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TRIBUTO A ROBERT BRESSON

Robert Bresson (Bromont-Lamothe, 1907- Paris, 1999) situou-se em uma posição excepcional no cinema francês e mundial tanto por suas obras como por sua personalidade. Era um caso particular, um cineasta fechado em si mesmo, que nunca fez a menor concessão na busca do seu ideal estilístico, de fazer um cinema despojado e austero, uma forma de antiespetáculo cinematográfico, para exprimir plasticamente o seu universo trágico.

Robert Bresson

Bresson estudou no Lycée Lakanal de Sceaux e foi fotógrafo e pintor, antes de trabalhar no cinema. Aos 32 anos atuou como dialoguista de C’était un Musician, 1933 (Dir: Fred Zelnick, Maurice Gleize). Em 1934, dirigiu Les Affaires Publiques, média-metragem burlesco-surrealista envolvendo o chefe de governo de um país fictício, interpretado pelo palhaço Béby. Foi co-roteirista de Les Jumeaux de Brighton / 1936 (Dir: Claude Heymann) e Courrier Sud / 1937 (Dir: Pierre Billon), e assistente de Henri Diamant-Berger em La Vierge Folle / 1938, e de René Clair em um filme inacabado (Air Pur / 1939). Em 1943, realizou seu primeiro longa-metragem, Anjos das Ruas / Les Anges du Peché, e, logo em seguida, As Damas do Bois de Boulogne (na TV) / Les Dames du Bois de Boulogne / 1945, filmes que ainda foram feitos dentro do “cinema de qualidade” da época, porém já demonstrando o rigor e a sobriedade de sua escritura.

Suas próximas obras evidenciaram, mais do que nunca, o seu gosto pela perfeição levado à extrema minúcia e a sua preocupação em captar a beleza de uma aventura humana interior. Era um cineasta exigente, altivo, interessado em encontrar uma forma libertada dos códigos narrativos, forjados no começo do sonoro. “O que eu busco”, disse ele, “não é tanto a expressão por gestos, a palavra, a mímica, mas, sim, a expressão pelo rítmo e pela combinação das imagens”.

Neste artigo prestamos uma homenagem ao grande cineasta, relembrando alguns de seus melhores filmes:

 ANJOS DAS RUAS / LES ANGES DU PÉCHÉ.

Para se tornar uma religiosa, Anne-Marie (Renée Faure) escolhe o convento das Irmãs de Béthanie, consagrado à reabilitação de detentas. Thérése (Jany Holt), uma ex-detenta, mata o amante por vingança e se refugia no convento. Anne-Marie acolhe-a com alegria. Pouco depois, Anne-Marie se recusa a fazer uma penitência, que considera injusta, e é expulsa da ordem. As irmãs a descobrem inanimada sobre a tumba do fundador do convento, onde vinha rezar todas as noites. Anne-Marie não tem forças para pronunciar os seus votos definitivos. Thérèse os pronuncia em seu nome e depois se entrega à polícia.

Cena de Anjos das Ruas

Cena de Anjos das Ruas

Cena de Anjos das Ruas

Recusando-se a proporcionar ao público um espetáculo, Bresson consagrou seu filme inteiramente ao drama interior de Anne-Marie e de Thérèse. Há também um aspecto documentário – os detalhes da vida conventual espalhados ao longo da narrativa, como a tomada de hábito, sorteio das sentenças, capítulo das culpas, recreação no claustro ou no jardim, conselho do convento, trabalho das religiosas etc. -, mas ele é sempre secundário. Serve apenas como pano de fundo de um conflito espiritual. A conversão de Thérese por Anne-Marie é o verdadeiro tema do filme. O diretor descarta tudo o que não se relaciona com esse confronto com um rigor pouco visto no cinema.

DAMAS DO BOIS DE BOULOGNE, AS (TV) / LES DAMES DU BOIS DE BOULOGNE.

Hélène (Maria Casarès), uma jovem viúva, fica sabendo que seu amante, Jean (Paul Bernard), não a ama mais. Eles se separam amigavelmente, mas Hélène só pensa em se vingar. Ela faz com que Jean encontre por acaso no Bois de Boulogne uma dançarina, Agnès (Elina Labourdette), filha de Madame D (Lucienne Bogaert), uma de suas antigas relações mundanas, que agora está na pobreza. Para sobreviver e sustentar a mãe, Agnès se prostitui. Hélène procura tornar esses encontros de Agnès com outros homens mais frequentes. Agnès e Jean se casam. No final da cerimônia, Hélène revela a verdade para Jean: o anjo de pureza é uma mulher perdida.

Maria Casarès em As Damas do Bois de Boulogne

Cena de As Damas do Bois de Boulogne

Maria Casarès em As Damas do Bois de Boulogne

Paul Bernard e Maria Casarès em As Damas do Bois de Boologne

Bresson transpôs para os anos 40 uma anedota contada por Diderot no século XVIII em seu romance filosófico Jacques le Fataliste. De uma aventura licenciosa apresentada como um estudo de costumes, ele quís fazer uma tragédia moderna, descartando toda ressonância social. O cineasta se interessou mais pelas maquinações de uma mulher despeitada. O tema do filme é o triunfo do amor sobre o ódio. A vingança de Hélène é insuficiente para abafar o amor que surge entre Jean e Agnès. Na encenação, persiste o estilo jansenista do diretor: as paredes brancas e nuas, a iluminação bem contrastada, as portas, as janelas, as vidraças que encerram Hélène como uma prisão – a prisão do seu orgulho, de sua paixão, de sua vingança.

 LE JOURNAL D ‘UN CURÉ DE CAMPAGNE.

O vigário da aldeia de Ambricourt (Claude Laydu) chega à sua primeira paróquia com um imenso fervor sacerdotal. Seus esforços para conhecer os paroquianos são mal acolhidos por eles, aos quais não inspira confiança e não consegue se impor. Doente, ele encontra na pessoa do vigário (Armand Guibert) de Torcy, uma aldeia vizinha, o conforto moral de que necessita para a sua solidão. Seu zelo, sua fé lhe permitem salvar a alma da condessa de Ambricourt (Marie-Monique Arkell), porém desperta o ódio do conde (Jean Riveyre) e de sua filha, Chantal (Nicole Ladmiral), que o caluniam.

Claude Landu em Le Journal d ‘un Curé de Campagne

Cena de Le Journal d ‘un Curé de Campagne

Claude Laydu em Le Journal d ‘un Curé de Campagne

A ação se desenrola graças às introspecções que o padre coloca no seu diário. Cada uma das frases é recitada por ele ao mesmo tempo que a imagem mostra os fatos e transmite o seu estado d’alma. Fazendo-nos ouvir a sua voz como um refrão, Bresson intensifica a sua intimidade e a sua solidão e nos faz sentir com maior emoção o seu drama interior. A mensagem essencial do filme é a aventura espiritual do jovem pároco, isolado no meio dos homens e diante de Deus. Seu “solilóquio angustiado” e as diversas etapas do seu calvário são transmitidos com a precisão de um mecanismo de relógio por um cineasta empenhado em ampliar os limites da criação artística.

UM CONDENADO À MORTE ESCAPOU / UN CONDAMNÉ À MORT SE’ST ECHAPPÉ.

Em 1943, preso pelos alemães por atos de resistência, o tenente Fontaine (François Leterrier) é conduzido para o forte de Montluc em Lyon. Ele é encarcerado e, obstinadamente, prepara uma fuga. Convocado para a sede da Gestapo, as autoridades lhe informam sobre sua condenação à morte. Ao retornar à prisão, Fontaine verifica que colocaram um outro prisioneiro na sua cela: Jost (Charles Le Clainche)e, um jovem Waffen-SS preso por deserção. Após certa hesitação, ele confia em Jost e os dois conseguem escapar, transpondo o muro. Fontaine e Jost, livres, desaparecem na noite.

Cena de Um Condenado à Morte Escapou

François Leterrier e CharlesLe Clainche em Um Condenado à Morte Escapou

Bresson dá instruções para Leterrier e Le Clainche em Um Condenado à Morte Escapou

Fontaine está inteiramente concentrado na realização de seu destino bem determinado, que é a sua fuga. Esse homem de coragem, mas também orgulhoso, parece mais preocupado em provar a si mesmo o poder de sua vontade, que ele pode conseguir o que todos não conseguiram, do que com a perspectiva de sua execução. Bresson nos mostra a sua evasão, longamente amadurecida entre as paredes de uma cela, pacientemente preparada, não somente pelas mãos, mas também pelo controle emocional do prisioneiro. O suspense não consiste na expectativa do que vai se passar, mas no desejo de saber como o herói vai se conduzir. É um filme “sem ornamentos”, sem gritos, sem cenas patéticas, feito de gestos e ruídos, de silêncios e sussurros.

PICKPOCKET / PICKPOCKET.

No hipódromo de Longchamp. Michel (Martin Lassalle) é preso por furto e depois solto por falta de provas. Pouco depois, em um café, ele sustenta para o comissário de polícia sua teoria segundo a qual certos seres superiores deveriam ter o direito de infringir as leis. Michel se torna um exímio batedor de carteiras. Quando seus cúmplices são presos, ele revela sua vida de ladrão para Jeanne (Marika Green), uma jovem que cuidava de sua mãe, e parte para o exterior. Ao retornar, encontra Jeanne com um filho de seu amigo Jacques (Pierre Leymarie), que a abandonara. Para ajudá-la, Michel começa a trabalhar, mas um dia não resiste e volta a furtar.

Cena de Pickpocket

Cena de Pickpocket

Martin Lassalle e Marika Green em Pickpocket

A aventura exterior é a aventura das mãos do punguista. Ela o arrasta para a aventura interior. Por caminhos estranhos as proezas manuais do batedor de carteiras reunirão duas almas que nunca teriam se conhecido. Quando Jeanne vai visitá-lo na penitenciária, Michel abraça-a através da grade do parlatório e lhe diz: “Oh, Jeanne, para finalmente estar com você, que caminho estranho tive que tomar”. Esse caminho, que levou a um resultado espiritual, passa pelos furtos, e Bresson mostra, com uma minúcia maníaca, os atos dos delito praticados pelo ladrão. Todo o filme é um balé de mãos comentado por uma voz, que é a voz de um jovem cujo orgulho foi vencido pelo amor. A influência de Crime e Castigo de Dostoiweski é bem nítida.

A GRANDE TESTEMUNHA / AU HAZARD BALTHAZAR.

Três meninos parisenses em férias e uma menina do país basco brincam com um filhote de asno, que batizam de Balthazar. A menina chama-se Marie e um, dos meninos, Jacques. Uma das irmãs de Jacques está doente. Quando as férias terminam, Jacques e sua família deixam a aldeia. Os anos passam, a irmã de Jacques morre. O pai de Marie, um ex-professor, é encarregado de administrar a fazenda que pertence ao pai de Jacques. Marie (Anne Wiazemsky) fica com Balthazar. Já adulta, ela conhece Gérard (François Lafarge), um jovem delinquente e seu bando. Acusado injustamente de malversações, o pai de Marie (Philipe Asselin) se vê obrigado a prestar contas ao proprietário da fazenda. Jacques (Walter Green) volta à aldeia para desfazer o mal entendido ocorrido entre seu pai e o pai de Marie. Porém o orgulho ferido deste último faz com que sua missão fracasse. Maria sofre com a partida de Jacques. Ela abandona Balthazar. Vendido para o padeiro (François Sullerot), pai de Gérard, o asno é utilizado para transportar o pão, que seu filho entrega. Este maltrata Balthazar, o burro derruba a carroça e foge. Gérard seduz Marie. A mãe de Gérard (Marie-Claire Fremont) o protege, mas quer que ele deixe de ver Marie. Gérard deve se apresentar à polícia a propósito de um assassinato. Um vagabundo, alcoólatra, Arnold (Jean-Claude Guilbert), também é convocado pelo mesmo motivo. Arnold é espancado por Gérard e seu bando, que o acusam de ser o verdadeiro assassino. Arnold cuida de Balthazar que, doente, deve ser abatido. Balthazar fica curado e transporta turistas que Arnold guia através dos caminhos escarpados. Mais uma vez maltratado pelo seu dono, Balthazar foge e vai parar em um circo, onde se torna uma atração: “o asno sábio”. Arnold recebe uma herança, oferece bebida para todos em um bistrô da aldeia e depois morre, ao cair de seu cavalo. Marie foge de Gérard, pede asilo a um comerciante de grãos (Pierre Klossowski). Desgostosa com a ganância e o egoismo deste homem, ela retorna para a casa de seus pais que, entrementes, recuperaram Balthazar. Jacques volta a procurar Marie e os dois jovens decidem se casar. Marie vai à procura de Gérard para romper definitivamente com ele. Insultada por todo o bando, ela é abandonada, nua, em um imóvel vazio. Marie desaparece para sempre. Seu pai morre. No curso de uma procissão, Balthazar é encarregado de conduzir as relíquias. Gérard usa Balthazar para fazer contrabando, mas é surpreendido à noite pelo guardas aduaneiros. Balthazar recebe uma bala perdida e vai morrer tranquilamente em um prado no meio de um rebanho de ovelhas.

Cena de A Grande Testemunha

Anne Wiazemsky em A Grande Testemunha

Cena de A Grande Testemunha

Balthazar

Balthazar, um asno belo e doce, transforma-se em vítima expiatória dos vícios e da estupidez dos humanos, com os quais se vê envolvido pelo acaso. Passando de um dono para outro, sendo bem ou mal tratado por um malfeitor perverso, como animal inteligente em um circo, como companheiro de um vagabundo, e como bêsta de carga de um velho avarento que o deixa sem alimento, o asno é sempre uma testemunha silenciosa da vida dos personagens que o cercam. O destino da pequena Marie é comparável ao de Balthazar. Ela é o seu duplo, uma criatura frágil cuja existência oscila entre o carinho e o sofrimento, e que sofre a violência dos outros, a incompreensão da mãe, o orgulho e o masoquismo do pai, a maldade do amante, a cupidez, o cinismo do comerciante de grãos. Neste seu filme mais simples e puro, no qual a sobriedade nas imagens corresponde a uma exemplificação extrema das situações, Bresson usa a elipse, os ruídos e uma sonata de Schubert ao narrar o percurso do sofrimento do burro e da adolescente e, quando se encerra o percurso, sentimos uma profunda tristeza.

MOUCHETTE, A VIRGEM POSSUÍDA / MOUCHETTE.

Mouchette (Nadine Nortier) de 14 anos, leva uma vida de pobreza, cuidando de sua mãe tuberculosa (Marie Cardinal), de seu irmão bebê, em uma casa de um único cômodo, onde ainda mora seu pai (Paul Hebert), um contrabandista alcoólatra e brutal, e um outro irmão adolescente. Na aldeia, ela é repudiada por suas colegas, maltratada pela professora, zombada pelos rapazes na rua. Uma noite, durante um temporal, Mouchette se perde na floresta onde o caçador furtivo Arsène (Jean-Claude Guilbert), tendo provavelmente assassinado um guarda florestal chamado de Père Mathieu(Jean Vimenet), a obriga a lhe servir de álibi, antes de levá-la para a sua cabana e, depois de um ataque de epilepsia e sob efeito do álcool, violentá-la. Voltando para casa, Mouchette tenta contar tudo para a mãe, que morre antes de ouví-la. Logo depois, descobre que Arsène mentira, apenas brigara com o guarda por uma mulher que ambos desejavam. Solitária, infeliz e abandonada por todos, repelida pela mulher do guarda, pela dona do armazém, pela zeladora dos mortos, ela descobre que a morte é um sinônimo de libertação e vai ao seu encontro, enrolada em um vestido de mousseline branca, parecendo um véu de noiva. Como se estivesse brincando, ela se deixa rolar pela ribanceira, uma, duas vêzes. Na terceira, seu corpo desaparece nas águas de um lago. E quando a superficie do lago se acalma, ouve-se o Magnificat de Claudio Monteverdi.

Bresson carrega nos braços sua atriz na filmagem de Mouchette, a Virgem Possuída

Nadine Nortier em Mouchette, A Virgem Possuída

Cena de Mouchette, a Virgem Possuída

Dezesseis anos após Le Journal d ‘un Curé de Campagne, Bresson leva novamente à tela um romance de George Bernanos (La Nouvelle Histoire de Mouchette), situando-o na época contemporânea. Com o estilo sóbrio e sêco de seus filmes precedentes, o cineasta retrata, através de uma trama sombria e sórdida, a trajetória para a morte de uma adolescente que, tal como o asno Bathazar (de A Grande Testemunha), descobre a crueldade do mundo. Ambos são vítimas dos vícios humanos, mas Mouchette reage, ela não se resigna e se revolta. Notamos isso, por exemplo, quando ela joga torrões de terra nas suas colegas de classe, pela maneira com que rejeita o “croissant de piedade” da dona do armazém, quando esfrega seus tamancos sujos no tapete da zeladora dos mortos ou quando diz “Merde” para seu pai, ao sair de casa. Mouchette só tem um breve momento de felicidade, quando, no brinquedo de auto pista no parque de diversões, esbarra o seu carro contra o carro dos outros e aí simpatiza com um rapaz que dirige um deles – alegria bruscamente interrompida, ao ser esbofeteada e arrastada dalí à fôrça pelo pai. Condenada à solidão e à miséria, Mouchette sente necessidade de amar, o que explica a ternura quase maternal com que cuida de Arsène, quando ele fica doente e talvez amor, quando ele a estupra.

O DINHEIRO / L’ARGENT.

Quando seu pai se recusa a aumentar sua mesada, Norbert (Marc Ernest Fourneau), recebe de seu amigo Martial (Bruno Lapeyre), uma nota falsa. Para conseguirem dinheiro de verdade, eles passam a nota em uma loja de artigos fotográficos. O dono da loja (Didier Bussy), verificando que o dinheiro era falso, desembaraça-se dele, transferindo-o para Yvon (Christian Patey), um jovem entregador de combustível. A partir daí, Yvon vai ser levado por uma série de acontecimentos, dos quais ele perde o contrôle: tendo entregado a nota falsa em um restaurante, ele é preso. Yvon retorna com dois policiais até à loja do comerciante, onde tudo começou mas, com a cumplicidade de seu jovem empregado Lucien, o dono da loja nega ter visto Yvon. Este é julgado, mas o tribunal lhe impõe uma pena mínima, deixando-o em liberdade. Yvon perde o emprêgo e se deixa levar por amigos a um assalto a um pequeno banco. A polícia o surpreende, ele é preso, e condenado. Sua mulher, Elise (Caroline Lang) vem lhe visitar e o faz saber depois, através de uma carta que o filho deles morreu e que ela não virá mais visitá-lo, porque espera “mudar de vida”. Yvon fica transtornado e resolve se suicidar, porém é socorrido a tempo. Ao sair da prisão, ele assassina um casal de hoteleiros, para roubar seu dinheiro. Depois, encontra uma senhora idosa (Sylvie Van den Elsen), que acabara de receber sua pensão. Ele a segue; ela lhe dá comida e o acolhe em sua casa. Finalmente, Yvon mata a mulher e toda a sua família com um machado e se entrega à polícia.

Marc Ernest Fourneau em O Dinheiro

Cena de O Dinheiro

Cena de O Dinheiro

Cena de O Dinheiro

Cena de O Dinheiro

Inspirando-se em um conto de Tolstoi, mas aproximando mais os personagens do Dostoievski de “Crime e Castigo”, Bresson traduz no seu estilo minimalista “o caminho trágico do mal em uma alma atormentada”. O percurso de Yvon assemelha-se ao de Raskolnikov e Yvon parece o Michel de Pickpocket. Ambos transgridem as leis, mas enquanto Michel é autor desta transgressão, Yvon é envolvido em uma espiral que o leva ao Mal. Em um mundo corrompido pelo dinheiro, pelos falsos valores, vítima de várias desonestidades, após uma série de reações em cadeia costuradas pelo acaso, Yvon se torna um assassino. Neste drama retratado com muita ferocidade, o som tem um papel primordial, os ruídos são alucinantes: o barulho dos carros na rua e das grades da prisão, a escumadeira jogada no chão que bate contra uma parede, o chão de pedra da cela constantemente arranhado por Yvon, o copo de vinho perto do piano que cai e se espatifa …

                                                                                                                FILMOGRAFIA

Anjos das Ruas / Les Anges du Peché / 1943

As Damas do Bois de Boulogne (TV) / Les Dames du Bois de Boulogne / 1945

Le Journal d’un Curé de Campagne / 1951

Um Condenado à Morte Escapou / Un Condamné à Mort s’est Échappé / 1956

Pickpocket / Pickpocket / 1959

Procès de Jeanne D’Arc / 1962

A Grande Testemunha / Au Hasard Balthazar / 1966

Mouchette, a Virgem Possuída / Mouchette / 1967

Une Femme Douce / 1969

Quatre Nuits d ‘un Rêveur /1971

Lancelot du Lac / 1974

Le Diable Probablement / 1977

O Dinheiro / L ‘Argent / 1983

FRED NIBLO

Ele era um técnico experiente, modelo de professional consciencioso, seguindo esteticamente a linha pictorialista desenvolvida por Rex Ingram, Maurice Tourneur, Herbert Brennon e Clarence Borwn e dirigiu uma série de grandes produções com os maiores astros e estrelas da década de vinte como Douglas Fairbanks (A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1920, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers / 1921), Rudolph Valentino (Sangue e Areia / Blood and Sand / 1922), Ramon Novarro (Teu Nome é Mulher / Thy Name is a Woman / 1924, Fogo, Cinzas, Nada …/ The Red Lily / 1924 e principalmente no superespetáculo Ben-Hur / Ben-Hur, a Tale of the Christ / 1925), Greta Garbo (Terra de Todos / The Temptress / 1926, A Dama Misteriosa / The Mysterious Lady / 1928), Norma Talmadge (A Dama das Camélias / Camille / 1926), Lillian Gish (Ódio / The Enemy / 1927), Ronald Colman-Vilma Banky (Dois Amantes / Two Lovers / 1928), John Gilbert e Rene Adoree (Redenção / Redemption / 1930) e William Haines (Cowboy a Muque / Way Out West / 1930), estes dois últimos filmes já sonorizados.

Fred Niblo

Fred Niblo nasceu em York, Nebraska em 1874 com o nome de Fred Liedtke, filho do prussiano Frederick Liedtke, que serviu como capitão na Guerra Civil americana e da francêsa Annette Dubergere. Nos seus primeiros anos de vida, depois que seus pais se separaram, Fred e sua mãe foram para Nova York, onde ele começou a trabalhar em um teatro-café chamado Niblo Gardens de propriedade de um homem de descendência irlandêsa chamado William Niblo. O jovem Fred adotou o nome artístico de Niblo e começou sua carreira no show business, atuando no vaudeville, destacando-se primeiramente como ator em monólogos humorísticos.

Em 2 de junho de 1901, Niblo casou-se com Josephine Cohan, irmã de George M. Cohan, o legendário “pai” da comédia musical americana, tornando-se gerente da trupe de Cohan, “The Four Cohans”. Porém seus admiradores exigiram sua volta ao palco e, começando com a temporada de 1904-1905, ele retomou sua carreira de ator, aparecendo por um curto tempo como Walter Lee Leonard em “The Rogers Brothers in Paris” e depois no vaudeville, onde permaneceu por longo tempo. Em 1916, após quinze anos de casamento, Josephina Cohan Niblo faleceu.

Fred Niblo e Enid Bennett

No ano seguinte, Fred foi para a Austrália, onde conheceu Enid Bennett (1893-1969) com quem se casou em 1918. Enid era atriz de teatro no seu país natal e começou no cinema americano na empresa de Thomas H. Ince, na qual NIblo também se iniciou na tela. Ela foi muito popular entre os anos de 1917 a 1924, inclusive no Brasil. Niblo dirigiu-a em 18 filmes, mas seus maiores êxitos como intérprete foram como Maid Marian em Robin Hood / Robin Hood / 1922 (Dir: Allan Dwan, ao lado Douglas Fairbanks) e como Lady Rosamund em O Gavião do Mar / 1924 (Dir: Frank Lloyd ao lado de Milton Sills), dois filmes mudos de aventuras famosos.

Em 1932, Niblo realizou seus dois últimos filmes no Reino Unido (Two White Arms e Diamond Cut Diamond) e, tal como fizera no início de sua carreira no cinema, passou a atuar esporadicamente como ator, aparecendo em seis filmes durante a década de quarenta, entre eles, Linda Impostora / Ellery Queen, Master Detective / 1940, no papel de John Braun … um personagem que, a certa altura, é encontrado com a garganta cortada.

Fred Niblo foi uma personalidade importante nos primeiros anos de Hollwywood e um dos fundadores da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences. Ele faleceu em 1948 em New Orleans, Lousiana. Escolhí seis filmes de Niblo, que ví em dvd, para homenagear esse diretor competente e sensível de filmes com grandes personalidades do cinema mudo:

 A MARCA DO ZORRO / THE MARK OF ZORRO. Prod: Douglas Fairbanks Pictures Corporation. Dist: United Artists. Rot: Eugene Mullin, Douglas Fairbanks, baseado história “ The Curse of Capistrano” de Johnston McCulley. Foto: William McGann, Harris Thorpe. Dir. Arte: Edward M. Langley. Coreografia das lutas: H. J. Uyttenhove, Richard Talmadge.

Douglas Fairbanks e Marguerite de la Motte em A Marca do Zorro

A opressão reina na Califórnia espanhola do comêço do século XIX. O Governador Alvarado (George Periolat) e o lascivo Capitão Juan Ramon (Robert McKim) abusam de seu poder e mantêm o povo sob uma vigilância implacável. Um vingador mascarado, Zorro (Douglas Fairbanks) surge como defensor dos oprimidos. O misterioso espadachim grava sua inicial com a ponta de sua espada na pele de sua vítimas: a marca do Zorro. Os soldados estão aterrorizados com as proezas do esperto fora-da-lei, menos o efeminado Don Diego Vega (Douglas Fairbanks), chegado recentemente da Espanha. O pai do rapaz, Don Alejandro (Sydney de Grey), quer vê-lo casado com Lolita (Marguerite de la Motte), filha de Don Carlos Pulido (Charles Hill Mailes), nobre arruinado pelo governador. Entretanto, Don Diego não está interessado em cortejar a bela Lolita, preferindo passar o tempo ociosamente, fazendo truques com um lenço, que traz sempre consigo. Seu comportamento é um estratagema: o afetado Don Diego é o Zorro disfarçado. Como Zorro ele ridiculariza o Sargento Gonzales (Noah Beery), enfrenta o Capitão Ramon, e flerta com Lolita. Sua dupla identidade é desconhecida por todos, menos por seu criado mudo Bernardo (Tote Du Crow). Quando o Capitão Ramon aprisiona a família Pulido e sequestra Lolita, Zorro revela sua verdadeira identidade e estimula os cavalheiros locais a entrarem em ação e livrar a Califórnia de suas autoridades corruptas. Após vencer o Capitão Ramon em uma luta de esgrima, marcando um Z na sua testa, e forçar o governador a abdicar, ele beija sua espada, arremessa-a para o alto, fincando-a no teto, e diz “Até quando eu precisar de você de novo!”.

Cena de A Marca do Zorro

Douglas Fairbanks e Marguerite de la Motte em A Marca do Zorro

A Marca do Zorro foi um marco, não somente na carreira de Douglas Fairbanks, mas também no desenvolvimento do gênero de aventura. Neste seu décimo terceiro trabalho no cinema, Fairbanks estava passando das comédias contemporâneas para as produções de época, pelas quais ele é mais lembrado. Com este filme, ele definiu e popularizou o gênero capa-e-espada (que os americanos chamam de swashbuckler). Todos os praticantes deste tipo de espetáculo depois dele (Errol Flynn, Tyrone Power, Gene Kelly, Burt Lancaster, etc) inspiraram-se na herança de Fairbanks e sua contribuição para a construção do herói espadachim com sua simpatia, humor e atletismo.

Cena de A Marca do Zorro

Cena de A Marca do Zorro

Cena de A Marca do Zorro

Salvo o momento em que Zorro, sentado de pernas cruzadas em uma mesa, duela alegremente com seu oponente, e a soberba sequência acrobática de perseguição quase no final do filme, a direção de Fred Niblo não foge ao modelo usual do começo dos anos vinte, com muitas cenas transcorrendo como se estivessem sob o arco de um proscênio teatral; porém ele consegue manter a fluência da narrativa e criar instantes dramáticos e de suspense como aquele início quando, dentro da taverna, em uma noite chuvosa, os frequentadores do local estão impressionados com a marca de um Z que o Zorro cravou no rosto de um dos soldados do Sargento Gonzalez. O arrogante e vaidoso Gonzalez gaba-se, dizendo que vai capturar o bandido mascarado. De repente, alguém bate na porta da taverna, e todos ficam paralizados pelo medo. A porta se abre lentamente e entra uma figura encoberta por um enorme guarda-chuva. Enquanto os presentes prendem a respiração, o guarda-chuva é levantado e a figura revela-se não ser o temível Zorro, mas o dândi Don Diego.

OS TRÊS MOSQUETEIROS / THE THREE MUSKETEERS. Prod: Douglas Fairbanks Pictures Corporation. Dist: United Artists. Adaptação de Edward Knoblock do romance “Les Trois Mousquetaires de Alexandre Dumas pai. Foto: Arthur Edeson. Dir. Arte: Edward M. Langley. Coreografia das lutas: H. J. Uyttenhove. Mont: Nellie Mason.

Cena de Os Três Mosqueteiros

Em 1625, O Cardeal Richelieu (Nigel de Brulier) conspira na côrte de Louis XIII (Adolphe Menjou), ameaçando a rainha Anna d’Austria (Mary Mclaren), que está apaixonada secretamente pelo Duque de Buckingham (Thomas Holding). Da Gasconha chega D’Artagnan (Douglas Fairbanks), a fim de se tornar um dos Mosqueteiros do Rei. Ele se apresenta a Tréville (Willis Robards), capitão dos mosqueteiros, mas este lhe diz que primeiro deve adquirir mais experiência em outro lugar. D’Artagnan imediatamente se envolve em duelos com os três melhores espadachins da França, Athos (Léon Bary), Porthos (George Siegmann) e Aramis (Eugene Palllette), com os quais acaba formando uma aliança eterna. Com igual rapidez, ele conquista o coração de Constance Bonacieux (Marguerite de la Motte), jovem costureira da rainha. Ela encarrega os três mosqueteiros – e mais um – de uma missão perigosa na Inglaterra, para recuperar um colar de diamantes, presente do rei que ela havia dado a Buckingham como prova de sua afeição. Ciente desse plano, Richelieu ordena que seus espiões, Rochefort (Boyd Irwin) e Milady de Winter (Barbara La Marr), frustrem a missão dos mosqueteiros. Um a um eles vão sendo vencidos, e é D’Artagnan sozinho (com a ajuda de seu criado Planchet / Charles Stevens), que consegue recuperar o colar e voltar a tempo de salvar a rainha da ira do monarca. Finalmente aceito na corporação dos mosqueteiros, D’Artagnan é apresentado a Louis XIII, diante de toda a côrte, acompanhado pelos seus três amigos leais, cujo lema será sempre: “Um por todos – todos por um”.

Douglas Fairbanks em Os Três Mosqueteiro

Douglas Fairbanks e Marguerite de la Motte em Os Três Mosqueteiros

O sucesso popular de A Marca do Zorro significou uma mudança, não somente dos filmes de Douglas Fairbanks, mas também do próprio Fairbanks. Como arquiteto de seus próprios filmes, ele há muito tempo desejava se afirmar, realizando grandes produções, o que aconteceu quando levou à tela o seu herói predileto, D’Artagnan, criado por Alexandre Dumas, em Os Três Mosqueteiros.

D’Artagnan foi um papel que Fairbanks nasceu para desempenhar e ele contou mais uma vez com Fred Niblo como diretor de seu novo espetáculo, que – ao contrário de A Marca do Zorro, produzido com valores de produção discretos – teve cenários luxuosos, um elenco maior e figurinos magníficos. Para a filmagem foram utilizados dois estúdios em Hollywood, o Douglas Fairbanks Studios para pequenos cenários e o adjacente Robert Brunton Studios para cenas de interiores mais elaboradas.

Douglas Fairbanks, Mary Pickford e Fred Niblo durante a filmagem de Os Três Mosqueteiros

Cena de Os Três Mosqueteiros

Fruto do esforço colaborativo entre Fairbanks, Niblo e o coreógrafo de lutas H. J. Uyttenhove, destacam- se as tomadas de acrobacias brilhantemente encenadas nas sequências de luta contra os guardas do cardeal. A mais difícil foi inquestionavelmente aquela ocorrida quando D’Artagnan marca duelos com os três mosqueteiros atrás do Jardim de Luxemburgo. Ele começa a lutar com Athos, surgem os guardas, e os quatro os enfrentam; em um lance sensacional, Fairbanks dá um salto mortal com sua mão esquerda equilibrada em um pequeno punhal que cravara em um dos guardas. Foi a acrobacia mais difícil de toda a sua carreira.

Niblo consegue manter um ritmo trepidante do começo ao fim, arma algumas boas cenas cômicas como, por exemplo, o almoço na casa do padre e presta sempre atenção para o detalhe, como na cena em que a câmera focaliza as pernas de D’ Artagnan tremendo diante do rei ou quando o rei pede que a rainha use o colar no baile, e ela vê a sombra de Richelieu na porta. O diretor domina bem o suspense no final, alternando cenas de D’Artagnan duelando com Rochefort enquanto a rainha se desespera por não ter a posse do colar.

 SANGUE E AREIA / BLOOD AND SAND. Prod: Famous Players – Lasky. Dist: Paramount Pictures. Rot: June Mathis baseado romance “Sangre y Arena” de Vicente Blasco-Ibañez. Foto: Alvin Wycoff. Mont: Dorothy Arzner.

Rudolph Valentino em Sangue e Areia

Um jovem e impetuoso toureiro, Juan Gallardo (Rudolph Valentino), filho de uma viúva pobre de Sevilha (Rosa Rosanova), casa-se com Carmen (Lila Lee) sua namorada de infância, recém saída de um convento enquanto alcança a fama através da Espanha. Ele é feliz com Carmen mas, não obstante, sucumbe aos encantos ardentes de Doña Sol (Nita Naldi), uma víuva rica e glamourosa. Seu comportamento adulterino leva-o a ser humilhado diante de sua nobre esposa e a perder seu contrôle na arena. Distraído ao se defender de um touro, morre nos braços de Carmen, após lhe assegurar que ela sempre teve o seu amor.

Valentino e Nita Naldi em Sangue e Areia

Rudolph Valentino em Sangue e Areia

Rudolph Valentino em Sangue e Areia

Rudolph Valentino e Nita nNldi em Sangue e Areia

Rudolph Valentino e Fred Niblo na filmagem de Sangue e Areia

Rudolph Valentino em Sangue e Areia

Cena de Sangue e Areia

Se bem que sua história pareça obsoleta, trata-se de um drama absorvente graças à habilidade do diretor para controlar a cadência do filme e à presença sensual de Rudolph Valentino, cujos momentos de paixão com a voluptuosa (mas um tanto além do peso) Nita Naldi são realmente tórridos (embora hoje pareçam ridículos, inclusive por causa de diálogos como “Serpente! em um minuto eu te amo – no próximo eu te odeio!”).

Valentino e Lila Lee em Cena de Sangue e Areia

O que me incomodou no filme foram as cenas de tourada muito fracas – consistindo em tomadas de arquivo desajeitadamente inseridas no curso da narrativa, quando deveriam ter sido uma das atrações do espetáculo – e os sermões pomposos e agourentos (v. g. “A multidão é uma besta de dez mil cabeças”) de um personagem filósofo, Don Joselito (Charles Belcher), que não consta na versão de Rouben Mamoulian, mas somente nesta transposição para a tela do romance de Ibañez, provavelmente porque no filme em questão houve a preocupação de transmitir a denúncia feroz das crueldades da tourada implícitas na obra literária enquanto que no filme de Tyrone Power o que interessava era o aspecto particular do jovem matador fascinado por uma mulher fatal. No entanto, até que não caiu mal o paralelismo entre a vida e o destino de Juan e o seu amigo bandido Plumitas (Walter Long), também inexistente na versão Mamoulian: “Juan mata touros enquanto Plumitas mata homens”; Plumitas morre no estádio alvejado pelos policiais ao mesmo tempo em que Juan é fulminado pelo touro.

TERRA DE TODOS / THE TEMPTRESS. Cosmopolitan Pictures. Dist. MGM. Direção adicional durante dez dias: Mauritz Stiller. Adaptação de Dorothy Farnum do romance de Vicente Blasco-Ibañez “La Tierra de Todos”. Foto: Gaetano (Tony) Gaudio. Dir. Arte: Cedric Gibbons. James Basevi. Mont: Lloyd Nosler.

Greta Garbo e Antonio Moreno em Terra de Todos

Manuel Robledo (Antonio Moreno), jovem engenheiro argentino de passagem por Paris, apaixona-se loucamente no decorrer de um baile de máscaras pela bela Elena (Greta Garbo). Ela jura que não poderá pertencer a outro homem senão a ele, mas quando Robledo faz uma visita a seu amigo, o Marquês de Torre Bianca (Armand Kaliz), descobre que Elena é sua esposa e amante, com o consentimento do marido, do banqueiro Fontenoy (Marc MacDermott), em troca do perdão de suas dívidas. Quando Fontenoy, em um banquete e na frente de seus convidados, acusa Elena de tê-lo arruinado, e se suicida, Robledo, magoado, retorna a seu país, onde supervisiona a construção de uma grande barragem. Pouco depois, Torre Bianca, humilhado pelo escândalo, resolve ir também para a Argentina, levando Elena consigo. Em uma região selvagem, ela fascina os homens principalmente o gaucho Conterac (Lionel Barrymore) e o bandoleiro “Manos Duras” (Roy D’Arcy). Conterac mata em uma briga um companheiro que também a disputava e “Manos Duras” troca insultos com Robledo, e os dois se enfrentam em um duelo de chicote. Humilhado pela derrota, “Manos Duras” dinamita a represa, que uma chuva torrencial acaba de destruir. Elena renuncia a seu amor, a fim de que Robledo possa se consagrar ao seu trabalho. Anos depois, Robledo vai a Paris, para receber uma condecoração, e encontra Elena por acaso em um café; mas ela está muito alcoolizada, e não o reconhece. Na sua embriaguês, identificando um mendigo barbudo como Jesus, Elena lhe dá seu único objeto de valor, um anel de rubís, dizendo: “Você compreende. Você morreu por amor”.

Fred Niblo dirige Garbo em Terra de Todos

Greta Garbo e Antonio Moreno em Terra de Todos

Segundo filme de Greta Garbo na América, Terra de Todos é um melodrama exótico, cheio de clichés, mas salvo do fracasso pela direção segura de Fred Niblo (às vêzes inspirada – o último banquete do banqueiro arruinado; a luta feroz de chicote e o erotismo sugerido quando Elena praticamente lambe o sangue no peito do seu amado; a heroína degradada acreditando ver a imagem do Cristo no rosto de um mendigo – e pela presença resplandescente de Garbo, magnificamente fotografada por Tony Gaudio.

Garbo

Greta Garbo e Antonio Moreno em Terra de Todos

Diante do epílogo sinistro, a MGM providenciou um final feliz: Robledo encontra Elena no meio da multidão durante a cerimônia e se reconcilia com ela. Foi dada a escolha aos exibidores. Como era de se esperar, o verdadeiro final foi usado em Nova York, na Califórnia e na Europa; o outro, mais raro, foi preferido na América profunda.

DAMA MISTERIOSA / THE MYSTERIOUS LADY. Prod: Harry Rapf. Dist: MGM. Adaptação de Bess Meredith do romance “Der Krieg im Dunkel” (Guerra às Escuras) de Ludwig Wolff. Foto: William Daniels. Dir. Arte: Cedric Gibbons. Mont: Margareth Booth.

Conrad Nagel e Greta Garbo em A Dama Misteriosa

Greta Garbo e Conrad Nagel em A Dama Misteriosa

Em Viena, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o Capitão Karl von Raden (Conrad Nagel) e seu amigo, Capitão Max Heinrich (Albert Pollet), são informados na bilheteria de um teatro, de que os bilhetes para a ópera estão esgotados. De repente, um homem devolve seu ingresso, Karl compra, e divide o camarote com uma mulher deslumbrante. Findo o espetáculo, ao saber que ela está sem dinheiro, pois aguardava o primo, que acabou não chegando, Karl a acompanha até sua residência, e passam a noite juntos. Pouco antes de embarcar em um trem, encarregado de levar documentos secretos para Berlim, Karl é advertido por seu tio, Coronel Eric von Raden (Edward Connelly), chefe do serviço secreto austríaco, de que a mulher com a qual ele esteve na véspera, era uma notória espiã russa, Tania Fedorova (Greta Garbo). No trem, ele reencontra Tania. Ela confessa que está a serviço de seu país, mas que o ama de fato; entretanto mas Karl a rejeita, e depois percebe que os documentos secretos sumiram. Karl é levado à côrte marcial e à prisão; porém seu tio lhe dá uma chance de se redimir, encarregando-o de ir atrás de Tania, disfarçado de pianista, a fim de descobrir, por meio dela, a identidade de um traidor que está a serviço dos russos. Karl e Tania se encontram em Varsóvia e, por amor ao capitão, Tania lhe entrega documentos que revelam quem é o traidor, que estão de posse do seu superior e amante General Boris Alexandroff (Gustav von Seiffertitz). Depois de momentos de muita tensão, o general descobre o roubo. Tania o mata, e foge com Karl para a Austria.

Filmagem de A Dama Misteriosa

Greta Garbo e Gusav von Seiffertitz em A Dama Misteriosa

Cena de A Dama Misteriosa

Niblo na filmagem de A Dama Misteriosa

O assunto pode não ser original, mas deu ensejo para que Bess Meredith traçasse um roteiro excelente, cujas sequências Fred Niblo soube encadear muito bem (sempre uma característica do seu trabalho), preenchendo a tela com belas imagens (os primeiros planos de Greta Garbo, a cerimônia de degradação do capitão Karl, as festas nas quais se destacam o luxo dos interiores e a fotogenia dos uniformes dos oficiais). Graças à direção de Niblo o filme mantém o tempo todo o interesse do espectador pela história de amor e espionagem e, no final, transmite um suspense que nos deixa ofegantes.

BEN-HUR / BEN-HUR, A TALE OF THE CHRIST. Prod: Louis B. Mayer, Samuel Goldwyn, Irving Thalberg. Dist: MGM. Dir. cenas iniciais em Roma: Charles Brabin. Ass. Dir: Al Raboch, Christy Cabanne. Dir. 2a Unidade: B. Reeves Eason (com 62 assistentes entre eles Henry Hathaway e William Wyler. Dir. cenas da Natividade com Betty Bronson como Virgem Maria: Ferdinand Pinney Earle. Adapt: June Mathis baseada no romance “Ben-Hur, A Tale of the Christ” de Lew Wallace. Rot: Bess Meredith, Carey Wilson. Foto: René Guissart, Percy Hilburn, Karl Struss, Clyde De Vinna. Foto adicional: E. Burton Steene, George Meehan. Dir. Arte: Cedric Gibbons, Horace Jackson, A. Arnold Gillespie. Mont: Lloyd Nosler. Ass. Mont: Bill Holmes, Harry Reynolds, Ben Lewis.

May MacAvoy e Ramon Novarro em Ben-Hur

Ramon Novarro e Francis X. Bushman em Ben-Hur

Ramon Novarro e Claire MacDowell em Ben-Hur

Francis X. Bushman e Ramon Novarro em Ben-Hur

Em Jerusalem, cresce a opressão romana ao judeus, e é particularmente sentida no lar principesco dos Hur. Temerosa, a Princesa Miriam (Claire McDowlel), uma viúva, incumbe seu fiel escravo Simonides (Nigel de Brulier), de esconder seu dinheiro. O filho de Miriam, Judah Ben-Hur (Ramon Novarro), sente-se atraído pela filha de Simonides, Esther (May Mac Avoy), porém ela deve ir com seu pai para a Antióquia. No mesmo dia, Judah revê seu amigo de infância, Messala (Francis X. Bushman), centurião romano, que acabara de voltar a Jerusalem após uma longa ausência. Enquanto conversam, Judah percebe que Messala mudou, não é mais o amigo compreensivo, mas um opressor que deseja que ele esqueça de que é judeu. Compreendendo que sua amizade se tornou impossível, os dois homens rompem sua relação. Na tarde do mesmo dia, Judah, Miriam e a irmã de Judah, Tirzah (Kathleen Kay), assistem, do balcão de sua casa, a uma parada em homenagem ao novo comandante de Jerusalem, quando, acidentalmente, Judah desprende uma telha, que cai na cabeça do comandante, deixando-o inconsciente. Os soldados romanos, liderados por Messala, penetram na casa e prendem toda a família. Judah é condenado à prisão perpétua como escravo nas galés e não fica sabendo o destino de Miriam e Tirzah. Obrigado a caminhar com outros prisioneiros através do deserto até o mar, Judah encontra no caminho um jovem carpinteiro, que lhe dá água para beber e força espiritual para sobreviver. Em Jerusalem, Simonides é torturado, mas se recusa a revelar onde escondeu o dinheiro dos Hur. Dois anos mais tarde, durante um combate contra piratas, Judah salva o comandante da frota romana, Arrius, (Frank Currier) enquanto a embarcação afunda. Judah e Arrius ficam à deriva no mar durante dois dias até que um navio romano os resgata. Por gratidão, e também por admiração, Arrius dá seu anel para Judah comprar sua liberdade e depois o anuncia como seu filho adotivo. Passam-se alguns anos e Judah, agora conhecido com Arrius, o Mais Moço, é aclamado como um grande atleta em Roma por suas vitórias nas corridas de bigas

Ramon Novarro em Ben-Hur

Cena das galés em Ben-Hur

Ramon Novarro e Frank Currier em Ben-Hur

Ao ouvir falar que Simonides ainda estaria na Antióquia, Judah vai procurá-lo, porém ele se recusa a reconhecê-lo, dizendo que Judah, tal como sua mãe e irmã estão mortos. Entretanto, Esther reconhece Judah e lhe entrega um bracelete, que Miriam havia dado a ela. Pouco depois, o Sheik Ilderim (Mitchell Lewis), um árabe criador de cavalos, pede a Judah que participe de uma corrida de bigas, no Circo de Antióquia. Inicialmente desinteressado, mas quando Ilderim diz que Messala é o favorito para ganhar a corrida, Judah concorda em disputá-la, como um judeu desconhecido. Simonides revela a Esther que, apesar de ter reconhecido Judah, ficou com medo de admitir isso, porque, ela, como ele, seriam escravos de Judah. Quando a notícia da corrida se espalha, Messala pede à sua amante, a egípcia Iras (Carmel Myers), para solucionar o mistério do judeu desconhecido. Ela vai ao acampamento de Ilderim, a fim de seduzir Judah, porém ele não revela sua identidade. Mais tarde, Simonides e Esther admitem diante de Judah a sua servidão e Simonides o coloca a par da fortuna dos Hur, que ele multiplicara. No dia seguinte, o Circo está cheio de gente ansiosa por apostar contra o judeu desconhecido, mas é Judah quem ganha a corrida, na qual Messala, depois de várias tentativas para destruir sua biga, acaba perdendo a vida. Vitorioso e rico, Judah não pode regozijar-se, porque sua mãe e irmã estão mortas, e os judeus continuam escravizados por Roma. A esta altura, Miriam e Tirzah contraem lepra e são enviadas para o Vale dos Leprosos. Balthazar, amigo de Ilderim, revela que a criança de Belém, agora chamada de Nazareno, é o rei que libertará os judeus e Judah decide usar todos os seus recursos para ajudá-lo. Ele organiza um exército perto de Antióquia enquanto, em Jerusalem, o Nazareno prega o amor, o perdão e a paz, inspirando milhares de seguidores. Judah retorna a Jerusalem, e vai à sua antiga casa, agora deserta. Ele adormece do lado de fora e, logo depois, Miriam e Tirzah chegam. Judah murmura “Mãe” no seu sono, as mulheres o vêem, mas não o acordam, sabendo que são “impuras”. Judah desperta, chegam Simonides e Esther, e um velho criado anuncia que o Nazareno foi preso. Quando Judah parte a cavalo, Miriam, que estava escondida ali perto, solta um grito de desespêro, atraindo a atenção de Esther. Miriam implora a Esther que mantenha seu segrêdo mas, ao saber que o Nazareno pode curar os doentes, Esther vai ao Vale dos Leprosos e convence Tirzah e Miriam a voltar para Jerusalem. Durante a via crucis do Nazareno, Judas aproxima-se dele, para lhe dizer que tem duas legiões aguardando fora da cidade, porém Jesus lhe diz que seu reino não é deste mundo. Comovido, Judah deixa cair sua espada. O Nazareno continua seu percurso com a cruz e, no caminho, ressuscita uma criança e cura Miriam e Tirzah. Judah presencia o milagre e se reune com sua mãe e irmã. Depois da crucificação, Judah, Miriam, Tirzah, Esther e Simonides estão juntos, certos de que a mensagem do Nazareno subsistirá eternamente.

Niblo na filmagem de Ben-Hur

Fred Niblo e os figurantes de Ben-Hur

Filmagem de Ben-Hur

Filmagem da corrida de bigas em Ben-Hur
Production Still

Esta versão cinematográfica de Ben-Hur teve início quando os empresários teatrais Klaw e Erlanger compraram os direitos de filmagem de Henry Wallace, filho e herdeiro do autor do romance, Lew Wallace, em 1921 e os revenderam para Frank Godsol da Goldwyn Company em troca da promessa de receberem metade dos lucros do filme. A principal roteirista da Goldwyn, June Mathis, preparou um roteiro e escolheu George Walsh, Francis X. Bushman e Gertrude Olmstead, para interpretarem respectivamente os papéis de Judah Ben-Hur, Messala e Esther, e o inglês Charles Brabin como diretor. A produção teve início na Itália em 1923 com a batalha naval, que foi encenada no mar, perto da costa de Anzio. Entrementes, a Goldwyn foi absorvida na fusão que criou a Metro-Goldwyn-Mayer e o chefe do estúdio Louis B. Mayer ficou cada vez mais insatisfeito com as cenas que estavam sendo filmadas por Brabin. Ele e seus colegas executivos Irving Thalberg e Harry Rapf decidiram substituir Brabin por Fred Niblo, George Walsh e Gertrude Olmsgtead, pela ordem, por Ramon Novarro e May McAvoy, e encarregaram Bess Meredith e Carey Wilson de reecreverem o script de June Mathis. Todas as tomadas rodadas por Brabin foram descartadas e Niblo refilmou a batalha naval, com trirremes de tamanho natural, no mar próximo ao litoral de Livorno. Depois que o fogo destruiu o depósito de adereços em Roma, Thalberg ordenou que a produção voltasse para Hollywood, onde novos cenários foram construídos e a corrida de bigas conduzida pelo diretor de 2a Unidade B. Reeves Eason. Ele usou 12 bigas e 48 cavalos, e o resultado foi uma sequência eletrizante, que até hoje impressiona. A produção custou 4 milhões de dólares e lucrou 9 milhões, porém as despesas com distribuição e promoção foram tão grandes que, combinado com o acordo que dava a Klaw e Erlanger a metade dos ganhos, a MGM ficou com um prejuízo de um milhão de dólares – embora eventualmente a empresa tenha recuperado sua perda, quando uma versão condensada com score sincronizado e efeitos sonoros foi lançada em 1931.

Mitchell Lewis e Ramon Novarro em Ben-Hur

Francis X. Bushman e Ramon Novarro em Ben-Hur

Cena de Ben-Hur

Cena de Ben-Hur

Ramon Novarro em Ben-Hur

Ramon Novarro

O filme de 1925 é estruturado em torno do conflito de valores entre Cristandade e Roma Imperial. Ele intercala episódios da vida de Cristo (filmados em Technicolor) e a história de Ben-Hur e sua rivalidade com Messala (filmada em preto e branco, e depois tingida). As vidas de Jesus e Ben-Hur se justapõem, quando Jesus dá água para o sedento e brutalizado Ben-Hur e quando, na sua via crucis, prega a não-violência e o faz baixar sua espada, curando, logo em seguida, sua mãe e irmã leprosas.

Cena de Ben-Hur

O roteiro deu ênfase ao ângulo religioso (v. g. multiplicando as cenas da vida de Cristo; expondo com clareza a adesão de Judah ao Cristianismo) e ao subtexto político (v. g. mostrando a tirania dos romanos – quando, diante do portão de Joppa, os romanos humilham e maltratam os judeus -, o tratamento desumano dos remadores, o colapso do palácio de Pilatos, símbolo da queda do poder de Roma, a proposta de Judah para formar duas legiões e proclamar Jesus como Rei dos Judeus).

O mérito de Niblo foi ter levantado a moral de toda a equipe depois de tanta turbulência na filmagem; coordenado com muita segurança as atividades de inúmeros técnicos e artistas; extraído ternura e pungência das cenas mais íntimas; e, principalmente, conferido um esplendor visual ao espetáculo, que deveu muito também a Ramon Novarro que, além de agradar à vista por causa de sua bela presença física, fez uma caracterização perfeita do protagonista, expressando maravilhosamente seu ardor, sua cólera, sua dor, sua espiritualidade.

                                                                                                            FILMOGRAFIA

1916 – Get-Rich-Quick Wallingford; O Polícia 666 / Officer 666. 1918 – The Marriage Ring; Aventuras de uma Atriz / When Do We Eat? ; Vida Ilustre / Fuss and Feathers. 1919 – Exilados / Happy Though Married; Abandonada / Partners Three. Ciúmes Que Matam / The Law of Men; A Alcova do Fantasma / The Haunted Bedroom; Ladrão Virtuoso ou Ladrão por Gratidão / The Virtuous Thief; Stepping Out; O Que Toda Mulher Deve Saber / What Every Woman Learns; Dangerous Hours. 1920 – Pela Nossa Honra / The Woman in the Suitcase; Hoje Eu, Amanhã Tu! / Sex; Anabela / The False Road; Enfeites / Hairpins; Desdita / Her Husband’s Friend; A Marca do Zorro / The Mark of Zorro; Elegância / Silk Hosiery. 1921 – Diante do Cadafalso / Mother O’Mine; Mais Forte Que o Amor / Greater Than Love; Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers. 1922 – A Mulher e a Inspiração / The Woman He Married; A Rosa do Mar / Rose of the Sea; Sangue e Areia / Blood and Sand. 1923 – Mãe, Missão Suprema / The Famous Mrs. Fair; Uma Noite Fascinante / Strangers of the Night. 1924 – Teu Nome é Mulher / Thy Name Is a Woman; Fogo, Cinzas, Nada / The Red Lily. 1925 – Ben-Hur / Ben-Hur. 1926 – Terra de Todos / The Temptress; A Dama das Camélias / Camille. 1927 – A Bailarina Diabólica / The Devil Dancer; Ódio/ The Enemy. 1928 – Dois Amantes / Two Lovers; Dama Misteriosa / The Mysterious Lady; Sonho de Amor / Dream of Love. 1930 – Redenção / Redemption; Cowboy a Muque / Way Out West. 1931 – O Filho Adotivo / Young Donovan’s Kid; The Big Gamble. 1932 – Two White Arms; Diamond Cut Diamond.

ROBERT SIODMAK E SEUS FILMES NOIRS III

Existiram poucos filmes na filmografia de R. Siodmak que foram realizados com uma independência real, tanto sob o ponto de vista da elaboração do argumento como da filmagem. Baixeza / Criss Cross / 1948, beneficiou-se de uma concordância íntima do estilo, do assunto abordado e da personalidade do cineasta e foi a sua obra-prima, o filme noir mais trágico de todos.

Seu tema é o aviltamento de um homem fraco e apaixonado. Steve Thompson (Burt Lancaster) retorna a Los Angeles, após ter viajado por todo o país, para esquecer Anna (Yvonne De Carlo), sua ex-mulher. Ainda obcecado por ela, Steve vai à boate que costumavam frequentar. Fica surpreso ao vê-la na pista de dança e percebe seu relacionamento com Slim Dundee (Dan Duryea), um gângster. Encorajado por Anna, e apesar das advertências por parte de seus familiares e do amigo detetive, Peter Ramirez (Stephen MacNally), Steve começa a se aproximar de novo da ex-mulher.

Yvonne De Carlo e Burt Lancaster em Baixeza

Yvonne de Carlo e Burt Lancaster em Baixeza

Um dia, Anna não aparece. O garçom da boate informa Steve de que ela está em Yuma e se casou com Dundee. Seis meses mais tarde, Steve avista Anna na estação ferroviária, onde acabara de se despedir de Dundee. Anna diz que se casou com Dundee devido à hostilidade de sua família e porque Ramirez ameaçou prendê-la, se não saísse da cidade. Conta também que Dundee costuma bater nela, mostrando as marcas de ferimentos nas costas.

Burt Lancaster e Yvonne De Carlo em Baixeza

Dundee os surpreende na casa de Steve e este improvisa uma explicação: diz que tem planos para roubar a empresa de transporte de valores em que trabalha e pede o auxílio de Dundee. Combinam que o dinheiro roubado ficará com Anna, até que possam se encontrar para repartí-lo. Steve pretende pegar sua parte e fugir com Anna enquanto Dundee planeja matá-lo durante o roubo. No decorrer do assalto, o velho Pop (Griff Barnett), companheiro de Steve no carro-forte, é morto. Steve reage e, apesar de ferido, consegue recuperar metade do dinheiro, passando por herói.

Alan Napier, Yvonne De Carlo, Burt Lancaster e Dan Duryea em Baixeza

Dundee manda raptar Steve no hospital, pois quer saber do paradeiro de Anna. Steve consegue subornar seu raptor para que o leve até a cabana perto do mar em Palos verdes, onde Anna está escondida. Aterrorizada com a presença de Steve, pois sabe que Dundee virá atrás deles, a jovem se prepara para abandoná-lo, ferido e amargurado. Antes que possa partir, levando o dinheiro consigo, Dundee chega. Ele mata Steve e Anna. Ao sair da casa, ouve o som das sirenes dos carros de polícia que se aproximam.

Yvonne De Carlo e Burt Lancasrer em Baixeza

Cena final de Baixeza

O filme começa de uma maneira bastante original. A câmera sobrevoa o aeroporto todo iluminado de Los Sngeles, vai descendo como um pássaro, e depois segue em direção a Steve e Anna, que se abraçam entre dois carros na escuridão de um estacionamento. O espectador é introduzido repentinamente no curso da ação, tomando logo conhecimento do triângulo amoroso. (“Dei uma fugida, enquanto ele estava dançando”… “É melhor voltar, antes que ele comece a procurar por você”… “Depois que tudo acabar e nós estivermos seguros, seremos só eu e você. Do jeito que deveria ter sido desde o princípio”), que é a chave de todo o drama. No dia seguinte, Steve dirige o carro-forte para San Raphaelo, onde vai ocorrer o assalto e, durante o percurso de quarenta minutos, recorda o passado.

Yvonne De Carlo e Burt Lancaster em Baixeza

O diretor R. Siodmak soube dominar um enredo de estrutura complexa e criar uma esplêndida atmosfera de amargura e fatalismo, complementando muitas vezes a narração na primeira pessoa com uma quantidade de planos subjetivos que acentuam alguns pontos temáticos muito importantes. Por exemplo, a solidão de Steve é expressa em uma tomada na qual surpreende o irmão beijando a noiva, na visão dele, sentado no sofá da sala de visita.

Robert Siodmak dirige Yvonne De Carlo e Burt Lancaster em Baixeza

Mais tarde, R. Siodmak usa inúmeros planos subjetivos para obrigar a platéia a participar da situação aflitiva e de suspense do protagonista, aguardando a vingança de Dundee. Imobilizado na cama do hospital, Steve percebe, pela porta entreaberta, a presença de um homem no corredor. A enfermeira diz que é um visitante, chamado Nelson. Steve manda chamá-lo. Nelson (Robert Osterloh) se apresenta como caixeiro-viajante e diz que sua mulher foi ferida em um acidente. Steve pede-lhe que passe a noite com ele. Nelson senta-se dentro do quarto e parece que vai adormecer. Assim que a enfermeira sai, ele se levanta e volta com uma cadeira de rodas. Aproximando-se do leito, acorda Steve e se identifica como mensageiro de Dundee. Corta as cordas do contrapeso que sustenta o braço engessado de Steve e a imagem sai de foco, sugerindo um desmaio.

Robert Osterloh e Burt Lancaster em Baixeza

No seu retorno a Los Angeles, Steve tenta enganar os próximos e a si mesmo, dizendo que já se libertou da ex-mulher, mas ali está ele, triste e desamparado, procurando por ela na boate, onde sabe que vai acabar encontrando-a. Até que o desejo se concretiza em uma sequência notável, na qual mostra toda a fascinação que Anna exerce sobre ele: Steve entra no Rondo Club. Vemos os pares dançando uma rumba executada pela orquestra de Esy Morales, Esy tocando sua flauta travessa, Anna rodopiando na pista, linda e sensual, outro plano de Esy, e finalmente Steve, em plano americano – e depois em primeiríssimo, durante um intercutting – , inteiramente subjugado.

Yvonne De Carlo e Tony Curtis dançam a rumba em Baixeza

Steve confunde sua própria passividade com as maquinações do destino. “Estava escrito nas cartas ou foi o destino, ou o azar, ou o que você quiser”, diz ele no começo do retrospecto. “Estava nas cartas, e não havia como impedí-lo”, conforma-se, quando recebe a notícia do casamento de Anna. É a convenção noir do homem vítima de um destino inexorável. Porém, na realidade, o destino não teve nada a ver com os problemas de Steve. Podem ter ocorrido certas coincidências, mas significaram muito pouco. Não foi o destino que fez Steve perder sua força de vontade, que está sempre se desintegrando na presença de Anna. Ele simplesmente não consegue se libertar de seu encanto.

Cena do Assalto em Baixeza

Cena do assalto em Baixeza

A sequência do assalto é estilizada, deliberadamente irrealista. Uma câmera diretamente do alto mostra o carro-forte dirigindo-se para o seu destino. Quando Steve e Pop saltam com as sacolas de dinheiro, as bombas de gás lacrimogêneo explodem. Uma nuvem sufocante invade toda a rua e Dundee e seus homens colocam suas máscaras. Soa o alarme, que não vai parar de tocar durante toda a sequência. Dundee surge do meio da fumaça e dispara vários tiros contra Pop. Steve vê Dundee matar seu amigo e muda de idéia. Ele alveja um bandido e tenta pôr as sacolas em segurança dentro do carro-forte. Dundee atira nele. Os dois entram em luta corporal. Steve fere Dundee na perna e depois recebe um tiro no ombro. Ouvem-se as sirenes dos carros de polícia. Os bandidos fogem. Toda essa movimentação, com os homens meio perdidos no nevoeiro de gás, alguns com as estranhas máscaras contra gases, parece um sonho febril, um estranho balé, encenado com muita noção de cinema.

Em 1949, Dore Schary, chefe de produção da MGM, acatou a idéia de um de seus produtores, Gottfried Reinhardt (um dos dois filhos de Max Reinhardt), de entregar a R. Siodmak a realização de O Grande Pecador / The Great Sinner, um “filme de prestígio” de orçamento vultoso, baseado em um grande clássico da literatura, “O Jogador”, de Fiodor Dostoievski.

Ava Gardner e Gregory Peck em O Grande Pecador

O filme é uma evocação hollywoodiana suntuosa do mundo do jogo e dos jogadores. Dirigindo-se a Paris, um escritor russo (Gregory Peck), encontra no trem uma mulher fascinante (Ava Gardner) e decide interromper sua viagem inicialmente prevista, a fim de não perdê-la de vista em Wiesbaden. Ali, ela reencontra seu pai, um general (Walter Huston), que uma paixão devoradora pelo jôgo o leva todas as noites ao cassino da cidade. O militar, quase arruinado, é por assim dizer obrigado a ceder a mão de sua filha para o diretor do cassino (Melvyn Douglas). Decidido a salvar a linda mulher dessa triste sina, o romancista tenta também sua chance no jôgo e fica rapidamente possuído por essa paixão infernal.

Gregory Peck, Ava Gardner e Melvyn Douglas em O Grande Pecador

Ava Gardner, Walter Huston, Ethel Barrymore e Gregory Peck em O Grande Pecador

Cena de O Grande Pecador

A adaptação não foi totalmente feliz – houve certa confusão durante a elaboração do roteiro, interferência por parte do produtor que ordenou cortes em sequências inteiras bem como a introdução de cenas suplementares feitas por outros diretores (provavelmente Jack Conway e / ou Mervyn LeRoy), e a imposição de um final feliz; porém, apesar dessas desvantagens, R. Siodmak conseguiu retratar muito bem a fauna de possuídos que assediam a roleta, destacando-se os momentos onde arriscam seus destinos nas apostas desesperadas. Sob este aspecto, a morte da velha senhora mãe do general (Ethel Barrymore), na mesa de jôgo, é um momento antológico.

Depois da MGM, R. Siodmak foi solicitado pela Paramount, onde o produtor Hal B. Wallis lhe ofereceu o projeto de A Confissão de Thelma / The File on Thelma Jordon / 1950, que seria o seu derradeiro filme noir.

Barbara Stanwick e Wendell Corey em A Confissão de Thelma

Thelma Jordon (Barbara Stanwick) entra na Delegacia de Polícia de Los Angeles, para dar parte de uma tentativa de furto. Cleve Marshall (Wendell Corey), assistente do promotor público (Barry Kelley) está ali diante do inspetor Scott (Paul Kelly) bebendo, para esquecer as mágoas conjugais. Depois que Scott sai, Cleve convida Thelma para um drinque e continuam saindo juntos às escondidas, enquanto sua esposa Pamela (Joan Tetzel) e o filho estão ausentes de férias em uma praia. Thelma diz a Cleve que vive separada do marido, Tony Laredo (Richard Rober) e mora com sua tia rica, Vera (Getrude Hoffman). Uma noite, Vera aparece morta. Thelma pede que Cleve venha imediatamente e o mordomo de Vera ouve por uma extensão a conversa entre os dois. Quando Cleve chega, Thelma revela que certa vez falou com Tony sobre um colar de esmeraldas caríssimo da tia, e receia que ele pode tê-la assassinado. Entretanto, as suspeitas recaem sobre ela, pois Tony tem um alibi indiscutível. Ao investigar o caso, Scott não consegue identificar o autor do misterioso telefonema, que foi apelidado de “Mr. X”, e que o mordomo viu deixando a cena do crime. Acreditando na inocência de Thelma, Cleve contrata anônimamente um advogado, Kingsley Willis (Stanley Ridges), e faz com que ele requeira a desqualificação do promotor público, para que ele, Cleve, possa assumir a tarefa de acusação. Cleve providencia um libelo propositadamente inepto, conseguindo absolver Thelma. Agora, herdeira de uma grande fortuna, ela volta a atrair o interesse de Tony, que nunca fôra seu marido, mas sim seu amante. Cleve faz uma visita final a Thelma durante a qual Tony obriga-a a admitir que eles enganaram Cleve e que ela matou a tia. Tony derruba Cleve e parte com Thelma. Ela se separa de Cleve, embora o ame e, desesperada, agride o amante enquanto este dirige o carro, que se precipita em uma ribanceira. No hospital, onde está agonizando, Thelma conta toda a verdade para Scott, porém se recusa a identificar “Mr. X”. Ela morre, e o promotor percebe que Cleve é “Mr. X”. Cleve se demite e pede a Scott, que ele informe Pamela de que ele a verá mais tarde.

Cena de A Confissão de Thelma

Cena de A Confissão de Thelma

O filme dispõe de todos os ingredientes para ser considerado um noir autêntico: mulher fatal destruindo a vida de um homem até então íntegro, corrupção, duplicidade de aparências, pessimismo, iluminação expressionista. Entretanto, Thelma é uma mulher fatal diferente. Ela subjuga o ingênuo Cleve, para assegurar o sucesso de um plano criminoso em proveito próprio e de um outro homem – mas se apaixona por sua vítima. Não é tão fria como Phyllis Dietrich, que a mesma Barbara Stanwyck interpretou em Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944. Age impulsivamente. Não é de todo má, “Passei a vida toda lutando entre o Bem e o Mal. Willis disse que eu era duas pessoas. Será que não podem deixar só uma parte de mim morrer? “, diz ela a Cleve no leito do hospital, pouco antes de expirar. O espetáculo sofre de alguma monotonia no trecho inicial, mas depois se desenvolve melhor, reconhecendo-se a força do estilo de R. Siodmak em algumas cenas, como por exemplo, o crime e depois o pânico da assassina e do seu protetor ante a aproximação do mordomo e o plano-sequência com a grua que segue Thelma da prisão ao tribunal através de uma multidão que a acompanha.

Os outros filmes americanos de R. Siodmak antes de retornar à Europa, foram: Deportado / Deported / 1950, O Direito de Viver / The Whistle at Eaton Falls / 1951 e O Pirata Sangrento / The Crimson Pirate / 1952.

Jeff Chandler e Marta Toren em Deportado

Rodado na Itália para Universal-International, Deportado, mostra como um gângster (Jeff Chandler) extraditado dos Estados Unidos para Nápoles, planeja uma maneira de trazer os cem mil dólares que roubara e nunca fôra recuperado pela polícia: ele manda a pessoa que está escondendo seu dinheiro, usá-lo para comprar alimentos e medicamentos e enviá-los para a aldeia onde fôra criado, a fim de que possa depois desviar a carga e revendê-la muito mais caro no mercado negro. Entrementes, ele se enamora de uma viúva aristocrática (Marta Toren) responsável pelo abastecimento local, que o apresenta como um benfeitor da cidade. Diante disso, muda de idéia e tem que enfrentar um ex-parceiro (Richard Rober), que quer a sua parte no roubo e os mafiosos locais.

Lloyd Bridges e Lenore Lonergan em O Direito de Viver

Dorothy Gish em O Direito de Viver

Rodado em New Hampshire para o produtor Louis de Rochemont (apoiado pela Columbia), O Direito de Viver, focaliza um conflito social entre operários e o patronato da costa leste. Um líder de sindicato (Lloyd Bridges) que a viúva de um industrial (Dorothy Gish) promoveu a presidente de uma pequena fábrica de plástico – única indústria em atividade em uma região duramente perturbada por greves – por força de um aumento dos custos de produção e das ferramentas arcaicas da firma, é obrigado a despedir operários temporariamente. Estes, excitados pelos sindicalistas à serviço da concorrência, ameaçam destruir as instalações da fábrica; porém após alguns confrontos entre trabalhadores leais à empresa e grevistas e a utilização de um processo de fabricação de plástico mais eficiente a paz social é reinstaurada.

Nick Cravat e Burt Lancaster em O Pirata Sangrento

Burt Lancaster e Eva Bartok em O Pirata  Sangrento

Rodada na sua maior parte em exteriores na Europa para a Hetch-Norma Pictures e distribuido pela Warner Bros., O Pirata Sangrento, conta as façanhas de um pirata do século XVIII (Burt Lancaster) no Mar das Caraíbas, que dá apoio a um revolucionário (Frederick Leicester), desafiando um tirano (Leslie Bradley) a serviço do Rei da Espanha, sempre acompanhado nessa aventura por um companheiro fiel (Nick Cravat); no decorrer dos acontecimentos, surgem um inventor bizarro (James Hayter) e a filha do chefe rebelde (Eva Bartok), por quem o intrépido pirata se apaixona.

Burt e Cravat em O Pirata Sangrento

Dos três filmes citados, apenas este último merece destaque pelo bom-humor, eloquência das situações absurdas (acompanhadas de invenções anacrônicas) e capacidade atlética e vitalidade dos dois artistas-acrobatas (Lancaster e Cravat), que conferem um sabor todo especial ao espetáculo.

O derradeiro período da carreira de R. Siodmak, compreende: A Grande Paixão / Le Grand Jeu / 1954, refilmagem do filme de Jacques Feyder; Quando o Amor é Pecado / Die Ratten / 1955; Mein Vater der Schauspieler / 1956; O Diabo Ataca à Noite / Nachts, wenn der Teufel kam / 1957; Dorothea Angermann / 1959; Retrato de uma Pecadora / The Rough and the Smooth (EUA) ou Portrait of a Sinner / 1959 (Inglaterra); Katia / Katia / 1959; Mein Schulfreund / 1960; O Advogado do Diabo / L’Affaire Nina B / 1961; Tunel 28 ou Escape from East Berlin / 1962; Der Schut / 1964; Der Schatz der Azteken Die Pyramide des Sonnengottes / 1964 – 1965; Os Bravos Não se Rendem / Custer of the West / 1967; O Último Romano / Kampf um Roma I – II (Der Verrat) / 1968 -1969.

Em A Grande Paixão / França – Itália, um jovem e brilhante advogado (Jean- Claude Pascal) que, por amor a uma amante indígna (Gina Lollobrigida) cometeu um desfalque, deixa a França, e aguarda em vão na Argélia, que ela se junte a ele. Desonrado e sem dinheiro, alista-se na Legião Estrangeira e encontra uma prostituta (Gina Lollobrigida), muito parecida com a sua amante na taberna de propriedade de uma cartomante (Arletty), que ele e mais dois companheiros frequentam. Lendo as cartas, a cartomante prevê a morte de seus dois companheiros, um (Raymond Pellegrin) morto por ele acidentalmente e o outro (Peter Van Eyck) durante uma patrulha. Desmobilizado, o rapaz decide voltar para a França na companhia da sósia de sua amante, que o ama sinceramente. Entretanto, depara-se com a antiga companheira, que o rejeita mais uma vez. Desesperado, ele deixa a sósia partir sozinha, e se reengaja. Antes de se unir à sua unidade, a cartomante faz uma “grande cartada”, na qual aparece o signo da morte. Ele parte voluntariamente em direção ao seu destino fatal.

Heildemarie Hatheyer e Maria Shell em Quando o Amor é Pecado

Em Quando o Amor é Pecado / República Federal Alemã, uma mulher estéril (Heildemarie Hatheyer), dona de uma lavanderia, com medo perder o marido, que deseja muito ter um filho, o faz acreditar que está grávida. O acaso vem em seu socorro na pessoa de uma jovem polonêsa (Maria Shell) sem dinheiro e sem visto de permanência no país, que está à procura de seu amante que sumira na República Federal da Alemanha e do qual espera um filho. A criança nasce e as duas mulheres concordam que a estéril manterá o recém-nascido como seu filho. Depois, a jovem se arrepende e, pensando que é o seu, rapta o filho doente de uma vizinha, que morre em seus braços. Apavorada pelo rumo dos acontecimentos, a “mãe estéril” intima seu irmão (Curd Jürgens) a dar um jeito para que a jovem “desapareça” de Berlim. O crápula tenta em vão convencer a moça a deixar a cidade e finalmente tenta estrangulá-la; porém durante a luta que se segue, ela consegue se desvencilhar dele e o mata, usando uma pedra como arma. A mãe solteira finalmente recupera seu filho e o marido da mulher estéril consola sua esposa.

Em Mein Vater, der Schauspieler (Meu Pai era Ator) / República Federal Alemã, uma atriz célebre (Hilde Krahl) casa-se com um novato e mais jovem que ela (O. W. Fischer): eles formam um par ideal, festejado pela imprensa, e dividem o cartaz durante alguns anos até o dia em que a atriz tem que ceder seus papéis para uma concorrente mais jovem. Amargurada e enciumada com o sucesso crescente do marido, ela abandona o domicílio conjugal e morre em um acidente na estrada. Inconsolável, seu esposo se entrega à bebida, arruina sua carreira, e acaba tentando o suicídio; mas é o seu jovem filho, até então sacrificado pela ambição dos pais, que salva sua vida, alertando os vizinhos.

Claus Holm e Hannes Messemer em O Diabo Ataca à Noite

Em O Diabo Ataca à Noite / República Federal Alemã, uma série de mortes sádicas permanecem inexplicáveis. Auxiliado por sua secretária (Annemarie Düringer), um comissário (Claus Holm) conduz a investigação. Ele não acredita na culpabilidade de um suspeito que todos os indícios acusam. Sua teoria é defendida pelo chefe da SS (Hannes Messemer) que, por ambição, quer uma solução espetacular, que permita reforçar a repressão. Por ordem de Hitler, as oitenta e duas mortes cometidas devem permanecer secretas. Desmascarado pelo comissário, o verdadeiro assassino (Mario Adorf) não vai a julgamento, porque é nazista e ariano puro. Apesar dos esforços do comissário, o inocente é condenado à morte (e depois libertado e abatido por “tentativa de fuga) e ele, como castigo, enviado para a frente russa enquanto o assassino é liquidado secretamente pela SS.

Ruth Leuwerik e Bert Sotlar em Dorohtea Angermann

Em Dorothea Angermann / Suiça, uma jovem (Ruth Leuwerik), filha de um pastor hipócrita e intolerante (Alfred Shieske), vagueia por uma discoteca, chama um guarda e se acusa da morte do marido. No tribunal, o pastor renega publicamente sua filha, apoiando-se em versículos bíblicos. Ela não reage, e descreve em retrospecto uma existência sem alegria, passada entre a cozinha e o presbitério. Obrigada a casar com sujeito brutal (Kurt Meisel), a jovem resiste, mas ele a estupra, e ela dá a luz uma criança natimorta. A moça então se entrega à bebida enquanto o marido, vilipendiando o dote do pastor, organiza orgias a domicílio. Quando decide ir para Hamburgo com seu antigo noivo – um engenheiro (Bert Sotlar), o marido, ferido no seu orgulho masculino, ameaça-a com uma faca. Ela atira um vaso no crânio dele, matando-o involuntariamente. No julgamento, uma testemunha inesperada inocenta a jovem mulher, que encontra o noivo na saída da côrte de justiça. Seu pai se aproxima dela e lhe pede perdão.

Em Retrato de uma Pecadora / Grã Bretanha, um jovem arqueólogo (Tony Britton) da alta sociedade londrina prestes a partir em expedição ao Oriente Próximo, rompe seu noivado com uma herdeira riquíssima, para seguir uma desconhecida loura e lasciva (Nadja Tiller), que encontrara na rua. Ele descobre que esta criatura é ao mesmo tempo relacionada com um rufião traficante de heroína e com seu antigo patrão (William Bendix), um dono da boate arruinado, que acaba por se suicidar. Todos os esforços do arqueólogo para tirá-la desse meio são inúteis. Desiludido, amadurecido e desprovido de suas economias, o rapaz volta aos braços puros da noiva, deixando seu “anjo perverso” sossobrar na prostituição.

Curd Jürgens e Romy Schneider em Katia

Em Katia / França , na Rússia de 1861 a 1881, ao visitar o Instituto Smolny, o Tzar Alexandre II (Curd Jürgens) conhece a jovem Katia, (Romy Schneider), loucamente apaixonada por ele. Quando o monarca percebe que a ama, julgando este amor impossível, ele a envia a Paris. Alguns anos mais tarde, em visita oficial na capital francêsa, o Tsar revê Katia. Não podendo mais viver sem ela, ele a faz retornar a São Petersburgo e decide esposá-la quando a Imperatriz more. Porém, ferido em um atentado, ele morre nos braços de sua bem-amada.

Em Mein Schulfreund (Meu Colega de Classe) / República Federal Alemã, um funcionário do Correio (Heinz Ruhmann) exerce escrupulosamente o seu trabalho, mas os horrores da guerra o incomodam, e ele resolve escrever uma carta para seu antigo colega de classe Herman Goering (que sempre colava dele nas provas), na qual implora que o poderoso Reichsmarschall use de toda a sua influência para fazer cessar a carnificina nazista. A missiva é interceptada pela Gestapo e o modesto funcionário torna-se um preso político, passível de sofrer a pena de morte. Avisado sobre o incidente, Goering poupa a vida de seu antigo condiscípulo, fazendo com que ele seja declarado um doente mental irresponsável. O problema é que, após o fim da guerra, o funcionário não pode ser reintegrado ao seu trabalho por causa de sua condição de demente. Aí começa sua odisséia tragicômica para contactar as pessoas que poderiam atestar sua sanidade – porém elas estão mortas, presas ou se recusam a testemunhar por medo de atrair a atenção da imprensa sobre seu pasado. Finalmente, seu advogado o aconselha a cometer um delito punível que levará a um novo exame psiquiátrico. A manobra é bem sucedida e o funcionário, condenado com sursis, recebe enfim a consideração e as indenizações a que tem direito.i

Em O Advogado do Diabo / França, Nina B (Nadja Tiller), no enterro do Senhor B (Pierre Brasseur), um ex-condenado, chofer (Walter Giller) e homem de confiança do falecido, introduz a narração através de um retrospecto. Ele relata o suicídio frustrado de Nina B (Nadja Tiller), esposa-objeto do defunto, um poderoso financista da Alemanha após-guerra. O Senhor B dispõe de documentos que comprovam a participação de seus rivais em crimes de guerra e pretende usá-los contra eles. Seus inimigos fazem com que ele seja preso sob pretexto de fraude fiscal e o chofer fica com a pasta contendo os documentos comprometedores sendo exposto aos ataques dos antigos nazistas. Nina torna-se amante do chofer e tenta manobrá-lo para seus próprios fins. Libertado por seu advogado, o Senhor B utiliza as provas em seu poder para obter a capitulação de seus concorrentes, mas seu próprio advogado o trai, e ele, às vésperas de ser novamente preso, tem um enfarte do miocárdio. Ou foi o efeito do veronal que sua esposa teria substituído aos remédios que o marido tomava contra ataques cardíacos? Ninguém saberá.

Christine Kauffman e Don Murray em Tunel 128

Em Tunel 28 / USA – República Federal Alemã, o motorista (Don Murray) de um major da Alemanha Ocidental vê um amigo ser morto, ao tentar atravessar o Muro de Berlim com seu caminhão. Ele é persuadido pela irmã (Christine Kauffman) do falecido, a planejar uma fuga para a Alemanha Ocidental. Com a ajuda de um grupo de pessoas, o rapaz cava um túnel por debaixo do Muro, por onde eles escaparão do jugo comunista. Seus esforços para evitar a suspeita dos guardas da Alemanha Oriental, seu medo de uma traição por parte de vizinhos e a exaustão são apenas algumas das dificuldades encaradas pelos fugitivos.

Lex Barker em Der Schut

Em Der Schut / República Federal Alemã – Itália – França – Iugoslávia, por volta de 1870, na Albânia, um bandido apelidado de “o diabo amarelo”, que se disfarça em um rico mercador de tapetes (Rik Battaglia), espolia os viajantes nas montanhas controladas teoricamente pela administração otomana. Acompanhado de um fiel servidor (Ralf Wolter) e de um aristocrata inglês (Dieter Borsche), o intrépido teutônico “Kara Ben Nemsi”(Lex Barker) parte em busca de um amigo francês sequestrado pelo bandido. Seguem-se cavalgadas, emboscadas, traições noturnas, aldeias incendiadas, orelhas cortadas, etc. até o momento em que a polícia turca, alertada por uma bela cativa (Marie Versini) cerca o refúgio do vilão, que acaba no fundo de um precipício.

Em Der Schatz der Azteken / República Federal Alemã – França – Itália – Iugoslávia, na época da Guerra Civil Americana, um médico alemão (Lex Barker), enviado secreto de Juarez (Fausto Tozzi) junto a Lincoln (Jeff Corey), a fim de obter apoio financeiro na sua luta contra Maximiliano, instalado como imperador do México pelo govêrno francês – no curso de várias aventuras que envolvem seu assistente, um cowboy americano (Kelo Henderson); um capitão traiçoeiro de Juarez (Rik Battaglia); um rico proprietário rural simpático à causa revolucionária (Friedrich von Ledebur) e seu filho pródigo (Gérard Barray); um fabricante de relógios (Ralf Wolter); e uma princesa Azteca (Theresa Lorca) – descobre, nas galerias de uma pirâmide, onde se refugiam os antigos descendentes dos aztecas, o tesouro legendário outrora cobiçado por Cortez.

Robert Shaw em Os Bravos Não se Rendem

Em Os Bravos Não se Rendem / Estados Unidos (rodado na Espanha), após uma brilhante carreira na Guerra Civil, o jovem General George Armstrong Custer (Robert Shaw) vai para o Oeste, acompanhado de sua esposa (Mary Ure), assumir o comando do 7º Regimento de Cavalaria. Ao reprimir os índios que estão se rebelando contra a política do govêrno de reservas territoriais, ele entra em conflito com dois oficiais (Jeffrey Hunter, Ty Hardin), que são simpatizantes da causa indígena, e aperta a disciplina entre seus homens. Mais tarde, Custer recebe uma visita surprêsa do General Sheridan (Lawrence Tierney), que lhe ordena um ataque a uma aldeia cheyenne, para acalmar os políticos de Washington. Custer cumpre a ordem, mas suas tropas massacram de uma maneira selvage mulheres e crianças. Embora ele se recuse a uma aproximação conciliatória com o Chefe Dull Knife (Kieron Moore), Custer conclui que a receptividade do govêrno a interesses privados deve ser controlada, a fim de que a paz seja garantida. Uma patrulha de Custer deserta depois que é descoberto ouro na reserva e ele é obrigado a executar o líder dos desertores (Robert Ryan). Em seguida a uma emboscada dos índios contra uma nova linha férrea que atravessa suas terras, Custer é chamado a Washington. Ele denuncia políticos da administração do presidente Grant, que foram subornados para atuar como porta-vozes da estrada de ferro e de mineradores e, em consequência, é dispensado do seu comando. Ele fica desolado ao saber que seus homens vão marchar contra os índios sem ele. Entretanto, através da diplomacia de sua esposa, Custer recebe permisão para retornar ao Dakota e liderar seus soldados na batalha. Em Little Big Horn suas tropas são dizimadas pelos índios e Custer é o último a morrer.

Orson Welles e Sylva Koscina em O Último Romano

Em O Último Romano / República Federal Alemã – Itália – Rumênia, na corte de Ravenna, capital do efêmero império ostrogodo, o pérfido Cethegus (Laurence Harvey), o “último dos romanos”, encorajado pelo imperador de Bizâncio Justiniano (Orson Welles) e sua esposa Theodora (Sylva Koscina), semeia a discórdia entre as duas filhas do falecido rei Teodorico (Honor Blackman, Harriet Anderson), esperando assim livrar a Itália dos bárbaros. Depois que a côrte de Ravenna foi dividida e enfraquecida pelas intrigas, a cidade de Roma é ocupada à força pelo exército bizantino e depois assediada sem sucesso pelos ostrogodos. A história termina com os protagonistas sendo assassinados, envenenados ou cortados em pedaços em uma das quatro grandes batalhas – quando não se suicidam simplesmente (como Cethegus). Os ostrogodos sobreviventes levam os corpos de seus chefes e se estabelecem, com a ajuda da frota viking, na ilha de Gotland no mar Báltico.

A mudança de ares infelizmente não favoreceu ao cineasta. Como se vê pelos resumos dessas suas quatorze últimas realizações, alguns argumentos eram até bem interessantes e poderiam ter ocasionado bons filmes, porém ele, por cansaço ou apatia, submeteu-os a uma direção pesada, resultando espetáculos monótonos e medíocres, sem nenhum vestígio da plenitude artística, atingida na fase americana de sua carreira. Siodmak nunca esteve no mesmo plano de criadores da sétima arte como Fritz Lang ou Alfred Hitchcock, pois era somente um artesão de muita competência, mas deixou obras marcantes na cinematografia além dos tão elogiados filmes noirs, causando espanto o final melancólico, para não dizer trágico, do seu percurso cinematográfico.