A OBRA DE F. W. MURNAU II

Ainda em 1922, Murnau dirigiu Phantom, produção de Erich Pommer com roteiro de Thea von Harbou e Hans Heinrich von Twardowski (não creditado), baseado no romance de Gerhart Hauptmann, cenografia de Hermann Warm e fotografia de Axei Graatkjaer e Theophan Ouchakoff. A história é narrada em retrospecto, quando o protagonista recorda seu passado doloroso.

F. W. Murnau

F. W. Murnau

Em Breslau, Alemanha, Lubota (Alfred Abel) relata seu passado. Ele é um humilde funcionário público, que mora na companhia de sua mãe (Frieda Richard), sua irmã Melanie (Aud Egede Nissen), seu irmão Hugo (Hans Heinrich von Twardowski), e costuma escrever poemas. Ao mostrar seus escritos ao encadernador Starke (Karl Etlinger), este lhe assegura que terá uma carreira literária brilhante, e se dispõe a levar sua obra para exame de um editor. Andando pelas ruas, Lubota é atropelado por uma carruagem conduzida por Veronika Harlan (Lya de Putti), uma linda jovem da alta sociedade, e se apaixona por esta mulher (quase um fantasma), que ele nunca verá outra vez. Ele se recupera do choque rapidamente e corre atrás da carruagem até a residência de Veronika, mas é impedido de entrar por um serviçal. Para melhorar sua aparência, ele pede dinheiro emprestado à sua tia agiota, Sra. Schwabe (Grete Berger), dando como garantia seu futuro promissor. Mais tarde, alarmado ao saber que o pai de Veronika pretende casá-la com um homem rico, ele vai procurar os progenitores da moça, Sr. e Sra. Harlan (Adolf Klein, Olga Engl), pedindo-lhes permissão para cortejar sua filha. Animado pelo que ele entendeu ser um encorajamento por parte do Sr. Harlan, Lubota é levado por um vigarista (Anton Edthofer), “amigo” da Sra. Swabe, a um restaurante onde conhece Melitta (Lya de Putti) e sua mãe (Ilka Grüning), uma dupla de “caçadoras de fortuna”. Ele fica impressionado com a semelhança física entre Melitta e Veronika, mente sob sua verdadeira situação (a esta altura fôra demitido de sua função pública e o editor não aceitou publicar suas poesias), e inicia um romance com Melitta. Pressionado pela tia e a fim de cobrir os gastos extravagantes de Melitta, Lubota, acaba por se tornar cúmplice do vigarista (que se tornara amante de Melanie), no roubo do dinheiro restante da sua parente. A chegada inoportuna de um carteiro, que desperta a Sra. Schwabe, conduz ao assassinato dela e à prisão para o sobrinho. Após cumprir sua pena, Lubota é redimido pelo amor devotado de Marie (Lil Dagover), a filha de Starke, que sempre o amara.

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Phantom é um drama realista psicológico, no qual encontramos certos temas diretamente originados do romantismo alemão literário, do qual Murnau é herdeiro (v. g. descida aos infernos, amor impossível, mistura de sonho e realidade) e alguns toques expressionistas (v. g. distorção e inclinação dos prédios, carruagem fantasmagórica, ciclista percorrendo uma pista em espiral no restaurante, e depois Lubota e Melitta cercados de motivos circulares ao descerem uma escada em forma de caracol). Profundidade de campo (a saída de Lubota da penitenciária) e montagem paralela (v. g. Melanie bêbada dançando frenéticamente em cima da mesa do cabaré, enquanto sua mãe está para morrer de miséria e depressão nervosa) bem utilizadas, completam o quadro estético.

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Em fevereiro de 1923, Murnau e sua equipe (Karl Freund na fotografia e Rochus Gliese e Erich Czerwonski na direção de arte), iniciaram mais um filme. Die Austreibung (A Expulsão) com roteiro escrito por Thea von Harbou, baseado em uma peça teatral de Carl Hauptmann. É um drama intimista cuja trama gira em torno da chegada de uma estranha a um lar feliz, para alterá-lo, provocando uma tragédia. O ambiente de uma fazenda isolada onde o ancião Stayer (Carl Goetz), vive na companhia de sua esposa (Ilka Grüning), seu filho viúvo (Eugen Klöpfer) e a filha deste, Anne (Lucie Mannheim), é perturbado pela chegada de Ludmilla (Aud Egede-Nissen). Esta se casa com o filho de Stayer, a fim de escapar da pobreza, mas faz todo o possível para ficar na companhia do caçador Lauer (Wilhelm Dieterle). Entre seus planos está convencer seu marido a vender a fazenda e se mudar para a aldeia. Entretanto, uma tempestade de neve obriga Ludmilla a se refugiar na cabana de Lauer, quem o velho pensava que estava interessado em Anne. Stayer os surpreende, e mata Lauer. A família acaba abandonando a fazenda. O argumento guarda certa semelhança com o de Der brennende Acker, no que concerne à ambição de um personagem para se separar do lugar modesto onde vive, com consequências trágicas, e ao ambiente rústico e nevado onde transcorre a ação.

Entre maio e agosto de 1923, Murnau abordou um projeto radicalmente diferente em sua filmografia, dirigindo uma comédia de equívocos, escrita por Thea von Harbou, com base em um romance do escritor sueco Frank Heller, apresentada nos créditos como um “conto de aventura”.

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Die Finanzen des Grossherzogs (As Finanças do Grão Duque), é ambientado em um ducado imaginário, Abacco, uma pequena ilha talvez do Mediterrâneo, altamente endividado. Nela, o Grão Duque Ramon XXII (Harry Liedtke) e seu Ministro das Finanças, Don Esteban Paqueno (Adolphe Engers), sofrem a pressão do usurário Marcowitz (Guido Herzfeld), que exige o pagamento da dívida; do negociante Bekker (Herman Vallentin), que lhe oferece uma alta quantia para poder explorar uma mina de enxofre; e ainda ameaças de revolução, nas quais estão implicados uns contrabandistas, instigados por Bekker (Georg August Koch, Max Schreck, Hans Hermann, Walter Rilla). A este entremeado de personagens se somam a Princesa Coroada da Rússia, Olga (Mady Christians), e Philipp Collin (Alfred Abel), um aventureiro (que é ao mesmo tempo detetive e ladrão como Arsène Lupin) no momento conhecido como Professor Pelotard. A princesa pretende se casar com o Grão Duque, e o faz saber disto por uma carta, na qual diz não se importar com a situação difícil de seu país e que lhe trará muito dinheiro. Collin descobre por acaso a carta da Princesa e pretende extrair algum proveito da situação econômica de Abacco, especulando com suas ações. Segue-se muita confusão e reviravoltas até o final, quando o Grão Duque se casa com Olga e Collin fica muito satisfeito com a subida dos títulos de Abacco na Bôlsa de Valores.

Alfred Abel em Die Finanzen des Grossherzogs

Alfred Abel em Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

O roteiro rocambolesco desenrola-se em um mundo de opereta (no qual o bufo é Pelotard), onde não há preocupação com a coerência dramática e a verossimilhança. O humor de Murnau não tem a mesma leveza do humor de Lubitsch, mas ele consegue movimentar bem a trama (que se acelera perto do final), notando-se belos cenários naturais e de interiores proporcionados respectivamente por Karl Freund e Franz Planer (filmando na costa Adriática) e Rochus Gliese e Erich Czerwonski (filmando nos estúdios da UFA). Para produzir efeitos de comicidade, em alguns momentos o diretor usa piadas nos letreiros (v. g. quando o letreiro diz que está chegando uma senhorita, que no momento não quer ser reconhecida, porque a persegue um descendente de Ivan, o Terrível – na realidade o irmão de Olga (Robert Scholz), que quer enforcar o Grão Duque porque acha que ele desrespeitou sua irmã e, em outros instantes, interage a palavra com a imagem (v.g. quando o Ministro das Finanças diz para o Grão Duque: “Não vejo outra solução, a menos que caia do céu” e na continuação se vê um avião que joga a carta enviada por Olga).

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Tão importante quanto O Lobishomem no currículo cinematográfico de Murnau, A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924 firmou seu prestígio como diretor e motivou a sua chamada para Hollywood, onde o filme causou um grande impacto. Em Berlim, o corpulento porteiro do luxuoso Hotel Atlantic (Emil Jannings) orgulha-se de seu uniforme, uma sobrecasaca guarnecida de galões e de botões dourados, que ele usa com satisfação, alisando seus espressos bigodes. Porém sua idade torna cada vez mais difícil o cumprimento de suas funções. Muitas vêzes ele tem que se sentar, para repousar, e esta pausa não escapa aos olhos do gerente do estabelecimento (Hans Unterkircher). Quando o porteiro chega nas proximidades de sua casa, todo mundo o saúda com respeito. Na manhã seguinte, sua sobrinha (Maly Delschaft)) prepara os bolos para a sua festa de casamento e sacode sua casaca. Retornando ao trabalho, o porteiro fica estupefato de ver um outro homem mais jovem na porta do hotel, vestindo o mesmo traje que ele, e realizando suas tarefas. O gerente lhe comunica que o substituiu, e lhe confia agora o serviço de assistente de limpeza no lavatório do hotel no subsolo, vestindo apenas um jaleco branco. É com desespêro que o ex-porteiro entrega seu precioso uniforme. De noite, como um ladrão, ele rouba seu uniforme do armário do qual havia guardado a chave, e o veste para voltar para casa. Ele participa do jantar de núpcias da sobrinha e esquece sua desgraça, embriagando-se. No dia seguinte ele vai para o hotel vestido com sua casaca que ele deixa durante o dia em um depósito na estação de trem. Na hora do almoço, faz sua refeição sozinho, sentado em um canto. A tia do noivo (Emilie Kurtz) decidiu lhe fazer uma surpresa, e leva um prato de comida. Quando ela descobre suas novas atribuições, foge horrorizada e, ao chegar em casa, conta para a família o que viu. Uma vizinha escuta através da porta, e espalha a notícia por todo o imóvel. Ao ver a reação de vergonha de seus parentes, seu único refúgio agora é o banheiro do hotel, onde ele deve passar a noite, e onde o vigia noturno (Georg John) o reconfortará, colocando-lhe um capote sobre os ombros.

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Neste ponto da narrativa um letreiro aparece: “É aquí que o filme devia terminar. Na vida real, o velho infeliz não tinha mais nada a esperar senão a morte. Porém o autor teve piedade dele e imaginou um epílogo quase inacreditável.” O porteiro recebe uma herança fabulosa de um milionário americano, que havia falecido nos seus braços no lavatório do hotel. O ex-porteiro faz uma refeição pantagruélica no Hotel Atlantic e convida o vigia noturno a compartilhar de sua ceia. Mais tarde, ele faz um mendigo (Neumann-Schüler) subir no seu carro e se afasta triunfalmente do hotel, fazendo um sinal de adeus.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

O filme combina o realismo do tema, dos personagens e das situações com o expressionismo da forma, providenciado pelo virtuosismo cinematográfico do diretor. O argumento de Carl Mayer descreve o imenso sofrimento do personagem principal, a sua humilhação e perda de auto-estima, e faz uma crítica aos valores burguêses baseados na aparência e na admiração ritualística da autoridade, encarnada não por uma pessoa mas por um uniforme: quando a verdadeira posição social do porteiro, escondida pela farda imponente que veste, vem à tona com o seu rebaixamento de função, as vizinhas que antes o admiravam, zombam dele. Elas que se comungavam com o mundo das classes mais altas através do uniforme, agora se sentem abandonadas socialmente.

Filmagem de A Última Gargalhada

Filmagem de A Última Gargalhada

Durante todo o filme só aparece um intertítulo no final: o anúncio de que o autor teve piedade do velho porteiro. O recurso à palavra escrita existe, mas esta é incorporada à ficção, como a inscrição no bolo feita pela sobrinha, a carta que rebaixa o porteiro de posição ou a notícia no jornal sobre o falecimento do milionário.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Todos os tipos de enquadramento e uma série ilimitada de movimentos de uma entfesselte Kamera (câmera desencadeada), orientada por Karl Freund ( gosto muito de uma panorâmica rápida na qual a câmera desliza pelas sacadas dos prédios diretamente da boca de uma vizinha para a orelha da outra),

Cena de A Última Gargalhada - as vizinhas

Cena de A Última Gargalhada – as vizinhas

planos subjetivos e oníricos (o sonho do porteiro quando ele se vê segurando um báu com uma das mãos), efeitos de montagem (paralelismo, metáfora etc.), dissolvências e superposições, cenografia (Robert Herlth, Walter Röhrig) acentuando as diferenças sociais por meio dos contrapontos entre o hotel luxuoso e a moradia modesta do porteiro, o saguão muito bem iluminado no térreo e o banheiro escuro no andar inferior, uso do simbolismo, realçando-se o significado “metafísico de um objeto (o botão arrancado do libré do porteiro equivalente a uma degradação militar), são postos a serviço de um assunto de caráter íntimo e universal: a decadência de um homem vista ao mesmo tempo do exterior e do interior de si mesmo.

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

A audácia formal de Murnau evidencia-se desde a primeira sequência do filme, na qual a câmera, como se fôsse um dos hóspedes do hotel, desce de elevador, e se encaminha para a porta giratória do hotel, pela qual o porteiro conduz de guarda-chuva as pessoas que chegam e que saem e focaliza a chuva torrencial na rua e os automóveis que passam. Outras sequências marcantes de ordem técnica ocorrem quando o porteiro lê a carta comunicando-lhe o rebaixamento de sua função e a câmera se aproxima para ler, curiosa, o que está escrito no documento ou quando, após a bebedeira, a câmera oscila reproduzindo a sensação natural de tontura provocada pelo abuso do álcool.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

O uso expressionista da luz está em evidência durante todo o filme (no pesadêlo do porteiro; quando ele rouba seu uniforme e tenta evitar ser descoberto pela luz da lanterna do vigia noturno; quando ele volta para casa após seu subterfúgio ter sido descoberto e sua sombra o precede, maior do que ele próprio; quando ele entrega seu uniforme ao vigia e se torna “o último homem” do título original do filme – durante esta sequência, o vigia usa sua lanterna para iluminar o que está acontecendo e esta luz mostra a degradação, a humilhação total do porteiro, e revela a escuridão, na qual ele se encontra, tanto literalmente quanto figurativamente).

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Antes de partir para os Estados Unidos, Murnau fez mais dois filmes: Tartuffo (no Brasil o título saiu assim nos jornais, com dois efes)/ Herr Tartüff / 1925, e Fausto / Faust / 1925. Na realização de Tartuffo, Murnau se uniu novamente a Carl Meyer, Karl Freund, Walter Röhrig e Robert Herlt e utilizou de modo original parte da comédia de Molière, encerrando-a em uma intriga contemporânea, a fim de reforçar a atualidade do assunto do século XVII: uma denunciação da hipocrisia moral (na história moderna) e da hipocrisia religiosa (na história clássica).

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Essa releitura inventiva da obra do grande dramaturgo começa por uma introdução, na qual uma criada cruel (Rosa Valetti) está enganando e envenenando um ancião (Herman Picha), para se tornar herdeira de sua fortuna em detrimento do neto dele, um jovem ator (André Mattoni). A fim de abrir os olhos do avô para a realidade, o rapaz se disfarça de projecionista itinerante, e consegue exibir para a criada e o ancião um filme contando a história de Tartuffe, o falso devoto, que se aproveita do burguês Orgon, no qual despertou uma afeição cega. Aquí termina o prólogo e começa a trama do “Tartuffe” com figurinos de época. Tal como a cena da peça encenada no castelo em “Hamlet”, este filme dentro do filme tem um propósito esclarecedor: no epílogo, a megera vem a ser expulsa pelo velho e vaiada pela criançada, que se aglomerara do lado de fora da casa, sendo chamada de Tartuffe.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

A intriga de Molière é simplificada, e se encontram apenas quatro personagens (Orgon / Werner Krauss, Elmire / Lil Dagover, Dorine / Lucie Höflich e Tartuffe / Emil Jannings) nessa adaptação da comédia de Molière. Elmire, profundamente apaixonada por Orgon, aguarda impaciente seu retorno de uma viagem, e se surpreende ao vê-lo bastante transformado pelo encontro de seu amigo, Tartuffe. A admiração de Orgon pela moralidade e religiosidade de Tartuffe é tanta que, para agradá-lo, manda tirar todos os objetos luxuosos e apagar todas as luzes de seu palacete “porque Tartuffe odeia o desperdício” e despede toda a criadagem “porque Tartuffe não quer tantos criados” – ele só conserva Dorine … para cuidar de Tartuffe. Este enfim aparece, todo vestido de preto e caminhando sempre lentamente, com o breviário quase colado ao rosto; porém o farsante não engana Elmire e sua serviçal Dorine. Para fazer o marido recobrar a razão, Elmire tenta uma primeira vez seduzir Tartuffe em sua presença, escondido atrás das cortinas; mas Tartuffe vê a imagem do marido refletida em um bule de chá, e se contém a tempo, abrindo logo o seu breviário. O crédulo Orgon então exulta, dizendo para a esposa: “Agora você tem que acreditar nele”. Desesperada, Elmira faz uma nova tentativa, desta vez, convidando Tartuffe para um encontro no seu enquanto Dorine vai chamar Orgon, que está ocupado, redigindo seu testamento em favor de seu novo amigo. Quando Tartuffe começa a abraçar Elmire, Orgon espia pelo buraco da fechadura, descobre a verdadeira natureza do impostor e, sem perder tempo, o pune com suas próprias mãos. Após o epílogo, surge um letreiro dizendo: “Os hipócritas estão em toda parte, e você mesmo, será que sabe realmente ao lado de quem está sentado?”

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

A inventividade e a precisão fílmicas habituais do diretor transformam teatro em cinema, driblando com felicidade a unidade de lugar, e tirando partido de maneira admirável da cenografia, iluminação e interpretação dos atores, para providenciar um espetáculo conciso e divertido.

Uma cena que mostra sua criatividade e exatidão fílmicas é aquela na qual nos revela o plano de detalhe dos sapatos abandonados do ancião – nos quais a criada dá um pontapé -, como símbolo dos maltratos que ele sofre da sua governanta infame e depois, quando o jovem ator junta os mesmos sapatos, como símbolo do amor e do cuidado que o neto tem com as coisas do seu avô.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Os ambientes despojados (v.g. o castiçal enorme colocado diante de uma parede clara e lisa tornando-se o contraponto da grande silhueta negra de Tartuffe, que vai e vem de um lado para outro); as figuras de Dorina ou de Tartuffe iluminadas por uma única vela, que descem as escadas vertiginosas do palacete e se entrecruzam em determinado momento; o uso das portas, que abrem e fecham deixando o espectador inquieto porque não sabe o que está acontecendo (v.g. quando Elmira pede a Orgon que lhe dê um beijo de boas vindas, este lhe responde que beijar é pecado, como lhe ensinou Tartuffe, e sai sem dar crédito às suas palavras. Elmira corre atrás de seu marido e entra no mesmo cômodo. A câmera mantém-se durante um tempo do lado de fora até que a porta volta a se abrir, e Elmira sai com um gesto de desencanto, indo buscar consôlo nos braços de sua aia.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Murnau se contentou não apenas com a força das imagens, extraindo ainda um desempenho brilhante de seus quatro atores e usando frequentemente o close-up, para refletir os sentimentos íntimos dos personagens. A interpretação de Emil Jannings – como sempre exagerada – é supreendente: basta um simples olhar para transmitir todo o mal que se esconde atrás de sua impostura.

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No seu derradeiro filme alemão, Fausto, Murnau adaptou – com ajuda de Hans Kyser na elaboração do roteiro (revisado por Thea von Harbou) e de Gerhart Hauptmann na redação dos intertítulos – de modo sucinto e a sua maneira – a lenda popular germânica da Idade Média que, através dos tempos, serviu de base para várias obras de arte na literatura (v. g. além de Goethe, Marlowe, Thomas Mann), na pintura (v. g. Delacroix) e na música (v. g. Wagner, Berlioz, Gounod), aproveitando ao máximo os poderes da técnica cinematográfica, para produzir notáveis efeitos plásticos e dinâmicos.

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Murnau cuidando de Jannings

Murnau cuidando de Jannings

No enredo, o Arcanjo (Werner Fuetterer), emanação divina, elogia a liberdade do homem de poder escolher entre o Bem e o Mal e acusa o Demônio de atormentar a humanidade com a guerra, a peste e a fome. “Esta Terra é minha”, proclama Mefisto (Emil Jannings). O Arcanjo então evoca o nome de Fausto (Gösta Ekman), velho alquimista, um homem íntegro cuja vida inteira é a prova de que a Terra não está totalmente submissa ao Mal. “Um patife tal como todos os outros”- responde o representante do inferno – “Ele prega o Bem e faz o Mal. Quer transformar o metal de pouco valor em ouro”. Mefisto e o Arcanjo apostam sobre a possibilidade de desviar de Deus a alma de Fausto. “Então a terra será tua”, promete o Arcanjo. Em consequência, Mefisto espalha uma epidemia de peste sobre a cidade, onde Fausto vive. Sentindo-se impotente para estancar a grande mortandade, o velho sábio encontra um livro, onde se fala em um pacto com o Diabo e, em desespêro, invoca-o. Este aparece e concede a Fausto em vinte e quatro horas (o tempo em que a ampulheta se esvazia), o poder de curar seus concidadãos. Fausto cuida das pessoas, mas logo os aldeãos percebem que ele não pode tocar em um crucifixo e começam a apedrejá-lo. Fausto refugia-se no seu gabinete de trabalho e quer se suicidar, mas Mefisto lhe oferece a juventude em troca de sua alma. Ele aceita, e viaja pelos ares, sobre o manto do demônio, aterrisando no meio da cerimônia nupcial da Duquesa de Parma (Hanna Ralph), que Fausto conquista, enquanto as vinte e quatro horas se esgotam e ele entrega sua alma ao diabo para sempre. Fausto pede para regressar à sua terra natal, onde está se celebrando a Páscoa. Ele se enamora da jovem pura e inocente Gretchen (Camilla Horn) e, por obra de Mefisto, é correspondido. Porém Mefisto denuncia o romance ao irmão de Gretchen, Valentin (Wilhelm Dieterle), e este desafia Fausto para um duelo. Mefisto mata Valentin, espalha a notícia do crime por toda a parte, e a culpa recai sobre Fausto. Gretchen é rejeitada pela população, e depois acorrentada ao pelourinho. A multidão zomba da jovem, e depois ela é libertada. Gretchen dá à luz um filho de Fausto e, não encontrando refúgio em parte alguma, vê-se obrigada a viver nas ruas cobertas de neve. Em um momento de alucinação, ela tenta aquecer o bebê, colocando-o em um berço imaginário, e a criança morre. Os soldados acusam-na de ter matado seu filho e a levam presa. Fausto chega a tempo de ver Gretchen na fogueira. Ao ouvir Fausto amaldiçoando sua juventude e desejando nunca ter feito o pacto, Mefisto faz com que ele volte a ser um idoso. Fausto se atira nas chamas no meio das quais está sua amada. Ela o reconhece, abraça-o, e ele se torna jovem na morte. O Arcanjo barra a passagem de Mefisto e lhe diz que apenas uma palavra anulou seu pacto com Fausto.”Que palavra é esta?, pergunta Mefisto. “Amor”, responde o Arcanjo.

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Para simbolizar o combate entre o Bem e o Mal, Murnau controlou minuciosamente o filme, utilizando todos os recursos do claro-escuro (fotografia de Carl Hoffmann), para produzir uma sucessão de visões mágicas (v. g. a aparição angélica em contraponto à figura negra do Diabo, a cena em que Fausto tenta curar uma mulher); enquadramentos refinados (v. g. as árvores entrelaçadas emoldurando o brilho da lua), inspirados pela arte pictórica mundial (influência de quadros de Rembrandt, Vermeer, De La Tour, Mantegna, Böcklin, Kaulbach etc.); cenários (Robert Herlth, Walter Röhrig) dotados de magnificência visual (v. g. o desfile dos elefantes na festa de casamento da Duquesa de Parma; ocupação integral de cada espaço no filme (v.g. o monge agitando a cruz diante da multidão delirante que vai implorar a ajuda de Fausto; a cena final da fogueira); trucagens espetaculares (v. g. a sombra de Satã estendendo suas enormes asas negras sobre a aldeia; a viagem aérea que Mefisto empreende com o Fausto rejuvenescido; Fausto levantando o livro e os círculos de fogo e de luz); o movimento constante das imagens (v. g. os foliões na quermesse rindo da cambalhotas dos saltimbancos ou vendo espetáculos com sombras chinesas).

Murnau,Yvette Guilbert, Gösta Eckmann e Francesco von Mendelsohn na filmagem de Fausto

Murnau,Yvette Guilbert, Gösta Eckmann, Francesco von Mendelsohn e Jannings na filmagem de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

A interpretação de Emil Jannings, não prima pela sobriedade como sempre, mas é eficaz, compondo um Mefisto lúbrico e lúdico – como vemos no epísódio cômico no qual o enviado do diabo entretém a tia Marthe / Yvette Guilbert, enquanto Fausto corteja Gretchen. O contraste entre os dois pares alcança sua maior comicidade quando Mefisto começa a tirar as pétalas de um girassol, dizendo “Mal-me -quer e Bem-me-quer “, logo depois que Gretchen havia feito o mesmo com uma margarida.

Cena de Fausto (Camilla Horn e Gösta Eckman)

Cena de Fausto (Camilla Horn e Gösta Eckman)

Camilla Horn em Fausto

Camilla Horn em Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Após esses breves momentos de humor, reiniciam-se os acontecimentos trágicos como a morte da mãe (Frida Richard) e do irmão de Gretchen, e a via crucis dela caminhando que nem um espectro sob o frio intenso da época do Natal com o filho nos braços. Esta sequência, permite que Murnau faça um paralelismo pungente entre Gretchen e a Virgem Maria, outra bela imagem entre tantas belas imagens que o filme nos oferece.

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