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CAROL REED I

Ele foi, juntamente com Alfred Hitchock, David Lean e Michael Powell, um dos mais renomados diretores britânicos do cinema clássico e, tal como seus colegas citados, atingiu fama internacional. Sua imaginação visual muito fértil foi testada em vários gêneros e, como um mestre na arte de contar histórias, expressou-se sempre por meio de uma excelência técnica e uma linguagem eminentemente cinematográfica.

Carol Reed

Carol Reed (1906 -1976) nasceu no distrito de Putney Hill, Londres. Era filho ilegítimo do ator Sir Herbert Beerbohm Tree (1853-1917) e de sua amante Beatrice May Pinney, com a qual manteve uma vida conjugal doméstica convencional, que nunca conseguiu ter com sua legítima esposa, a atriz e sua parceira no palco, Helen Maud Holt (obs. ela pode ser vista na tela como a enfermeira do rei em Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII / 1933, sob o nome artístico de Lady Tree). Além de Carol, Sir Beerbohm teve com Beatrice mais quatro filhos (Claude, Robin, Guy, Peter) e uma filha (Juliet). No início dos anos 1890, Beatrice mudou seu nome para Reed e explicou anos depois: “Because I was but a broken Reed at the foot of the mighty Tree”.

Sir Herbert Beerbohm Tree

Reed estudou na King’s School em Canterbury, um das mais antigos internatos da Inglaterra e decidiu que queria ser ator. Preocupada com sua pretensão artística (Claude, seu filho mais velho, já havia tomado a mesma decisão e acabou sendo vítima de alcoolismo), a mãe mandou-o para os Estados Unidos em 1922, onde seu irmão Guy trabalhava em uma fazenda. Durante algum tempo, Reed tornou-se um cuidador de galinheiros, porém, em menos de um ano, voltou para a Inglaterra, e sua progenitora, desistiu de fazer com que ele não seguisse a profissão que escolhera.

Reed estreou no palco em 1924, aos dezoito anos de idade, na peça “Heraclius” de Lord Howard de Walden. Pouco depois, a companhia de Sybil Throndyke encontrou um lugar para ele na peça “St. Joan” de Bernard Shaw, estrelada pela própria Sybil. Após participar de outros espetáculos, ele foi aceito em uma trupe liderada por Edgar Wallace, o autor de romances de mistério, que estava tentando transferir sua enorme popularidade das livrarias para a ribalta. Reed desempenhou o papel de um detetive na peça de Wallace “The Terror” e depois passou a atuar também nos bastidores como diretor de cena até ser escolhido para supervisionar as adaptações cinematográficas das obras do escritor, realizadas pela British Lion Film Corporation.

Após a morte de Wallace em 1932, Reed transferiu-se para a Associated Talking Pictures (A.T.P.) fundada por Basil Dean, cujo estúdio era em Ealing. Primeiramente, trabalhou como diretor de diálogos em Nine Till Six /1932 e foi logo promovido a assistente de direção, funcionando nessa capacidade em Autumn Crocus; The Constant Nymph; Sing As We Go; Sign of Four; Three Men in a Boat, Loyalties, Love, Life and Laughter, Looking on the Bright Side, Lorna Doone, todos de 1934, salvo o último, que é de 1935.

John Loder em It Happened in Paris

No ano seguinte, ele co-dirigiu com Robert Wyler (irmão de William Wyler) It Happened in Paris, adaptação da peça “L’Arpete” de Yves Mirande feita por John Huston. Nesta comédia romântica, um milionário americano Paul (John Loder) descontente com a vida que leva, vai a Paris para estudar pintura, fingindo ser pobre. Ele conhece uma jovem, Jacqueline (Nancy Burne), que vem a ser sua vizinha, e os dois se apaixonam. A moça é uma desenhista de moda que, a pedido de seu chefe, desfila para uma cliente e chama a atenção de um velho americano rico (Edward H. Robins), que fica entusiasmado por ela. No decorrer dos acontecimentos, Jacqueline descobre que ele é pai do seu namorado, surgindo outras complicações. Tal como os primeiros filmes de Reed, este ficou muito tempo desaparecido, mas hoje podem ser vistos em dvd da The Ealing Studios Rareties Collection. Trata-se de uma comédia bem divertida, agilmente encenada por Reed e Wyler desde a abertura com a anágua passando de mãos em mãos pelas ruas. Sucedem-se outros momentos cômicos irresistíveis (v. g. a “natureza morta” devorada pelos vizinhos esfomeados) e boas surpresas (v. g. quando Jacqueline descobre que o velho americano rico é pai de seu amado; quando Paul vai se casar com outra e verifica que quem está vestida de noiva é Jacqueline).

Cena de Midshipman Easy

No mesmo ano, Dean permitiu que Reed dirigisse sozinho Midshipman Easy, adaptação de uma história muito popular escrita pelo Capitão Frederick Marryat, lida por milhares de adolescentes. O romance trata da iniciação de um agitado e precoce aspirante da Marinha, mostrada em episódios, nos quais se alternam façanhas heróicas e situações cômicas.

Margaret Lockwood e Hughie Green em Midshipman Easy

Em 1850, Master Jack Easy (Hughie Green) embarca no HMS Harpy sob o olhar vigilante do capitão do navio (Roger Livesey), que é amigo de sua família. Sempre falando que “Igualdade e confiança são as bases da cooperação”, ele demonstra sua coragem no confronto com alguns companheiros de má índole, e depois em uma série de aventuras que envolvem: a captura de um navio espanhol carregado de ouro; o salvamento da tripulação durante uma tempestade; um flêrte idílico com Donna Agnes Ribiera (Margaret Lockwood), a filha núbil de uma família espanhola da Sicília; um duelo triplo; e a prisão de Don Silvio (Dennis Wyndham), perigoso bandido italiano. Easy é sempre protegido pelo cozinheiro negro Mesty (Robert Adams) que, no final, é promovido a marinheiro e luta contra Don Silvio, jogando-o do alto de um despenhadeiro. A classe e a bravura deste personagem em um filme britânico de 1935 contrasta com o tratamento estereotipado dos negros nos filmes americanos da época.

Cena de Midshipman Easy

Tecnicamente, o filme revela um jovem realizador dotado de intuição cinematográfica, que soube dar energia e movimentação constante à narrativa. Esta fluência evidencia-se principalmente no confronto entre o grupo de Easy e a horda fora-da-lei de Don Silvio na mansão de Don Ribiera (Arnold Lucy) e no resgate dos prisioneiros do navio que está afundando. Nesta última sequência, Reed cria uma excitação visual e até uma tensão moral e dramática, porque Easy e seus homens estão salvando seus inimigos, os quais poderão se virar contra eles depois.

O crítico de cinema contemporâneo mais eminente, Graham Greene, saudou a chegada do novo cineasta, atribuindo a ele “mais senso de cinema do que a maioria dos diretores britânicos veteranos”.

O segundo filme de Reed para a Associated Talking Pictures, Laburnum Grove / 1936, é uma adaptação da peça de J. B. Priestley sobre um cidadão da classe média alta, decente e respeitado (Edmund Gwenn), que deixa seu cunhado (Cedric Hardwicke) e sua cunhada (Ethel Coleridge), sua filha (Victoria Hopper) e o namorado mau caráter dela (Francis James) estupefactos e apavorados de serem responsabilizados como cúmplices, ao revelar casualmente durante o jantar que não é um fabricante de papel, como eles acreditam, mas sim um falsário, procurado pela Scotland Yard. Na verdade, ele pregou essa mentira para afastar de sua casa os cunhados parasitas e o detestável namorado da filha, mas depois que se livra deles, ficamos sabendo que ele de fato dedica-se à contrafação.

Cena de Laburnum Grove

Reed fez o melhor que pôde para fazer cinema em vez de teatro em conserva embora o filme permaneça centrado, como havia sido no palco, no texto espirituoso de Priestley (lembrando o humor de Bernard Shaw) e nas interpretações divertidas do elenco, onde se destacam Edmund Gwenn inflexivelmente jovial e com um olhar de sabido e Cedrid Hardwicke com seus tiques faciais e a mastigação constante de bananas.

Edmund Gwenn, Victoria Hopper e Carol Reed na filmagem de Laburnum Grove

Victoria Hopper e Edmund Gwenn em Laburnum Grove

Graham Greene manifestou-se mais uma vez sobre um trabalho de Reed, escrevendo: “Aqui finalmente está um filme inglês que se pode louvar sem reserva”. Ele disse que sentiu um prazer particular na habilidade de Reed para avivar a matéria teatral, transmitindo a história e a atmosfera através tanto de detalhes visuais como de palavras, sentimento com o qual compartilhei ao ver este e outros filmes do começo de carreira do diretor graças aos dvds da The Ealing Studios Rarities Collection.

Afastando-se da Associated Talking Pictures, Reed foi contratado pela companhia de Herbert Wilcox, British & Dominions para fazer Talk of the Devil / 1936 (anteriormente intitulado The Man with Your Voice), drama criminal baseado em uma história original do próprio Reed, construída na suposição de que um bom mímico pode personificar uma pessoa totalmente estranha, escutando-a falar por apenas alguns minutos. Stephen Rindlay (Basil Sidney) planeja roubar a firma de construção naval presidida por seu meio-irmão John Findlay (Randle Ayrton), incriminando-o falsamente. Para obter informações, o vilão contrata um mímico talentoso, Ray Allen (Ricardo Cortez), que começa a namorar Ann (Sally Eilers), a filha de Ayrton. Rindlay consegue seu objetivo e, em consequência, Ayrton se suicida, para salvar a companhia. Mais tarde, o vilão tenta matar o mímico, mas felizmente este sobrevive, denuncia o vilão à polícia, que é preso, e Ray prova ser merecedor do amor de Ann.

Por muito tempo o filme foi considerado perdido, mas o BFI National Archive tinha uma cópia e o exibiu em 2006 no centenário de Carol Reed. Em vez de reconstruir seu estúdio em Elstree, que havia se incendiado, a B&D preferiu erguer, em parceria com outras firmas, uma nova instalação em Pinewood, onde Talk of the Devil acabou de ser rodado.

Segundo Raquel Low (Film Making in 1930s Britain, 1985), apesar de ter sido concebido como uma produção modesta, o filme foi um melodrama ágil, tenso e muito bem dirigido por Carol Reed. Como não tive a sorte de estar presente na exibição do BFI, tenho que confiar no comentário da excelente historiadora.

Poster espanhol de Who’s Your Lady Friend

Poster da versão austríaca de Who’s Your Lady Friend?

Depois de Talk to the Devil, Reed dirigiu para a Dorian Films, Who’s Your Lady Friend? / 1937, refilmagem de uma comédia musical austríaca de sucesso, Herr ohne Wohnung (dirigido por E. W. Emo em 1934), no qual um médico especialista em cosméticos (Vic Oliver) que aguarda uma cliente francêsa muito importante, manda seu secretário (Romney Brent) recebê-la na estação ferroviária mas ele a confunde com uma artista de cabaré (Frances Day). Quando sua namorada (Margaret Lockwood) o vê com esta mulher, ela imediatamente suspeita de que ele a está traindo e quando a esposa do médico (Betty Stockfield) vê seu marido com ela, suspeita da mesma coisa, resultando as complicações de praxe.

Não encontrei cópia nem na magnífica BFI Mediatheque – South Bank. Vi apenas a versão austríaca, que não é má, porém, levando em conta as boas comédias que Reed fez nesta fase de sua carreira, suspeito que seu filme seja melhor, embora a filmagem tivesse sido abalada por vários acidentes: o chefe eletricista sofreu uma queda, ficando seriamente ferido; o diretor de fotografia Jan Stallich foi parar no hospital com uma crise de apendicite aguda; Margaret Lockwood teve problemas domésticos e isso afetou sua interpretação.

Ainda em 1937, Reed começou a filmar para a Gainsborough, Bank Holiday, grande sucesso popular que ajudou a firmar sua reputação como diretor. Passado durante um feriado bancário, o enredo acompanha um grupo de personagens de diferentes classes sociais, que embarca em um trem de Londres para o litoral fictício de Besborough. Entre eles estão uma balconista de loja candidata a um concurso de beleza, Doreen (Renee Ray) e sua melhor amiga Milly (Merle Tottenham); a candidata favorita da competição, “Miss Mayfair” (Jeanne Stuart); e uma família cockney chefiada por Arthur (Wally Patch) e May (Kathleen Harrison); porém a trama central gira em torno de uma relação triangular entre o récem enviuvado Stephen (John Lodge), a enfermeira Catherine (Margaret Lockwood) e seu namorado Geoffrey (Hugh Williams). Catherine estava de serviço na maternidade e presenciou a morte de uma jovem durante o parto. Seu marido, Stephen, profundamente afetado pelo trágico acontecimento, retorna para casa, apesar de Catherine ter desejado acompanhá-lo. Geoffrey aguarda-a ansioso para eles tomarem o trem para Besborough, onde ele planeja se hospedar com ela em um hotel luxuoso. Quando Catherine e Geoffrey chegam ao seu destino, não conseguem vaga em nenhum hotel e acabam passando a noite (junto com muitos outros) na praia. Durante sua estadia em Besborough, Catherine não consegue tirar a imagem de Stephen de sua cabeça e, subitamente, tem uma premonição de que ele está em perigo. Preocupada, deixa Geoffrey, reconhecendo que não o ama, e volta para Londres. Seu pressentimento estava certo e ela chega com a polícia a tempo de salvar Stephen de uma tentativa de suicídio.

John Lodge e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Cena de Bank Holiday

Hugh Williams e Margaret Lockwood em Bank Holiday

Trata-se ao mesmo tempo de um filme de observação realista (através de vinhetas alegres dos diferentes frequentadores do balneário) e de um melodrama (marcado pela situação lúgubre que liga os personagens da enfermeira e do viúvo). A ação é um pouco mais do que uma sucessão de episódios e incidentes desconexos, mas Reed liga os fios com habilidade e consegue traduzir sua larga compreensão da condicão humana na tela de uma forma simpática. O domínio contínuo de Reed da linguagem fílmica é demonstrado por exemplo nas tomadas de abertura resumindo o aspecto de formigueiro humano do mundo trabalhador de Londres e depois na tempestade no balneário. O cineasta teve também algumas idéias criativas que ampliaria ou refinaria em filmes futuros como aquele gato preto na janela do apartamento de Stephen, quando ele vagueia pelos cômodos, lembrando-se de sua falecida esposa. O gato reapareceria em The Girl in the News / 1941 e em O Terceiro Homem / The Third Man / 1949.

Mais ou menos na mesma época Reed escreveu uma história sobre um vagabundo que, por engano, é contratado como chofer para a fuga de ladrões de jóias, mas depois realiza finalmente seu sonho de ser atendente em um estacionamento. Seu argumento foi aproveitado no filme No Parking, dirigido por Jack Raymond, com Gordon Hacker no papel do vagabundo.

Retornando à A.T.P., Reed dirigiu Penny Paradise / 1938, comédia cuja ação transcorrre em Liverpool, onde o capitão de um rebocador, Joe Higgins (Edmund Gwenn), acreditando ter ganho uma fortuna na loteria esportiva, pede demissão do seu cargo e dá uma festa em uma taverna local, onde sua família e seus amigos – alguns dos quais estão de ôlho no seu dinheiro – se reunem para celebrar a sua boa sorte. Higgins corteja a viúva Clegg (Maire O’Neill) enquanto sua filha Betty (Betty Driver) é assediada por Bert (Jack Livesey), um oportunista, que fareja dinheiro. A festa é interrompida com a chegada de Pat (Jimmy O’Dea), o primeiro imediato irlandês de Higgins no rebocador (e pretendente de Betty), que é obrigado a admitir que esqueceu de postar o bilhete vencedor. Agora parece que não há mais motivo para a comemoração, mas Higgins fica em paz, quando seu ex-patrão lhe oferece o comando do melhor rebocador do Rio Mersey, posição que ele tanto almejara.

Edmund Gwenn em Penny Paradise

Os incidentes da trama são entremeados por vários números musicais interpretados por Betty Driver (uma Gracie Fields menor) e um, para efeito cômico, por Jimmy O’Dea. O humor é em geral complacente, mas sem se tornar grosseiro, com exceção de alguns momentos de puro pastelão. Exemplo de uma sequência cômica eficiente: logo no início, Pat tem que guiar o rebocador na direção de um navio mas é distraído por duas lindas jovens – para as quais acena – e o rebocador bate na embarcação maior. A solidariedade entre Pat e Higgins é mostrada através deste incidente, pois Higgins defende a negligência de Pat. Estamos diante de uma produção modesta, porém Reed, como sempre, consegue criar uma atmosfera realista, dar credibilidade aos personagens e vida ao espetáculo.

Jessie Mathews e Michael Redgrave em Climbing High

Cena de Climbing High

Alastair Sim em Climbing High

As origens de Climbing High / 1938, que Reed realizou para a Gaumont-British, são obscuras, mas alguém deve ter tido a idéia de que Jessie Matthews, uma das estrelas de primeira grandeza do musical na Inglaterra, agradaria ao público mesmo sem as canções e as danças, além de já ser conhecida pelas platéias americanas. Aliás, o que os roteiristas fizeram foi simplesmente copiar o modelo das screwball comedies de Hollywood. Nick Brooke (Michael Redgrave) é um rapaz rico que, para conquistar uma modesta modelo de uma empresa de publicidade, Diana Castle (Jesse Matthews) e escapar de uma noiva (Margaret Vyner) e da mãe dela (Mary Clare), somente interessadas na sua fortuna, finge ser pobre. A partir daí, sucedem-se inúmeras situações cômicas envolvendo um comunista (Alastair Sim), um irmão ciumento e genioso (Torin Thatcher) e um lunático (Francis L. Sullivan), fugitivo de um asilo e metido a entoar árias de óperas, ocorrendo o final da intriga com os personagens principais escalando os Alpes. Entre as cenas mais engraçadas está a de uma máquina descontrolada de fazer vento no estúdio fotográfico, colocando todos os objetos em movimento e derrubando as pessoas inclusive, entre outras coisas, com tortas no rosto, uma sequência-pastelão muito bem encenada por Reed, que soube também manter o espetáculo em um ritmo trepidante. Jessie e ele viveram um romance, que só durou o tempo da filmagem.

O próximo filme de Reed, Garotas Apimentadas / A Girl Must Live / 1939, realizado para a Gainsborough, foi outra tentativa de copiar Hollywood, desta vez o gênero backstage musical, usando como modelo, por exemplo, filmes como Rua 42 / 42nd Street / 1933 ou a série Gold Diggers. Uma jovem de boa família (Margaret Lockwood), foge de um internato para moças na Suiça, porque sua mãe viúva não pode mais pagar a mensalidade. Antes de escapar pela janela do dormitório, uma de suas colegas sugere que ela adote o nome artístico de “Leslie James”, pois sua progenitora com este nome fôra uma estrela famosa do music hall e ele ajudará Margaret a “se fazer” como dançarina. “Leslie” hospeda-se em Londres na pensão de Mrs Wallis (Mary Clare), frequentada na sua maioria por pessoas do meio teatral, entre elas duas coristas “cavadoras de ouro”, Renee Houston (Gloria Lind) e Clytie Devine (Lilli Palmer), que competem entre si na sua busca por maridos milionários ou velhotes ricos – uma briga entre as duas vislumbrada em parte através de uma fechadura foi muito bem encenada, com as meninas convertendo todo objeto concebível em uma arma. Com a ajuda de um chantagista, Hugo Smythe Parkinson (Nauton Wayne), “Leslie”, Gloria e Clytie se alternam, tentando conquistar o Lorde Pangborough (Hugh Sinclair); e é “Leslie” quem acaba nos braços dele.

Margaret Lockwood,  Lili Palmer e Renee Houston em Garotas apimentadas

Cena de Garotas Apimentadas

Cen de Garotas Apimentadas

As coristas e Hugh Sinclair em Garotas Apimentadas

A revista musical na qual as três coristas aparecem, é dirigida por um ensaiador americano muito exigente, Joe Gold (David Burns) parecido com aquele interpretado por Warner Baxter em Rua 42; porém os números de dança são medíocres, principalmente se comparados com os de Busby Berkeley nos filmes do mesmo gênero do cinema americano. Com esta deficiência, um assunto já rançoso em 1939, excesso de diálogos e cenas românticas muito mornas entre o Lorde e “Leslie”, Reed (talvez cansado de dirigir comédias frívolas) não conseguiu impedir que o espetáculo se tornasse cansativo a partir de certo ponto da narrativa.

Seu filme seguinte, Sob a Luz das Estrelas / The Stars Look Down / 1940, produzido por uma companhia modesta, Grafton Films, distribuido na Inglaterra pela efêmera Grand National Studios e baseado em um romance de A. J. Cronin, é um drama sobre mineiros que arriscam sua vida em proveito de interesses particulares.

Michael Redgrave e Margaret Lockwood em Sob a Luz das Estrelas

No centro da ação está a família Fenwick de Sleescale, pequena cidade do Norte da Inglaterra. Robert Fenwick (Edward Rigby) lidera os mineiros da Neptune Colliery (Mina de Carvão Neptune) em uma greve por causa da preocupação com a segurança dos trabalhos sob o mar de Scupper Flats. O Sindicato manifesta-se contra a greve, porém os mineiros persistem e passam fome. A violência irrompe com o saque de comida e Robert Fenwick tentando impedí-los e “Slogger” Gowlan (George Carney) encorajando-os, são presos. A greve fracassa e os mineiros voltam ao trabalho. As reações a esta situação são cristalizadas em dois personagens, cada qual seguindo seu próprio caminho, para escapar da sua condição social. O filho de Robert, David (Michael Redgrave) estuda na universidade em Tynecastle e tenciona usar esta educação para transformar a sociedade através do ativismo politico. Entretanto, o filho de “Slogger”, Joe (Emlyn Williams), amigo de infância de David, inteligente mas inescrupuloso, escolhe um rumo diferente. Ele rouba uma loja durante os distúrbios, instala-se como bookmaker em Tynecastle, e se torna comprador de carvão. A vida dos dois homens se entrelaçam quando David se casa com a namorada rejeitada de Joe, a vulgar e volúvel Jenny Sunley (Margaret Lockwood), que o faz esquecer seus grandes projetos e se conformar em ser apenas um professor em Sleescale. Um dia, Joe retorna, e David percebe que ele quer convencer o dono da mina, Richard Barras (Allan Jeayes), a reativar Scupper Flats, apesar da ameaça de inundação. Ele surpreende Joe com sua esposa e lhe dá uma surra. Quando David solicita aos dirigentes do Sindicato que impeçam a perigosa exploração, eles acham que ele está querendo apenas se vingar de Joe. Mas em breve a mina desaba, invadida pelas águas e, apesar de seus esforços, David não consegue salvar seu pai e seu irmão mais novo, Hughie (Desmond Tester). Como consequência da tragédia, os mineiros pedem a David que os represente no inquérito e há a insinuação de que poderão surgir mudanças.

Michael Redgrave, Margaret Lockwood e Emlyn Williams em Sob a Luz das Estrelas

Reed descreve com realismo quase documental os efeitos devastadores de uma greve de mineiros e as consequências trágicas de um desastre em uma mina, mostrando a ganância dos proprietários, a covardia do Sindicato e o heroismo dos trabalhadores e suas familias. A filmagem começou em Cumberland e depois o diretor levou uma equipe reduzida para Ashby-de-la-Zouch em Leicestershire, para ver realmente como era o subterrâneo de uma mina de carvão, a fim de que depois ela pudesse ser recriada no estúdio de Twickenham, sendo que as cenas na superfície foram rodadas em Shepperton.

Edward Rigby e Michael Redgrave em Sob a Luz das estrelas

Cena de Sob a Luz das Estrelas

A sequência inicial mostrando a saída dos mineiros do seu local de trabalho com os rostos sujos da poeira do carvão; as ruas residenciais com suas casas minúsculas, cinzentas, todas parecidas umas com as outras; o confronto dos operários com o patrão e o representante do Sindicato; a greve, a fome e a pilhagem do açougue; a cena comovente da partida de David para a universidade em Tynecastle sob o olhar empedernido da mãe (que demonstra apenas levemente sua perturbação quando o chama de volta e lhe dá alguma comida que ela havia preparado), são passagens magníficas de autenticidade cinematográfica, somente igualadas pelo longo trecho final da catástrofe no interior da mina, onde os homens buscam frenéticamente a segurança, tentativas desesperadas de resgate são realizadas, e onde a moral daqueles seres condenados à morte vai caindo pouco a pouco até que as águas avassaladoras invadem o local, enquanto do lado de fora desse inferno esposas e crianças ansiosas aguardam silenciosamente por notícias.

A filmagem de Sob a Luz das Estrelas terminou exatamente em 29 de setembro de 1939, dia em que as tropas de Hitler chegaram a Varsóvia e a Inglaterra declarou guerra à Alemanha. Um mês antes, Reed havia sido contratado para dirigir um filme repleto de nazistas e heróis da resistência, intitulado Report on a Fugitive; porém, no momento em que a guerra estourou, todas as filmagens cesssaram, porque os estúdios foram requisitados pelo govêrno para outros usos. O estúdio em Islington, (usado pela companhia produtora 20thCentury-Fox), onde Report on a Fugitive deveria ser rodado, foi simplesmente fechado. Quando a produção de filmes veio a ser retomada, Reed continuou debruçado sobre a realização de Report on a Fugitive (agora nos estúdios de Lime Grove, porque o Islington permanecia interditado), imediatamente reintitulado Gestapo, tornando-se parte integral do esforço de guerra. Por ocasião do lançamento em 1940, o título mudou para Night Train to Munich, mas no Brasil, continuou sendo Gestapo

A história começa quando a Alemanha está invadindo a Checoslováquia. Axel Bomasch (James Harcourt), cientista checo importante, consegue fugir de avião para a Inglaterra, mas sua filha Anna (Margaret Lockwood), que ia se juntar a ele, é capturada a caminho do aeroporto e internada em um campo de concentração. Ela escapa com a ajuda de um oficial nazista, Karl Marsen (Paul von Henreid), que se faz passar por prisioneiro, e a leva para Londres, com a finalidade de trazer Anna e seu pai de volta para o Reich. O agente britânico Gus Bennett (Rex Harrison), especializado em assumir identidades falsas, salta de paraquedas na Alemannha, disfarça-se em oficial nazista do alto escalão e se vincula ao caso Bomasch, fingindo ser amante de Anna, acompanhando o pai e a filha em uma viagem de trem noturno para o quartel general da Gestapo em Munich. Durante o trajeto, dois passageiros ingleses, Charters (Basil Radford) e Caldicott (Nauton Wayne), deduzem que Bennett é um espião e o avisam de que ele está para ser preso. Com a ajuda destes dois aliados, Bennett improvisa um plano desesperado para fazer com que Anna e seu pai cruzem a fronteira com a neutra Suiça.

Margaret Lockwood e Paul von Henreid em Gestapo

O espetáculo lembra muito A Dama Oculta / The Lady Vanishes / 1938 de Alfred Hitchcock, pois ambos têm um tema parecido, idênticos roteiristas (Frank Launder e Sidney Gilliatt), atriz principal (Margaret Lockwood) e dois personagens secundários (os inglêses fleumáticos amantes do críquete, Charters e Caldicott, interpretados pelos mesmos Basil Redford e Nauton Wayne), transcorrem em boa parte em um trem e oferecem os mesmos prazeres: um thriller de espionagem, dosando habilmente ação, humor, suspense e típicas implausibilidades hitchcockianas como, por exemplo, aquele salto de Bennett de um veículo teleférico para outro no clímax alpino.

Rex Harrison e Margaret Lockwood em Gestapo

Rex Harrison, Basil Radford e Nauton Wayne em Gestapo

Rex Harrison em Gestapo

Depois de Gestapo, Reed fez, novamente para a 20thCentury-Fox, um drama criminal, Ré Inocente / The Girl in the News / 1941, sobre uma enfermeira, Anne Graham (Margaret Lockwood), controvertidamente absolvida da acusação de assassinato de uma paciente idosa, que faleceu em circunstâncias suspeitas. Mudando seu nome, ela consegue um emprego para cuidar de Edward Bentley (Wyndham Goldie), um senhor que vive preso a uma cadeira de rodas, sem desconfiar de que sua esposa, Judith (Margaretta Scott ) e o mordomo Tracy (Emlyn Williams) são amantes, e estão tramando culpar Anne, depois que Bentley for encontrado morto, envenenado por eles, fazendo com que o crime pareça uma repetição daquele no qual a enfermeira fôra injustamente acusada. O policial Bill Mather (Roger Livesey), amigo do advogado de Anne, Stephen Farringdon (Barry K. Barnes), prende Anne, mas Stephen, somente agora convencido plenamente da inocência de sua cliente no caso anterior, defende-a no tribunal e desmaracara os verdadeiros culpados. Judith se suicida diante da Côrte, seu cúmplice Tracy é condenado, e tudo indica que já nasceu um romance entre Anne e Stephen

Margaret Lockwood em Ré Inocente

Margaret Lockwood e Barry K. Barnes em Ré Inocente

Reed proporcionou um entretenimento todo certinho sobre acusações falsas com duas sequências de tribunal, na ;ultima das quais a tensão aumenta significativamente, graças à interpretação de Emlyn Williams , quando seu personagem depões diante dos jurados e assiste horrorizado Judith ir ao encontro da morte. Sob o aspecto estilístico, vale notar que o cineasta usou novamente de maneira simbólica a imagem de um gato (tal como fizera em Bank Holiday e repetiria em O Terceiro Homem), quando a paciente inválida se aproxima cambaleante do armário , onde estão as pílulas que causarão sua morte, e o felino a segue,agarrando-se na barra rasgada  de sua camisola.

MIchael Redgrave em Kipps

Reed realizou ainda para a 20thCentury-Fox, Kipps / 1941 adaptação de um livro de H. G. Wells, o sétimo filme do diretor com origem em uma obra literária ou teatral e pode ser visto como um exemplo de sua preferência por histórias que alguém já havia contado em um romance ou uma peça. Apesar do refúgio constante da equipe sob os abrigos para escapar dos bombardeios alemães, a filmagem terminou dentro do prazo previsto. Apenas uma idéia falhou: não foi possível convencer H. G. Wells a aparecer em uma introducão filmada do espetáculo.

O protagonista do filme, Arthur Kipps (Michael Redgrave), é um jovem aprendiz na loja de tecidos de Mr. Shalford (Lloyd Pearson) em Folkestone, Kent. Através de sua iniciativa – frequentando os cursos de Chester Coote (Max Adrian) em um Instituto Cultural – e a ajuda da herança inesperada de um avô que nunca conhecera, ele monta uma loja de tecidos e se vê envolvido com sua ex-professora no curso, uma dama da sociedade, Helen Walsingham (Diana Wyniard). Kipps sofre com as tentativas de Helen para transformá-lo em um homem aceitável em sua classe social e acaba se casando com a namorada de infância, Ann Pornick (Phyllis Calvert), que estava trabalhando como copeira em um salão de festas. Porém o irmão de Helen, Ronnie (Michael Wilding), investiu mal o capital de Kipps, e sua fortuna desaparece. É nessa hora de aflição que Chitterlow (Arthur Riscoe), um autor teatral pitoresco com o qual fizera amizade, chega magicamente à sua casa de noite e lhe entrega metade do numerário obtido com o sucesso estrondoso da peça, que persuadira Kipps a financiar. O dinheiro é o suficiente para que ele abra uma livraria e viva confortavelmente com Ann e o filhinho de ambos.

Diana Wyniard e Michael Redgrave em Kipps

Michael Redgrave em Kipps

Reed esteve sempre à vontade ao tratar de filmes que tivessem alguma relação com temas sociais e Kipps lhe permitiu examinar o sistema de castas na Grã Bretanha na virada do século dezenove para o século vinte, fazendo comentários ligeiros sobre o mesmo. Com esta predisposição, ele recria com abundância e precisão de detalhes a vida da classe trabalhadora ao recapitular a história dos anos de servidão de Kipps como aprendiz em Folkestone, seu legado inesperado, sua iniciação penosa nas “altas rodas” nas mãos da sôfrega Helen Walshingham, sua reunião com Ann, sua bancarrota e sua salvação por meio de outro milagre financeiro, produzindo despretenciosamente uma comédia de costumes inteligente e agradável.

Embora estivessem em uma ligação amorosa, Reed e Diana Wyniard mantiveram este relacionamento na maior discreção. Diana foi a primeira mulher com quem Reed pensou em se casar, desde que ele “levou o fora” de Daphne du Maurier, a autora de “Rebecca” e de outros romances ou contos que viraram filmes; porém o matrimônio não durou muito tempo.

O último filme de Reed para a subsidiária britânica da Twentieth Century-Fox, O Jovem Mr. Pitt / The Young Mr. Pitt / 1941, foi uma cinebiografia sobre a vida de William Pitt, o Jovem e, particularmente, sua luta com a França revolucionária e Napoleão, feito em regime de grande produção, com o objetivo de instigar os americanos a se juntarem à Inglaterra, para defender sua herança comum contra um ditador fascista. Como os preparativos para o filme levariam vinte e três semanas enquanto os cenários de Cecil Beaton estavam sendo construídos em Lime Grove e o vestuário confecionado por Beaton e Elizabeth Haffender, Reed teve tempo para dirigir um short de 17 minutos, A Letter from Home, realizado sob os auspícios do British Ministry of Information, mostrando um dia na vida de uma mulher – interpretada pela atriz de teatro Celia Johnson no seu primeiro papel no cinema – cujas filhas haviam sido enviadas para os Estados Unidos para maior segurança. Durante a filmagem, ele conheceu uma jovem artista, Penelope Dudley Ward, sua futura esposa.

Robert Donat como Pitt

Robert Donat e Phyllis Calvert em O Jovem Mr. Pitt

Cena de O Jovem Mr. Pitt

O Jovem Mr. Pitt é uma alegoria nacionalista na qual a luta da Inglaterra contra os francêses durante as guerras napoleônicas é implícitamente comparada à sua defesa heróica e solitária contra os nazistas antes da entrada da América no Segundo Conflito Mundial. Pitt é apresentado como um modelo de virtude para que sua imagem possa servir à necessidade de mobilizar o sentimento público diante da ameaça hitlerista. Para attender a este objetivo, o diretor buscou um efeito documentário tanto no uso da voz over identificando, comentando ou julgando os acontecimentos como nas cenas de montagem, dramatizando a nova face industrial e financeira da Grã Bretanha, que possibilitou o triunfo da nação na guerra napoleônica.

John Mills e Robert Donat em O Jovem Mr. Pitt

O enredo se concentra primeiramente nos esforços de Pitt para fazer uma reforma doméstica e depois na sua política externa. Seu maior opositor é Charles James Fox (Robert Morley), politico ambicioso pelo poder, que se recusa a ajudar Pitt na sua proposta reformista, e seu melhor amigo, William Wilbeforce (John Mills), cuja lealdade é indiscutível. Os outros antagonistas do Primeiro Ministro, Napoleão (Herbert Lom) e seu diplomata Talleyrand (Albert Lieven com um leve sotaque alemão), assemelham-se nas suas falas à pregação nazista – a certa altura, este último oferece a Inglaterra a oportunidade de compartilhar o domínio mundial com a França.

Enquanto Pitt adverte seus pares da ambição territorial da Franca, Fox minimiza o perigo francês. Com a vitória do Almirante Horatio Nelson (Stephen Haggard), destruindo a frota francêsa no Egito, Pitt conquista a confiança do povo; mas quando os britânicos são derrotados em terra, ele perde sua popularidade. Pitt se retira da vida política e aqueles politicos a favor da paz com a França assumem o poder. Entretanto, ele retorna ao Parlamento, quando fica claro que o país necessita de uma liderança mais militante. Na sua dedicação total ao seu país, Pitt sacrifica sua vida pessoal com Eleanor Eden (Phyllis Calvert), suas finanças pessoais e finalmente sua saúde.

Quando o filme ficou pronto, o ataque japonês a Pearl Harbor deu a Roosevelt o apoio do Congresso que ele necessitava tanto para se unir aos aliados na Segunda Guerra Mundial. O filme foi entendido na época como uma homenagem à força de liderança de Winston Churchill na adversidade. Tão logo o filme acabou de ser montado com a aprovação de Reed, Churchill foi convidado para assistí-lo e, previsivelmente, o aprovou.

FILMES PERDIDOS DO CINEMA MUDO AMERICANO

A era do cinema mudo americano durou mais ou menos de 1912 a 1929. Durante esse tempo, os realizadores de filmes criaram a linguagem cinematográfica, os filmes que eles fizeram atingiram o auge da perfeição artística e, com seus astros e estrelas e altos valores de produção, espalharam a cultura americana através do mundo. Com o advento do som, os filmes silenciosos sumiram de vista, e muitos desapareceram para sempre.

Houve diversas causas para este desaparecimento:

  1. Era caro armazenar os filmes (se os estúdios quizessem fazer isto de maneira apropriada) e como muitos não tinham mais valor comercial, eles simplesmente os jogavam fora. Quando o longa-metragem se consolidou como formato preferido pelo público, não havia sentido para os produtores manter em estoque os velhos filmes de um ou dois rolos, pois não havia mais mercado para eles. E com o advento do som a partir de 1927, os filmes mudos tornaram-se um estorvo, ocupando espaço sem gerar nenhum lucro.
  2. Os filmes costumavam ser destruídos em incêndios, porque eram feitos de nitrocelulose, que tinha a mesma estrutura química do algodão-pólvora, usado em explosivos. Em consequência, o filme de nitrato era extremamente inflamável e tinha a tendência de sofrer combustão espontânea; uma vez inflamado, criava seu próprio oxigênio enquanto queimava, desprendendo fumaça tóxica. Apesar de regulamentações como o Cinematograph Act de 1909 que estipulava que um projetor devia ser conservado em uma cabine à prova-de-fogo, durante as primeiras seis décadas de vida do cinema, durante cada segundo de quase toda exibição de filme no mundo, uma substância altamente combustível estava passando a milímetros de distância de uma fonte de luz excepcionalmente quente, situada logo atrás de uma sala escura cheia de gente.
  3. Os filmes eram reciclados para o reaproveitamento de sua matéria-prima, dissolvendo-se as películas para a reobtenção da prata ou fornecimento de celulose para a fabricação de vassouras.
  4. Os filmes apodreciam. Mesmo se escapava de pegar fogo, ele ainda se decompunha até literalmente ser reduzido a pó. Muitos tesouros tiveram este triste destino. Por exemplo, a atriz Colleen Moore havia depositado seus filmes silenciosos no Museu de Arte Moderna de Nova York, e eles, sem o necessário cuidado na sua conservação, eventualmente se deterioraram.

Em 2013, em um estudo pioneiro “The Survival of American Silent Feature Films: 1912-1929”, comissionado pela National Film Preservation Board da Biblioteca do Congresso, o historiador e arquivista David Pierce (que entre outros méritos teve o de ser o fundador da Media History Digital Library, projeto que digitalizou e permitiu o acesso grátis a dezenas de revistas de cinema americanas) elaborou um relatório e formou um banco de dados, contendo informações valiosas sobre quase 11 mil títulos de filmes de longa-metragem americanos lançados entre 1912-1929.

Arquivo de Filmes da Biblioteca do Congresso

Não existe um único número para filmes mudos americanos existentes, porque as cópias sobreviventes variam de formato e de inteireza. A pesquisa mostrou que: 1) apenas quatorze por cento (1.575 títulos) dos filmes de longa metragem produzidos e distribuidos no âmbito doméstico de 1912 a 1929, ainda existem no seu formato original de 35 mm. 2) onze por cento (1.174 títulos) dos filmes que estão completos somente existem como versões estrangeiras ou em formatos de baixa-qualidade como 28 mm ou 16mm. 3) cinco por cento (562 títulos) estão incompletos, faltando alguma parte do filme ou existindo apenas como uma versão condensada. 4) dos 3.311 filmes que sobreviveram em qualquer formato, 886 foram encontrados no exterior (destes, vinte e três por cento (210 títulos) já foram repatriados para os Estados Unidos). Os remanescentes 70 por cento são considerados perdidos.

Havia uma área onde os estúdios de Hollywood frequentemente perdiam o contrôle do seu produto: a distribuição internacional. Os filmes americanos rapidamente se tornaram as atrações mais populares nos cinemas do mundo inteiro e os estúdios enviavam seus títulos para todo o mercado estrangeiro que ansiava por eles. O problema era trazer as cópias de volta, considerando que o transporte transoceânico era feito por navio e que a comunicação telefônica entre continentes era rara, dificultando o contato com os representantes estrangeiros que cuidavam do lançamento dos filmes de Holywood. Por causa disso, muitas cópias de filmes americanos permaneceram no exterior.

Entre os filmes mais importantes que sobreviveram fora do país após terem desaparecido no âmbito doméstico e muitos anos depois foram recuperados, estavam: Ridi, Pagliacci ! / Laugh, Clown, Laugh / 1928 de Herbert Brenon – encontrado no Reino Unido; A Torrente da Fama / Upstream / 1927 de John Ford – encontrado na Nova Zelândia; O Monstro do Circo / The Unknown / 1927 de Tod Browning – encontrado na França; Rosita / Rosita / 1923 de Ernst Lubitsch – encontrado na Russia; Oliver Twist / Oliver Twist / 1922 de Frank Lloyd – encontrado na Sérvia; Esposa Mártir / Beyond the Rocks / 1923 de Sam Wood – encontrado na Holanda.

A maior coleção de filmes americanos exportados veio do Národní Filmovy Archiv da República Theca, fundado em 1943. A sua primeira grande aquisição foi no final dos anos quarenta, uma coleção de cerca de 400 filmes mudos de curta e longa-metragem do Sr. Bouda, gerente de um cinema itinerante. Em 1966, o Národní Archiv respondeu um telefonema do Sr. Pisvejc, outro exibidor ambulante, que havia armazenado seus filmes em uma fazenda de criação de galinhas, entre eles 80 longas-metragens dos anos vinte, a maioria westerns estrelados por Tom Mix, Buck Jones, etc.

Nos Estados Unidos, a maioria dos filmes sobreviventes estão na posse de cinco grandes arquivos: The Packard Campus for Audio Visual Conservation, que faz parte da Biblioteca do Congresso; Museum of Modern Art; George Eastman House; UCLA Film & Television Archive; The Academy Film Archive, setor da Academy of Motion Picture Arts and Sciences.

Uma arquivista mostra uma pequena porção do UCLA Film and Television Archive

UCLA Film and Television Archive

Alguns estúdios perceberam que seus filmes silenciosos tinham valor e tentaram preservá-los. A MGM possui mais dos seus filmes de longa-metragem mudos do que qualquer outro grande estúdio de Hollywood, porque nos anos sessenta decidiu preservar tudo o que ainda estava disponível.

Realizadores e artistas como, por exemplo, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin, William S. Hart, D. W. Griffith, Mary Pickford, Cecil B. DeMille e Harold Lloyd preservaram seus filmes por conta própria (embora Lloyd tivesse perdido boa parte de sua obra em um incêndio no seu acervo no início dos anos quarenta).

John Hampton na sua cabine de projeção

A coleção de filmes em 16mm mais importante fora de um arquivo ou de um estúdio foi formada por John Hampton que, com sua esposa Dorothy, administraram o Silent Movie Theater de Los Angeles de 1942 a 1979. Ela faz parte agora da Stanford Theatre Collection no UCLA Film & Television Archive. Outra grande coleção é a de David Bradley – um fã que se tornou diretor de cinema -, hoje guardada na Lilly Library da Indiana University.

Por fim, convém lembrar La Giornata del Cinema Muto, um festival de cinema silencioso que, a partir de 1982, acontece todo ano no mês de outubro na cidade italiana de Pordenone, quando são exibidos pela primeira vez novos descobrimentos de cópias dadas como perdidas e que foram restauradas, provenientes de filmotecas inernacionais e colecionadores particulares.

 Selecionei os dez filmes perdidos que mais gostaria de ter visto:

1. ALTA TRAIÇÃO / THE PATRIOT/ 1928. Dir: Ernst Lubitsch.

Florence Vidor e Emil Jannings em Alta Traição

Emil Jannings e Ernst Lubitsch na filmagem de Alta Traição

Na Russia do século XVIII, o Czar Paulo (Emil Jannings) está cercado de intrigas homicidas e só confia no Conde Pahlen (Lewis Stone). Pahlen quer proteger seu amigo, o rei louco, mas por causa do horror dos atos praticados pelo monarca, ele sente que deve removê-lo do trono. Stefan (Harry Cording), açoitado pelo czar por não ter o número correto de botões nas suas polainas, junta-se ao conde na conspiracão. O príncipe coroado Alexandre (Neil Hamilton) fica aterrorizado ao saber dos planos deles e adverte o pai que, não sentindo amor pelo filho, manda prendê-lo por suas acusações tolas. Pahlen usa sua amante, a Condessa Ostermann (Florence Vidor), para atrair o czar ao seu quarto, onde ela lhe fala sobre a trama. O czar exige a presença de Pahlen, que o assegura de sua lealdade. Mais tarde naquela noite, o conde e Stefan entram no quarto do czar e logo ele está morto. Porém momentos depois Stefan aponta uma pistola para Pahlen. Enquanto o conde está morrendo caído no chão, a condessa aparece, abraça Pahlen, e ele diz: “Eu fui um mau amigo e amante – mas eu fui um Patriota”.

Obs. Sobrevivem oito minutos do filme, além do trailer, pertencentes à Cinemateca Portugesa. O fragmento de oito minutos, mostra os momentos de angústia do czar enlouquecido, mandando os guardas procurarem o conde Pahlen, que estaria traindo-o. Quando o conde entra na sala e inicia um diálogo com o czar, garantindo-lhe que não o está traindo, a imagem começa a ter falhas e, subitamente, o fragmento termina. O pedaço de filme, exibido pela única vez na Cinemateca Portuguesa em 2005, pertencia à coleção do cinéfilo e cineclubista do Porto, Henrique Alves Costa e foi entregue à Cinemateca em 2002 pela famíla dele. Trata-se provavelmente do que restou de uma cópia exibida em Portugal, onde The Patriot (como título de O Patriota) estreou no Cinema Tivoli em 4 de novembro de 1929.

2A ILHA DO TESOURO / TREASURE ISLAND / 1920. Dir: Maurice Tourneur.

Shirley Mason e Lon Chaney em A Ilha do Tesouro

Cena de A Ilha do Tesouro

O jovem Jim Hawkins (Shirley Mason) ajuda sua mãe viúva (Josie Melville) a administrar a Estalagem Admiral Benbow na costa oeste da Inglaterra. O capitão de navio, Billy Bones (Al Filson), chega na estalagem e pede a Jim que o avise se aparecer por ali um “marinheiro de uma perna só”. Certa manhã, um marujo violento chamado Black Dog (Wilton Taylor) entra na estalagem e exige que Bones lhe entregue a sua parte do tesouro do Capitão Flint. Bones rechaça o intruso e diz a Jim que, se por acaso for morto, ele pode ficar com tudo o que lhe pertence. Algum tempo depois, Pew (Lon Chaney), um pirata cego e medonho, obriga Jim a conduzí-lo até Bones, que mais tarde é encontrado assassinado. Jim encontra nas roupas de Bones um pacote e o entrega aos amigos de sua mãe, Dr. Livesey (Charles Hill Mailes) e Squire Trelawney (Sydney Deane). Dentro do pacote, eles descobrem o mapa com a localização do tesouro do Capitão Flint. O Squire compra um navio, “The Hispaniola,” e organiza uma expedição para achar o tesouro. Long John Silver (Charles Ogle), um marujo com uma perna-de-pau, é contratado como cozinheiro e Israel Hands (Joseph Singleton), George Merry (Lon Chaney) e Morgan (Bull Montana) estão entre a tripulação. Jim embarca clandestinamente e, em alto mar, ouve secretamente um plano de motim, arquitetado por Long John Silver. Ele informa ao Dr. Livesey, ao Squire e a Smollet (Harry Holden), o capitão do navio e, quando a terra é avistada, os amotinados são mantidos a distância até que os três chegam à ilha e se refugiam em um abrigo com Jim e os membros leais da tripulação. Trava-se uma batalha contra os piratas e o mapa cai nas mãos de Long John Silver; porém os piratas são eventualmente derrotados e Jim e os outros encontram o tesouro através de uma revelação por parte de Ben Gunn (não creditado), um pirata que havia sido abandonado por Flint na ilha.

 3. CASTELOS DE ILUSÕES / THE TOWER OF LIES / 1925. Dir: Victor Sjostrom.

Lon Chaney em Castelos de Ilusões

Cena de Castelos de Ilusões

O lavrador escandinavo Jan (Lon Chaney) trabalha pesado na terra durante longas horas, desconhecendo alegrias ou tristezas. Quando nasce sua filha, Goldie (Norma Shearer), a labuta penosa de sua vida transforma-se em felicidade. Ele e sua filha divertem-se com um jôgo favorito no qual ele é o imperador de um reino fictício. Anos depois, o dono da propriedade morre e seu filho Lars (Ian Keith) logo exige o pagamento imediato dos débitos de seus arrendatários, inclusive Jan. A fim de evitar o despejo de seu pai, Goldie vai para a cidade, prometendo-lhe que retornará dentro de poucos mêses. Quando ela compra a fazenda para seus pais, mas não volta como prometido, Jan perde sua sanidade, e retrocede ao passado, brincando com as crianças da vizinhança, vestido como o imperador imaginário. O tempo passa e Goldie finalmente retorna usando roupas extravagantes, o que deixa os vizinhos com a suspeita de que ela se tornou uma prostituta. Não suportando mais os rumores, Goldie volta para a cidade de barco, sem perceber que seu pai a está seguindo. No píer, Jan tropeça, e morre afogado. Um dia, Goldie retorna e se casa com seu namorado de infância, August (William Haines).

4. VAMPIROS DA MEIA-NOITE / LONDON AFTER MIDNIGHT / 1927. Dir: Tod Browning.

Lon Chaney em Vampiros da Meia-Noite

Cinco anos após a morte de Roger Balfour em sua residência em Londres, o Inspetor Burke da Scotland Yard (Lon Chaney) ainda está investigando o caso, recusando-se a acreditar que Balfour cometeu suicídio. Sir James Hamlin (Henry B. Walthall), o amigo mais íntimo de Balfour; Artur Hibbs (Conrad Nagel), sobrinho de Balfour; Lucille (Marceline Day), filha de Balfour; e o mordomo (Percy Williams) ainda são considerados suspeitos. O inspetor acredita que um criminoso sob hipnose vai recriar seu crime. Exímio hipnotizador, ele testa sua teoria magnetizando os principais suspeitos, colocando-os no cenário do crime e observando suas reações. Vampiros também figuram na solução do mistério e no final do relato, o vampiro vem a ser ninguém mais do que o próprio inspetor.

 5. O ROMANCE DE LENA / THE CASE OF LENA SMITH / 1929. Dir: Josef von Sternberg.

Cena de O Romance de Lena

Esther Ralston em O Romance de Lena

Em Viena, por volta de 1894, Lena (Esther Ralston), uma pobre campesina, casa-se secretamente com Franz (James Hall), um oficial do exército devasso e, depois do nascimento do filho, vai trabalhar na casa do marido como empregada, escondendo a verdade do sogro. Este tenta lhe tomar a criança e Franz, sem poder ajudá-la, comete suicídio. Quando a côrte recusa os apêlos de Lena, ela rouba o menino. Ele cresce e marcha para a guerra em 1914 de uma aldeia húngara.

Obs. Um fragmento de quatro minutos do primeiro rolo do filme foi encontrado em Dalian, China, e está agora guardado na Universidade Waseda, no Japão. Este fragmento foi exibido no 22º Festival do Filme Silenciso de Pordenone em 2003.

 6. THE LAST MOMENT / 1928. Dir: Paul Fejós.

Cena de The Lost Moment

Nos últimos momentos de sua vida, uma pessoa visualiza os instantes marcantes de sua existência. A primeira cena do filme mostra um homem (Otto Matteson) debatendo-se na água. Sua mão se ergue, indicando que está se afogando. Segue-se uma série de planos rápidos: duplas e triplas superposições da cabeça de um Pierrot, rostos de mulheres, faróis de automóveis piscando, rodas girando, um punhado de estrelas, uma explosão, um livro de criança. O rítmo do filme desacelera para resumir a vida do homem: tempos de colégio, mãe amorosa, pai severo, uma cerimônia de crisma, uma festa de aniversário, o circo, um romance adolescente com uma atriz do circo, discussão com seu pai, a partida do lar, passageiro clandestino em um navio, perambulando em uma taberna no porto, declamando para os beberrões, sendo atropelado por um carrro, uma operação e a convalescência em um hospital, tornando-se um ator, casando-se com a enfermeira que cuidou dele, uma briga, divórcio, a morte de sua mãe, o enterro, um caso amoroso com uma mulher casada, um duelo com o marido dela, a guerra e seu amigo morrendo em seus braços. Ele retorna à vida civil, retoma sua profissão de ator, apaixona-se pela parceira, se casam, ela morre. Vestido como Pierrot, ele caminha para casa, chega ao lago, olha para seu reflexo, e entra na água até que somente sua mão fica visível. A mão desaparece, e o filme termina com umas bolhas subindo à superfície.

 7. FRÍVOLO AMOR / TRIFLING WOMEN / 1922. Dir: Rex Ingram.

Ramon Novarro e Barbara La Marr em Frívolo Amor

Ramon Novarro e Barbara La Marr em Frívolo Amor

Barbara La Marr em Frívolo Amor

Para dar uma lição à sua filha Jacqueline (Barbara La Marr) sobre os perigos da infidelidade, depois que ela ridicularizou o jovem Henri (Ramon Novarro), porque este a ama loucamente, o romancista Léon de Séverac (Pomeroy Canon) lê para ela sua última história. A cartomante Zareda (Barbara La Marr), mulher formosa e hábil em dominar os homens, recebe em sua residência a alta sociedade de Paris, pedindo previsões do futuro. O jovem Ivan (Ramon Novarro) ama-a com todo o seu coração, mas há um obstáculo para que se una a ela pelo casamento: seu pai, o decrépito Barão François de Maupin (Edward Connelly) também está apaixonado pela cartomante. Esta tolera-o apenas por causa das jóias caras que lhe oferece e, zombeteiramente, as coloca no pescoço do seu macaco de estimação. Quando irrompe a guerra e a perspectiva de uma separação ameaça precipitar o casamento de Ivan e Zareda, o barão joga uma cartada de mestre: apresenta Zareda ao Marquês de Ferroni (Lewis Stone,) que vive em um castelo suntuoso. Depois que o regimento de Ivan parte para o campo de batalha, Zareda fica em Paris a palestrar com o marquês e a sonhar com seu castelo com colunas de mármore e no qual se bebia vinho em taças de ouro. O barão então, para ser o único candidato ao coração de Zareda, derrama veneno na taça destinada a Ferroni. Zareda porém percebe seu gesto traiçoeiro e troca as taças sem que o barão perceba. Durante os quatro anos que Ivan estivera na guerra não recebeu nenhuma notícia de Zareda. Depois do armistício, ele vai procurá-la e a encontra casada com Ferroni. Ela lhe diz que foi insensata, que o ama perdidamente, e que sabe como se libertar de seu esposo: ela lhe dirá que foi insultada por Ivan e o marquês desafiará para um duelo o maior esgrimista do país. No duelo, Ferroni é mortalmente ferido, mas sobrevive o tempo suficiente para matar Ivan e enterrar Zareda viva ao lado do corpo de seu amado morto. Jacqueline fica impressionada por esta história e aceita seu fiel pretendente, Henri.

8. OS QUATRO DIABOS / THE FOUR DEVILS / 1928. Dir: F. W. Murnau.

Cena de Os Quatro Diabos

Cena de Os Quatro Diabos

No circo Cecchi, um palhaço (J. Farrell MacDonald) cuida de duas meninas orfãs, Marion (quando adulta Janet Gaynor) e Louise (quando adulta Nancy Drextel), como se fossem suas filhas. Durante uma temporada, uma mulher entrega ao diretor do circo (Anders Randolf) os garotos Adolf (quando adulto Barry Norton) e Charles (quando adulto, Charles Morton), filhos dos famosos trapezistas Rossy, que haviam perdido a vida, executando um salto mortal. As quatro crianças crescem unidas por uma grande amizade. O tempo passa, e eles se tornam célebres como acrobatas do trapézio chamados de “Os Quatro Diabos”. Marion ama Charles, porém eis que surge uma mulher fatal (Mary Duncan), e Charles não resiste aos seus encantos. Marion, sentindo-se desprezada cai deliberadamente do trapézio. No entanto, ela sobrevive, confessa seu amor a Charles, e ele recupera o juízo diante da tragédia que, por pouco, não ocorreu.

Obs. O documentário em video Murnau’s 4 Devils: Traces of a Lost Film (2003), dirigido por Janet Bergstrom, que saiu como brinde do dvd de Sunrise, em 2003, reconstrói o filme a partir de fotos, desenho de produção e roteiro.

9. BEIJA-ME OUTRA VEZ / KISS ME AGAIN / 1925. Dir: Ernst Lubitsch.

Clara Bow em Beija-me Outra vez

Gaston Fleury (Monte Blue) concorda em se divorciar de sua esposa Loulou (Marie Prevost), que ele acredita estar apaixonada por um amigo dos dois, o professor de piano Maurice Ferriere (John Roche). Para justificar o pedido de divórcio, o advogado Dubois (Willard Louis) tenta encenar uma situação com sua secretária Grisette (Clara Bow) como testemunha, na qual Gaston agride sua mulher; porém Gaston não consegue aceitar a idéia. Em vez disso, ele finge para Loulou que existe alguém na sua vida. Durante algum tempo parece que este alguém é Grisette, um engano que Gaston encoraja, porque causa ciúme em Loulou. Cansada de Maurice, Loulou logo descobre a verdade do suposto romance de Gaston com Grisette, mas se preparando para sua reconciliação com Gaston, Loulou finge acreditar no relacionamento dele com Grisette, para que o seu ego masculino possa ser confortado.

10. O HOMEM MIRACULOSO / THE MIRACLE MAN / 1919. Dir: George Loane Tucker

Lon Chaney em O Homem Miraculoso

Cena de O Homem Miraculoso

Uma quadrilha composta por Frog (Lon Chaney), um contorcionista; Dope (J. M. Dumont), viciado em drogas; Rose (Betty Compson), que finge ser uma prostituta brutalizada por Dope; e o líder, Tom Burke (Thomas Meighan), exploram a compaixão e recebem as contribuições dos otários na Chinatown de Nova York. Ao ler no jornal sobre um surdo, mudo e quase cego, chamado O Patriarca (J. M. Dumont), que seria capaz de curar pela fé, Tom planeja usá-lo, a fim de obter maior vantagem da credulidade das pessoas, e parte com seus cúmplices para a pequena cidade de Fairhope, onde mora o taumaturgo. Quando a população se reune para ver o Patriarca curar os doentes, Frog está ali, fingindo-se de aleijado. Enquanto se arrasta para perto do homem miraculoso, seus membros se endireitam e ele está supostamente curado. Inesperadamente, um menino aleijado de verdade, inspirado ao ver a “cura” de Frog, larga suas maletas e corre em direção ao Patriarca. A história se espalha pelo país e as pessoas afluem de todos os lugares para consultar o milagreiro, fazendo doações para a “construção de uma igreja”. Um milionário, Richard King (Lawson Butt) traz sua irmã Claire (Elinor Fair) e entrega 50 mil dólares para Burke. Durante sua visita, King conhece Rose e os dois se apaixonam. Entrementes, Burke vê seus cúmplices, influenciados pelo Patriarca, se regenerando. Dope livra-se de seu vício; Frog abandona sua vida de crimes e passa a tomar conta de uma viúva; Rose lamenta a partida de King, deixando Burke com ciúmes. Porém, quando King retorna e pede Rose em casamento, ela percebe que ama Burke. O Patriarca morre e Burke se casa com Rose.

Obs. Dois fragmentos do filme sobrevivem: 1. Burke lendo uma notícia de jornal sobre o Patriarca; 2. Frog se arrastando até o Patriarca e depois o menino aleijado ocorrendo a sua cura. Eles aparecem em um short promocional feito pela Paramount para festejar o 20º aniversário de sua fundação, intitulado The House That Shadows Buit (1931) e em um dos segmentos da série Movie Milestones da Paramount, intitulado Movie Memories #2 (1934), mostrando as grandes realizações do estúdio. Nos anos setenta, a Blackhawk Films lançou o documentário Movie Milestones com os fragmentos sobreviventes em formato de 8mm. Estes mesmos fragmentos foram mostrados também no documentário Lon Chaney: Behind the Mask, produzido pela Kino International e incluido na versão em dvd de 2012 do filme The Penalty / 1920.