Arquivo mensais:fevereiro 2017

ROBERT SIODMAK E SEUS FILMES NOIRS II

Joan Harrison estudou em Oxford e na Sorbonne. Após um início de carreira no jornalismo, foi durante muito tempo secretária particular de Alfred Hitchcock e ascendeu finalmente à posição de roteirista na véspera da ida de “Hitch” para os Estados Unidos. Ela colaborou assim nos roteiros de Estalagem Maldita / Jamaica Inn / 1939, Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940, Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940, Suspeita / Suspicion / 1941 e – nos estúdios da Universal em 1942 – em Sabotador / Saboteur. Em 1943, separou-se de Hitchcock, para se tornar produtora independente e, enquanto estava em negociação com a Universal para ser produtora associada ao estúdio, conheceu R. Siodmak, nascendo daí a primeira colaboração entre os dois. Joan acabara de adquirir os direitos de “Phantom Lady”, romance policial de Cornell Woolrich, o escritor que, juntamente com Dashiel Hammett, Raymond Chandler e James M. Cain, inspirou alguns dos melhores filmes noirs do período clássico, e a história de Woolrich, caiu nas mãos do diretor.

Robert Siodmak, Joan Harrison, Ella Raines e Franchot Tone

A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1943 começa por um primeiro plano de Ann Terry, a “dama fantasma” (Fay Helm), de costas para a objetiva, com um daqueles chapéus extravagantes que faziam furor nos anos 40. O cenário é um bar subterrâneo em Nova York. Entra Scott Henderson (Alan Curtis), um jovem engenheiro, que acabou de ter uma discussão com a esposa e convida a desconhecida para ir ao teatro de revista com ele, mostrando-lhe dois tíquetes. Ela aceita com uma condição: nada de nomes, nem endereços. Scott leva-a ao musical, cuja estrela é uma cantora latino-americana (Aurora Miranda) e depois a reconduz ao bar, para nunca mais vê-la. Quando Scott acende a luz ao chegar em casa, vê-se diante de três policiais; sua mulher foi estrangulada com uma gravata. Todas as supeitas recaem sobre ele: somente a desconhecida, seu único álibi, poderia inocentá-lo – mas como encontrá-la? Estranhamente as testemunhas negam a existência da tal mulher e Scott é condenado. Sua secretária, Carol “Kansas” Richman (Ella Raines), secretamente enamorada do patrão, procura descobrir o verdadeiro culpado com o auxílio do inspector Burgess (Thomaz Gomez), também convencido da inocência do engenheiro. Ao visitar Scott na prisão, Kansas conhece um de seus amigos, o artista plástico Jack Marlowe (Franchot Tone) que se oferece para ajudá-la a encontrar a “dama misteriosa”. Eles conseguem localizar Ann Terry; mas esta não poderá depor no tribunal, porque a morte súbita do noivo perturbou-lhe o juízo; todavia, o chapéu é uma prova suficiente para a defesa de Scott. Para festejar a vitória e esperar Burgess, vão para o apartamento de Marlowe, onde Kansas vê sua bolsa roubada e percebe que ele é o assassino. Marlowe confessa que matou a mulher de Scott, porque ela zombara dele. No momento em que vai estrangular Kansas, Burgess chega e o criminoso se atira pela janela.

Fay Helm e Alan Curtis em A Dama Fantasma

Aurora Miranda em A Dama Fantasma

Cena de A Dama Fantasma

O enredo contém elementos essenciais para um filme noir: o inocente enroscado pelas teias do destino; o ambiente noturno com os detalhes de sombras ameaçadoras; o criminoso paranóico; e, de certa forma, a presença de uma mulher fatal (que é ao mesmo tempo a investigadora), pelo menos durante algum tempo da ação. Na sua busca para salvar o patrão da cadeira elétrica, Kansas, usando seus encantos, persegue o garçom (Andrew Tombes, Jr.) e o baterista Cliff Milburn (Elisha Cook, Jr.), e causa a morte dos dois. Entretanto, nos derradeiros instantes da narrativa, volta a ser a fêmea indefesa, sujeita às forças patriarcais: Marlowe, o assassino, que a ameaça; Burgess, o policial que a protege paternalmente; e Scott, o patrão que vai se casar com ela, recolocando-a no papel passivo e convencional de secretária e esposa.

Cena de A Dama Fantasma

Cena de A Dama Fantasma

O engenheiro assassino “normal”do livro foi transformado em um personagem estereotipado: o artista louco, com mania de grandeza, dores de cabeça, tontura, tique nervoso no olho direito e atelier decorado com esculturas estranhas. Há um momento em que, sentado em uma cadeira, recita um monólogo sobre as mãos e depois se levanta para estrangular o baterista. Neste momento, o seu corpo encobre aos poucos o da vítima e toma conta de toda a tela.

Thomaz Gomes, Ella Raines e Franchot Tone em A Dama Fantasma

Franchot Tone e Ella Raines em A Dama Fantasma

Franhcot Tone em A Dama Fantasma

O filme é, sobretudo, um admirável exercício de estilo. Com seu especial temperamento germânico e ajuda do fotógrafo Ellwood “Woody” Bredell, R. Siodmak recriou o universo de Woolrich quase que inteiramente através de uma direção dinâmica e inventiva. Para se ter uma idéia da mise-en-scène, no momento em que a heroína segue o garçom suspeito pelas ruas escuras e molhadas pela chuva até a estação elevada do metrô, ouve-se somente o ruído dos saltos dos sapatos de ambos. Na plataforma deserta, ele se coloca atrás dela, dando a impressão de que vai empurrá-la para a linha férrea mas, subitamente, aparece uma mulher negra e irrompe o som do trem que está chegando. A perseguição continua silenciosa pelas ruas e quando finalmente Kansas se aproxima do homem para interrogá-lo, ele se volta contra ela raivoso. Alguns transeuntes oferecem-se para defendê-la, seguram o fugitivo, porém ele se esquiva e sai bruscamente de cena. Rangido de freios, gritos e um chapéu rola para o bueiro. Ou seja, os sentimentos de perigo e de tensão são transmitidos para a platéia exclusivamente através do som, luz, montagem e movimentos de câmera – puro cinema.

Ella Raines e Thomaz Gomes em A Dama Fantasma

Ella Raines e Elisha Cook Jr. em A Dama fantasm

Ella Raines em A Dama Fantasma

Elisha Cook Jr. em A Dama Fantasma

Entretanto, a sequência antolológica é a do encontro de Kansas com o baterista. Sentada na primeira fila do teatro, com um vestido de cetim preto e mascando chicletes, ela flerta com o músico. Depois, os dois vão a uma sessão de swing noturna. Para ilustrar a música ensurdecedora, a câmera mostra Kansas maquilando-se diante de um espelho que balança. O clima é de delírio, com os músicos tocando ao lado de muitas garrafas de cerveja. Diante de Kansas sensual e provocante, Cliff executa um solo de bateria frenético, arrebatado até o limite do orgasmo; nestas cenas a angulação, a montagem e a iluminação traduzem tudo visualmente.

Quando Joan Harrison se associou temporariamente à United Artists, R. Siodmak recebeu como encargo da Universal a direção de Férias de Natal / Christmas Holiday / 1944, melodrama reunindo dois astros comumente ligados ao filme musical, Deanna Durbin e Gene Kelly, escolhidos para papéis atípicos. No enredo, baseado em um romance de W. Somerset Maugham (bastante modificado pelo roteirista Herman Mankiewicz), um militar (Dean Harens) recebe carta de sua noiva, dizendo que se casou com outro. Na noite de Natal, seu avião pousa em New Orleans devido a uma tempestade, e o rapaz, muito deprimido, conhece um repórter (Richard Whorf), que o convida para o bordel clandestino de     Mme. Valerie (Gladys George), onde ele encontra uma cantora (Deanna Durbin). Depois de terminar seu número, ela convida o militar para acompanhá-la até uma igreja e alí, cai em prantos. Ele a leva para jantar e ouve sua história. Retrospectos revelam que a jovem foi feliz durante algum tempo do seu casamento até que descobriu que seu marido (Gene Kelly), um jogador inveterado, matara o seu bookmaker para roubá-lo, tendo sido condenado à prisão perpétua. Ela diz a seu ouvinte que se degradou voluntariamente. Por ciúme, o marido foge da prisão, com a intenção de matar sua esposa, que, mesmo sabendo disso, o aguarda ainda com uma devoção cega. Ele está prestes a cometer o ato criminoso, quando é abatido pela polícia

Deam Harens, Richard Whorf e Gladys George em Férias de Natal

Deanna Durbin em Férias de Natal

Gene Kelly e Deanna Durbin em Férias de Natal

Gale Sondegaard, Gene Kelly e Deanna Durbin em Férias de Natal

A filmagem de Férias de Natal foi caótica. Deanna Durbin, brigava violentamente com o produtor Felix Jackson, seu marido e com o diretor, que ela odiava. R. Siodmak procurou em vão ”desglamourizar” a atriz, porém Deanna se obstinou em permanecer ela mesma, recusou maquilagem e vestidos demasiadamente “aviltantes” e acabou por dirigir uma parte de suas próprias cenas sózinha. R. Siodmak só retomou o filme na fase de montagem, para salvar o que era possível salvar. Graças ao seu domínio completo da linguagem cinematográfica, ele tornou o filme razoavelmente atraente, deixando sua marca estilística no conjunto do espetáculo.

As quatro próximas realizações de R. Siodmak, as duas primeiras para a Universal (Dúvida / The Suspect / 1944; Caprichos do Destino / The Strange Affair of Uncle Harry / 1945); a terceira para a RKO (Silêncio nas Trevas / Spiral Staircase / 1945); e a quarta para a Universal-International (Espelho d’Alma / Dark Mirror / 1946) foram dramas de suspense e de mistério, com os quais R. Siodmak alcançou definitivamente uma posição de destaque entre os diretores de cinema de Hollywood.

Robert Siodmak, Charles Laughton e Ella Raines na filmagem de Dúvida

Ella Raines e Charles Laughton em Dúvida

Henry Daniell e Charles Laughton em Dúvida

Robert Siodmak dirige Ella Raines e Charles Laughton na filmagem de Dúvida

Em Dúvida, um homem íntegro (Charles Laughton), gerente sexagenário de uma tabacaria em um subúrbio de Londres no comêço do século, é levado ao assassinato de sua esposa rabugenta e vingativa (Rosalind Ivan), quando se apaixona por uma jovem datilógrafa (Ella Raines). Ele é assediado por um detetive da Scotland Yard (Stanley Ridges) e um vizinho chantagista (Henry Daniell), o qual acaba matando. O detetive arma um plano para fazer com que o gerente confesse seus crimes;

Robert Siodmak, Ella Raines e George Sanders

Ella Raines e George Sanders em Caprichos do Destino

Geraldine Fitzgerald e Ella Raines em Caprichos do Destino

Geraldine Fitzgerald, Robert Siodmak e George Sanders em Caprichos do Destino

em Caprichos dos Destino, um desenhista solteirão (George Sanders) de uma cidade provinciana de New Hampshire, vive na companhia de suas duas irmãs. Uma, (Moyna MacGill), é viúva e dominada pela outra (Geraldine Fitzgerald), mais jovem e bela, que tem uma paixão incestuosa pelo irmão, A vida deles é perturbada quando o irmão se apaixona por uma jovem (Ella Raines) que trabalha com ele em uma fábrica de tecidos. A irmã viúva acolhe a jovem com resignação, mas a outra, faz tudo para destruir a felicidade de seu irmão. Este finalmente tenta envenenar a irmã dominadora, mas o destino intervém, e o final do filme reserva uma surpresa para os espectadores;

Cena de Silêncio nas Trevas

Dorothy McGuire em Silêncio nas Trevas

Dorothy McGuire, George Brent, Rhonda Fleming e Gordon Oliver em Silêncio nas Trevas

Robert Siodmak e Dorothy McGuire na filmagem de Silêncio das Trevas

em Silêncio nas Trevas, na mansão habitada por uma velha senhora viúva e cardíaca, que vive presa ao leito (Ethel Barrymore), seu filho (Gordon Oliver), jovem cínico e volúvel, seu enteado (George Brent), um professor de química, a amante do primeiro e secretária do segundo (Rhonda Fleming), o jardineiro (Rhys Williams) e sua esposa alcoólatra (Elsa Lanchester), a jovem muda (Dorothy MacGuire), que cuida da idosa, é advertida por sua patroa de que deve deixar a casa o mais breve possível, pois um psicopata que mata jovens com alguma enfermidade está agindo nas imediações. A moça aguarda a chegada de um médico (Kent Smith) que, apaixonado por ela, se dispusera a levá-la embora dali. Enquanto ele não chega, ela é atacada pelo homicida, que vem a ser o enteado da velha senhora. Ele vai estrangular a jovem muda, perto de uma escada em espiral, quando sua madrasta o abate a tiros. O choque deste momento faz com que a moça recupere a fala;

Olivia de Havilland, Robert Siodmak e Lew Ayres em Espelho d’Alma

Olivia de Havilland em Espelho d’Alma

Cena de Espelho d’Alma

Lew Ayres, Olivia de Havilland e Robert Siodmak na filmagem de Espelho d’Alma

em Espelho d’Alma, uma mulher suspeita de matar um médico seu namorado, tem uma irmã gêmea idêntica. Quando ambas as gêmeas (Olivia de Havilland) oferecem um álibi para a noite do crime, um psiquiatra (Lew Ayres) é convocado para ajudar um policial (Thomas Mitchell) a solucionar o caso. Através de uma série de testes, o psiquiatra descobre, que uma delas é demente e, no decorrer de sua investigação, apaixona-se pela gêmea inocente. Graças a um estratagema muito bem calculado pelo psiquiatra e pelo policial, a verdadeira culpada se desmascara.

Em todos esses filmes, R. Siodmak demonstrou a sua capacidade de narrar uma história de maneira essencialmente cinematográfica, o seu gôsto pela criação de uma atmosfera inquietante ou sombria em espaços fechados e o seu domínio absoluto dos movimentos de câmera e da iluminação, pois ele era um dos raros diretores que conhecia também os aspectos técnicos de sua profissão a fundo. Sua aptidão fílmica consagrou-o internacionalmente, quando o cineasta realizou o seu segundo filme noir, Assassinos / The Killers / 1946, produzido por Mark Hellinger para a Universal.

Burt Lancaste,r o produtor Mark Hellinger e Robert Siodmak

O preceito de Assassinos é o de que a ambição pelo dinheiro leva à corrupção e à morte. Uma dupla de assassinos de aluguel, Max (William Conrad) e Al (Charles McGraw) chegam à pequena cidade de Brentwood, New Jersey, à procura de Ole Anderson. Conhecido como sueco (Burt Lancaster), ele trabalha em um posto de gasolina. Eles o encontram aguardando-os silenciosamente em um quarto escuro; e não oferece resistência. Ao saber das circunstâncias em que o crime foi cometido, Jim Riordan (Edmond O’Brien), investigador da companhia de seguros responsável pelo pagamento da indenização à beneficiária do falecido – a arrumadeira de um hotel onde o Sueco havia se escondido usando nome falso -, quer descobrir porque a vítima deixou-se matar mansamente pelos dois facínoras.

Edmond O’Brien e Sam Levene em Assassinos

Albert Dekker e Vince Barnett em Assassinos

Sua investigação leva-o ao encontro de várias pessoas que conhecem o passado do Sueco: o detetive Sam Lubinsky (Sam Levene), sua esposa Lilly (Virginia Gilmore) e Charleston (Vince Barnett), um ex-presidiário. Através desses depoimentos, fica sabendo que o Sueco foi obrigado a encerrar a carreira de pugilista por ter quebrado a mão em uma luta e, incitado por uma bela mulher, Kitty Collins (Ava Gardner), se uniu a um bando de ladrões liderados pelo amante dela, Big Jim Colfax (Albert Dekker). Riordan localiza os outros components da quadrilha, Blanky (Jeff Corey) e Dum Dum (Jack Lambert) e, finalmente, chega Colfax e Kitty, desvendando todo o mistério: como Kitty fez o Sueco passar por traidor do grupo após um assalto, enquanto ela e o amante fugiram com o dinheiro roubado, e como, anos depois, Kity e Colfax contrataram dois pistoleiros para matar o Sueco por medida de segurança.

Desenvolvendo o conto de Ernest Hemingway, o filme procura decifrar o enigma da resignação existencial do Sueco, como ele perdeu a vontade de viver. Por intermédio de onze retrospectos acronológicos e com uma obsessão pessoal que excede os interessses da companhia de seguros, Riordan vai descobrindo porque aquele homem abraçou a morte com indifrença. O testemunho das pessoas que o conheceram no passado se completam uns aos outros e o obstinado investigador vai reconstituindo , como um mosaico, o seu destino trágico.

Cena inicial de Assassinos

Charles McGraw e William Conrad em Assassinos

O prólogo – que corresponde exatamente ao conto – é conduzido com admirável precisão cinematográfica, em um clima sombrio e de violência fria criado pela interpretação seca dos atores que forma a dupla de assassinos, pelos diálogos curtos e diretos e pela iluminação claro-escuro (Elwood Bredell) combinada com a profundidade de campo, angulações em câmera alta e baixa e um fundo musical (Miklos Rosza) de alta tensão. Deitado na cama do quarto escuro, o condenado aguenta impassível a chegada dos assassinos. Até que ouve o barulho de passos na escada e percebe um raio de luz infiltrando-se por debaixo da porta. Após alguns segundos de silêncio, a porta se abre brutalmente iluminando o rosto angustiado do Sueco e os dois algozes descarregam suas armas sobre ele.

Burt Lancaster em Assassinos

No primeiro retrospecto, Nick conta a Riordan que, uma semana atrás, o Sueco reconheceu um cliente em um cadillac negro. Depois, disse que estava doente e não voltou mais ao trabalho. No segundo, Riordan procura a beneficiária do seguro, Mary Ellen Daugherty, em Atlantic City e ela lhe revela que, uma tarde, ouviu o Sueco gritando : “Ela foi embora! Ela foi embora!. Charleston tinha razão!”. Mary entrou no quarto onde ele, como um louco, estava quebrando os móveis e o impediu de se atirar pela janela. Em Filadéflia, o detetive Lubinsky explica para Riordan porque o sueco abandonou sua carreira promissora de boxeador – terceiro retrospecto – depois de levar uma surra do adversário por ter quebrado todos os ossos de sua mão direita.

Burt Lancaster e Robert Sidomak na filmagem

Cena de Assassinos

A esposa de Lubinsky, Lilly, antiga namorada do Sueco, revela, em um quarto retrospecto, o encontro fatal do ex-pugilista com Kitty em uma festa no luxuoso apartamento de seu amante. Quando o Sueco entra, Kitty está apoiada no piano com um copo na mão; o vestido longo de cetim preto, os ombros cobertos por sua cabeleira negra, as luvas pretas cobrindo seus antebraços, toda a sua aparência de um erotismo refinado, é a própria imagem da sedução. Enquanto ela canta “The More I Know of Love”, uma lâmpada em forma de vela (espécie de símbolo fálico inflamado), os separa, criando uma composição visual muito evocativa da paixão devastadora que arrastará o Sueco para a morte.

Em um quinto retrospecto, Lubinsky lembra um dos últimos encontros com o Sueco em um restaurante, quando ele se preparava para prender Kitty, suspeita de ter roubado uma jóia de grande valor. Aí aparece o Sueco, assume a culpa de Kitty e Lubinsky é obrigado a prendê-lo. No enterro do Sueco, comparece seu antigo companheiro de cela, Charleston, e vem o sexto retrospecto, um tanto lírico. Charleston dá uma lição de astronomia para o Sueco, mostrando as estrelas que ele observa através das grades enquanto seu companheiro, tendo a mão o lenço de Kitty com desenhos de harpas, recorda-se de sua amada. No decorrer do sétimo retrospecto, Charleston descreve a reunião para preparar o assalto. O Sueco concorda em participar. Charleston se retira e o aconselha a não “ouvir o som das harpas”.

Ava Gardner e Burt Lancaster em Assassinos

Virginia Gillmore, Burt Lancaster e Ava Gardner em Assssinosa

Jeff Corey,Burt Lancaster, Ava Gardner, Albert Dekker em Assassinos

Riordan prossegue sua investigação na biblioteca municipal, onde examina velhos jornais. Durante a leitura do material, aparecem – oitavo retrospecto – as peripécias do audacioso assalto a uma fábrica de chapéus de New Jersey. Para acentuar o caráter jornalístico desta sequência, Siodmak filmou-a sem cortes, em um só movimento de grua apanhando em câmera alta os mínimos detalhes do roubo.

O nono e o décimo restrospecto dizem respeito às lembranças de Blanky, que Riordan encontra moribundo em um hospital. No seu delirio, Blanky se reporta a uma desavença entre o Sueco e Colfax durante um jôgo de pôquer e à partilha do roubo, quando o Sueco rende todo o bando e foge com o dinheiro. Riordan compreende que Blanky foi morto por um outro membro da quadrilha, Dum Dum, e o surpreende no quarto do Sueco em Brentwood.

Edmond O’Brien em Assassinos

Jack Lambert em Assassinos

Graças às informações de Dum Dum, localiza Colfax, que se tornou um cidadão respeitável em Pittsburgh, e finalmente Kitty, que lhe revela, no décimo primeiro e último retrospecto, como persuadiu o Sueco a fugir com ela. Kitty está casada com Colfax: o Sueco foi apenas um instrumento para iludir o resto do bando; porém Dum Dum também descobriu o lôgro; Riordan chega na casa de Colfax, acompanhado por Lubinsky e outros policiais, no momento em que ocorre o tiroteiro entre Dum Dum e Colfax. Um traveling lateral para a direita do patamar da escada mostra, atrás de um balaustre iluminado na melhor tradição expressionista, o cadáver de Dum Dum e depois, estendido sobre alguns degraus, Colfax agonizando. Kitty agarra-se ao pescoço de Colfax e suplica histérica: “Diga para eles que eu não sabia de nada”, mas Colfax finge que não ouve e morre com um cigarro nos lábios contraídos pela dor.

Cena de Assassinos

Todo o filme é marcado por lances de violência e sadismo (a luta de boxe; o primeiro plano da mão deformada; as balas dos assassinos que “rasgaram o corpo do Sueco”; Blanky, um “morto que ainda respira”; o banho de sangue no confronto final entre Dum Dum e Colfax etc.) e pela tendência do herói para a autodestruição, em uma mistura de ingenuidade e masoquismo. E há também o caráter fetichista do amor do Sueco por Kitty, não só na sua idealização romântica dessa mulher, como na maneira pela qual ele acariciava o lenço de cetim que ela lhe deu – a única coisa que ainda possuía quando se entregou passivamente aos seus executores.

Siodmak não pôde resistir às pressões de J. Arthur Rank – que mantinha uma colaboração estreita com a Universal-International e desejava introduzir através da firma americana a nova estrela britânica Phyllis Calvert (a heroína de Amor nas Sombras / Fanny by Gaslight / 1944) no mercado americano. Mediante um contrato mirabolante com a U-I – salário triplicado durante dois anos, mais liberdade para os filmes seguintes etc. – o cineasta aceitou não somente dirigir, mas também atuar como produtor de um dramalhão baseado em um romance de Rachel Field.

Robert Hutton e Phyllis Calvert em Brumas do Passado

Brumas do Passado / Time Out of Mind / 1947, conta a história de um rapaz (Robert Hutton), filho de um armador rico do Maine (Leo G. Carroll), que quer seguir a carreira de músico, contrariando o desejo do pai de torná-lo um capitão de navio. Sua irmã (Ella Raines) lhe devota um amor excessive, mas é da filha da governanta (Phillys Calvert), educada junto com os dois irmãos, que ele recebe uma ajuda concreta. Ela lhe entrega suas economias, a fim de que ele possa sair do domicílio familiar e estudar no Conservatório de Paris. O pai não sobrevive a essa “deserção”. O rapaz retorna da Europa coberto de glória e casado com a filha (Helena Carter) de um banqueiro; porém depois perde a fé no seu talento, quando descobre que sua esposa organizava seus concertos às suas próprias custas, enchendo as salas com seus conhecidos. O rapaz começa a beber, a esposa o abandona, e é a filha da empregada que cuida de seu artista deprimido que, para coroar seu amor enfim assumido, compõe uma sinfonia, cujo triunfo é festejado em Nova York. O diretor verteu para a tela o argumento que lhe deram, assegurando somente a qualidade técnica do espetáculo

Richard Conte e Victor Mature em Uma Vida Marcada

Em 1948, Darry F. Zanuck contratou R. Siodmak para fazer um drama criminal no estilo neo-realista proposto por Louis de Rochemont na 20thCentury-Fox, Uma Vida Marcada / Cry of the City. No enredo, Martin Rome (Richard Conte), gravemente ferido, recebe a extrema-unção em um hospital de Nova York. O tenente Vittorio Candella (Victor Mature), seu amigo de infância, suspeita de que Martin esteja envolvido em um roubo de jóias. Martin consegue fugir da prisão e vai ao escritório de Niles (Berry Kroeger), um advogado inescrupuloso, em cujo cofre encontra as jóias. Niles revela o nome de sua cúmplice, uma massagista corpulenta chamada Rose Given (Hope Emerson). Martin procura Rose e lhe pede dinheiro e duas passagens para a América do Sul em troca das jóias que escondeu no armário de uma estação do metrô; mas Rose é presa. Candella descobre que Martin vai se encontrar com sua noiva Teena (Debra Paget) em uma igreja e perto dali os dois se confrontam.

Berry Kroeger e Richard Conte em Uma Vida Marcada

Richard Conte e Shelley Winters em Uma Vida Marcada

Cena de Uma Vida Marcada

Siodmak trabalhou com o tema muito usado do bom e do mau rapaz oriundos do mesmo meio social, cujos caminhos na vida divergem diametralmente. Rome tornou-se um gangster irrecuperável (seu último gesto empunhando o canivete aberto, parece ser um símbolo disso) e Candella, um incorruptível defensor da lei (“Só ganho 94 dólares e 43 centavos por semana, mas durmo bem”).

Dotado de um charme irresistível, o criminoso manipula os sentimentos daqueles com os quais entra em contato: a enfermeira solteirona que consente em esconder Teena, o condenado com bom comportamento que o ajuda a fugir, a ex-amante que lhe dá abrigo, o médico em situação ilegal que lhe faz os curativos clandestinamente. Cada qual vem a ser colhido pela lei na pessoa de Candella, e devidamente punido. Porém, ao mesmo tempo, o bandido tem que lidar com criaturas mais diabólicas do que ele, como o advogado escroque e a massagista de ameaçadora presença física, cuja especialidade é torturar senhoras ricas para se apoderar de suas jóias.

Richard Conte e Hope Emerson em Uma Vida Marcada

Hope Emerson e Richard Conte em Uma Vida Marcada

Cena de Uma Vida Marcada

Victor Mature em Uma Vida Marcada

Os personagens grotescos, a alienação e a predestinação do criminoso para um fim trágico (pressagiado desde a cena de abertura na sala austera e escura do hospital) e o expressionismo fotográfico – que o diretor consegue conciliar com o naturalismo de algumas tomadas em locação – dão um toque noir ao filme, que classifico -segundo a distinção que criei em “O Outro Lado da Noite: Filme Noir”, como um filme noir impuro, ou seja, com uma negritude mínima. Quem não teve oportunidade de ler o meu livro, que escreví há 15 anos e que se encontra esgotado, encontrará meu conceito de film noir, justificado com mais precisão, nos quatro artigos sobre filme noir que escreví recentemente neste blogue.

ROBERT SIODMAK E SEUS FILMES NOIRS I

Ele realizou filmes na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e, episodicamente, na Itália, na Grã Bretanha, na Iugoslávia e na Rumênia. Sua obra se estende do cinema mudo de vanguarda ao superespetáculo em Cinerama. Entretanto, sua reputação repousa essencialmente sobre uma série de filmes noirs rodados durante a época de ouro deste subgênero do drama criminal (1943-1949). Vou abordar detalhadamente cada um deles e, ao mesmo tempo, fazer uma exposição sucinta da trajetória artística do diretor, para dar uma idéia do conjunto da sua obra.

Robert Siodmak

Robert Siodmak nasceu em Dresden, na Alemanha descendente de uma família israelita da Galícia, que fez parte do império austro-húngaro até 1918. O avô de Robert, rabino Abraham Siodmak, vivia em um gueto de Podgorze, do outro lado do Vístula. Sua inflexível ortodoxia causou uma revolta em seu filho caçula: Ignatz deixou o gueto de seus ancestrais para nunca mais voltar. Em 1886, com 16 anos de idade, emigrou para os Estados Unidos onde, depois de trabalhar em vários lugares, instalou-se em Shelby County, perto de Memphis no Tennessee, obtendo a nacionalidade americana em 1892. Porém, sete anos mais tarde, ele voltou para a Alemanha com uma invenção que iria rapidamente fazer sua fortuna: um sistema frigorífico que lhe permitia conservar os ovos até o inverno.

Ignatz fixou residência em Dresden, em uma vila luxuosa na Seidnitzerplatz nº 3 e montou um negócio florescente de importação de ovos russos e polonêses. Nesse mesmo ano, casou-se com Rosa Philippine Blum, filha dos donos da mercearia Blum de Leipzig, que estava à beira da falência. Robert veio ao mundo em 8 de agosto de 1900. Em 1902, nasceu o primeiro irmão de Robert, Kurt (depois Curt), que se tornou romancista, roteirista e diretor. Em 1907, nasceu Werner e em 1913, Rolf, que se suicidaria em 1934.

Ignatz proporcionou uma vida de opulência para a sua família e Rosa, mulher exuberante e de grande beleza, da qual Robert provavelmente herdou o temperamento artístico, suscitava a admiração dos salões. Ela sonhara outrora em se tornar atriz, mas acabou esposa de um comerciante novo-rico com preocupações estritamente materiais. Rosa cercava-se de atores, músicos, escultores, pintores e poetas, organizando em sua casa concertos na “sala de música” e incentivando conversas de alto nível cultural entre seus convidados. Porém o lar dos Siodmak não era feliz e Robert ficaria marcado pelas desavenças, as discussões violentas e as separações repetidas de seus pais. A esta degradação da situação familiar acresceu-se logo a ruína econômica, porque a Rússia fechou suas fronteiras em 1917 e o comércio de Ignatz se desmoronou.

Robert foi um mau aluno, mudou várias vêzes de colégio, e nem a disciplina de ferro de um internato em Bad Kösen, conseguiu domá-lo. De volta a Dresden, matriculado no Drei-Königs-Gymnasium, ele ausentava-se das aulas para ir ao Albert-Theater, onde conseguiu trabalhar como figurante. Sem que seus pais soubessem, frequentou as aulas de arte dramática de Erich Ponto, um sustentáculo do Sächsisches Staatheater, que seria depois ator de cinema. Aos dezoito anos, cansado do mau humor persistente e dos caprichos tirânicos do seu pai alcoólatra, Robert deixa o domicílio familiar. Ele se junta a uma pequena trupe de teatro ambulante, mas seu físico ingrato o impede de se tornar gigante galã. Em 1921, encerrou sua carreira no teatro. Desencantado e com o estômago vazio, ele retorna para Dresde, onde seu pai lhe arruma um emprego de contador no banco dos irmãos Mattersdorff. Robert se inicia nos segredos da bôlsa e, dentro de seis mêses, já é diretor do banco Moritz Schermer. Ele ganha uma pequena fortuna, porém a boa chance não dura: em novembro de 1923 o Reichsmark é estabilizado e a deflação o arruina. Percorrendo o subúrbio de Dresden de bicicleta, tenta vender cigarros russos e roupas íntimas femininas. Neste mesmo ano, funda uma editora, porém esta não resiste à concorrência, e Robert fica de novo sem um centavo.

Os irmãos Siodmak: Robert e Kurt

Em 1925, Kurt e Robert vão para Berlim. Kurt continua seus estudos e obtém um diploma de matemático, mas deseja seguir uma carreira de escritor. Eles conseguem vender “Die Brucker” (Os Irmãos), uma história imaginada conjuntamente pelos dois, para o departamento de dramaturgia da UFA. Logo depois, Robert conhece o Dr. Herbert Nossen, importador-distribuidor de filmes americanos e redige para ele notadamente os intertítulos alemães de Dois Cavaleiros Árabes / Two Arabian Knights / 1927 de Lewis Milestone.

Por acaso, Robert tem um tio no meio cinematográfico, o produtor Heinrich Nebenzahl cujo filho, Seymour Nebenzal, havia fundado em 1924 com Richard Oswald a companhia Nero-Film, firma produtora de obras prestigiosas como M, O Vampiro de Dusselforf / M / 1931 e O Testamento do Dr. Mabuse / Das Testament des Dr. Mabuse / 1933 de Fritz Lang; Guerra! Flagelo de Deus / Westfront 1918 / 1930, A Tragédia da Mina / Kameradschaft / 1931 e Atlantide / Die Herrin von Atlantis / 1932 de G. W. Pabst, etc. Robert remontou com sucesso para os Nebenzahl vários filmes de aventuras de Harry Piel (apelidado de “o Douglas Fairbanks alemão”) enquanto Kurt, por sua vêz, começou a publicar seus primeiros romances de ficção-científica, um gênero então novo.

Seymour Nebenzahl

Na qualidade de repórter de um jornal, Kurt assiste à filmagem de Metrópolis / Metropolis / 1927, superespetáculo futurista de seis milhões de marcos realizado nos estúdios da UFA de Neubabelsberg por Fritz Lang. Kurt e sua esposa Henrietta apareciam nesta grande produção como figurantes, participando da cena em que Brigitte Helm – o robô maléfico – é queimado pela massa de operários enfurecidos. Robert também aproveitava todas as chances de se infiltrar no palco de filmagem, para observar o trabalho do grande mestre. Em 1927, ele atua como assistente de direção, primeiramente do cineasta dinamarquês Alfred Lind, em um filme da Nero intitulado Tragödie Im Zirkus Royal e depois, de Kurt Bernhardt, em um melodrama que se desenrola no ambiente da Legião Estrangeira, Das Letzte Fort ou Die Zitadelle Von Tunis.

Em 1929, em uma mesa no terraço do Romanisches Café, um dos centros mais pitorescos da fauna artística berlinense, alguns jovens decidem rodar em conjunto um filme que fugiria dos esquemas comerciais estabelecidos. Os nomes desses rapazes são conhecidos, eles se reencontrarão mais tarde todos em Hollywood: os irmãos Siodmak, Billy Wilder, Edgar G. Ulmer, Fred Zinnemann e Eugen Schüfftan. A eles se junta o crítico e dramaturgo Dr. Moriz Seeler, coordenador do empreendimento, que fundou uma companhia produtora, Filmstudio 29, para a consecução do projeto. A idéia era fazer uma reportagem sobre o domingo dos berlinenses (daí o título Menschen Am Sontag), filmando ao ar livre nos parques e ruas da cidade.

Cena de Menschen Am Sontag

Segundo Hervé Dumont, autor do melhor livro sobre Robert Siodmak (Robert Siodmak, le maître du film noir, L ‘Age D’Homme, 1981), do qual extraí muita informação para a exposição do currículo fílmico do diretor, é difícil estabelecer a parte exata das responsabilidades, pois cada um dos membros da equipe tentou em retrospectiva assumir o crédito pela realização. Para Dumont, a versão mais verossímel é a de que Rochus Gliese (muito conhecido como o diretor de arte de Aurora / Sunrise / 1927) começou a dirigir o filme, pois sua presença tornou-se necessária para dar mais confiança ao financiador Nebenzahl. Robert Siodmak e Edgar G. Ulmer funcionaram como assistentes de câmera de Eugen Schüftan. Billy Wilder participou dando sugestões na elaboração do roteiro com base em uma idéia de Kurt Siodmak. Após uma dezena de dias de filmagem, Gliese e Ulmer abandonaram a produção. Fred Zinnemann, cuja única função era carregar a câmera e cuidar do foco, retirou-se pouco depois. Robert Siodmak e Schüfftan prosseguiram com a filmagem e é indiscutivelmente a eles que deve ser atribuída a responsabilidade maior pela realização de Menschen Am Sontag.

Em fevereiro de 1930, Robert Siodmak foi contratado primeiramente para o departamento de dramaturgia da UFA e depois obteve autorização para realizar um curta-metragem de 12 minutos. Der Kampf Mit Dem Drachen ou Die Tragödie Des Untermieters (O Combate com o Dragão ou A Tragédia do Sublocatário), farsa surrealista de vanguarda escrita por seu irmão Kurt. A trama era bem simples, mas permitia experimentações formais as mais desenfreadas. Um sublocatário (Felix Bressart) penetra em um corredor sombrio e estreito, cujas paredes são cobertas de avisos: “Proibido”! – “Paragr. 68 – as venezianas devem ficar fechadas para proteger os móveis do sol”, “Paragr. 141 – é estritamente proibido fazer barulho, cantar, roncar, fumar, fazer bagunça ou receber visitas femininas” e assim por diante. Subitamente, o sublocatário explode de raiva, arranca todas as cobertas dos móveis, acende todas as lâmpadas, abre todas as janelas, salta e dança em cima do mobiliário. Quando a locatária enlouquecida (Hedwig Wangel) – “o dragão”- aparece, ele a amarra com sua rede de dormir e, pulando selvagemente, desenrola rolos de papel higiênico pelo seu quarto. A locatária está quase tendo uma síncope. Ele então se arma de um copo gigante de cerveja que pertencera ao falecido esposo do “dragão” e quebra este símbolo da pequena burguesia wilhelmiana em mil pedaços com um martelo. A mulher morre no local. No tribunal, o juiz absolve o sublocatário. Ele protesta: “Mas eu matei alguém!” – “Pouco importa”, lhe responde o magistrado e depois, dirigindo-se maliciosamente para o público, ele acrescenta: “Nós sabemos como é: nós todos já fomos inquilinos”.

Aribert Mog e Brigitte Horney em Abschied

Heinz Human em Jim Der Mann, Der Seinen Mörder Sucht

Anna Sten e Emil Jannings em Tempestade Paixões

Lilian Harvey e Hans Albers em Adorável Sedução

Em seguida, R. Siodmak fez cinco filmes de longa-metragem para a UFA: Abschied (Adeus) / 1930 (descrição amarga de uma velha e deteriorada pensão burguêsa onde várias pessoas medíocres ou mesquinhas se cruzam em uma promiscuidade sufocante, que acaba provocando a separação de um jovem casal (Brigitte Horney / Aribert Mog); Jim Der Mann, Der Seinen Mörder Sucht / (Jim, o Homem que Procura seu Assassino) / 1930 (comédia macabra  na qual um rapaz (Heinz Rühmann), cheio de dívidas, resolve se suicidar. Mas como a simples visão de um revólver o aterroriza, ele contrata um ladrão para matá-lo em troca do que este se beneficiaria de um terço do seguro de vida de sua vítima. Entretanto, nas poucas horas que lhe restam de vida, ele conhece a mulher dos seus sonhos, e não quer mais morrer); Voruntersuchung / 1931 (Instrução Preliminar) / 1931 (drama criminal que gira em torno do assassinato de uma mulher, do qual é acusado um jovem estudante (Gustav Fröhlich), amigo íntimo do filho do juiz de instrução (Albert Basserman) e apaixonado pela filha deste. No curso da investigação, o filho do juiz torna-se o principal suspeito); Tempestade de Paixões / Stürme der Leidenschaft / 1931 (história sombria de ciúme passada no bas-fonds berlinense envolvendo um ladrão brutamontes de bom coração (Emil Jannings) récem-libertado da prisão; uma russa volúvel (Anna Sten) por quem ele está perdidamente apaixonado; e os dois amantes sucessivos dela, um fotógrafo de nús e assassino de aluguel e o jovem – filho de seu melhor amigo morto em uma prisão em massa -, que ele retirou de uma casa de correção; Adorável Sedução / Quick, König Der Clowns / 1932 (comédia baseada no tema da identidade trocada: uma jovem afortunada, ociosa e divorciada (Liliam Harvey), apaixona-se por um palhaço famoso (Hans Albers). Ele também fica gostando dela, mas tenta conquistá-la sem a maquilagem, fazendo-se passar pelo diretor do teatro).

Os três últimos filmes tiveram versões francêsas, respectivamente, Entre Duas Mulheres / Autor d’une Enquête, com Pierre Richard-Willm e Annabella; Tumultos / Tumultes com Charles Boyer e Florelle; e Quick com Lillian Harvey e Jules Berry.

Descontente com a orientação política da UFA e as intromissões de seus produtores no seu trabalho, R. Siodmak transferiu-se para Deutsche Universal-Film A.G. Esta firma, originariamente uma filial da Universal Pictures fundada pelo alemão Carl Laemmle nos Estados Unidos, era então dirigida pelo húngaro Joe Pasternak (diretor de produção) e pelo tcheco Paul Kohner (diretor artístico). Kohner acolheu R. Siodmak de braços abertos, dando-lhe liberdade para filmar o que quisesse. Ele escolheu um romance de Stefan Zweig, Brennendes Geheimnis (Segredo Queimado) / 1933, cujo centro das atenções é um menino de treze anos (Hans Joachim Schaufuss) confrontado com as mentiras, traições e segredos inconfessáveis dos adultos (o pai, (Alfred Abel), a mãe (Hilde Wagener) e um Casanova notório (Willy Forst). O filme estréia somente com o nome dos atores. Um telefonema proveniente do escritório de Goebbels havia intimado a Deustsche Universal a eliminar dos créditos todos os nomes israelitas, sob pena de o filme ser proibido. Uma semana depois, Brennendes Geheimnis, mesmo privado dos seus créditos comprometedores, desaparece de cartaz em todo o Reich, sem outra explicação. Desde então os acontecimentos se precipitam. R. Siodmak, sua companheira Bertha Odenheimer (com quem se casaria e viveriam 40 anos juntos), e K. Siodmak partem para a França. Todos os escritos de Kurt são confiscados pela Gestapo.

Pierre Brasseur e Mireille Ballin em Le Sexe Faible

Albert Préjean e Danielle Darrieux em La Crise est Finie

Siodmak encontra trabalho rapidamente na sucursal francêsa da Nero-Film, que seu primo Seymour Nebenzahl dirige. Para a Nero, R. Siodmak fez: Le Sexe Faible / 1933 comédia na qual uma milionária sul americana divorciada (Jeanne Cheirel) com a ajuda do seu mordomo (Victor Boucher), consegue casar seus filhos ainda solteiros e reconciliar os que já são casados; La Crise est Finie / 1934, comédia musical mostrando como um grupo de artistas itinerantes sem dinheiro, entre eles, o pianista (Albert Préjean) e a dublê da vedette (Danielle Darrieux) conseguem montar uma revista em um teatro abandonado da capital movidos pelo otimismo; Vida Parisiense / La Vie Parisienne / 1935 comédia sobre um brasileiro truculento e bem humorado (Max Dearly) que foi a Paris em 1900 e se relacionou com a estrela do espetáculo. Ele retorna trinta e cinco anos depois, acompanhado de seu filho (Georges Rigaud) e de sua linda neta (Conchita Montenegro), que vem a ser cortejada por todos. O filho muito puritano é contra o casamento de sua filha; mas acaba convertido à vida parisiense. A Vida Parisiense teve versão inglêsa com Neil Hamilton no lugar de Georges Rigaud.

Siodmak dirige La Vie Parisienne

Conchita Montenegro

Entre 1934 e 1936, o nome de R. Siodmak apareceu como supervisor nos créditos de dois filmes, a comédia Le Roi des Champs Elysées / 1934 (com Buster Keaton) e o musical Le Grand Refrain / 1936 (com Fernand Gravey). Entretanto, como revelou Hervé Dumont, baseado em informação de Jean Delannoy, o montador do filme, Le Roi des Champs Elysées, produzido por Nebenzahl nos estúdios de St. Maurice, foi realizado conjuntamente por Siodmak e Max Nossek. Nossek filmava de dia e R. Siodmak à noite; já em Le Grand Refrain, produzido pela Métropa-Film, R. Siodmak realmente supervisionou o trabalho do diretor estreante Yves Mirande, conhecido autor de peças de vaudeville.

Edwige Feuillère e Fernand Gravey em Mister Flow

Em 1936, R. Siodmak dirigiu, para o produtor grego Nicolas Vondas, Mister Flow ou Les Amants Traqués, adaptação de um romance de Gaston Leroux em cuja trama um advogado ingênuo (Fernand Gravey), torna-se cúmplice do temível ladrão Mister Flow (Louis Jouvet), “o homem das mil caras”, graças a uma chantagem depois de cair nas malhas da sua perturbadora assistente (Edwige Feuillère) que, ao final, se apaixona por ele.

Voltando a prestar serviço à Nero-Film, R. Siodmak filma Le Chemin de Rio ou Cargaison Blanche / 1936, drama ilustrando uma reportagem sobre o tráfico de brancas com Käthe von Nagy no papel de uma jornalista que se emprega como dançarina em uma boate e ali encontra um colega do jornal concorrente (Jean-Pierre Aumont). Os dois vivem momentos perigosos a bordo de um transatlântico em rota para o Rio de Janeiro, depois que sua identidade é descoberta pelos bandidos, os quais eles pretendem que sejam presos. Em todos esses anos, a Nero-Film na verdade aproveitou-se da situação precária de emigrado de R. Siodmak, para lhe impor assuntos de filmes, e lhe pagar apenas uma parte de seu salário.

Após Le Chemin de Rio, o cineasta rompe com seu primo Nebenzahl e investe suas economias na aquisição dos direitos de um livro de Oscar-Paul Gilbert, que combinava os atrativos de um romance de aventuras com uma pintura de caracteres particularmente corrosiva. O enredo de Ódio / Mollenard / 1937 tinha como personagem principal o capitão de longo curso e traficante de armas (Harry Baur), que volta ao lar depois que uma vingança destruiu seu navio. Doente e paralítico, sofre a crueldade fria de sua esposa (Gabrielle Dorziat), sem poder reagir. Arrancado subrepticiamente de sua casa pelos seus homens, ele morre como havia sonhado, em pleno mar. Apoiado por um produtor corajoso e inteligente, Edouard Corniglion-Molinier e pela distribuidora Pathé Consortium Cinéma, R. Siodmak realizou um dos melhores filmes que fez na França. Os outros foram La Crise est Finie e Pièges.

Marie Déa e Maurice Chevalier em Ciladas

Pièges / 1939 foi exibido no Brasil com o título em português de Ciladas. Neste filme, a polícia investiga o desaparecimento de onze dançarinas, após responderem a pequenos anúncios de jornais em forma de poema. A amiga (Marie Déa) de uma delas, colabora com a polícia. Ela começa a responder sistematicamente aos anúncios, e a cada encontro se depara com um tipo estranho como o costureiro louco (Erich von Stroheim) e um mordomo (Jacques Varennes) envolvido com tráfico de mulheres brancas. Um dono de boates e grande sedutor (Maurice Chevalier), torna-se um dos suspeitos, mas a jovem descobre que o verdadeiro assassino é o sócio (Pierre Renoir) deste último, um maníaco sexual com uma idéia fixa. A apresentação do título nos créditos dá o tom: uma sombra ameaçadora aproxima-se de uma caixa do correio e aparece, em primeiro plano, uma carta endereçada à polícia, contendo um poema curto, que termina com as palavras “você pagará pela última dança”. A partir daí, a intriga evolui em um esquema de filme de episódios, levando o público a uma série de pistas falsas. O mais curioso é o epísódio no qual a jovem “detetive” se apresenta como manequim ao ex-grande costureiro, cuja demência, de início inofensiva – ele mostra sua coleção de moda diante de uma sala vazia e fala com as cadeiras com uma voz sussurrante -, torna-se subitamente furiosa: ele põe fogo no ateliê e tenta arrastar a moça para a morte.

Pierre Renoir e Marie Déa em Ciladas

Siodmak dirige Erich von Stroheim em Ciladas

Antes de partir para os Estados Unidos, R. Siodmak ajudou a terminar Ultimatum / Ultimatum / 1938 (com Erich von Stroheim e Dita Parlo), depois que Robert Wiene teve que se afastar da filmagem por motivo de uma doença grave e supervisionou o trabalho do diretor novato, Géo Kelber em Les Frères Corses / 1938 (com Pierre Brasseur e Jean Aquistapace), mas exigindo que seu nome não constasse dos créditos, porque não gostou das tolices do argumento, que não era compatível com o romance homônimo de Alexandre Dumas. Em 31 de agosto de 1939, o casal Siodmak embarca a bordo do navio francês “Champlain”, rumo à América, onde Kurt e Henrietta já se encontravam desde 1937. No dia seguinte, estoura a Segunda Guerra Mundial; a travessia se faz de luzes apagadas por causa dos submarinos.

Para Hollywood, R. Siodmak é um desconhecido. Seus filmes só haviam sido exibidos em cinemas de arte de Nova York. Seu agente, Paul Kohner, velho conhecido de Berlim, tenta em vão lhe arranjar trabalho. Kurt, que conseguira prestar algum serviço para a Paramount, pede ao chefe do estúdio, William Le Baron, que contrate seu irmão Robert para dirigir Aloma of the South Seas, cujo roteiro ele acabara de redigir. Le Baron oferece a R. Siodmak um contrato de dois anos, porém sai do estúdio pouco depois, e R. Siodmak passa seis mêses recebendo seu cheque de pagamento sem trabalhar. O filme seria realizado por Alfred Santell e lançado em dezembro de 1941, tendo sido exibido no Brasil com o título de Aloma, a Virgem Prometida.

Finalmente, por intermédio de seu agente, R. Siodmak fica conhecendo Preston Sturges e este, pelo telefone, fala com Sol C. Siegel, produtor da Republic contratado temporariamente pela Paramount como supervisor de westerns “B” e filmes para complemento de programa. Imediatamente, Siegel atende o pedido do amigo e assim surgiram os primeiros filmes americanos do diretor alemão emigrado: O Segredo da Enfermeira / West Point Widow / 1941 e O Segredo do Professor / Fly by Night / 1941.

No primeiro filme, uma enfermeira (Anne Shirley) mantém em segredo sua filha ainda bebê, porque fôra casada com um craque do futebol do Exército e depois anulara o casamento, a fim de que ele pudesse prosseguir sua carreira na Academia Militar de West Point, que não aceitava cadetes casados. O rapaz lhe prometeu que se casaria de novo com ela depois que se formasse, porém, sem saber da existência da filha, fica noivo de outra. Ao descobrir seu segrêdo, um dos médicos do hospital (Richard Carlson) consola a mãe solteira, oferece-se para assumir a paternidade da criança, e lhe propõe casamento.

Richard Carlson e Anne Shirley em O Segredo do Professor

No segundo filme, um jovem médico (também interpretado por Richard Carlson) é forçado a dar carona para um fugitivo de um sanatório, que tenta desesperadamente convencê-lo de que é o assistente do inventor de uma arma denominada G-32. Ele diz que foi sequestrado por espiões alemães que estão atrás da invenção. O médico o leva para o seu quarto de hotel e, quando vai atender a um telefonema, o homem é assassinado com sua faca cirúrgica. A partir daí, é o médico que se torna um fugitivo, sendo perseguido pela polícia e pelos espiões ao mesmo tempo. Na sua fuga, ele leva uma desenhista (Nancy Kelly) com refém e, é claro, eles se apaixonam. Não conheço o primeiro filme mas pude ver o segundo e achei que é um espetáculo rápido, divertido do começo ao fim, com situações rocambolescas que lembram os filmes de perseguição hitchcockianos como, principalmente, Os 39 Degraus / The 39 Steps / 1935.

Em 1942, Sol Siegel “emprestou” R. Siodmak para a 20thCentury-Fox, onde ele realizou, sem entusiasmo (como disse Hervé Dumont), The Night Before the Divorce, comédia sobre desventuras sentimentais de um casal (Lynn Bari, Joseph Allen Jr.) que decidiu se separar. Depois da separação, ela sai com um chefe de orquestra (Nils Ashter) e ele com uma loura (Mary Beth Hughes), que conhecera jogando golfe. Um policial (Truman Bradley), amigo de ambos, não se conforma com o divórcio deles. Quando o músico aparece morto, o policial acusa seu amigo do crime, mas tudo não passa de um esquema para reunir o casal novamente.

De volta à Paramount, R. Siodmak fez Meu Filho Não se Vende / My Heart Belongs to Daddy, comédia romântica permanentemente agradável que se inicia quando um chofer de taxi (Cecil Kellaway) que conduz uma jovem grávida (Martha O’Driscoll) é obrigado a parar seu carro por causa da neve na estrada. Eles se refugiam na residência de um astrofísico de renome e viúvo (Richard Carlson). A moça entra em trabalho de parto e o motorista ajuda-a a dar à luz. Estupefacto, o cientista se embebeda e depois tem que explicar o acontecimento para sua mãe (Florence Bates) e para as cunhadas (Velma Berg, Frances Gifford), que vivem com ele, como a parturiente e o bebê entraram no quarto delas. No dia seguinte o chofer é procurado na sede da companhia de taxi pelos parentes da moça, um casal de granfinos que pretende obter a custória de seu neto, pois a jovem era viúva do filho deles. Várias complicações ocorrem quando o cientista contrata o chofer como mordomo e começa a namorar a moça.

O filme derradeiro de R. Siodmak para Sol Siegel, desta vez nos estúdios da Republic, Doce Lembrança / Someone to Remember / 1943, era um drama humano e emocionante sobre uma senhora de idade(Mabel Page), viúva, cujo filho desaparecera anos atrás, que se recusa a deixar o apartamento em que vive em um hotel residencial, quando o imóvel é comprado por uma universidade, para ser transformado em dormitório de alunos. Ao contrário de outros inquilinos, o apartamento onde mora é de sua propriedade, e não quer sair de lá, porque está convencida de que seu filho, que fugira de casa por causa de uma briga com o pai já falecido, há de voltar um dia. A velha senhora continua a viver no prédio depois que ele se torna dormitório da universidade e eventualmente se afeiçoa por um jovem estudante (John Craven), que ela acredita que seja seu neto. Quando fica sabendo que o pai do rapaz virá visitá-lo, a idosa se prepara para se reunir com o homem que está convencida de que é seu filho há tanto tempo perdido. Ela morre antes do encontro e depois ficamos sabendo que o filho morrera muitos anos atrás em uma briga. 0 falecido marido dela sabia da verdade mas, para poupar a esposa, deixou que ela tivesse a esperança de que o filho retornaria algum dia.

O contrato com a Paramount expirou no outono de 1940 e na esperança de encontrar um trabalho mais interessante, R. Siodmak procurou o produtor Henry Blanke da Warner Bros., trazendo consigo uma história policial, “The Pentacle”, que ele esboçara com a ajuda de um dramaturgo berlinense, Alfred Neumann, autor da peça “The Patriot”, que deu origem ao filme perdido de Ernst Lubitsch. Interessado, Blanke submeteu o manuscrito ao seu departamento de roteiro. O parecer foi favorável, mas Harry Warner se opôs categoricamente à contratação de R. Siodmak. Apos muita negociação, o cineasta, decepcionado, cedeu sua história por 35 mil dólares e o filme, finalmente intitulado Conflitos d’Alma / Conflict / 1945 foi confiado a Kurt Bernhardt (agora Curtis Bernhardt), do qual R. Siodmak havia sido assistente em 1929.

Foto para divulgação de O Filho de Dracula

Graças à influência de K. Siodmak, adquirida na Universal após sua colaboração em uma série de filmes de horror de sucesso, R. Siodmak, assinou um contrato de sete anos com o referido estúdio. Sua primeira tarefa foi filmar O Filho de Drácula / Son of Dracula / 1943, baseado em uma história de Kurt, situada no Sul dos Estados Unidos, nas plantações pitorescas da Lousiana, onde o Conde Alucard (Lon Chaney Jr.) chega convidado para uma recepção organizada na propriedade de Dark Oakes, pela jovem (Louise Allbritton), que ele, conhecera em Budapeste. Embora não tivesse afinidade com o gênero como seu irmão, R. Siodmak fez o melhor que pôde, criando uma atmosfera de horror gótico e um efeito de transição para vampiro muito especial com o auxílio de um especialista na trucagem, John P. Fulton. Como era praxe tratando-se de um filme B, R. Siodmak só teria no máximo três semanas de filmagem, mas terminou o filme em quinze dias e utilizou apenas 6 mil metros de película dos 20 mil metros habitualmente permitidos, conquistando a confiança de Ford Beebe, conhecido diretor de seriados, então atuando como produtor

Maria Montez em Mulher Satânica

Todavia, o segundo filme para o qual foi designado, não modificou sua situação profissional, a não ser a oportunidade de fazer seu primeiro filme em cores, Mulher Satânica / Cobra Woman / 1943, aventura tropical desenrolada em um arquipélago imaginário do Oceano Índico, estrelada pelo trio Maria Montez, Jon Hall e Sabu. Com sua eficiência habitual, o diretor conduziu a ação em um rítmo rápido, construindo sequências empolgantes, entre elas, aquela em que a sacerdotiza cruel e sanguinária designa as próximas vítimas do vulcão. O filme obteve sucesso como entretenimento e rendeu um bom lucro para a Universal.

Apesar de ter tido um aumento de salário, R. Siodmak se desesperava por não ter tido ainda oportunidade de abordar os temas que lhe interessavam até que sua boa fada apareceu sob os traços da produtora Joan Harrison. Graças a ela, o cineasta pôde realizar seu primeiro filme noir.