste personagem em um filme britânico de 1935 contrasta com o tratamento estereotipado dos negros nos filmes americanos da época.

Cena de Midshipman Easy

Tecnicamente, o filme revela um jovem realizador dotado de intuição cinematográfica, que soube dar energia e movimentação constante à narrativa. Esta fluência evidencia-se principalmente no confronto entre o grupo de Easy e a horda fora-da-lei de Don Silvio na mansão de Don Ribiera (Arnold Lucy) e no resgate dos prisioneiros do navio que está afundando. Nesta última sequência, Reed cria uma excitação visual e até uma tensão moral e dramática, porque Easy e seus homens estão salvando seus inimigos, os quais poderão se virar contra eles depois.

O crítico de cinema contemporâneo mais eminente, Graham Greene, saudou a chegada do novo cineasta, atribuindo a ele “mais senso de cinema do que a maioria dos diretores britânicos veteranos”.

O segundo filme de Reed para a Associated Talking Pictures, Laburnum Grove / 1936, é uma adaptação da peça de J. B. Priestley sobre um cidadão da classe média alta, decente e respeitado (Edmund Gwenn), que deixa seu cunhado (Cedric Hardwicke) e sua cunhada (Ethel Coleridge), sua filha (Victoria Hopper) e o namorado mau caráter dela (Francis James) estupefactos e apavorados de serem responsabilizados como cúmplices, ao revelar casualmente durante o jantar que não é um fabricante de papel, como eles acreditam, mas sim um falsário, procurado pela Scotland Yard. Na verdade, ele pregou essa mentira para afastar de sua casa os cunhados parasitas e o detestável namorado da filha, mas depois que se livra deles, ficamos sabendo que ele de fato dedica-se à contrafação.

Cena de Laburnum Grove

Reed fez o melhor que pôde para fazer cinema em vez de teatro em conserva embora o filme permaneça centrado, como havia sido no palco, no texto espirituoso de Priestley (lembrando o humor de Bernard Shaw) e nas interpretações divertidas do elenco, onde se destacam Edmund Gwenn inflexivelmente jovial e com um olhar de sabido e Cedrid Hardwicke com seus tiques faciais e a mastigação constante de bananas.

Edmund Gwenn, Victoria Hopper e Carol Reed na filmagem de Laburnum Grove

Victoria Hopper e Edmund Gwenn em Laburnum Grove

Graham Greene manifestou-se mais uma vez sobre um trabalho de Reed, escrevendo: “Aqui finalmente está um filme inglês que se pode louvar sem reserva”. Ele disse que sentiu um prazer particular na habilidade de Reed para avivar a matéria teatral, transmitindo a história e a atmosfera através tanto de detalhes visuais como de palavras, sentimento com o qual compartilhei ao ver este e outros filmes do começo de carreira do diretor graças aos dvds da The Ealing Studios Rarities Collection.

Afastando-se da Associated Talking Pictures, Reed foi contratado pela companhia de Herbert Wilcox, British & Dominions para fazer Talk of the Devil / 1936 (anteriormente intitulado The Man with Your Voice), drama criminal baseado em uma história original do próprio Reed, construída na suposição de que um bom mímico pode personificar uma pessoa totalmente estranha, escutando-a falar por apenas alguns minutos. Stephen Rindlay (Basil Sidney) planeja roubar a firma de construção naval presidida por seu meio-irmão John Findlay (Randle Ayrton), incriminando-o falsamente. Para obter informações, o vilão contrata um mímico talentoso, Ray Allen (Ricardo Cortez), que começa a namorar Ann (Sally Eilers), a filha de Ayrton. Rindlay consegue seu objetivo e, em consequência, Ayrton se suicida, para salvar a companhia. Mais tarde, o vilão tenta matar o mímico, mas felizmente este sobrevive, denuncia o vilão à polícia, que é preso, e Ray prova ser merecedor do amor de Ann.

Por muito tempo o filme foi considerado perdido, mas o BFI National Archive tinha uma cópia e o exibiu em 2006 no centenário de Carol Reed. Em vez de reconstruir seu estúdio em Elstree, que havia se incendiado, a B&D preferiu erguer, em parceria com outras firmas, uma nova instalação em Pinewood, onde Talk of the Devil acabou de ser rodado.

Segundo Raquel Low (Film Making in 1930s Britain, 1985), apesar de ter sido concebido como uma produção modesta, o filme foi um melodrama ágil, tenso e muito bem dirigido por Carol Reed. Como não tive a sorte de estar presente na exibição do BFI, tenho que confiar no comentário da excelente historiadora.

Poster espanhol de Who’s Your Lady Friend

Poster da versão austríaca de Who’s Your Lady Friend?

Depois de Talk to the Devil, Reed dirigiu para a Dorian Films, Who’s Your Lady Friend? / 1937, refilmagem de uma comédia musical austríaca de sucesso, Herr ohne Wohnung (dirigido por E. W. Emo em 1934), no qual um médico especialista em cosméticos (Vic Oliver) que aguarda uma cliente francêsa muito importante, manda seu secretário (Romney Brent) recebê-la na estação ferroviária mas ele a confunde com uma artista de cabaré (Frances Day). Quando sua namorada (Margaret Lockwood) o vê com esta mulher, ela imediatamente suspeita de que ele a está traindo e quando a esposa do médico (Betty Stockfield) vê seu marido com ela, suspeita da mesma coisa, resultando as complicações de praxe.

Não encontrei cópia nem na magnífica BFI Mediatheque – South Bank. Vi apenas a versão austríaca, que não é má, porém, levando em conta as boas comédias que Reed fez nesta fase de sua carreira, suspeito que seu filme seja melhor, embora a filmagem tivesse sido abalada por vários acidentes: o chefe eletricista sofreu uma queda, ficando seriamente ferido; o diretor de fotografia Jan Stallich foi parar no hospital com uma crise de apendicite aguda; Margaret Lockwood teve problemas domésticos e isso afetou sua interpretação.

Ainda em 1937, Reed começou a filmar para a Gainsborough, Bank Holiday, grande sucesso popular que ajudou a firmar sua reputação como diretor. Passado durante um feriado bancário, o enredo acompanha um grupo de personagens de diferentes classes sociais, que embarca em um trem de Londres para o litoral fictício de Besborough. Entre eles estão uma balconista de loja candidata a um concurso de beleza, Doreen (Renee Ray) e sua melhor amiga Milly (Merle Tottenham); a candidata favorita da competição, “Miss Mayfair” (Jeanne Stuart); e uma família cockney chefiada por Arthur (Wally Patch) e May (Kathleen Harrison); porém a trama central gira em torno de uma relação triangular entre o récem enviuvado Stephen (John Lodge), a enfermeira Catherine (Margaret Lockwood) e seu namorado Geoffrey (Hugh Williams). Catherine estava de serviço na maternidade e presenciou a morte de uma jovem durante o parto. Seu marido, Stephen, profundamente afetado pelo trágico acontecimento, retorna para casa, apesar de Catherine ter desejado acompanhá-lo. Geoffrey aguarda-a ansioso para eles tomarem o trem para Besborough, onde ele planeja se hospedar com ela em um hotel luxuoso. Quando Catherine e Geoffrey chegam ao seu destino, não conseguem vaga em nenhum hotel e acabam passando a noite (junto com muitos outros) na praia. Durante sua estadia em Besborough, Catherine não consegue tirar a imagem de Stephen de sua cabeça e, subitamente, tem uma premonição de que ele está em perigo. Preocupada, deixa Geoffrey, reconhecendo que não o ama, e volta para Londres. Seu pressentimento estava certo e ela chega com a polícia a tempo de salvar Stephen de uma tentativa de suicídio.

John Lodge e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Cena de Bank Holiday

Hugh Williams e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Trata-se ao mesmo tempo de um filme de observação realista (através de vinhetas alegres dos diferentes frequentadores do balneário) e de um melodrama (marcado pela situação lúgubre que liga os personagens da enfermeira e do viúvo). A ação é um pouco mais do que uma sucessão de episódios e incidentes desconexos, mas Reed liga os fios com habilidade e consegue traduzir sua larga compreensão da condicão humana na tela de uma forma simpática. O domínio contínuo de Reed da linguagem fílmica é demonstrado por exemplo nas tomadas de abertura resumindo o aspecto de formigueiro humano do mundo trabalhador de Londres e depois na tempestade no balneário. O cineasta teve também algumas idéias criativas que ampliaria ou refinaria em filmes futuros como aquele gato preto na janela do apartamento de Stephen, quando ele vagueia pelos cômodos, lembrando-se de sua falecida esposa. O gato reapareceria em The Girl in the News / 1941 e em O Terceiro Homem / The Third Man / 1949.

Mais ou menos na mesma época Reed escreveu uma história sobre um vagabundo que, por engano, é contratado como chofer para a fuga de ladrões de jóias, mas depois realiza finalmente seu sonho de ser atendente em um estacionamento. Seu argumento foi aproveitado no filme No Parking, dirigido por Jack Raymond, com Gordon Hacker no papel do vagabundo.

Retornando à A.T.P., Reed dirigiu Penny Paradise / 1938, comédia cuja ação transcorrre em Liverpool, onde o capitão de um rebocador, Joe Higgins (Edmund Gwenn), acreditando ter ganho uma fortuna na loteria esportiva, pede demissão do seu cargo e dá uma festa em uma taverna local, onde sua família e seus amigos – alguns dos quais estão de ôlho no seu dinheiro – se reunem para celebrar a sua boa sorte. Higgins corteja a viúva Clegg (Maire O’Neill) enquanto sua filha Betty (Betty Driver) é assediada por Bert (Jack Livesey), um oportunista, que fareja dinheiro. A festa é interrompida com a chegada de Pat (Jimmy O’Dea), o primeiro imediato irlandês de Higgins no rebocador (e pretendente de Betty), que é obrigado a admitir que esqueceu de postar o bilhete vencedor. Agora parece que não há mais motivo para a comemoração, mas Higgins fica em paz, quando seu ex-patrão lhe oferece o comando do melhor rebocador do Rio Mersey, posição que ele tanto almejara.

Edmund Gwenn em Penny Paradise

Os incidentes da trama são entremeados por vários números musicais interpretados por Betty Driver (uma Gracie Fields menor) e um, para efeito cômico, por Jimmy O’Dea. O humor é em geral complacente, mas sem se tornar grosseiro, com exceção de alguns momentos de puro pastelão. Exemplo de uma sequência cômica eficiente: logo no início, Pat tem que guiar o rebocador na direção de um navio mas é distraído por duas lindas jovens – para as quais acena – e o rebocador bate na embarcação maior. A solidariedade entre Pat e Higgins é mostrada através deste incidente, pois Higgins defende a negligência de Pat. Estamos diante de uma produção modesta, porém Reed, como sempre, consegue criar uma atmosfera realista, dar credibilidade aos personagens e vida ao espetáculo.

Jessie Mathews e Michael Redgrave em Climbing High

Cena de Climbing High

Alastair Sim em Climbing High

As origens de Climbing High / 1938, que Reed realizou para a Gaumont-British, são obscuras, mas alguém deve ter tido a idéia de que Jessie Matthews, uma das estrelas de primeira grandeza do musical na Inglaterra, agradaria ao público mesmo sem as canções e as danças, além de já ser conhecida pelas platéias americanas. Aliás, o que os roteiristas fizeram foi simplesmente copiar o modelo das screwball comedies de Hollywood. Nick Brooke (Michael Redgrave) é um rapaz rico que, para conquistar uma modesta modelo de uma empresa de publicidade, Diana Castle (Jesse Matthews) e escapar de uma noiva (Margaret Vyner) e da mãe dela (Mary Clare), somente interessadas na sua fortuna, finge ser pobre. A partir daí, sucedem-se inúmeras situações cômicas envolvendo um comunista (Alastair Sim), um irmão ciumento e genioso (Torin Thatcher) e um lunático (Francis L. Sullivan), fugitivo de um asilo e metido a entoar árias de óperas, ocorrendo o final da intriga com os personagens principais escalando os Alpes. Entre as cenas mais engraçadas está a de uma máquina descontrolada de fazer vento no estúdio fotográfico, colocando todos os objetos em movimento e derrubando as pessoas inclusive, entre outras coisas, com tortas no rosto, uma sequência-pastelão muito bem encenada por Reed, que soube também manter o espetáculo em um ritmo trepidante. Jessie e ele viveram um romance, que só durou o tempo da filmagem.

O próximo filme de Reed, Garotas Apimentadas / A Girl Must Live / 1939, realizado para a Gainsborough, foi outra tentativa de copiar Hollywood, desta vez o gênero backstage musical, usando como modelo, por exemplo, filmes como Rua 42 / 42nd Street / 1933 ou a série Gold Diggers. Uma jovem de boa família (Margaret Lockwood), foge de um internato para moças na Suiça, porque sua mãe viúva não pode mais pagar a mensalidade. Antes de escapar pela janela do dormitório, uma de suas colegas sugere que ela adote o nome artístico de “Leslie James”, pois sua progenitora com este nome fôra uma estrela famosa do music hall e ele ajudará Margaret a “se fazer” como dançarina. “Leslie” hospeda-se em Londres na pensão de Mrs Wallis (Mary Clare), frequentada na sua maioria por pessoas do meio teatral, entre elas duas coristas “cavadoras de ouro”, Renee Houston (Gloria Lind) e Clytie Devine (Lilli Palmer), que competem entre si na sua busca por maridos milionários ou velhotes ricos – uma briga entre as duas vislumbrada em parte através de uma fechadura foi muito bem encenada, com as meninas convertendo todo objeto concebível em uma arma. Com a ajuda de um chantagista, Hugo Smythe Parkinson (Nauton Wayne), “Leslie”, Gloria e Clytie se alternam, tentando conquistar o Lorde Pangborough (Hugh Sinclair); e é “Leslie” quem acaba nos braços dele.

Margaret Lockwood,  Lili Palmer e Renee Houston em Garotas apimentadas

Cena de Garotas Apimentadas

Cen de Garotas Apimentadas

As coristas e Hugh Sinclair em Garotas Apimentadas

A revista musical na qual as três coristas aparecem, é dirigida por um ensaiador americano muito exigente, Joe Gold (David Burns) parecido com aquele interpretado por Warner Baxter em Rua 42; porém os números de dança são medíocres, principalmente se comparados com os de Busby Berkeley nos filmes do mesmo gênero do cinema americano. Com esta deficiência, um assunto já rançoso em 1939, excesso de diálogos e cenas românticas muito mornas entre o Lorde e “Leslie”, Reed (talvez cansado de dirigir comédias frívolas) não conseguiu impedir que o espetáculo se tornasse cansativo a partir de certo ponto da narrativa.

Seu filme seguinte, Sob a Luz das Estrelas / The Stars Look Down / 1940, produzido por uma companhia modesta, Grafton Films, distribuido na Inglaterra pela efêmera Grand National Studios e baseado em um romance de A. J. Cronin, é um drama sobre mineiros que arriscam sua vida em proveito de interesses particulares.

Michael Redgrave e Margaret Lockwood em Sob a Luz das Estrelas

No centro da ação está a família Fenwick de Sleescale, pequena cidade do Norte da Inglaterra. Robert Fenwick (Edward Rigby) lidera os mineiros da Neptune Colliery (Mina de Carvão Neptune) em uma greve por causa da preocupação com a segurança dos trabalhos sob o mar de Scupper Flats. O Sindicato manifesta-se contra a greve, porém os mineiros persistem e passam fome. A violência irrompe com o saque de comida e Robert Fenwick tentando impedí-los e “Slogger” Gowlan (George Carney) encorajando-os, são presos. A greve fracassa e os mineiros voltam ao trabalho. As reações a esta situação são cristalizadas em dois personagens, cada qual seguindo seu próprio caminho, para escapar da sua condição social. O filho de Robert, David (Michael Redgrave) estuda na universidade em Tynecastle e tenciona usar esta educação para transformar a sociedade através do ativismo politico. Entretanto, o filho de “Slogger”, Joe (Emlyn Williams), amigo de infância de David, inteligente mas inescrupuloso, escolhe um rumo diferente. Ele rouba uma loja durante os distúrbios, instala-se como bookmaker em Tynecastle, e se torna comprador de carvão. A vida dos dois homens se entrelaçam quando David se casa com a namorada rejeitada de Joe, a vulgar e volúvel Jenny Sunley (Margaret Lockwood), que o faz esquecer seus grandes projetos e se conformar em ser apenas um professor em Sleescale. Um dia, Joe retorna, e David percebe que ele quer convencer o dono da mina, Richard Barras (Allan Jeayes), a reativar Scupper Flats, apesar da ameaça de inundação. Ele surpreende Joe com sua esposa e lhe dá uma surra. Quando David solicita aos dirigentes do Sindicato que impeçam a perigosa exploração, eles acham que ele está querendo apenas se vingar de Joe. Mas em breve a mina desaba, invadida pelas águas e, apesar de seus esforços, David não consegue salvar seu pai e seu irmão mais novo, Hughie (Desmond Tester). Como consequência da tragédia, os mineiros pedem a David que os represente no inquérito e há a insinuação de que poderão surgir mudanças.

Michael Redgrave, Margaret Lockwood e Emlyn Williams em Sob a Luz das Estrelas

Reed descreve com realismo quase documental os efeitos devastadores de uma greve de mineiros e as consequências trágicas de um desastre em uma mina, mostrando a ganância dos proprietários, a covardia do Sindicato e o heroismo dos trabalhadores e suas familias. A filmagem começou em Cumberland e depois o diretor levou uma equipe reduzida para Ashby-de-la-Zouch em Leicestershire, para ver realmente como era o subterrâneo de uma mina de carvão, a fim de que depois ela pudesse ser recriada no estúdio de Twickenham, sendo que as cenas na superfície foram rodadas em Shepperton.

Edward Rigby e Michael Redgrave em Sob a Luz das estrelas

Cena de Sob a Luz das Estrelas

A sequência inicial mostrando a saída dos mineiros do seu local de trabalho com os rostos sujos da poeira do carvão; as ruas residenciais com suas casas minúsculas, cinzentas, todas parecidas umas com as outras; o confronto dos operários com o patrão e o representante do Sindicato; a greve, a fome e a pilhagem do açougue; a cena comovente da partida de David para a universidade em Tynecastle sob o olhar empedernido da mãe (que demonstra apenas levemente sua perturbação quando o chama de volta e lhe dá alguma comida que ela havia preparado), são passagens magníficas de autenticidade cinematográfica, somente igualadas pelo longo trecho final da catástrofe no interior da mina, onde os homens buscam frenéticamente a segurança, tentativas desesperadas de resgate são realizadas, e onde a moral daqueles seres condenados à morte vai caindo pouco a pouco até que as águas avassaladoras invadem o local, enquanto do lado de fora desse inferno esposas e crianças ansiosas aguardam silenciosamente por notícias.

A filmagem de Sob a Luz das Estrelas terminou exatamente em 29 de setembro de 1939, dia em que as tropas de Hitler chegaram a Varsóvia e a Inglaterra declarou guerra à Alemanha. Um mês antes, Reed havia sido contratado para dirigir um filme repleto de nazistas e heróis da resistência, intitulado Report on a Fugitive; porém, no momento em que a guerra estourou, todas as filmagens cesssaram, porque os estúdios foram requisitados pelo govêrno para outros usos. O estúdio em Islington, (usado pela companhia produtora 20thCentury-Fox), onde Report on a Fugitive deveria ser rodado, foi simplesmente fechado. Quando a produção de filmes veio a ser retomada, Reed continuou debruçado sobre a realização de Report on a Fugitive (agora nos estúdios de Lime Grove, porque o Islington permanecia interditado), imediatamente reintitulado Gestapo, tornando-se parte integral do esforço de guerra. Por ocasião do lançamento em 1940, o título mudou para Night Train to Munich, mas no Brasil, continuou sendo Gestapo

A história começa quando a Alemanha está invadindo a Checoslováquia. Axel Bomasch (James Harcourt), cientista checo importante, consegue fugir de avião para a Inglaterra, mas sua filha Anna (Margaret Lockwood), que ia se juntar a ele, é capturada a caminho do aeroporto e internada em um campo de concentração. Ela escapa com a ajuda de um oficial nazista, Karl Marsen (Paul von Henreid), que se faz passar por prisioneiro, e a leva para Londres, com a finalidade de trazer Anna e seu pai de volta para o Reich. O agente britânico Gus Bennett (Rex Harrison), especializado em assumir identidades falsas, salta de paraquedas na Alemannha, disfarça-se em oficial nazista do alto escalão e se vincula ao caso Bomasch, fingindo ser amante de Anna, acompanhando o pai e a filha em uma viagem de trem noturno para o quartel general da Gestapo em Munich. Durante o trajeto, dois passageiros ingleses, Charters (Basil Radford) e Caldicott (Nauton Wayne), deduzem que Bennett é um espião e o avisam de que ele está para ser preso. Com a ajuda destes dois aliados, Bennett improvisa um plano desesperado para fazer com que Anna e seu pai cruzem a fronteira com a neutra Suiça.

Margaret Lockwood e Paul von Henreid em Gestapo

O espetáculo lembra muito A Dama Oculta / The Lady Vanishes / 1938 de Alfred Hitchcock, pois ambos têm um tema parecido, idênticos roteiristas (Frank Launder e Sidney Gilliatt), atriz principal (Margaret Lockwood) e dois personagens secundários (os inglêses fleumáticos amantes do críquete, Charters e Caldicott, interpretados pelos mesmos Basil Redford e Nauton Wayne), transcorrem em boa parte em um trem e oferecem os mesmos prazeres: um thriller de espionagem, dosando habilmente ação, humor, suspense e típicas implausibilidades hitchcockianas como, por exemplo, aquele salto de Bennett de um veículo teleférico para outro no clímax alpino.

Rex Harrison e Margaret Lockwood em Gestapo

Rex Harrison, Basil Radford e Nauton Wayne em Gestapo

Rex Harrison em Gestapo

Depois de Gestapo, Reed fez, novamente para a 20thCentury-Fox, um drama criminal, Ré Inocente / The Girl in the News / 1941, sobre uma enfermeira, Anne Graham (Margaret Lockwood), controvertidamente absolvida da acusação de assassinato de uma paciente idosa, que faleceu em circunstâncias suspeitas. Mudando seu nome, ela consegue um emprego para cuidar de Edward Bentley (Wyndham Goldie), um senhor que vive preso a uma cadeira de rodas, sem desconfiar de que sua esposa, Judith (Margaretta Scott ) e o mordomo Tracy (Emlyn Williams) são amantes, e estão tramando culpar Anne, depois que Bentley for encontrado morto, envenenado por eles, fazendo com que o crime pareça uma repetição daquele no qual a enfermeira fôra injustamente acusada. O policial Bill Mather (Roger Livesey), amigo do advogado de Anne, Stephen Farringdon (Barry K. Barnes), prende Anne, mas Stephen, somente agora convencido plenamente da inocência de sua cliente no caso anterior, defende-a no tribunal e desmaracara os verdadeiros culpados. Judith se suicida diante da Côrte, seu cúmplice Tracy é condenado, e tudo indica que já nasceu um romance entre Anne e Stephen

Margaret Lockwood em Ré Inocente

Margaret Lockwood e Barry K. Barnes em Ré Inocente

Reed proporcionou um entretenimento todo certinho sobre acusações falsas com duas sequências de tribunal, na ;ultima das quais a tensão aumenta significativamente, graças à interpretação de Emlyn Williams , quando seu personagem depões diante dos jurados e assiste horrorizado Judith ir ao encontro da morte. Sob o aspecto estilístico, vale notar que o cineasta usou novamente de maneira simbólica a imagem de um gato (tal como fizera em Bank Holiday e repetiria em O Terceiro Homem), quando a paciente inválida se aproxima cambaleante do armário , onde estão as pílulas que causarão sua morte, e o felino a segue,agarrando-se na barra rasgada  de sua camisola.

MIchael Redgrave em Kipps

Reed realizou ainda para a 20thCentury-Fox, Kipps / 1941 adaptação de um livro de H. G. Wells, o sétimo filme do diretor com origem em uma obra literária ou teatral e pode ser visto como um exemplo de sua preferência por histórias que alguém já havia contado em um romance ou uma peça. Apesar do refúgio constante da equipe sob os abrigos para escapar dos bombardeios alemães, a filmagem terminou dentro do prazo previsto. Apenas uma idéia falhou: não foi possível convencer H. G. Wells a aparecer em uma introducão filmada do espetáculo.

O protagonista do filme, Arthur Kipps (Michael Redgrave), é um jovem aprendiz na loja de tecidos de Mr. Shalford (Lloyd Pearson) em Folkestone, Kent. Através de sua iniciativa – frequentando os cursos de Chester Coote (Max Adrian) em um Instituto Cultural – e a ajuda da herança inesperada de um avô que nunca conhecera, ele monta uma loja de tecidos e se vê envolvido com sua ex-professora no curso, uma dama da sociedade, Helen Walsingham (Diana Wyniard). Kipps sofre com as tentativas de Helen para transformá-lo em um homem aceitável em sua classe social e acaba se casando com a namorada de infância, Ann Pornick (Phyllis Calvert), que estava trabalhando como copeira em um salão de festas. Porém o irmão de Helen, Ronnie (Michael Wilding), investiu mal o capital de Kipps, e sua fortuna desaparece. É nessa hora de aflição que Chitterlow (Arthur Riscoe), um autor teatral pitoresco com o qual fizera amizade, chega magicamente à sua casa de noite e lhe entrega metade do numerário obtido com o sucesso estrondoso da peça, que persuadira Kipps a financiar. O dinheiro é o suficiente para que ele abra uma livraria e viva confortavelmente com Ann e o filhinho de ambos.

Diana Wyniard e Michael Redgrave em Kipps

Michael Redgrave em Kipps

Reed esteve sempre à vontade ao tratar de filmes que tivessem alguma relação com temas sociais e Kipps lhe permitiu examinar o sistema de castas na Grã Bretanha na virada do século dezenove para o século vinte, fazendo comentários ligeiros sobre o mesmo. Com esta predisposição, ele recria com abundância e precisão de detalhes a vida da classe trabalhadora ao recapitular a história dos anos de servidão de Kipps como aprendiz em Folkestone, seu legado inesperado, sua iniciação penosa nas “altas rodas” nas mãos da sôfrega Helen Walshingham, sua reunião com Ann, sua bancarrota e sua salvação por meio de outro milagre financeiro, produzindo despretenciosamente uma comédia de costumes inteligente e agradável.

Embora estivessem em uma ligação amorosa, Reed e Diana Wyniard mantiveram este relacionamento na maior discreção. Diana foi a primeira mulher com quem Reed pensou em se casar, desde que ele “levou o fora” de Daphne du Maurier, a autora de “Rebecca” e de outros romances ou contos que viraram filmes; porém o matrimônio não durou muito tempo.

O último filme de Reed para a subsidiária britânica da Twentieth Century-Fox, O Jovem Mr. Pitt / The Young Mr. Pitt / 1941, foi uma cinebiografia sobre a vida de William Pitt, o Jovem e, particularmente, sua luta com a França revolucionária e Napoleão, feito em regime de grande produção, com o objetivo de instigar os americanos a se juntarem à Inglaterra, para defender sua herança comum contra um ditador fascista. Como os preparativos para o filme levariam vinte e três semanas enquanto os cenários de Cecil Beaton estavam sendo construídos em Lime Grove e o vestuário confecionado por Beaton e Elizabeth Haffender, Reed teve tempo para dirigir um short de 17 minutos, A Letter from Home, realizado sob os auspícios do British Ministry of Information, mostrando um dia na vida de uma mulher – interpretada pela atriz de teatro Celia Johnson no seu primeiro papel no cinema – cujas filhas haviam sido enviadas para os Estados Unidos para maior segurança. Durante a filmagem, ele conheceu uma jovem artista, Penelope Dudley Ward, sua futura esposa.

Robert Donat como Pitt

Robert Donat e Phyllis Calvert em O Jovem Mr. Pitt

Cena de O Jovem Mr. Pitt

O Jovem Mr. Pitt é uma alegoria nacionalista na qual a luta da Inglaterra contra os francêses durante as guerras napoleônicas é implícitamente comparada à sua defesa heróica e solitária contra os nazistas antes da entrada da América no Segundo Conflito Mundial. Pitt é apresentado como um modelo de virtude para que sua imagem possa servir à necessidade de mobilizar o sentimento público diante da ameaça hitlerista. Para attender a este objetivo, o diretor buscou um efeito documentário tanto no uso da voz over identificando, comentando ou julgando os acontecimentos como nas cenas de montagem, dramatizando a nova face industrial e financeira da Grã Bretanha, que possibilitou o triunfo da nação na guerra napoleônica.

John Mills e Robert Donat em O Jovem Mr. Pitt

O enredo se concentra primeiramente nos esforços de Pitt para fazer uma reforma doméstica e depois na sua política externa. Seu maior opositor é Charles James Fox (Robert Morley), politico ambicioso pelo poder, que se recusa a ajudar Pitt na sua proposta reformista, e seu melhor amigo, William Wilbeforce (John Mills), cuja lealdade é indiscutível. Os outros antagonistas do Primeiro Ministro, Napoleão (Herbert Lom) e seu diplomata Talleyrand (Albert Lieven com um leve sotaque alemão), assemelham-se nas suas falas à pregação nazista – a certa altura, este último oferece a Inglaterra a oportunidade de compartilhar o domínio mundial com a França.

Enquanto Pitt adverte seus pares da ambição territorial da Franca, Fox minimiza o perigo francês. Com a vitória do Almirante Horatio Nelson (Stephen Haggard), destruindo a frota francêsa no Egito, Pitt conquista a confiança do povo; mas quando os britânicos são derrotados em terra, ele perde sua popularidade. Pitt se retira da vida política e aqueles politicos a favor da paz com a França assumem o poder. Entretanto, ele retorna ao Parlamento, quando fica claro que o país necessita de uma liderança mais militante. Na sua dedicação total ao seu país, Pitt sacrifica sua vida pessoal com Eleanor Eden (Phyllis Calvert), suas finanças pessoais e finalmente sua saúde.

Quando o filme ficou pronto, o ataque japonês a Pearl Harbor deu a Roosevelt o apoio do Congresso que ele necessitava tanto para se unir aos aliados na Segunda Guerra Mundial. O filme foi entendido na época como uma homenagem à força de liderança de Winston Churchill na adversidade. Tão logo o filme acabou de ser montado com a aprovação de Reed, Churchill foi convidado para assistí-lo e, previsivelmente, o aprovou.