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PRODUÇÕES ANGLO-AMERICANAS NOS ANOS 50

Um grande problema para a indústria de cinema britânica desde os seus primórdios foi o tamanho da dominação de Hollywood sobre suas telas.
É claro que esse problema não era unicamente britânico, porém lá foi muito exacerbado pelo fato de que a Inglaterra e a América do Norte compartilhavam um mesmo idioma dispensando a necessidade de se fazer dublagens custosas ou subtitulagem dos filmes americanos.

Em 1926, os filmes programados nos cinemas britânicos eram quase que exclusivamente americanos. No mesmo ano, 37 filmes inglêses competiam com mais de 500 filmes americanos importados, que eram alugados por pacote e no escuro.

Em janeiro de 1927, o Govêrno Britânico encaminhou ao Parlamento um projeto de lei, o Cinematograph Films Act (que se tornou lei em dezembro), obrigando os distribuidores a alugar e os exibidores a exibir um mínimo ou percentagens de filmes britânicos: uma cota de 7,5% para os distribuidores e de 5% para os exibidores. Em 1936, ambas as cotas foram elevadas para 20%. O Cinematograph Films Act de 1948 extinguiu a cota devida pelos distribuidores por fôrça do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), que só admitiu cotas para os exibidores. A cota destes foi aumentada para 45%, sendo depois reduzida para 30% em 1950, permanecendo neste nível até ser abolida em 1983.

Entretanto, nada impedia que as companhias de cinema americanas formassem suas próprias unidades de produção de filmes baratos e feitos às pressas na Inglaterra, para cumprir suas cotas. Com a finalidade de pôr fim ao abuso desses chamados quota quickies, o Govêrno Britânico decidiu que somente filmes de alta qualidade poderiam preencher as cotas, mas como não disse precisamente que tipo de qualidade, ela teve que ser estabelecida em termos de custo, ou seja, os filmes deveriam ter um custo mínimo de 7.500 libras, com escassa consideração a respeito de seu conteúdo.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra estava pagando à América uma média de 7 milhões de libras (28 milhões de dólares) anualmente por aluguel de filmes e não havia restrições quanto ao montante que os distribuidores americanos poderiam remeter para o seu país. Porém a necessidade de salvaguardar sua balança de pagamentos, quando irrompeu o conflito mundial, obrigou o Govêrno Britânico a impor limites. Em 1940, as remessas de lucros para os Estados Unidos foram reduzidas para 4.8 milhões de libras e, em 1941, para 5.7 milhões de libras. Em 1947, ocorreu nova crise na balança de pagamentos e, entre outras medidas para solucioná-la, o Govêrno impôs uma taxa alfandegária de 75% sobre os filmes importados.

A indústria de cinema americana irritou-se e suspendeu a exportação de seus filmes para a Inglaterra. Contudo, em março do ano seguinte, foi assinado um acordo cinematográfico anglo-americano, revogando a taxa e permitindo que as companhias de cinema americanas remetessem anualmente 17 milhões de dólares (cerca de 3 milhões de libras) de seus rendimentos. Os lucros não transferíveis, ficariam bloqueados, mas poderiam ser reinvestidos na indústria cinematográfica britânica.

Após o desmantelamento do sistema de estúdio nos Estados Unidos com a decretação do “divórcio” entre produção-distribuição e exibição e a competição crescente da televisão, a “runaway production” se espalhou pela França, Espanha, Itália bem como pela lnglaterra, onde as companhias americanas foram incentivadas por dois fatôres: os custos baixos nesses países e o subsídio para a produção de filmes britânicos instituído pelo Eady Levy, um imposto que começou a ser recolhido em 9 de setembro de 1950, e foi depois incorporado ao Cinematograph Films Act de 1957.

Sir Wilfred Eady

O imposto recebeu o apelido de Eady, nome do Segundo Secretário do Tesouro, Wilfred Eady, que delineou o esquema juntamente com o presidente da Câmara de Comércio, Harold Wilson, e consistia no seguinte: em troca de uma redução na taxa de entretenimento (Entertainment Duty), os exibidores concordaram em pagar um imposto sobre o preço de cada ingresso de cinema: este imposto era depositado no British Film Production Fund e subsequentemente partilhado entre os produtores de filmes britânicos na proporção de suas receitas de bilheteria.

Para encorajar o investimento dentro do país, a Câmara de Comércio definiu o que era um filme britânico. Ele tinha que ser produzido por uma companhia britânica, filmado em um estúdio situado na Comunidade Britânica de Nações (British Commonwealth) ou na República da Irlanda, e tinha que pagar 75% dos custos trabalhistas do filme, excluindo a remuneração de uma pessoa, ou 80%, excluindo as remuneracões de duas pessoas, uma das quais tinha que ser um ator ou uma atriz. Isto permitiu que uma companhia de Hollywood fizessse um filme internacional na Inglaterra, com produtor, diretor, e até dois de seus astros americanos. e ainda assim ser classificado como britânico para propósito de cotas. A mesma definição de filme britânico foi usada quando o British Film Fund foi instituído em 1950.

Em contraste com os dias dos quota quickies nos anos trinta, a tendência predominante nos anos cinquenta era fazer filmes de orçamento alto, que agradassem tanto o público americano quanto o britânico.

Assim, a Warner pôde produzir através de sua subsidiária britânica Warner Bros. – First National Ltd.: Pavor nos Bastidores / Stage Fright / 1950, direção de Alfred Hitchcock com Jane Wyman, Marlene Dietrich e Richard Todd nos papéis principais; Falcão dos Mares / Captain Horatio Hornblower R.N. / 1951, direção de Raoul Walsh com Gregory Peck, Virginia Mayo e Robert Beatty; A Tia de Carlitos / Where’s Charley / 1952, direção de David Butler com Ray Bolger, Allyn Ann McLerie e Robert Shackleton; O Pirata Sangrento / The Crimson Pirate / 1952, direção de Robert Siodmak com Burt Lancaster, Nick Cravat e Eva Bartok; Sua Majestade, o Aventureiro / His Majesty O’Keefe / 1954, direção de Byron Haskin com Burt Lancaster , Joan Rice e André Morell; Minha Espada, Minha Lei / The Master of Ballantree / 1953, direção de William Keighley com Errol Flynn, Roger Livesey, Beatrice Campbell e Anthony Steel.

Elizabeth Taylor e Robert Taylor em Traidor

Na MGM-British a responsabilidade principal de recriar o estilo visual suntuoso da companhia ficou a cargo de técnicos renomados como o diretor de fotografia Freddie Young, o diretor de arte Alfred Junge e a figurinista Elizabeth Haffenden, surgindo os filmes, rodados no seu estúdio em Elstree: Traidor / Conspirator / 1949, direção de Victor Saville com Robert Taylor, Elizabeth Taylor e Robert FlemIng; Romance de uma Esposa / The Miniver Story / 1950 (continuação de Rosa da Esperança / Mrs. Miniver / 1942), direção de H.C. Potter com Greer Garson, Walter Pidgeon e Leo Genn; Londres à Meia-Noite / Calling Bulldog Drummond / 1951, direção de Victor Saville com Walter Pidgeon, Margaret Leighton e David Tomlinson; Caminhos da Noite / The Hour of 13 / 1952, direção de Harold French com Peter Lawford, Dawn Addams e Roland Culver; Nunca Me Deixes Ir / Never Let Me Go / 1953, direção de Delmer Daves com Clark Gable, Gene Tierney e Bernard Miles; a trilogia de grandes espetáculos de aventura histórica, dirigidos por Richard Thorpe e protagonizados por Robert Taylor: Ivanhoe, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1953 (com Elizabeth Taylor, Joan Fontaine, George Sanders); Os Cavaleiros da Távola Redonda / Knights of the Round Table / 1954 com Taylor, Ava Gardner e Mel Ferrer e A Coroa e a Espada / Quentin Durward / 1955 com Taylor, Kay Kendall e Robert Morley; O Belo Brummel / Beau Brummel / 1954, direção de Curtis Bernhardt com Stewart Granger, Elizabeth Taylor, Peter Ustinov e Robert Morley; A Encruzilhada dos Destinos / Bhowani Junction /1956, direção de George Cukor com Stewart Granger, Ava Gardner e Bill Travers; Convite à Dança / Invitation to the Dance / 1956, direção de Gene Kelly; O Céu em teu Amor / Barretts of Wimpole Street / 1957, direção de Sidney Franklin com Jennifer Jones, John Gieguld e Bill Travers.

Glynis Johns, James Robertson Justice e Richard Todd em Entre a Espada e a Rosa

A RKO co-financiou e distribuiu os filmes britânicos da Walt Disney Productions e da Coronado Films. A primeira produção britânica da Walt Disney foi A Ilha do Tesouro / Treasure Island / 1950, filme de aventura em Technicolor, produzido por Perce Pearce, direção de Byron Haskin com Bobby Driscoll, Robert Newton e Basyl Sydney; Disney fez mais três filmes de aventura de época em Technicolor, todos produzidos por Pearce e estrelados por Richard Todd: Robin Hood, o Justiceiro / The Story of Robin Hood and His Merrie Men / 1952, direção de Ken Annakin com Todd, Joan Rice e Peter Finch, Entre a Espada e a Rosa / The Sword and the Rose / 1953, direção de Ken Annakin com Todd, Glynis Johns e James Robertson Justice e O Grande Rebelde / Rob Roy the Highland Rogue / 1953, direção de Harold French também com Todd, Glynis Johns e James Robertson Justice.

A Coronado Films, pequena empresa sob a liderança do americano David E. Rose, fez dois filmes para a RKO (Circle of Danger / 1952, direção de Jacques Tourneur com Ray Milland, Peggy Cummings, Marius Goring e Patricia Roc e Ilha do Desejo / Saturday Island ou Island of Desire / 1952, direção de Stuart Heisler com Linda Darnell, Tab Hunter e Donald Gray), mas também trabalhou com a Columbia, a MGM e a Warner Bros.

Van Johnson e Deborah Kerr em Pelo Amor de Meu Amor

Para a Columbia, a Coronado fez dois filmes: Pelo Amor de Meu Amor / The End of the Affair / 1955, direção de Edward Dmytryk com Deborah Kerr, Van Johnson e John Mills; Pecadoras de Porto África / Port Afrique / 1956, direção de Rudolph Mate com Pier Angeli, Philip Carey e Dennis Price. Para a MGM: O Arrombador de Cofres / The Safecracker / 1958, direção de Ray Milland com Milland, Barry Jones e Victor Maddern e A Casa dos Sete Gaviões / The House of the Seven Hawks / 1959, direção de Richard Thorpe com Robert Taylor, Nicole Maurey e Linda Christian. Para a Warner Bros.: Testemunha de Vista / Your Eye Witness / 1950 (reintitulado Eye Witness nos EUA), direção de Robert Montgomery com Montgomery, Leslie Banks e Felix Aylmer.

Richard Widmark em Sombras do Mal

O primeiro filme britânico da Twentieth Century-Fox, Sombras do Mal / Night and the City / 1950, direção de Jules Dassin com Richard Widmark, Gene Tierney e Googie Withers, foi lançado em duas versões diferentes. A versão inglêsa tinha 101 minutos e uma partitura musical de Benjamin Frankel enquanto que a versão americana era seis minutos mais curta e contava com um score de Franz Waxman. Seguiram-se: A Rosa Negra / The Black Rose / 1950, direção de Henry Hathaway com Tyrone Power, Jack Hawkins, Cecile Aubry e Orson Welles; O Garoto e a Rainha / The Mudlark / 1950, direção de Jean Negulesco com Irene Dunne, Alec Guiness e Andrew Ray; Na Estrada do Céu / No Highway (reintitulado No Highway in the Sky nos EUA) / 1951, direção de Henry Koster com James Stewart, Marlene Dietrich, Jack Hawkins e Glynis Johns; Jamais te Esquecerei / The House in the Square (reintitulado I’ll Never Forget You nos EUA) / 1951 , direção de Roy Baker com Tyrone Power, Ann Blyth e Dennis Price; Marinheiro do Rei / Single Handed (reintitulado Sailor of the King nos EUA) / 1953, direção de Roy Boulting com Jeffrey Hunter, Michael Rennie e Wendy Hiller; O Profundo Mar Azul / The Deep Blue Sea / 1955, direção de Anatole Litvak com Vivien Leigh, Kenneth More e Emlyn Williams; O Homem Que Nunca Existiu / The Man Who Never Was / 1956, direção de Ronald Neame com Clifton Webb, Gloria Grahame e Stephen Boyd; Jogos da Vida / Smiley / 1956, direção de Anthony Kimmins com Colin Petersen, Ralph Richardson, Bruce Archer; A Ilha dos Trópicos / Island in the Sun / 1957, direção de Robert Rossen com James Mason, Dorothy Dandridge, Joan Collins, Michael Rennie e Harry Belafonte; O Céu por Testemunha / Heaven Knows Mr. Allison / 1957, direção de John Huston com Robert Mitchum e Deborah Kerr; A Intocável / Seawife / 1957, direção de Bob McNaught com Joan Collins, Richard Burton e Basil Sydney.

Clifton Webb em O Homem Que Nunca Existiu

Ann Blyth e Tyrone Power em Jamais te Esquecerei

A reintitulação explica-se porque, embora muitos filmes fossem promovidos como filmes britânicos no Reino Unido, eles eram anunciados como americanos quando exibidos além-mar.

A Columbia levou algum tempo para avaliar os benefícios de produzir filmes na Inglaterra. Por volta de 1953, ela havia financiado e distribuído apenas dois filmes de orçamento baixo ambos produzidos e dirigidos por Mario Zampi: Shadow of the Past / 1950 com Joyce Howard e Terence Morgan e Michael Medwin e Come Dance with Me / 1950 com Max Well, Gordon Humphris e Yvonne Marsh. Porém, nesse mesmo ano, a companhia firmou uma relação de longo termo com Irving Allen e Albert R. Broccoli e sua empresa, Warwick Films.

Quando Allen e Broccolli abordaram Alan Ladd para estrelar o seu primeiro filme, a mulher dele, Sue Carol, insistiu em um contrato de três filmes: Sinal Vermelho / The Red Beret /1953 (reintitulado Paratrooper nos EUA), direção de Terence Young com Ladd, Leo Genn e Susan Stephen; O Espadachim Negro / The Black Knight / 1954, direção de Mark Robson com Ladd, Patricia Medina e Peter Cushing; Inferno Branco / Hell Below Zero, direção de Tay Garnett com Ladd, Joan Tetzel e Basil Sydney) para seu marido, mais 200 mil dólares e 10 % sobre os lucros por filme. Determinada a preservar a imagem de uma vida limpa de Ladd perante os Escoteiros da América, Sue insistiu para que ele não fosse mostrado roubando um cavalo em O Espadachim Negro, muito embora o filme transcorresse na Inglaterra do século XV. O quarto e o quinto filme de Allen e Broccoli para a Columbia foram Ouro Maldito / A Prize of Gold / 1954, direção de Mark Robson om Richard Widmark, Mai Zetterling e Nigel Patrick e Os Sobreviventes / The Cockleshell Heroes / 1955, direção de José Ferrer com Ferrer, Trevor Howard e Victor Maddern.

Em fevereiro de 1956, a Warwick negociou um novo contrato com a Columbia, surgindo: Odongo / Odongo / 1956, direção de John Gilling com Rhonda Fleming, MacDonald Carey e Juma; A Morte Espreita na Floresta / Safari / 1956, direção Terence Young com Victor Mature, Janet Leigh e John Justin; Zarak / Zarak / 1957, direção de Terence Young com Victor Mature, Anita Ekberg e Michael Wilding; Perseguição sem Tréguas / Interpol (reintitulado Pickup Alley nos EUA) / 1957, direção de John Gilling com Victor Mature, Anita Ekberg, Trevor Howard; Lábios de Fogo / Fire Down Below / 1957, direção de Robert Parrish com Rita Hayworth, Robert Mitchum e Jack Lemmon; Audácia a Jato / High Flight / 1957, direção de John Gilling com Ray Milland, Anthony Newley e Kenneth Haigh; Sem Tempo para Morrer / No Time to Die (reintitulado Tank Force nos EUA) / 1958, direção de Terence Young com Victor Mature, Leo Genn e Anthony Newley; Conflito Íntimo / The Man Inside / 1958, direção de John Gilling com Jack Palance, Anita Ekberg e Nigel Patrick.

Robert Taylor em A Morte Vem do Kilimanjaro

Em outubro de 1958, Allen e Broccoli tentaram se tornar produtores independentes, comprando a Eros Films. Porém depois, cada um seguiu caminhos separados: Allen ficou com a Warwick e Broccoli juntou-se a Harry Saltzman, para formar a Eon Films que produziria os filmes de James Bond. A Warwick recorreu a outros produtores para realizar filmes feitos às pressas para a Columbia tais como Idol on Parade / 1959, direção de John Gilling com William Bendix, Anthony Newley e Anne Aubrey; Bandido Sanguinário / The Bandit of Zhobe / 1959, direção de John Gilling com Victor Mature, Anthony Newley e Anne Aubrey; A Morte Vem do Kilimanjaro / Killers of Kilimanjaro / 1959, direção de Richard Thorpe com Robert Taylor, Anthony Newley e Anne Aubrey.

A Columbia financiou ainda outras companhias produtoras durante os anos cinquenta, porém nenhuma tão extensivamente como a Warwick. Em 1954, ajudou a Facet Productions a produzir Aventuras do Padre Brown / Father Brown (reintitulado The Detective nos EUA), direção de Robert Hamer com Alec Guiness, Joan Greenwood e Peter Finch e Prisioneiro do Remorso / The Prisoner, direção de Peter Glenville com Alec Guiness, Jack Hawkins e Wilfred Lawson. Em 1955-57, auxiliou a Film Locations de Mike Frankovich na produção de: A Cruz do Meu Destino / Footsteps in the Fog / 1955, direção Arthur Lubin com Stewart Granger, Jean Simmons e Bill Travers; Joe Macbeth / Joe Macbeth / 1955, direção de Ken Hughes com Paul Douglas, Ruth Roman e Bonar Colleano; Soho Incident (reintitulado Spin a Dark Web nos EUA) / 1956, direção de Vernon Sewell com Faith Domergue, Lee Patterson e Rona Anderson; Lodo na Alma / Wicked As They Come / 1956, direção de Ken Hughes com Arlene Dahl, Philip Carey e Herbert Marshall; Cidade Amedrontada / Town on Trail / 1957, direção de John Guilhermin com John Mills, Charles Coburn e Barbara Bates; The Long Haul / 1957, direção de Ken Hughes com Victor Mature, Diana Dors e Patrick Allen.

Laurence Olivier e Marilyn Monroe em O Príncipe Encantado

No início de 1957, a RKO já havia cessado de colaborar no financiamento e distribuir os filmes da Disney e da Coronado. A Warner Bros. também diminuiu seu investimento em filmes britânicos, limitando-se a apoiar quatro filmes: O Príncipe Encantado / The Prince and the Showgirl / 1957, direção Laurence Olivier com Olivier, Marilyn Monroe e Jeremy Spencer; Odeio Esta Mulher / Look Back in Anger / 1959, direção Tony Richardson com Richard Burton, Claire Bloom e Mary Ure; e dois filmes da Hammer, A Maldição de Frankenstein / The Curse of Frankenstein / 1957, direção de Terence Young com Peter Cushing, Hazel Court e Christopher Lee; O Abominável Homem da Neve / The Abominable Snowman / 1957, direção de Val Guest com Forrest Tucker, Peter Cushing e Maureen Connell.

Richard Burton e Mary Ure em Odeio Esta Mulher

Os útimos filmes co-patrocinados pela Twentieth Century-Fox foram: O Traquina / Smiley Gets a Gun / 1958, direção de Anthony Kimmins com Keith Calvert, Sybil Thorndike, Chips Rafferty e Bruce Archer e A Morada da Sexta Felicidade / Inn of the Sixth Happiness / 1958, direção de Mark Robson com Ingrid Bergman, Robert Donat e Curd Jürgens.

Ruth Roman, Richard Burton e Curd Jurgens em Vitória Amarga

Jean Seberg, Deboraj=h kerr e David Niven em Bom Dia, Tristeza

A Columbia fez ainda: Um Crime por Dia / Gideon’s Day / 1958, direção de John Ford com Jack Hawkins, Anna Lee e John Loder; Amargo Triunfo / Bitter Victory / 1957, direção de Nicholas Ray com Richard Burton, Curd Jürgens e Ruth Roman; Bom Dia, Tristeza / Bonjour Tristesse / 1958, direção de Otto Preminger com Jean Seberg, David Niven e Deborah Kerr; A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957, direção de David Lean com Alec Guiness, Jack Hawkins, William Holden e Sessue Hayakawa. E a MGM: O Julgamento do Capitão Dreyfuss / I Accuse / 1958, direção de José Ferrer com Ferrer, Anton Walbrook e Viveca Lindfors; O Dilema do Médico / The Doctor’s Dilemma / 1959, direção de Anthony Asquith com Dirk Bogarde, Leslie Caron, Alastair Sim e Robert Morley; A Noite é Minha Inimiga / Libel / 1959, direção de Anthony Asquith com Dirk Bogarde, Olivia de Havilland, Paul Massie e Robert Morley.

José Ferrer em O Julgamento do Capitão Dreyfus

No final da década, muitos na indústria cinematográfica achavam que a produção britânica de filmes estava simplesmente se tornando um território dominado pelos grandes estúdios americanos. Em abril de 1959, quando a Câmara dos Lordes reviu a legislação secundária, que regulava os pagamentos do Film Production Fund, o Govêrno apresentou uma emenda que excluia os filmes produzidos nos países da Comunidade Britânica de receber dinheiro do fundo. A emenda limitava os benefícios àquelas companhias nas quais a administração central e o contrôle era exercido na Grã Bretanha. Porém quando Lord Archibald, o presidente da Federation of British Film Makers, dominada pelos americanos, mostrou que esta formulação iria implícitamente pôr em perigo o status das subsidiárias britânicas das majors americanas, o Govêrno lhe assegurou formalmente que “a posição das companhias residentes no Reino Unido que fôssem subsidiárias de companhias americanas ou de outras, não corriam perigo com esta emenda”. Tal garantia foi repetida pela Câmara dos Comuns, antes que o projeto de regulamentação se tornasse lei.

O govêrno conservador não estava evidentemente preparado para precipitar a retirada do capital americano da produção britânica, porque as produções anglo-americanas eram agora a categoria predominante dos filmes britânicos. Se a persuasão financeira era o único meio de continuar a trazer o capital americano para a Grã Bretanha, então que assim fôsse.

LIvros consultados:

British Cinema of the 1950s – The Decline of Deference, de Sue Harper e Vincent Porter (Oxford University Press, 2003).

All Our Yesterdays – 90 Years of British Cinema, ed. por Charles Barr (BFI Publishing, 1986).

The British Film Business de Bill Baillieu e John Goodchild (John Wiley & Sons , Ltd., 2002).

The Film Business – A History of British Cinema 1896-1972 de Ernest Betts (Pitman Publishing Corporation, 1973).

TRIBUTO A JACQUES TOURNEUR

Ele se considerava um mero artesão, porém era um artista que, em uma variedade de gêneros – filme de horror psicológico ou sobrenatural, filme noir, western, aventura, drama -, dispondo quase sempre de poucos recursos, construía sempre imagens nas quais se notava a sua sutileza e perfeccionismo, principalmente no que se referia ao uso do som e do silêncio, da luz e da sombra, da fotografia em preto e branco ou colorida, elementos que contribuíam fortemente para a qualidade atmosférica de seus filmes, característica fundamental de sua obra.

Jacques Tourneur

Jacques Tourneur

Jacques Tourneur nasceu em Paris no dia 12 de novembro de 1904, filho do famoso cineasta Maurice Tourneur e de Fernande Petit, atriz vedeta do Théâtre Antoine. Em 1914, aos dez anos de idade, partiu com sua mãe para a América, porém somente em 1918 eles se reuniram ao pai na Califórnia, onde ele estava dirigindo filmes, porque estiveram primeiramente em Nova York, onde Fernande atuou no teatro. Jacques estudou na Hollywood High School e se tornou cidadão americano em 1919.

Atraído para a indústria cinematográfica, apareceu como figurante em Scaramouche / Scaramouche / 1923 de Rex Ingram, e depois acompanhou Maurice ao Tahiti, a fim de lhe prestar serviço como colaborador no roteiro de Thaméa / Never the Twain Shall Meet, continuando nesta função nos vários filmes seguintes de seu progenitor.

Quando Maurice voltou para a Europa depois de um desentendimento com a MGM durante a filmagem de Ilha Misteriosa / The Mysterious Island (somente completado sob a direção de Benjamin Christensen e depois Lucien Hubbarb em 1929), Jacques arrumou emprego naquele estúdio como ator, sendo visto rapidamente em Coleguinha Legal / The Fair Co-ed / 1927 de Sam Wood, Anna Karenina / Love / 1927 de Edmund Goulding, Ouro / The Trail of the ’98 / 1928 de Clarence Brown, entre outros filmes. Jacques serviu também como segundo assistente de Clarence Brown, John M. Stahl e Fred Niblo, atuou no teatro, e trabalhou como lanterninha no Hollywood Bowl.

Jacques Tourneur e sua esposa Christiane Virideau ao lado de Walt Disney

Jacques Tourneur e sua esposa Christiane Virideau ao lado de Walt Disney

A carreira de ator de Jacques não estava levando a lugar nenhum quando, em 1928, seu pai o chamou a Berlim, onde estava dirigindo Das Schiff der verlorenen Menschen. Jacques trabalhou no filme como seu assistente e também aproveitou a oportunidade para aprender o ofício de montador, percebendo que assim poderia alcançar mais facilmente o cargo de diretor. Nesta ocasião, conheceu Marguerite Christiane Virideau, uma atriz. Eles contraíram matrimônio em 1930 e continuaram casados até a morte de Jacques. Marguerite apareceu em alguns filmes francêses, pelo menos em um filme de Hollywood, Os Mandamentos Sociais / Society Smuggler’s / 1939 de Joe May, e dublou a voz de Branca de Neve na versão francêsa do filme de Disney.

Marcel Levesque, Josseline Gäel e Jean Gabin em Tout ça ne vau pas l 'amour

Marcel Levesque, Josseline Gäel e Jean Gabin em Tout ça ne vau pas l ‘amour

Jacques Tourneur foi assistente de direção, montador ou exerceu ambos os ofícios em todos os filmes francêses de seu pai de 1930 a 1934 bem como foi o montador de Rothschild de Marco de Gastyne e o assistente de direção de Jacques Natanson em La Fusée, ambos em 1933. O primeiro filme dirigido por Jacques foi Tout ça ne vaut pas l ‘amour / 1931, seguido por Pour être aimé / 1933, Toto / 1933 e Les Filles de la concierge / 1934.

Cena do curta Master William Shakespeare

Cena do curta Master William Shakespeare

Em 1934, Tourneur sentiu que já possuia experiência suficiente para arriscar um retorno a Hollywood, e assinou um contrato com a MGM onde, até 1939, trabalhou como diretor de segunda unidade nos filmes de longa-metragem Sorte Grande e Nada Mais / The Winning Ticket / 1935, A Queda da Bastilha / A Tale of Two Cities / 1935 e Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938 e como diretor de vários curtas-metragens, alguns exibidos no Brasil: A História do Diamante Jonker / The Jonker Diamond / 1936, William Shakespeare / Master William Shakespeare / 1936, O Patrão Não Disse Bom Dia / The Boss Didn’t Say Good Morning / 1937, Romance do Radium / Romance of Radium / 1937, O Rei sem Trono / The King without a Crown / 1937, O Homem do Galpão / The Man in the Barn / 1937, O Navio que Morreu / The Ship that Died / 1938, Pense Primeiro / Think it Over / 1938, O Espírito do Povo / Yankee Doodle Goes to Town / 1939, O Desconhecido Misterioso / The Incredible Strange / 1942, O Alfabeto Mágico / The Magic Alphabet / 1942.

Rita Johnson e Walter Pidgeon em Nick Carter, Super Detetive

Rita Johnson e Walter Pidgeon em Nick Carter, Super Detetive

Em 1939, ele conseguiu ser promovido para a direção de um longa-metragem, Escravos do Mal /They All Come Out, um filme inicialmente planejado como um exemplar da série de shorts O Crime Não Compensa /Crime Does Not Pay. Após a realização de mais dois filmes B, Nick Carter, Super Detetive / Nick Carter, Master Detective / 1939 e Nick Carter nos Trópicos / Phantom Raiders / 1940, Tourneur ( não se sabe por qual motivo) fez um filme para a Republic, Silêncio de Médico / Doctor’s Don’t Tell / 1941 e finalmente, em 1942, a MGM o deixou completamente livre, quando Val Lewton, com quem ele havia trabalhado na segunda unidade de A Queda da Bastilha, o convidou para dirigir Sangue de Pantera / Cat People, seu primeiro filme como produtor na RKO. Este filme B obteve um sucesso surpreendente aumentando a reputação de Tourneur e de Lewton e eles fizeram mais dois filmes juntos, A Morta-Viva / I Walked With a Zombie / 1943 e O Homem Leopardo / A Morta-Viva / The Leopard Man / 1943, antes que a RKO decidisse promover Tourneur para as produções classe A com Quando a Neve Tornar a Cair / Days of Glory / 1944 Tourneur fez mais quatro filmes para a RKO – Idílio Perigoso / Experiment Perilous / 1944, Fuga ao Passado / Out of the Past / 1947, Expresso para Berlim / Berlin Express e Tormento de uma Glória / Easy Living / 1949 – e foi emprestado para a Universal onde dirigiu Paixão Selvagem / Canyon Passage / 1946.

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Quando seu contrato com a RKO expirou, Tourneur tornou-se free lancer realizando O Testamento de Deus / Stars in my Crown / 1950 para a MGM, O Gavião e a Flecha / The Flame and the Arrow / 1950 para a Warner Bros., Circle of Danger / 1951 na Inglaterra para a Coronado Productions e A Vingança dos Piratas / Anne of the Indies / 1951 e O Gaúcho / Way of a Gaucho / 1952 para a 20th Century-Fox.

Gene Tierney e Rory Calhoun em O Gaúcho

Gene Tierney e Rory Calhoun em O Gaúcho

Este último filme, uma produção cara e tumultuada, foi um fracasso commercial e marcou uma mudança na carreira de Tourneur: ele prosseguiu realizando filmes de orçamento modesto, a maioria para produtores independentes. Começando com Almas Selvagens / Appointment in Honduras / 1953 (Prod: Benedict Bogeaus), prosseguiu com O Cavaleiro Misterioso / Stranger on Horseback / 1955 (Prod: Robert Goldstein), Choque de Ódios / Wichita / 1955 (Prod: Walter Mirisch), Pelo Sangue de Nossos Irmãos / Great Day in the Morning / 1956 (Prod: Edmund Grainger), A Maleta Fatídica / Nightfall / 1957 (Prod: Ted Richmond).

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Além de dirigir com frequência para a televisão a partir de 1954 até 1966, Tourneur filmou na Inglaterra, A Noite do Demônio / Night of the DemonCurse of the Demon nos EUA / 1956 (Prod: Frank Bevis) e encerrou seu trabalho na década de cinquenta com Fabricantes do Mêdo / The Fearmakers / 1958 (Prod: Martin H. Lancer), Timbuktu / Timbuktu / 1959 (Prod: Edward Small) e A Batalha de Maratona / La Battaglia di Maratona The Giant of Marathon nos EUA / 1959 (Prod: Bruno Vailati), filmado na Itália. Em 1963, Tourneur assinou contrato com a American-International Pictures, para a qual fez Farsa Trágica / The Comedy of Terrors / 1963 e Monstros da Cidade Submarina / War-Gods of the Deep / 1965, seu derradeiro filme. Ele faleceu em Dordogne, França no dia 19 de dezembro de 1977.

Neste artigo presto uma homenagem a Jacques Tourneur, relembrando alguns de seus melhores filmes.

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SANGUE DE PANTERA / CAT PEOPLE.

Irena Dubrovna (Simone Simon), uma garota da Sérvia, desenhista de moda, vive na cidade de Nova York, obcecada pela idéia de que é descendente de uma antiga raça de mulheres felinas, as quais, quando excitadas, transformam-se em panteras. Por isso, tem medo de consumar seu casamento com Oliver Reed (Kent Smith), arquiteto de uma firma de construção naval. Ele persuade a esposa a consultar o Dr. Judd (Tom Conway), um psiquiatra; mas este não consegue melhorar o estado de Irena. Olivier então se consola, contando seus problemas para Alice (Jane Randolph), uma colega de escritório. Subsequentemente, Alice é ameaçada duas vêzes por uma fera desconhecida. Oliver ameaça deixar Irena e, na mesma noite, ele e Alice são atacados. O Dr. Judd visita Irena e tenta conquistá-la à força. Ela se transforma em pantera e o mata. Ferida por Judd, Irena more no Jardim Zoológico do Central Park, depois de libertar uma pantera enjaulada.

Filmagem de Sangue de Pantera

Filmagem de Sangue de Pantera

Tourneur tinha uma grande capacidade para criar sequências tenebrosas. Em uma das melhores do filme, Alice entra de noite em uma piscina deserta e quando se prepara para seu exercício de natação, sente a aproximação de algo ameaçador. Sem possibilidade de fuga, atira-se na água. A câmera focaliza Alice só com o rosto à tona em alternância com a sombra das águas turvas nas paredes e a repercussão sonora dos urros de uma pantera.

Pose pa a publicidade: Simone Simon em Sangue de Pantera

Pose pa a publicidade: Simone Simon em Sangue de Pantera

Outra sequência memorável, muito bem fotografada por Nicholas Musuraca, é a caminhada noturna de Alice pelas imediações do Central Park, um percurso que vai se tornando cada vez mais nervoso, quando ela ouve passos seguindo-a. Alice pára diante de um poste de luz e olha para trás nas trevas. O barulho dos passos se interompe; ela não vê nada, mas sente que continua sendo seguida por algo que roça nas folhagens. Assustada, corre até o próximo poste. No momento em que a tensão da platéia está no auge, um ônibus surge bruscamente dentro do quadro e dá uma freada súbita, para alguns passageiros desembarcarem. A inesperada aparição do ônibus, o ruído estridente dos freios, dão um susto tremendo nos espectadores.

Na mesma noite, uma ovelha é encontrada morta no parque e a câmera segue o rastro das patas de um felino afastando-se do corpo do animal morto até que, subitamente, as patas viram marcas de saltos de sapatos de uma mulher.

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A MORTA-VIVA / I WALKED WITH A ZOMBIE. Betsy Connell (Frances Dee), enfermeira canadense, chega a St. Sebastian nas Antilhas, para cuidar de Jessica Holland (Christine Gordon), uma inválida que parece estar sofrendo de paralisia nervosa. Betsy apaixona-se por Paul (Tom Conway), marido de Jessica e é cortejada por Wesley Rand (James Ellison), o meio-irmão de Paul. Acreditando que este continua enamorado da esposa, Betsy, altruisticamente, leva Jessica a uma cerimônia de vodu, na esperança de restituí-la ao marido. Sua intenção falha, mas força Mrs. Rand (Edith Barrett), viúva missionária e mãe de Paul e Wesley, a revelar que havia usado o vodu para transformer Jessica em uma zumbi, quando ela anunciar sua partida de St. Sebastian com Wesley. Wesley mata Jessica a fim de libertá-la da maldição da “morte em vida” e se afoga, carregando o corpo dela mar adentro.

Cena de A Morta-Viva

Cena de A Morta-Viva

Frances Dee e Tom Conway em A Morta-Viva

Frances Dee e Tom Conway em A Morta-Viva

Cena de A Morta-Viva

Cena de A Morta-Viva

Logo no início do filme, Betsy e Paul estão a bordo de um veleiro comercial. O céu estrelado e o oceano cintilante deixam-na extasiada. Seus devaneios são interrompidos por Paul: “Não é bonito … – ele lê seu pensamento. “Tudo parece bonito porque você não compreende. Aqueles peixes-voadores não estão pulando de alegria, eles estão pulando aterrorizados. Os peixes maiores querem comê-los. Aquela água luminosa – ela tira o seu brilho de milhões de cadáveres, o brilho da putrescência. Aquí não há beleza, somente morte e decomposição. Depois de uma tomada mostrando o céu cadente, ele acrescenta: “Tudo que é bom morre aquí, até as estrelas”.

Dirigido por Tourneur com grande inspiração, magnificamente fotografado por J. Roy Hunt e interpretado com segurança por todo o elenco, inclusive os atores negros Sir Lancelot (cantor de calypso) e Darby Jones (Carre-Four), o filme é considerado por muitos críticos o melhor da série de horror psicológico de Val Lewton, “um dos raros exemplares de pura poesia visual fabricado por Hollywood”. Esta qualidade é perceptível em sequências como a do primeiro encontro de Betsy com Jessica; a da caminhada das duas à sede da macumba através dos canaviais sob o batuque enervante dos tambores e o soprar do vento até se depararem com o zumbi; e a do desenlace, em notável montagem alternada, encerrando-se quando a agulha é espetada na boneca representando Jessica e, em seguida, em um corte brusco, aparece Wesley, que acabara de matar a verdadeira Jessica com a flecha da estátua de São Sebastião.

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O HOMEM LEOPARDO / THE LEOPARD MAN.

Em uma pequena cidade da fronteira do Novo México, um leopardo que o empresário teatral Jerry Manning (Dennis O’Keefe) havia usado em um truque publicitário de sua vedete, Kiki Walker (Jean Brooks), assusta-se com o som de castanholas e foge. A fera mata uma adolescente, Teresa Delgado (Margaret Landry). Posteriormente, duas outras jovens , Consuelo Contreras (Tula Parma) e a dançarina Clo-Clo (Margo), são mortas; mas, desta vez, por um assassino demente, que usa o leopardo para encobrir suas atividades. Perseguido por Jerry e Kiki, o criminoso vem a ser preso e morto pelo namorado de uma das vítimas.

Cena de O Homem Leopardo

Cena de O Homem Leopardo

A narrativa, sem ter personagens centrais, é um tanto fragmentada, prejudicando um pouco a dramaticidade, mas há sequências de excelente Cinema. Em uma delas, sem dúvida a mais aterrorizadora de toda a série, Teresa é forçada pela mãe a sair de noite para comprar farinha. A mocinha está assustada, pois ouvira dizer que um leopardo andava solto pelas redondezas. A mãe empurra-a para fora de casa e tranca a porta. A pobrezinha encontra a mercearia fechada e tem de atravessar um longo caminho na escuridão, até chegar à única loja ainda aberta. Na volta, ela vê os olhos de um felino brilhando nas trevas. Em um efeito semelhante ao da parada repentina do ônibus em Sangue de Pantera, quando ela está sob uma passagem elevada da estrada de ferro, um trem irrompe estridentemente. Logo depois, ela se depara com a fera, cai, derramando a farinha e foge. O resto da sequência é filmado do interior da casa. A menina bate aflita na porta, suplicando à mãe para deixá-la entrar; esta, zangada com a demora, decide puní-la, fazendo-a esperar. Quando finalmente se convence de que a filha corre perigo, não consegue abrir o ferrolho e vê o sangue da menina escorrendo por debaixo da porta.

Cena de O Homem Leopardo

Cena de O Homem Leopardo

O virtuoso emprêgo do som e das sombras e a sucessão tensa das imagens continua no momento de outras mortes – a de Consuelo no cemitério e a de Clo-Clo tocando castanholas pelas ruas escuras, antes de perecer nas mãos do assassino. Boa parte do êxito destes instantes aconteceram devido às tomadas perfeitas em chave baixa do fotógrafo Robert de Grasse

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PAIXÃO SELVAGEM / CANYON PASSAGE.

Em 1856, no Oregon, Logan Stuart (Dana Andrews) é proprietário de uma linha de transporte de carga por mulas e um armazém na pequena cidade mineira de , e vive percorrendo vales e montanhas. Ele se relaciona com várias pessoas: seu amigo George Camrose (Brian Donlevy), um banqueiro que está roubando secretamente o ouro em pó depositado no banco por seus clientes, a fim de sustentar suas dívidas de jôgo; a noiva de George, Lucy Overmire (Susan Hayward), apaixonada por Logan: Caroline Marsh (Patricia Roc), imigrante inglêsa que fica noiva de Logan; o rancheiro Ben Dance Dance (Andy Devine); o trovador Hi Linnet (Hoagy Carmichael) que observa e comenta os acontecimentos; e o brutal e solitário Honey Bragg (Ward Bond), que Logan suspeita ter praticado alguns crimes. Para esconder seu desfalque, George mata um mineiro, McIver (Wallace Scott), mas é preso e condenado à morte por um tribunal irregular. Logan ajuda-o a fugir durante uma confusão causada pela notícia de uma rebelião dos índios, porém George acaba sendo morto pela população. Durante a revolta dos peles-vermelhas, Ben Dance e um de seus filhos são mortos assim como Bragg, depois de ter estuprado e assassinado uma jovem índia. Caroline, percebendo que seria infeliz ao lado de Logan por incompatibilidade de seu temperamento e expectativa, desfaz seu noivado, deixando – o livre para partir com Lucy para San Francisco.

Susan Hayward e Dana Andrews em Paixão Selvagem

Susan Hayward e Dana Andrews em Paixão Selvagem

Neste western atípico e realista, Tourneur faz uma crônica de uma pequena cidade isolada no Oregon nos tempo dos pioneiros, sempre ameaçados pelos índios. Em uma sequência notável, um baile é interrompido pela presença deles, percebida pelo olhar apurado de Hi Linnet, que faz a orquestra parar e logo depois os selvagens aparecem em um reverse-shot sob a luz avermelhada do fogo.

Brian Donlevy e Susan Hayward em Paixão Selvagem

Brian Donlevy e Susan Hayward em Paixão Selvagem

Cena de Paixão Selvagem

Cena de Paixão Selvagem

Por meio de uma encenacão inteligente, o diretor descreve com profundidade tanto os personagens principais como os secundários, expondo sem precipitação suas preocupações cotidianas, daí porque o rítmo não é sempre nervoso, dando ao filme uma aparência de drama psicológico. Em compensação, outras sequências como a da briga entre Bragg e Logan no saloon e o ataque dos índios são mais movimentadas. Tourneur usa o close-up com muita felicidade, para mostrar a ferocidade e a anormalidade de Bragg, que transparece não somente na mencionada briga mas também quando o brutamontes surpreende as índias banhando-se no rio. Outros elementos estéticos bem aplicados pelo cineasta foram a elipse (eis que não vemos as cenas da morte de George nem a de McIver) e a cor (principalmente na perseguição de Bragg pelos índios através das plantas; quanto mais os perseguidores se aproximam dele, elas se tornam cada vez mais vermelhas). Na aplicação do Technicolor a contribuição do fotógrafo Edward Cronjager foi inestimável.

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FUGA AO PASSADO / OUT OF THE PAST.

Jeff Markham (Robert Mitchum), um detective particular de Nova York, e seu sócio, Jack Fisher (Steve Brodie), são contratados por um gângster, Whit Sterling (Kirk Douglas), para encontrar a amante dele, Kathie Moffat (Jane Greer), que fugiu com quarenta mil dólares, após ter tentado matá-lo. Jeff segue a pista de Kathie até Acapulco e se apaixona por ela, acreditando na sua palavra de que não roubou o dinheiro. Em consequência, o detetive não informa Whit sobre o seu paradeiro e os dois partem para San Francisco, onde vivem temporariamente em segurança. Até o momento em que são reconhecidos por Fisher, convocado por Whit para procurar Jeff. Tentando chantageá-los, Fisher é morto friamente por Kathie. Jeff fica perplexo com a violência de Kathie. Quando se volta para ela, apó ter examinado o corpo de Fisher, Kathie não está mais ali; mas deixara seu talão de cheque, que acusa um depósito de quarenta mil dólares. Os acontecimentos posteriores levarão a um final trágico.

Tourneur e o fotógrafo Nicholas Musuraca, ex-colaboradores da série de horror de Val Lewton, eram especialmente preparados para criar o jogo lírico e sensual de sombras que caracteriza o filme noir. Em um entrosamento perfeito, Tourneur e Musuraca produziram imagens esplêndidas de interiores escuros dramaticamente iluminados, planos filmados de dia como se fossem de noite das praias do México e exteriors claros e meticulosos, muito bem integradas no todo atmosférico. O diretor teve ainda o mérito de fazer com que uma jovem inexperiente de 22 anos, Jane Greer, se transformasse em uma das mulheres fatais mais inesquecíveis, frágil, ameaçadora, e ao mesmo tempo, sensual e demoníaca.

Virginia Huston and Robert Mitchum in a scene from the 1947 movie, Out of the Past.

Virginia Huston and Robert Mitchum in a scene from the 1947 movie, Out of the Past.

Kirk Douglas e Robert Mitchum em Fuga ao Passado

Kirk Douglas e Robert Mitchum em Fuga ao Passado

Robert Mitchum e Jane Greer em Fuga ao Passado

Robert Mitchum e Jane Greer em Fuga ao Passado

Cena de Fuga ao Passado

Cena de Fuga ao Passado

Cena de Fuga ao Passado

Cena de Fuga ao Passado

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No momento em que surge vestida de branco em uma rua de Acapulco, Kathie Moffat não parece a mulher insidiosa que realmente é, mas sim uma criatura do sonho de Jeff, que se materializou ao entrar no Café La Mar Azul. Jeff fica deslumbrado e joga para o alto o seu código de honra. Quando Kathie tenta convencê-lo de que não roubou o dinheiro de Whit, ele a interrompe dizendo: “Baby, pouco me importa”. Contrariando os interesses do cliente, transigindo com a ética profissional, Jeff não comunica a Whit que a encontrou, e foge com ela para San Francisco. Ele não consegue superar sua obsessão sexual. Sua voz over descreve Kathie de uma maneira cada vez mais romântica, representando-a como uma imagem luminosa: “”E então eu a ví, saindo do sol”; “E então ela entrou, vinda do luar, sorrindo”; “E então eu a ví andando pela estrada sob a luz dos farois”. Porém, no dia em que Kathie mata Fisher, deixando-o com o cadáver para sofrer as consequências, e ele descobre que ela havia depositado os quarenta mil dólares na sua conta bancária, Jeff fica arrasado. Ele lembra para Ann (Virginia Huston), sua namorada, a quem ele resolveu contar sua história: “Eu não sentia pena dele, não estava zangado com ela, não estava nada”. Ao revê-la, junto de Whit, exclama indiferente: “Você é como uma folha que o vento carrrega de uma sarjeta para outra. Todavia, mesmo depois desta cena, ainda ficamos sem saber se Jeff realmente ficou livre de sua paixão por Kathie, pois um grau de ambivalência permanece até o final do filme.

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EXPRESSO PARA BERLIM / BERLIN EXPRESS.

Alguns mêses após o armistício de 1945, o eminente humanista Dr. Heinrich Bernhart (Paul Lukas) é encarregado de uma comissão visando a reunificação da Alemanha, então dividida em quatro setores controlados pelos aliados. Em um trem que o conduz de Paris para Berlim, o doutor escapa de um atentado e depois é sequestrado por membros de um movimento neo-nazista subterrâneo, durante uma parada do expresso em Frankfurt. Um grupo composto por um agrônomo americano, Robert Lindley (Robert Ryan), uma francêsa, Lucienne Mirbeau (Merle Oberon), um tenente do exército russo, Roman Toporow (Maxim Kiroshlov), um professor inglês, James Sterling (Robert Coote) e um antigo resistente francês, Henri Perrot (Charles Korvin), se organiza para encontrar o paradeiro de Bernhart na cidade em ruínas.

Cena de Expresso para Berlim

Cena de Expresso para Berlim

Tourneur reforça a estrutura dramática do relato, mantendo em segredo a verdadeira identidade de alguns personagens, que somente no final é revelada. Bernhart não é aquele que pensamos ser, a jovem francêsa acaba demonstrando seu verdadeiro papel aos homens do grupo e uma outra identidade falsa também vem à tona nos últimos momentos do filme.

Para manter o espectador constantemente interessado na história, o cineasta também cria alguns momentos de alta inspiração cinematográfica como, por exemplo, a maneira como ficamos ao par da mensagem estranha que o pombo-correio levava; o episódio com os dois palhaços, um falso e outro verdadeiro; o suicídio de Walther (Reinhold Schunzel), o amigo que traiu Bernhart; a luta entre Robert e o espião dentro de um enorme barril de cerveja; o instante em que Reinhardt está sendo atacado em sua cabine e na cabine vizinha, pelo reflexo reproduzido nos vidros da estação, Robert e Lucienne tomam conhecimento do fato. A arte do fotógrafo Lucien Ballard foi um fator determinante para a excelência dessas cenas.

Cena de Expresso para Berlim

Cena de Expresso para Berlim

Robert Ryan e Merle Oberon em Expresso para Berlim

Robert Ryan e Merle Oberon em Expresso para Berlim

Cena de Expresso para Berlim

Cena de Expresso para Berlim

O interesse do filme repousa igualmente sobre o aspecto documentário de certas sequências, mostrando o estado de um país – principalmente a cidade de Frankfurt – depois de sua derrota. Enquanto os protagonistas são enquadrados nas ruínas, o olho do espectador os acompanha contemplando ao mesmo tempo o espetáculo desastroso dos bombardeios no fundo do quadro. No epílogo, quando se despedem os protagonistas restantes da trama, encontramos uma crítica silenciosa da situação internacional na imagem de um aleijado, passando entre as colunas do Portão de Brandenburgo, que também pode ser interpretada como um símbolo de que o mundo marcha apesar do desastre ou do espectro da Guerra Fria caindo sobre a Europa mais dilacerada, mais dividida do que nunca.

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O TESTAMENTO DE DEUS / STARS IN MY CROWN.

Na pequena cidade sulista de Walesburg, no final do século dezenove, John Kenyon (Dean Stockwell e Marshall Thompson fazendo a voz do personagem como adulto), narra episódios concentrados na figura de seu pai adotivo, Josiah Doziah Gray (Joel McCrea), um pastor protestante, ex-soldado da Guerra Civil e casado com Harriet (Ellen Drew). Os lances mais dramáticos da narrativa são criados por duas ocorrências. Uma é a epidemia de tifo, para a qual o jovem médico da cidade, Daniel Kalbert Harris Jr. (James Mitchell), inicialmente suspeita de que o pastor seja o transmissor, mas cuja origem acaba sendo rastreada até o poço perto da escola. O outro acontecimento é a tentativa por parte de um proprietário de uma mina, Lon Backett (Ed Begley) de amedrontar um negro, Uncle Famous Prill (Juano Hernandez), para se apoderar de suas terras ricas em mica. Formando um bando de “Night Riders”, semelhante à Klu Klux Khan, os agressores de Famous querem linchá-lo, porém o pastor faz com que todos fiquem envergonhados e se dispersem, lendo o suposto testamento de Famous, contendo legados para todos, que lembram o papel benevolente que ele desempenhou em suas vidas.

Cena de O Testamento de Deus

Joel McCrea em O Testamento de Deus

Cena de O Testamento de Deus

Cena de O Testamento de Deus

Neste filme, que não é verdadeiramente um western, mas tem a ver com a cultura e história americana, Tourneur demonstra calma e comedimento, permitindo que a história vá crescendo aos poucos, o que dá aos climaxes (a epidemia de tifo e principalmente o quase-linchamento do velho negro) um grande impacto emocional.

O reverendo, que carrega uma Bíblia e um par de pistolas, tem uma tendência para contar histórias engraçadas com uma Mensagem, em vez de ser um mero “pregador”. É, portanto, o tipo de pastor que pode conquistar os corações e a alma. Após a confrontação de Gray com Backett e os linchadores, este comparece arrependido na igreja e, por fim, seu grande amigo Jed Isbell (Alan Hale), que ele sempre convidava em vão para assistir o culto, também se apresenta como mais um crente conquistado pela bondade e sinceridade do líder espiritual e moral de sua comunidade.

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O GAVIÃO E A FLECHA / THE FLAME AND THE ARROW.

Na Lombardia do século XII, Dardo Bartoli (Burt Lancaster), excelente arqueiro e caçador, vive nas montanhas com seu filho Rudi (Gordon Gerbert). Sua mulher, Francesca (Lynne Baggett), o abandonou anos atrás, para se casar com Ulrich (Frank Allenby), representante feroz do Imperador da Alemanha, apelidado de “O Falcão”. Dardo mata um dos falcões de Ulrich e este, em represália, manda seus soldados prender Rudi, e conduzí-lo para seu castelo. Dardo se une aos camponêses para lutar contra o tirano. Sempre acompanhado pelo seu amigo Piccolo (Nick Cravat), um ferreiro mudo, ele rapta Anne (Virginia Mayo), sobrinha de Ulrich, com a finalidade de usá-la para resgatar seu filho. Ele captura também Alessandro de Granazia (Robert Douglas), um marquês italiano, que Ulrich pretendia unir em matrimônio com Anne, a fim de reforçar seu poder na região e obrigá-lo a pagar seus impostos. Anne porém o rejeitou e Ulrich mandou prender o marquês. Diante disso, Alessandro e seu trovador (Norman Lloyd) se aliam aos foras-da-lei, porém depois os trai. Prevenido a tempo por Anne, Dardo penetra no castelo com Piccolo, ambos disfarçados de palhaço entre os saltimbancos que ali se apresentam, libertam os populares e todos juntos enfrentam os soldados de Ulrich. Dardo descobre que Francesca está morta e mata Alessandro em uma luta de espada. Ulrich foge, e usa Rudi como escudo; mas não contou com a perícia de Dardo, que põe fim à sua vida com uma flechada, libertando seu filho. Anne, que se apaixonara por Dardo, junta-se a eles, para celebrar a vitória contra o opressor

Virginia Mayo e Burt Lancaster em O Gavião e a Flecha

Virginia Mayo e Burt Lancaster em O Gavião e a Flecha

Tourneur incutiu dinamismo e divertimento neste filme de aventura histórica em grande parte dominado pela habilidade atlética e saltitante de Burt Lancaster e Nick Cravat, principalmente por terem sido trapezistas de circo na vida real. O cineasta mostra o seu habitual rigor e capacidade de invenção notadamente na sequência formidável da invasão do castelo com Dardo e Picolo misturando-se com os membros da trupe de artistas, que adquire o caráter festivo de um espetáculo acrobático.

Cenas de O Gavião e a Flecha

Cenas de O Gavião e a Flecha

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Em outra sequência admirável, o heroí, sentindo dificuldade de se confrontar com um espadachim temível como o marquês, corta a corda que sustenta um lustre, fazendo – o cair e deixando o ambiente na escuridão. De uma tomada em câmera alta vemos o marquês de guarda e em silhueta diante de um retângulo de luz no chão, e ouvimos Dardo sussurrar: “Agora, marquês, estamos no escuro, onde uma espada é apenas uma faca longa. Os caçadores sabem tudo sobre facas. Você não pode me ver Alessandro, mas eu posso vê-lo”. Mais alguns planos, e o marquês é puxado para fora do quadro por Dardo. A câmera desce, e focaliza o retângulo de luz no assoalho, cruzado por um tocheiro caído. Ao som de uma golpe fora de cena, faz-se um corte para um outro ângulo em câmera alta da mesma área: o marquês tomba morto, sobre o retângulo de luz.
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CIRCLE OF DANGER.

Clay Douglas (Ray Milland), cidadão americano de descendência galêsa, chega na Inglaterra para investigar a morte de seu irmão Hank, que morreu em circunstâncias misteriosas, quando participava de uma missão de comandos do Exército Britânico na Bretanha em 1944. Douglas sai no encalço e entrevista os membros sobreviventes da unidade de comando de Hank entre eles o Major Hamish McArran (Hugh Sinclair), um aristocrata escocês líder do grupo e Sholto Lewis (Marius Goring), seu ex-tenente, que se tornou professor de balé. Entrementes, conhece Elspeth Graham (Patricia Roc), autora e ilustradora de livros infantis, cortejada por Hamish. Nenhum deles parece querer ajudar Clay, mas ele finalmente consegue descobrir – por intermédio do derradeiro questionado, um vendedor de automóveis chantagista, Reggie Sinclair (Naunton Wayne)-, que foi Hamish quem matou Hank. Hamish aceita a sugestão de Clay de acertarem suas contas em um duelo de fuzil, mas Sholto chega a tempo para explicar a Clay que seu irmão foi executado porque, recusando obedecer a uma ordem, colocou em perigo todos os homens do comando. Sem dizer uma só palavra, Clay se afasta, abalado com a terrível notícia. Depois, parte na companhia de Elspeth, com quem se reconcilia, após certo desentendimento.

Patricia Roc e Jacques Tourneur na filmagem de Circle of Danger

Patricia Roc e Jacques Tourneur na filmagem de Circle of Danger

Hugh Sinclair, Marius Goring e Ray Milland em Circle of Danger

Hugh Sinclair, Marius Goring e Ray Milland em Circle of Danger

Tourneur recebeu de Philip MacDonald, autor experiente na área do romance policial, uma trama interessante e, embora ela não tivesse lances movimentados, o diretor soube manter o espectador sempre interessado no seu desenvolvimento, explorando fotograficamente (com o precioso concurso de Oswald Morris) o contexto estrangeiro, em especial a paisagem campestre escocêsa onde, no final, ocorre maior suspense. O lance do assobio da canção folclórica que leva Clay a identificar o suposto criminoso é um achado digno de Hitchock, e o caráter insólito de um personagem como Sholto, um bailarino que foi militar e sabe manejar uma arma, tem a sua originalidade.

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A VINGANÇA DOS PIRATAS / ANNE OF THE INDIES.

No século XVII, o pirata Captain Providence, cruza o mar das Antilhas no “Sheba Queen”, e saqueia os navios britânicos. Ele é na realidade uma mulher destemida e orgulhosa chamada Anne (Jean Peters), que detesta os inglêses, porque eles enforcaram seu irmão. Um dia, Anne e seus homens, entre eles seu primeiro pilôto, Red Dougall (James Robertson Justice), capturam um navio britânico; depois de obrigar a tripulação vencida a caminhar pela prancha e se jogar ao mar, descobre que a embarcação está conduzindo um prisoneiro francês, Pierre François La Rochelle. (Louis Jourdan). Embora Dougall desconfie de Pierre, Anne decide nomeá-lo seu navegador. Mais tarde, o “Sheba Queen” chega a Nasssau, e ela apresenta Pierre ao famoso pirata Barbanegra (Thomas Gomez), que criara Anne e seu irmão, quando eles ficaram órfãos. Barbanegra adora a sua protegida, mas, como Douglas, desconfia de Pierre. Anne se apaixona por Pierre porém, após várias peripécias, ficamos sabendo que ele é casado com a jovem Molly (Debra Paget), e pretende entregar Anne às autoridades de Port Royal em troca de seu navio apreendido pelos inglêses.

Jean Peters em A Vingança dos Piratas

Jean Peters em A Vingança dos Piratas

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Cena de A Vingança dos Piratas

Cena de A Vingança dos Piratas

Jean Peters e Luis Jourdan em A vingança dos Piraas

Jean Peters e Luis Jourdan em A Vingança dos Piratas

Jean Peters a Debra Paget em A Vingança dos Piratas

Jean Peters a Debra Paget em A Vingança dos Piratas

Jean Peters e Thomaz Gomez em A Vingança dos Piratas

Jean Peters e Thomaz Gomez em A Vingança dos Piratas

Debra Pagert, louis Jourdan e Jean Peters em A Vingança dos Piratas

Debra Pagert, louis Jourdan e Jean Peters em A Vingança dos Piratas

Inspirando-se em figuras e fatos reais (v. g. Edward Teach, o Barbanegra; o tesouro de Henry Morgan; a bucaneira Anne Bonny) e aproveitando muito bem o Technicolor, Tourneur nos oferece tudo o que poderíamos esperar de um filme de piratas: batalhas navais, abordagens e motins, duelos de espada, ilha deserta, a busca de um tesouro, tavernas de má fama onde o rum é consumido aos borbotões. Toadavia, ao contrário de O Gavião e a Flecha, cujo tom é de bom humor e fantasia, A Vingança dos Piratas é trágico, e acrescenta uma originalidade: a personagem principal é uma mulher flibusteira, que movida pelo ódio, renega sua condição de fêmea, para poder ter seu lugar em um mundo de homens. Ao descobrir sua alma feminina diante do charme de um formoso capitão (pintando um clima bastante sensual), Anne se vê envolvida em um triângulo amoroso. Enciumada, começa a praticar desatinos, dos quais se redime, finalmente, sacrificando-se em um combate com Barbanegra, para salvar o casal que antes invejara.

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CHOQUE DE ÓDIOS / WICHITA.

Wyatt Earp (Joel McCrea) dirige-se para Wichita com a idéia de se instalar ali, abrindo um pequeno comércio. Ele logo faz amizade com o diretor do jornal local, Arthur Whiteside (Wallace Ford) e seu jovem repórter Bat Masterson (Keith Larsen). Impedindo um assalto a um banco, Wyatt tem oportunidade de mostrar suas qualidades de homem de ação e de decisão. O prefeito (Carl Benton Reid) lhe oferece o cargo de delegado. Waytt a princípio recusa, mas depois da morte de uma criança durante uma arruaça de vaqueiros embriagados, acaba aceitando. Como primeira providência, interdita o porte de armas de fogo na cidade. Suas decisões drásticas inquietam os comerciantes, que acham seus métodos muito radicais, notadamente Sam McCoy (Walter Coy), que vê com circunspecção o amor que o novo xerife dedica à sua filha Laurie (Vera Miles). Achando que a proibição do porte de armas afastará a sua clientela de caubóis, os negociantes procuram destituir o delegado, e um deles, Doc Black (Edgar Buchanan), trama a sua eliminação.

Joel MacCrea em Choque de Ódios

Joel MacCrea em Choque de Ódios

Tourneur narra o começo da carreira de Wyatt Earp (embora os fatos históricos não tivessem sido bem assim), projetando a figura mítica do protagonista, sua honestidade, e seu zelo pela justiça. A lei é transgredida pelas forças econômicas e essas transgressões produzem as imagens mais contundentes do espetáculo: um menino morto por uma bala perdida, a mulher do banqueiro alevejada através da porta de sua casa. Apesar de contrariado pelos corruptos, Wyatt continua inflexível e é este clima, que o diretor deixa transparecer com muito rigor, muito senso dramático e esplêndida utilização do CinemaScope. Uma boa surpresa ocorre quando Doc Black, contrata dois pistoleiros para liquidar Wyatt, sem saber que eles são dois dos irmãos do xerife.

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A MALETA FATÍDICA / NIGHTFALL.

Em San Francisco, Jim Vanning (Aldo Ray), desenhista de anúncios, suspeito de ter assassinado um amigo e companheiro de pescaria, Dr. Edward Garston (Frank Albertson), nas montanhas do Wyoming, está sendo vigiado pelo investigador de uma companhia de seguros (James Gregory) e perseguido pelos verdadeiros criminosos John (Brian Keith) e Red (Rudy Bond), que estão certos de que Jim tem em seu poder a maleta contendo 350 mil dólares, que eles roubaram de um banco. Ele procura refúgio em um bar, onde encontra Marie Gardner (Anne Bancroft), uma jovem modelo. Quando estavam caçando nas montanhas, Jim e Gurston presenciaram um acidente de carro, e socorreram John e Red, depois do assalto ao banco. Os criminosos mataram o médico, deixaram Vanning ferido e, na fuga, levaram a maleta do doutor em vez da maleta que continha o dinheiro roubado. Jim não avisou a polícia e escondeu o dinheiro na neve, perto de uma cabana. Jim e Marie resolvem retornar ao local, onde se dá o desenlace da trama. John é morto pelo seu sócio psicopata e Jim, livre de qualquer suspeição (porque o investigador, que já estava convencido de sua inocência, assiste a todos esses acontecimentos), pode se casar com Anne.

Cena de A Maleta Fatídica

Cena de A Maleta Fatídica

Anne Bancroft e Aldo Ray em A Maleta Fatídica

Anne Bancroft e Aldo Ray em A Maleta Fatídica

Cena de A Maleta Fatídica

Cena de A Maleta Fatídica

Usando três retrospectos, introduzidos apenas por um corte seco, Tourneur nos apresenta a história de um personagem tipicamente noir: Vanning é uma vítima do acaso, que o colocou em uma situação de perigo e na possibilidade de ser incriminado pela morte do amigo. Sua desconfiança inicial de que Marie o traiu a mando de John e Red mostra como o trauma do herói distorceu sua perspectiva.

A fotografia escura no ambiente citadino contribui para acentuar o clima de paranóia, principalmente na cena do interrogatório em frente à sonda de petróleo – o enorme mecanismo que sobe e desce é uma metáfora dos terrores que atormentam o protagonista. Quando a ação se transfere para a região as montanhas cobertas de neve, o diretor e seu fotógrafo, Burnett Guffey, optam por imagens mais iluminadas, afastando-se da estética expressionista.

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A NOITE DO DEMÔNIO / NIGHT OF THE DEMON.

O Dr. Karswell (Niall MacGinnis), apaixonado por ciências ocultas e magia negra, recebe a visita do professor Henry Harrington (Maurice Denham), que suspeita de sua dedicação a um culto demoníaco. Pouco depois, Harrington é morto por uma criatura, ao que parece, vinda do além. Um colega de Harrington, o psicólogo Dr. John Holden (Dana Andrews), chega da América para prosseguir na sua pesquisa sobre o sobrenatural e, auxiliado por Joanna (Peggy Cummings), sobrinha do falecido, decide investigar aquela morte misteriosa. Holden procura Karswell e este lhe entrega um pergaminho com símbolos rúnicos e prediz sua morte daquí a três dias. Uma série de acontecimentos estranhos enfraquece o ceticismo de Holden, e ele se convence dos poderes de Karswell. Ao saber por um dos seguidores de Karswell, Rand Hobart (Brian Wilde), ao hipnotizá-lo, que o único meio de evitar seu destino, é devolver o pergaminho a Karswell, Holden consegue fazer isto a bordo de um trem, há pouco minutos da data prevista para sua morte e, em consequência, o demônio se materializa, e mata Karswell.

Cena de A Noite do Demônio

Cena de A Noite do Demônio

Tourneur retorna ao gênero de horror sobrenatural, que sempre o seduziu, e consegue mais uma vez assustar o espectador, utilizando o som, lentes distorcidas e a fotografia expressionista, para criar o clima ideal para o desenvolvimento do tema: a existência ou não de forças demoníacas, encarregadas de cumprir uma maldição.

Cena de A Noite do Demônio

Cena de A Noite do Demônio

Cena de A Noite do Demônio

Cena de A Noite do Demônio

No final do filme não se pode afirmar com certeza se o racional ou o sobrenatural teve ascendência um sobre o outro. Se a aparição do demônio parece constatar que as potências das trevas existem, pode ser também que tal aparição ocorreu devido às alucinações das vítimas, paralizadas pelo medo, e que elas foram mortas acidentalmente – nota-se nas duas mortes causadas por uma espécie de dragão gigantesco e fumegante a coincidência de outras causas, como o choque do automóvel da primeira vítima com um poste elétrico e a passagem de um trem, quando o vilão é esmagado pelo monstro. O filme funciona muito bem com essa ambiguidade.

Cena de A Noite do Demônio

Cena de A Noite do Demônio

Além do aspecto parapsicológico, o que interessa ao cineasta é lidar com o medo, construindo momentos inquietantes como a entrada de Holden na mansão de Karswell, sendo assustado pela mão que surge no corrimão da escada ou por uma porta que se abre; a luta de Holden na biblioteca com um gato subitamente metamorfoseado em pantera (que faz lembrar algumas passagens de Sangue de Pantera); Holden sendo perseguido no bosque por uma nuvem de fumaça branca; a sessão de hipnose, com a recuperação da palavra por um adepto do culto demoníaco que havia entrado em estupor catatônico ao trair um ïrmão”; a festa infantil ao ar livre interrompida repentinamente por uma tempestade invocada pelo satanista vestido de palhaço; o pergaminho levado pelo vento e Karswell correndo pela linha do trem em um desespêro inútil para pegá-lo, porque o demônio (ou o fruto de um delírio) logo aparece.